when i'm dreaming escrita por Stormborn


Capítulo 1
'Cause you haunt me when I'm dreaming


Notas iniciais do capítulo

Prompt: cegueira



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É com certo humor que Sarada percebe que não vai ser lembrada como a primeira Hokage do Clã Uchiha, ou como a kunoichi que derrotou praticamente sozinha a maior ameaça do mundo shinobi desde a aparição de Kaguya durante a Quarta Guerra Ninja – não, ela definitivamente vai ser lembrada como a primeira líder de Konoha a exercer a função estando… cega.

Ela sorri com o pensamento e fecha o manto branco com inscrições vermelhas, se protegendo do vento frio de inverno que adentra seu escritório pela janela escancarada.

O sharingan é a única coisa que a permite enxergar hoje em dia, e a kekkei genkai limita seu mundo a fluxos de chakra e sombras cinzentas. Ela não consegue esquecer as cores, principalmente os tons de vermelho, mas toda vez que ela pensa em sua mãe até mesmo o cabelo rosa de Sakuraesbranquiça aos poucos.

Sarada observa pela janela a vila adormecendo aos poucos, as chamas azuis se acalmando lentamente junto das respirações sonolentas, e sente um familiar aperto no peito. Isso é tudo o que ela tem.

Ela dá as costas para a madrugada e a passos silenciosos, pés quase flutuando pelo piso de madeira, se aproxima da sua mesa e senta com facilidade na cadeira, pegando uma pilha de documentos que precisam ser revisados e assinados para a conferência da próxima semana. Seus olhos treinados escaneiam as folhas quando alguém bate na porta da sala.

A Hokage sabe de quem se trata – é virtualmente impossível esquecer a assinatura do chakra de sua assistente, afinal – mas ela se surpreende levemente mesmo assim; era tarde e quase ninguém deveria estar de plantão pela Torre. E ela se lembrava de ter dispensado Matsumoto horas atrás. Estalando a língua no céu da boca, Sarada manda a garota entrar.

A porta de madeira range ao abrir e se fechar. Sarada conta os passos da kunoichi e a imagina no meio da sala fazendo uma rápida reverência em sua direção, as mãos entrelaçadas nas costas.

Hachidaime-sama. A senhora deveria estar em casa.

Sarada não levanta o olhar ao responder:

Sarada apenas. ela carimba uma folha e pega a próxima da pilha. E você deveria estar em casa.

Ela ouve a garota remexer-se em embaraçamento. Eu imaginei que a senhora fosse ficar até mais tarde, então… dessa vez, Sarada olha para Matsumoto, ainda que não consiga ver sua expressão. No meio da sala, ela estremece ao receber atenção do par de sharingan. Sarada se repreende mentalmente e volta a encarar a papelada, mas sem ler uma frase sequer do que estava escrito. Matsumoto continua: Bom, eu queria ajudá-la.

A Uchiha pondera por alguns segundos, estalando o pescoço. Sua voz é suave quando ela fala:

Agradeço a ajuda. Você pode pegar a outra pilha de documentos na sala de arquivos? Eu deixei na mesa de canto.

Sim, senhora. Vou pegar agora mesmo. Sarada é capaz de ouvir o sorriso em sua voz. Seus próprios lábios arqueiam ligeiramente em resposta. As sandálias ninjas fazem o piso estalar e ela conta novamente os passos de Matsumoto. Um, dois, três. Quando ela percebe que a garota está para abrir a porta, Sarada pergunta curiosamente:

O que me denunciou dessa vez? ela tinha certeza que as luzes estavam apagadas e que não fizera muito barulho.

Pelo canto do olho, Sarada vê o chakra de Matsumoto oscilar nervosamente.

Eu não sei, Hachid- Sarada-sama. ela suspira baixinho, para que a Hokage não escute— mas ela deveria saber que nada passa despercebido por Uchiha Sarada. Acho que é a lua cheia… nessas noites a senhora não consegue dormir, né?

Ela sai da sala antes que Sarada possa retrucar.

Eis um fato: Sarada realmente não consegue dormir nas noites de lua cheia. Ela se deita e é o mundo negativo do Tsukuyomi que vê. Os tons de vermelho desse mundo permanecem vivos, e os cinzas são ainda mais opressivos. Não é um sonho pois ela raramente sonha – e quando ela o faz, é sempre com cabelos mais dourados que os raios de sol, olhos mais azuis que o céu e as mais vazias promessas que ela consegue se lembrar; promessas a muito esquecidas pelo tempo.

Sarada suspira e se recosta na cadeira, fechando os olhos. Há poucos chakras circulando pela Torre do Hokage, e ela consegue distinguir Matsumoto subindo as escadas em direção ao arquivo. De repente, num flash decimal uma nova assinatura surge no prédio, dentro de sua sala. Ela não esboça reação, instintivamente tendo previsto esse encontro em alguma parte dormente de seu cérebro – afinal, coincidências acabam se tornando padrões.

Ela ouve o tecido de suas roupas quando ele anda até a janela, claramente na intenção de sentar no batente. Ele provavelmente está descalço, seus cabelos bagunçados pelo vento. Ele não diz uma palavra, até que ela finalmente abre os olhos para revelar um par de esferas negras; Sarada não enxerga nada, nem chakra e nem sombras.

Cada vez mais viciada em trabalho… sua voz tem um traço leve de humor, mas ela sabe que ele está longe de fazer piada. Parece até o meu velho.

Não sou viciada em trabalho… e ela realmente não era. Ele ri em zombaria e ela rola os olhos. O que faz aqui, Boruto?

O Uzumaki fica em silêncio por alguns segundos.

O de sempre, te forçando a aturar minha companhia quando eu não consigo dormir.

