A sina dos sinos escrita por Biazitha


Capítulo 3
Até logo Neji




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O vento bateu em um monte de areia, fazendo com que Neji virasse o rosto para proteger a visão. Mesmo com os grossos óculos de sol, ainda sim era perturbado pelos grãos fininhos que irritavam seus olhos e os deixavam vermelhos. Retirou o boné por alguns segundos, sentindo o sol queimar seu couro cabeludo com intensidade, e arrumou seus longos fios suados com impaciência.

Apertou os olhos mais uma vez, tentando encontrar algo que não fosse areia ou um céu estupidamente azul.

— Eu odeio a minha vida. — murmurou exasperado, tentando encontrar alguma lágrima em seu canal lacrimal, mas estava tão seco e há tanto tempo sem tomar água que provavelmente choraria pó.

Andou cambaleante pelo solo fofo, afundando os tênis novos no chão arenoso e os puxando de volta, ainda mais pesados. Uma gota fina de suor escorreu por sua testa e conteve o ímpeto de enfiá-la na boca. Provavelmente causaria mais sede.

Estava perdido no Deserto de Gobi há três horas, segundo o seu relógio sujo indicava. Sua segunda expedição pelo território da China havia sido arruinada, e o rapaz só conseguia pensar que morreria logo, já que não haviam dado sua falta e nem o procurado dentro daquele espaço de tempo.

— Eu só tinha ido fazer xixi! — reclamou alto para o vazio, engolindo um pouco de areia no processo. Tossiu desesperado, puxando o ar com força. 

Conseguia recordar com precisão como havia sido deixado para trás. Havia acordado atrasado para a expedição e foi o último a subir no jipe que os levaria até os camelos e, mesmo com os olhares tortos dos outros hóspedes do hotel, conseguiu manter um sorriso enorme e uma animação invejável.

Passariam apenas uma hora no Deserto de Gobi, tirando fotos e fazendo uma pequeníssima pausa para um piquenique. 

Não havia muito o que ver naquele lugar, só areia e muito calor. E camelos também. Entretanto Neji estava viajando pela República Popular da China pela segunda vez e queria levar uma recordação para casa, mostrar as fotos para a família e poder encher o peito para falar como conheceu o deserto “sozinho” daquela vez.

Ino, Kiba e Shikamaru recusaram veemente a oferta quando citou em um jantar que faria a viagem; ainda estavam muito abalados e machucados com a situação. A primeira e última viagem que fizeram todos juntos doía na alma. 

Há cinco anos Tenten estava desaparecida. O Hyuuga dizia para os outros – e até para si mesmo – que estava fazendo aquela viagem para relembrar os bons momentos que aproveitaram juntos, todavia também para buscar alguma pista do paradeiro da amiga. Algo dentro de si berrava que ela estava bem e que a encontraria. 

— Era um xixizinho rápido! — repetiu desacreditado, balançando a cabeça e dispersando os sentimentos sombrios.

Tinha pedido um tempo para o cara dos camelos, antes que fizessem uma pausa para a comida, para que pudesse se aliviar atrás de um monte mais alto rapidamente; abaixou as calças e fez o que precisava despreocupado. E quando voltou... MERDA! Estava sozinho. Não havia sinal de mais ninguém ali por perto.

Suspeitava que o guia chinês não tivesse entendido seu japonês misturado com inglês afobado e havia ido embora por achar que era um louco. Ou que talvez tivesse sido deixado para trás porque algum hóspede irritado havia pedido para puni-lo pelo atraso de antes.

O motivo não importava muito naquele momento, mas sim o que faria para sair dali. Não fazia ideia de qual área estava naquele deserto e nem como se guiaria até a saída.

A noite começava a chegar, aumentando ainda mais seu desespero.

Sabia que os desertos eram tão confusos quanto sua vida: de dia eram quentes como o inferno, e à noite frios como as geleiras. O lugar estava começando a ficar absurdamente silencioso e a visão de Neji embaçava cada vez mais.

