Boneco de Neve escrita por Beykatze


Capítulo 1
Um presente da lua


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ♥
Boa leitura :D



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Richie arrumou mais uma vez a toalha verde com bolinhas natalinas vermelhas e douradas na mesa e olhou para o relógio pendurado no alto da parede branca. Os ponteiros se moviam lentamente, zombando dele. Sacou o celular do bolso traseiro da calça jeans preta, checando se alguma mensagem havia chegado nos últimos dois minutos.

Era uma noite fria de Natal, a neve batia e se acumulava nos vidros das janelas enquanto o tempo teimava em não passar naquela casa em uma colina sinuosa e arborizada.

Richie tinha convidado os amigos para uma ceia em sua casa e todos já tinham avisado que tinham deixado suas respectivas residências, mas ninguém havia chegado ainda, deixando o homem nervoso.

Uma mensagem chegou, fazendo com que Richie fosse rápido como um raio buscar o aparelho para ler o texto.

[20:21 – Ben] “Richie, eu e Bev estamos presos em uma nevasca furiosa, está bem ruim e trancado alguns quilômetros, mil desculpas, mas não vamos conseguir chegar.”

Com um suspiro triste, digitou:

[20:21 – Richie] “Acontece, cara. Aproveitem enquanto eu como sua mãe.”

Largou o celular na mesa decorada com velas brancas meio derretidas e foi para a cozinha ver como estava a comida. Tirou a carne vermelha do forno, que fumegava em seu molho cremoso e depositou-a na mesa, sobre um apoio. Antes que pudesse pegar os legumes, alguém ligou e ele atendeu ansiosamente. Os cabelos escuros rebeldes, mesmo depois de terem sido penteados e colados com gel, balançavam quando ele corria.

—Richie?

—Sou eu, Bill.

—Cara... Por causa dessa neve toda um caminhão de carga tombou no meio da estrada. Falei com os bombeiros, mais algumas horas até liberarem a passagem.

—Tudo bem, podemos nos ver outro dia.

—D-desculpa mesmo cara.

—Nem esquenta, vou ter uma noite louca com a mãe do Ben.

Ia largar o celular desanimado, mas viu que mais uma mensagem chegava. A desgraça estava pouca para aquela noite. Maldita neve fofa e branca e estúpida que o impedia de ver seus amigos.

[20:25 – Mike] “Richie, ainda não consegui sair do aeroporto, a neve não está colaborando.”

“É, a neve não está colaborando” Richie pensou contrariado.

[20:26 – Richie] “Tranquilo, até a próxima.”

Com mais um suspiro chateado, colocou na mesa decorada uma travessa com legumes variados cozidos que buscara na cozinha. Apanhou uma garrafa de espumante e sentou, pronto para jantar sozinho. Encarou a comida bonita e bem preparada e não teve coragem de comer aquela pequena ceia bem preparada sozinho.

Aquela janta foi feita para ser compartilhada, Richie não teve nem mesmo vontade de servir um prato para si.

A casa estava silenciosa e o acusava como Pennywise uma vez fizera. As paredes riam dele e o teto sentia vergonha. A culpa começou a corroer suas entranhas e ele lembrava perfeitamente da voz que dizia “eu sei o seu segredinho sujo”. Antes que enlouquecesse sozinho encarando legumes no chalé que o acusava de coisas que ele há pouco aceitava, resolveu sair da mesa, deixando os alimentos sobre a toalha natalina perdendo calor.

Apanhou em uma poltrona marrom na sala seu casaco e um cachecol, encarou o pisca pisca colorido do pinheiro triste no canto do recinto, e saiu fechando a porta atrás de si.

O frio do lado de fora invadiu sua pele quente e congelou seu sangue, fazendo com que um arrepio gélido corresse pela espinha de Richie. O homem ajeitou os óculos no rosto e buscou uma pá para juntar a neve que se acumulava na entrada.

Cavando a camada branca no chão, pensava que, talvez, os amigos já soubessem que ele planejava contar que era gay e por isso mesmo não vieram: não queriam ter que falar para ele o quando estavam decepcionados e envergonhados daquele homem estranho e com gostos nojentos.

Não. Não era isso. Tinha que parar de pensar aquelas besteiras ou ia acabar maluco com as acusações da própria mente sombria.

A neve úmida caia torrencialmente e Richie desistiu de limpar o caminho, vendo que não surtiria efeito algum, e acabou abandonando a pá velha.

Caminhando ao redor do chalé, ele podia ver as luzes das casas lá embaixo e seus pisca-piscas que mudavam de cor, sabia que lá tinham pinheirinhos decorados com belas bolas brilhantes e quase podia sentir o cheiro das deliciosas comidas que alguém retirava do forno. Ouvia, mesmo no topo da colina, as risadas das crianças correndo ao redor da mesa e as conversas animadas dos parentes que há muito não se viam.

E então percebeu o quanto estava sozinho. Era noite de Natal, era o único de seus amigos que não tinha formado uma família ainda: Beverly e Ben estavam juntos, Bill tinha Audra e Mike tinha uma namorada. Richie não tinha nada além daquela casa fria no alto da colina, escondido nas árvores e silenciado pelo vento.

Com tristeza, se ajoelhou no cobertor branco e gelado que se estendia por todo o chão e, olhando para a lua que brilhava na noite, fez um pedido com todas as suas forças. Desejou tão forte que quase ficou tonto. A lua o encarava com seu silêncio distante e Richie desistiu de fazê-la ouvi-lo, começando a construção de um companheiro.