Sarada sabe que ele está mentindo – que na verdade ele sabe que ela está inquieta. Desde que eles formaram uma dupla na ANBU, Boruto tinha a estranha habilidade de simplesmente sentir quando ela precisava dele. Nenhum dos dois parece muito ansioso de admitir isso.

Hoje eu sonhei com o seu pai. ele começa, distraidamente. Ela franze o cenho. Ele me disse que eu parti seu coração. Quis enfiar a Kusanagi no meu coração. Sarada vira a cabeça para onde ela sabe que ele está, provavelmente observando seus olhos negros cansados. A voz dele ainda é divertida, como se ele risse de uma piada privada.

Ela sente vontade de chorar; ele partiu seu coração de verdade, anos atrás.

É o tipo de coisa que o papai faria. ela responde, no entanto. Sarada tenta se lembrar da última vez que ela viu o rosto de Boruto mas apenas um borrão vem a sua mente.

Uma rajada de vento forte faz seu cabelo preto e longo dançar ao seu redor; ela nem ao menos imagina como deve ser a cena – a última vez que ela se viu no espelho, seu cabelo batia pouca coisa abaixo do seu ombro. Ela sabe, no entanto, que Boruto gosta muito do que vê pois ele engasga de um jeito que sempre faz ao se dar conta, mais uma vez, do quão bonita ela é. Uchiha Sarada sorri, genuinamente.

Estar perto de Boruto é sempre uma montanha-russa e um dia ela talvez não sobreviva a uma descida particularmente violenta.

Ela está olhando para ele, através dele, quando pergunta:

Com o que mais você sonhou?

Ele provavelmente vai omitir os fatos mas ela está mais do que ávida para ouvir as mentiras forjadas especialmente para ela. Sua voz é suave e tão, tão amorosa que seu coração quase se parte ao meio de novo quando ele volta a falar.

Você sabe, o de sempre. Nós dois juntos, viajando por aí, combatendo o mal e fazendo amor de vez em quando.

Uzumaki Boruto não se envergonha nunca ao falar essas coisas – ela é quem sempre estala a língua e vira a cabeça na esperança de esconder o rubor. Ela quer botar a cabeça entre as mãos e suspirar como uma garota apaixonada, mas ela agora é a Hachidaime Hokage e há um certo orgulho há ser mantido; e não há nada que mate aos poucos um grande amor como estar sempre no polo oposto da sua alma gêmea.

Aa, eu gosto dos seus sonhos. ela diz, despretensiosamente. Ele dá de ombros, ela imagina.

Normalmente eu consigo ouvir sua voz. Hoje parecia que você estava tão longe que o som simplesmente não me alcançava.

Sarada engole em seco, lembrando de uma lua cheia e um céu da cor do sangue. Ela treme de frio. Ela ouve quando ele se levanta da janela e pousa graciosamente no chão, fechando-a sem fazer barulho. Ela odeia o fato dele se mover tão silenciosamente quanto ela – Sarada desenvolvera o hábito terrível de contar os passos de todo mundo ao seu redor, como se ansiasse pelo inevitável que daria um fim a sua vida.

Ele está mais próximo de seu ouvido do que antes ao continuar:

Outro dia eu sonhei com a sua mãe. Ela me disse que você chora quando eu vou embora.

Não era exatamente verdade; ela só chorou na primeira vez que ele partiu e levou seu coração e promessas de um futuro feliz junto dele. Mas não era a hora certa de dizer isso – nunca seria.

Você está sempre indo embora. sua voz soa mais fraca do que ela gostaria. Se eu chorasse toda vez que te mando em missão a vila já teria sido inundada. e ela ri, realmente se divertindo com a imagem mental de uma Konoha submersa.

Mas ele a conhece melhor do que ninguém.

Você poderia me fazer ficar.

Konoha precisa de você lá fora, nas sombras.

Boruto suspira.

Eu vou partir em dois dias, Sarada. Se quiser que eu fique, é só falar.

Uchiha Sarada, a Hachidaime Hokage, volta a fitá-lo com olhos negros incapazes de ver. Ela quase estremece quando ele toca sua bochecha levemente com a ponta dos dedos, deslizando-os até a armação vermelha que adorna seu rosto pálido. Ele tira o acessório e provavelmente guarda no bolso dianteiro da calça preta que veste.

Devolvo quando voltar, ele não combina com a Hachidaime-sama.

Ela sorri sem humor ao entender o que ele quer dizer.

Quanto tempo dessa vez? ela o ouve coçar o queixo, roçando na barba por fazer.

Uns dois anos, talvez.

Aa.

Sarada flexiona os dedos como se quisesse socar algo ou alguém. Ela tem certeza que ele não percebe. O ar muda e ela imediatamente percebe que ele está se preparando para ir embora, e ela tem menos de um minuto para convencê-lo de que seu lugar é ao seu lado, em Konoha, com um anel no dedo esquerdo e filhos lhe esperando chegar em casa para contar as aventuras imaginadas de uma tediosa missão rank-B.

Ao invés disso, no entanto, ela apenas ativa o sharingan e, sem olhar por uma última vez para Uzumaki Boruto, retoma seus afazeres de Hokage e conclui sua reunião ao falar:

Matsumoto está voltando.

Quando a garota de cabelos cinza retorna para seu escritório com uma pilha de documentos oficiais no braço, Sarada volta mentalmente para a realidade alternativa de seus sonos e chora como nunca se permite fazer na vida real.


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Notas finais do capítulo

Sarada e Boruto infelizmente são "star-crossed lovers" que desejam trilhar caminhos totalmente opostos e por isso não podem ficar juntos.

Ou será que podem? Ainda tenho 12 one-shots planejadas. :)



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