Seu corpo se movimentava de um jeito mole, balançando como um boneco a cada passo. Andava com a cabeça baixa, temendo fazer qualquer esforço a mais que pudesse lhe custar sua pouca energia. Os lábios rachados ardiam de um jeito absurdo e sua sede chegava a um nível sobre-humano.

Sentiu as pernas fraquejarem e seus joelhos foram de encontro a areia, trêmulos. Não aguentava mais.

“Ah pronto, aqui é um ótimo lugar para morrer mesmo” conseguiu pensar, tentando forçar a voz para gritar um pedido de ajuda, mas havia uma grande falha em seu corpo que não conseguia processar uma fala exteriormente. Pediu por forças; não seguia uma religião, então implorava para qualquer coisa que pudesse ouvi-lo.

Ficou um tempo ajoelhado naquela posição, respirando com dificuldade e ainda tentando encontrar alguma lágrima dentro de si.

Precisou parar o processo de busca interior quando escutou passos firmes se aproximarem. Por um momento achou que era loucura da sua cabeça desidratada, no entanto precisou verificar por si mesmo, curioso e esperançoso. Será que alguma Divindade tinha mesmo o ouvido?

Sentiu a adrenalina encher seu corpo e dar um pouco mais de vitalidade para seus membros doloridos. Virou a cabeça como uma coruja, tentando encontrar quem ou o que fazia aquele som. Alguns metros à frente estava uma pequena sombra olhando para Neji, parada como uma estátua.

— O-Olá? Ajuda? — a garganta seca dificultou ainda mais a passagem de sua voz amedrontada. Não sabia como havia conseguido falar. 

O vulto voltou a andar em sua direção, os passos ainda mais pesados e rápidos. Aquilo estava muito estranho, muito mesmo. Se antes Neji se sentia esperançoso, agora só conseguia tremer de medo. Sua visão embaçada apenas dificultava a distinção do ser, que estava perigosamente perto.

— Me a-ajude! — clamou por sua vida como um imbecil quando a coisa parou em sua frente.

O ser desconhecido abaixou o rosto e segurou Neji pelos ombros, aproximando-o de si. Quando os olhos escuros se encontraram foi como um choque.

Em ambos.

Hyuuga Neji definitivamente conhecia aqueles olhos! 

Eram impossíveis de esquecer; expressivos, lindos e marcantes.

— Neji? É você mesmo? — o não-mais-desconhecido perguntou desacreditado, dizendo de forma carinhosa o nome há muito não dito por si. 

O rapaz estava congelado – mesmo que ainda sentisse seu interior ferver de calor –, incapaz de processar direito qualquer outra informação. Era uma miragem, certo?

Ele não sabia. Realmente não sabia. Parecia real demais. Aquela voz que há muito não ouvia, os olhos que tanto amava observar e a presença física que sentiu muita falta.

Era Mitsashi Tenten, sua melhor amiga e... O seu grande amor. Ela... O quê? Tudo estava muito confuso. Parecia um sonho conturbado. Havia pensado nela há pouco e então… Então ela aparecia na sua frente. Que absurdo era aquele?

Queria um pouco de água. Será que Tenten tinha água?

— Não, infelizmente não tenho. — respondeu a morena logo em seguida, ainda o segurando pelos ombros. Ele havia feito a pergunta em voz alta? Ou ela sabia ser mentes? — Não, eu não sei ler mentes. E sim, você acabou de fazer as perguntas em voz alta.

— Eu estou ficando louco! O que está acontecendo? Tenten, como você está aqui? — a adrenalina e a curiosidade haviam tomado conta de todo o seu ser. Mesmo cansado, não poderia ignorar as perguntas que o pentelhavam internamente.

— Calma, calma… Eu também estou surpresa. Não achei que o encontraria em um lugar como esse! Como chegou até aqui?