Puxando a neve com as mãos desnudas, foi delicadamente formando e moldando uma bola enorme, colando pedrinhas pretas no meio, como se fossem botões de uma camisa.

Os dedos já estavam semi congelados quando montou mais uma circunferência e levantou o gelo, depositando-o acima da primeira bola.

Seu amigo já tinha corpo, faltava apenas a cabeça e os braços. Colocaria no rosto pálido um sorriso de ponta a ponta, pois aquilo era necessário.

Enquanto fazia uma cabeça redonda e fria, com as mãos quase roxas, sentiu que algo se aproximava atrás dele. Imediatamente pensou em quais criaturas poderiam estar por ali e quais deles apresentavam algum perigo para Richie. Sua cabeça já imaginava que estaria morto dentro de dez minutos. Quem saberia dele? Ninguém. Não tinha ninguém lá, levaria dias até que o encontrassem. Se é que alguém se incomodaria de ir visitá-lo.

—Rich?

A voz nervosa e familiar fez com que uma onda de tranquilidade invadisse os membros congelados do homem, que se virou com um sorriso, o maior que tinha na noite.

—Eddie Kaspbrak?

—Quanta formalidade- Comentou rindo. Richie, sem pensar duas vezes, avançou sobre o amigo em um abraço apertado. Estava sendo salvo do esquecimento e da solidão pela pessoa que mais queria ver no mundo. Nem acreditava que via ele ali, carne e osso, bem na sua frente. Engoliu as lágrimas que quase se mostravam.

—Achei que você não viria- Richie contou soltando o amigo meio contra a vontade. O aperto quente se afastou e deixou o frio invadi-lo mais uma vez.

—A neve não é um problema para mim, boca de lixo.

Richie riu com o apelido de criança, erguendo a cabeça do boneco de neve e completando o corpo.

—Que bom, fofo- Provocou recebendo um cutucão no ombro como resposta. Quando estavam juntos, risadas e provocações eram comuns demais.

—Parece que você precisa de ajuda para terminar esse cara- Eddie fez uma careta para o boneco.

—Acho que sim- Richie se afastou alguns passos e encarou a criação- Preciso de olhos, um sorriso grande e um nariz comprido.

—Ele ficou bem gordo, não acha?- Eddie comentou catando pedrinhas escuras no chão.

—Me inspirei na sua mãe- Richie riu quando o amigo atirou as pedras que recolhia em sua cabeça.

—Bip-bip, Richie- Eddie recomendou entre risadas.

Richie sorriu, como tinha sentido falta daquilo. Ficou observando o homem juntando peças para terminar o boneco, os olhos de Eddie brilhavam refletindo a luz ofuscante da lua naquela noite. A neve parecia que tinha parado de cair, apenas porque ele estava ali.

Com Eddie tudo parecia ficar melhor, e o tempo parecia correr acelerado demais, consumindo os momentos que tinham para ficar juntos. O homem decorou o rosto branco sob os olhares encantados de Richie.

Eddie levantou o olhar.

—Perdeu alguma coisa?

Richie sorriu bobo. O boneco de neve estava perfeito, o sorriso refletindo a alma alegre do homem, os olhos tortinhos de um jeito fofo e o nariz que era um galho grosso e quebrado.

—Ele está perfeito- Falou- Como você.

—Você está flertando comigo?- Eddie indagou se aproximando.

—Você demorou 27 anos- Retrucou recebendo uma gargalhada deliciosa- Mas obrigada por perceber.

Eddie aproximou a mão morna do rosto gélido de Richie, que puxou o corpo do outro para si, roubando um beijo quente no meio da neve. A proximidade com Eddie fazia o coração de Richie pular do peito, fazia o homem querer correr uma maratona, gritar a plenos pulmões, pular até desmontar as pernas. E agora ainda o tinha em um beijo, aquele era, sem sombra de dúvida, o melhor natal de todos.

Deslizou a mão que agora se aquecia pelo pescoço do outro, aproximando ainda mais seus rostos, as bocas encaixadas como se fossem parte de apenas um ser que tinha sido dividido. O amor que Richie sentia explodia por seus poros, saltava por sua pele e abraçava cada pedaço de Eddie que alcançava.

Richie se afastou devagar, olhando a lua nos olhos de Eddie.

—Eu senti saudades- Confessou.

—Mas eu estou aqui agora- Eddie sussurrou.

—Não está, mas está tudo bem- Richie disse acariciando a bochecha de Eddie onde uma cicatriz enorme estava. Ele se lembrava bem daquele dia: o último dia que esteve com ele.

Se virando para a casa e deixando Eddie em suas costas, falou para a lua deixando as lágrimas correrem por seu rosto:

—Obrigada pelo presente.

Enquanto caminhava para dentro do calor do chalé, Eddie Kaspbrak desaparecia lentamente na neve.


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Notas finais do capítulo

NÃO ME ODEIEM
Eu tinha ficado entre dois finais: esse e um onde eu ignorava os acontecimentos do final do IT 2, então o Eddie estaria vivo e tudo aquilo era real :p ~optei pelo triste, como puderam perceber
Espero que tenham gostado
Deixem um comentário, sempre gosto de saber o que vocês estão pensando.
Até uma próxima história ♥