Neji pensou em como explicaria, porém instantaneamente ficou cansado. Gastaria muito tempo e muita saliva, coisa que ele já não tinha mais em excesso.

— Eu só tinha ido fazer xixi, mas essa é uma história para outra hora. Eu estou perdido, preciso voltar.

— Para a cidade?

— Sim! Você sabe como chegar? — o cérebro exausto e já quase sem esperanças de Hyuuga pareceu se acender. O fato de que Mitsashi Tenten, sua melhor amiga desaparecida há cinco anos, estava parado na sua frente e conversando consigo não parecia realmente importante no momento. O que tanto desejara durante às noites regadas a lágrimas cruéis estava acontecendo, e era tanto para processar que ele preferia não pensar sobre.

— Posso te levar até lá. Vamos, levante-se. — ordenou ainda soando bondosa. O moreno não escondeu o grande sorriso que moldou seus lábios. Se fosse mesmo uma miragem, pelo menos teria alguém para conversar e passar o tempo até morrer.

Sentia muito a falta da japonesa.

Começaram a andar lado a lado, em silêncio, para a direção oposta à qual Hyuuga ia. Estavam fazendo o caminho de volta seguindo exatamente a trilha que o rapaz havia se rastejado para chegar. Neji começava a sentir o frio da noite arrepiar seus pelos e se encolheu, sentindo toda a musculatura arder. Então, assim como o frio chegou, passou.

Demorou alguns segundos para perceber que uma grossa jaqueta azul estava pendurada em seus ombros. Olhou para Tenten assustado, mas não pelo gesto gentil e cuidadoso, e sim pelo cheiro.

Não era possível. Eles estavam no meio do deserto e mesmo assim a morena manteve seu perfume anestesiante intacto consigo.

O cheiro delicioso de flores da Mitsashi estava naquela jaqueta. O rapaz podia sentir, tocar e se embebedar com aquilo. Ele havia sentido tanto a falta da melhor amiga, do seu amor. 

— Eu morri…?! — perguntou e afirmou ao mesmo tempo, completamente perdido.

— Não. Por que acha isso?

— Você sumiu. Por anos. — Hyuuga disse simples, voltando a encarar aqueles olhos castanhos.

Os lábios da japonesa se contorceram, demonstrando que estava incomodada. Ambos pararam ao mesmo tempo e se encararam. O moreno analisou-a com cuidado redobrado, com a atenção que seu corpo debilitado e extasiado permitiu, através da luz que a lua o permitia enxergar. A feição dela estava ainda mais bela; a mandíbula mais marcada e os olhos mais maduros. Estava visivelmente mais magra no rosto e menos encorpada. A boca estava pensa em uma linha fina, e ficava sem graça sem o sorriso costumeiro. O sorriso que Neji passou meses sonhando, sentindo a falta e implorando para poder ver mais uma vez.

— Eu sei. — respondeu e voltou a andar, puxando o rapaz molenga consigo.

— Você sumiu, mas está aqui. Depois de cinco anos! É muita merda do destino que eu me perca e você me salve. Eu só posso estar morto, Ten.

O apelido pareceu um feitiço que congelou todos os membros dela. O cabelo escuro balançava com o vento gelado, levando ainda mais a colônia para o Hyuuga, que não conseguiu conter o impulso de agarrar o braço dela. Era real, estava fria como um cadáver, entretanto era real.

— Por que você sumiu? O que aconteceu? — insistiu desacreditado. — Eu fiquei preocupado. Achei que tivesse morrido, todos nós achamos. Seus pais… Eles… Meu Deus! O que aconteceu com você, Ten?

— Eu não sou mais a mesma. — retrucou um tanto impaciente, desvencilhando do aperto do moreno e virando de frente novamente para o encarar. — Esquece a Ten do passado. Ela sim morreu! Agora eu sou só a Tenten, uma perdida.

— Do que você está falando? E-Eu não te entendo.

— Não queira entender. Você não deve entender. Eu não sou mais a mesma.

A Mitsashi ficou um tempo considerável em silêncio, pensando se deveria ou não contar a verdade.

Neji era um dos seus melhores amigos, da sua vida antiga, se conhecerem quando ainda eram pequenos seres humanos indefesos. Conforme o tempo passava, a amizade só se tornava mais forte e ela se viu apaixonada por cada detalhe dele; entregara-se a ele sem hesitar incontáveis vezes na vida. A viagem que fizeram juntos à China era para ser inesquecível.

Bom, de certa forma foi, mas não de um jeito positivo.

Ela sentia uma saudade absurda dos amigos e cada segundo longe, foragida naquele deserto infernal, foi cruel. Passou por situações tão inexplicáveis e horrendas que não gostaria nunca de compartilhar com alguém. Acostumada a não esconder segredos dos outros quatro, se viu presa dentro de si própria e excluída da humanidade quando toda a merda aconteceu.

A mulher teve que largar tudo e fugir para não machucar as pessoas que mais amava no mundo. Se odiaria para o resto da eternidade se a sua “nova condição” a deixasse ferir Neji, seus pais, Ino, Shikamaru ou Kiba. 

E, naquele momento, o relógio estava correndo mais rápido do que gostaria e sua fome aumentava consideravelmente com os segundos.

Encontrar o Hyuuga no Deserto de Gobi havia sido um ato acidental, porém agradecia aos céus por tê-lo feito. Se outro monstro tivesse o encontrado antes… Tenten não queria nem pensar nas possibilidades horríveis naquele momento.

— Nós precisamos ir! — completou por fim, retomando a caminhada. Não estavam longe, daria tudo certo, certo? Esperava que sim.

— E eu preciso de uma explicação.

— Você não vai querer saber, Neji. Realmente não vai e…

— Se estou perguntando é porque me interessa. Faz cinco anos, caralho! Cinco anos que não conversamos, que eu não consigo interagir com ninguém direito, que não consigo dormir lembrando de você... De tudo o que passamos e tudo o que perdemos. 

Mitsashi lembrou dos tantos segredos que compartilharam, das risadas escandalosas, dos olhares cheios de significado, dos momentos em silêncio, das músicas cantadas, dos momentos de carinho e das madrugadas em claro. Olhou para o céu por alguns segundos, duvidosa. Com um suspiro fundo, segurou o rapaz pela mão e o puxou para que voltassem a andar.

— Existe uma lenda sobre esse deserto. Na verdade não é uma lenda, eu sei que é real porque vivo isso no meu dia a dia. — começou a contar a história, sentindo o olhar atento do moreno em cima de si. — Este é um lugar onde monstros se escondem e vivem. Monstros como eu, monstros reais, vindos diretamente de pesadelos. Monstros com uma fome insaciável. E para tentar mantê-los aqui, toda semana algumas pessoas são deixadas de propósito para trás, para que eles possam se alimentar. É como um acordo silencioso entre as pessoas da cidade e esses monstros daqui, assim não serão atacados fora do deserto. A polícia finge se importar com os sumiços, mas nada nunca é feito. Nunca. Os monstros são chamados de ghouls, Neji. Eu sou…

— Eu fui deixado aqui para morrer!? — a voz saiu mais esganiçada do que esperava e seus olhos se arregalaram desesperados, olhando para os lados procurando por outra forma grande por ali, apenas os espreitando. Estava escuro, não conseguia ver muito. — Esses “monstros” iriam me matar?

— Não só você, outras pessoas estão perdidas também. Já devem estar sendo caçadas. Eu… Eu não sei se o destino armou muito bem para nós ou se existe algum Deus que gosta muito de você, porque te encontrar aqui foi uma cagada muito boa. Se outro monstro tivesse te encontrado antes, eu não sei… Eu…

— Você tem certeza de que eu não morri!? Eu estou aqui falando com você, ouvindo essa história doida sobre monstros e perdido em um deserto. Com você! Tudo isso é inacreditável…

— Eu sei que é muito para digerir, mas você só prestou atenção nessa parte? Esquece isso! Eu sou real e isso não é um pesadelo, uma miragem ou uma loucura. — apertou seus punhos com força e então percebeu que ainda segurava a mão do moreno. Suspirou fundo e tornou a falar, aliviando o aperto nas mãos: — Neji, eu não consigo me controlar, por isso não sou mais a mesma. Precisamos sair logo daqui, não quero te expor a mais riscos. Eu sou uma ghoul agora! 

— Vo-Você!? — não era um gaguejo de medo, mas de surpresa. Estava cada vez mais debilitado, no entanto seu cérebro se esforçava para processar as informações corretamente. Mordeu ainda mais os lábios machucados e voltou a considerar que aquilo tudo era uma miragem. A falta de água podia deixar qualquer um louco, não é?

— Eu preciso das pessoas. Necessito me... Alimentar delas. — completou a japonesa com insegurança na voz. Odiaria ver os lindos olhos claros do outro a mirarem com medo. 

— Como o Edward Cullen?

— O quê?! Não Neji, não sou uma vampira. Eu sou uma ghoul, é diferente. Eu não bebo o sangue, eu como a... Carne.

— Então você é como uma zumbi?

Ela soltou um suspiro exasperado, desistindo de explicar por um momento. Mirou a feição inquieta do Hyuuga sobre si e concordou levemente.

— Quase como uma zumbi, mas diferente.

— Como você se transformou? Como virou uma…?

— Ghoul. Somos chamados de ghouls. — a morena viu seu amado engolir em seco, penando para digerir aquela maluquice toda. Ela, mesmo depois de cinco anos, ainda não conseguia acreditar realmente que era o que era. — Injetaram algumas enzimas em mim e aos poucos fui morrendo por dentro. E-Eu não sei quem fez isso, mas foi durante um passeio que fazíamos pelo centro da China, eu tenho certeza. Depois daquele dia eu não me sentia mais a mesma, meus órgãos começaram a apodrecer…

Olhos de Neji se arregalaram em compreensão. Ele lembrava muito bem de como ela havia ficado estranha antes de desaparecer.

Perdido em apenas quatorze minutos de silêncio e pensamentos, o japonês sentiu algo explodir dentro de si e uma necessidade tremenda de berrar com alguém. Sua frustração crescia a cada segundo, e começou a despejar as palavras em cima dela, inconformado:

— Sabe, eu sempre gostei de você, Ten. Eu sempre… Quis algo à mais. Quando você sumiu eu não pude nem me declarar corretamente. Nós não chegamos a oficializar nada. E agora você está aqui na minha frente me dizendo coisas absurdas, sobre ser uma ghoul… E… Você sumiu por cinco anos. Há cinco anos que eu me arrependo amargamente por não ter dito que te amava do jeito que deveria ser… — aumentava o tom de voz a cada palavra, começando a perder o fôlego. — Você é a mulher da minha vida. 

A Mitsashi apertou a mão do rapaz, que ainda segurava, e sentiu vontade de sorrir. Uma vontade que jurava já estar morta dentro de si, junto com todo o resto. Porém como tudo o que é bom dura pouco, outro ronco estrondoso de seu estômago a fez voltar à realidade:

— Desde que nos conhecemos eu espero por um momento como esse, mas não dá! Por mais que eu te ame como o inferno, não posso viver no meio das pessoas. Eu sou um monstro. Os ghouls se alimentam de pessoas, Neji! Você é uma pessoa…

— Você está comigo, está me ajudando e até agora não me atacou. Seu argumento é falho, Mitsashi. 

— Você não entende! Eu sou um perigo. Você não pode confiar em mim, ninguém pode… Eu… Eu não posso viver com a civilização. Por que acha que eu moro no meio dessa merda de deserto?

— Então você quer me comer? — indagou confuso, mirando Tenten com os olhos cansados da discussão. — Você vai me comer?

— Não! Mas eu não deixo de ser um monstro horrível.

— Você está sendo uma tremenda babaca. Você está focando apenas no problema e não quer uma solução. Você não consegue perceber que é muito mais do que um monstro?

— Mas eu como pessoas!

— Não, eu não quero mais ouvir “mas” vindos de você. Você pode muitas coisas, Ten. Só que prefere acreditar que é apenas uma zumbi sanguinária! Isso é burrice. — aos poucos foi diminuindo os passos e parou. Pela quinquagésima vez naquele dia. — Você é a minha melhor amiga, alguém que eu amo e sempre amei, você é um ser humano incrível. Você é a pessoa mais talentosa e especial que eu já conheci na vida, entendeu? Você é muito mais o que acha ser, mesmo sendo uma porra de alucinação não vou te deixar se rebaixar a tanto.

— Eu sou uma ghoul! Eu fui amaldiçoada a viver assim para o resto da eternidade. Eu sou um nada, Neji. No máximo um monte de bosta.

O Hyuuga podia sentir a dor em cada palavra proferida e não pôde deixar de se compadecer ainda mais. Seu corpo estava tão debilitado que não conseguia mais raciocinar com a clareza de antes, entretanto outra vontade gritante tomava conta da sua mente: já que estava no meio da loucura, por que não ceder de vez aos seus desejos e impulsos?

— Só… Só me deixa… — não terminou a frase e se jogou contra o rosto da japonesa. Tenten demorou um tempo considerável para reagir, perdida entre o choque e a dúvida, incapaz de dizer se estava feliz ou preocupada. Por anos havia sonhado com a textura dos lábios de Neji novamente, o gosto do seu beijo e a chama acesa entre eles. Contudo, tendo aquela oportunidade bem ali em suas mãos, não sabia se deveria agarrá-la. Não sabia se era merecedora…

No entanto, quando o moreno fez menção de se afastar, decepcionado e frustrado, ela o puxou de volta colando seus corpos. A jaqueta caiu na areia com um baque surdo e as mãos de Tenten fizeram um caminho sinuoso até a nuca dele. O beijo começou lento, com as bocas se reconhecendo aos poucos. Neji foi quem pediu passagem com a língua, ao mesmo tempo em que enfiava as mãos geladas nos fios macios da outra. Aquela estava sendo a melhor alucinação da sua vida.

As línguas se exploravam com uma urgência tremenda, inebriados pelos sentimentos que os inundavam, e a vontade reprimida de anos sendo finalmente saciada. Eles haviam esperado muito por aquilo e os cinco anos distantes não mudaram em nada seus desejos profundos.

Aproveitaram ao máximo o beijo, gravando na memória cada toque, cheiro e gosto.

Depois do pequeno momento juntos, estavam finalmente a poucos metros da civilização. Podiam ver algumas luzes ainda acesas e poucos carros andando pelas ruas. Já era hora da despedida e nenhum dos dois se sentia realmente pronto. Não para mais um “adeus”.

— Chegamos. — Tenten constatou o óbvio, abraçando o próprio corpo. Após o beijo, o caminho havia sido mais silencioso ainda, mas ambos não soltaram as mãos; permaneceram juntas e firmes, como se tivessem passado super-cola.

Neji ficou um tempo parado, observando as ruas com um olhar perdido. A primeira lágrima finalmente veio, depois mais outras que molharam suas bochechas. A morena sentiu os lábios tremerem e, para sua surpresa, também começou a chorar. 

Não sabia que ainda era capaz disso.

— Eu vou te esperar e nós vamos nos encontrar de novo, Ten. — abraçou-a pelos ombros e depositou um selar em sua testa. Em um sussurro fraco em tom de brincadeira, completou: — Você foi uma alucinação bem real. 

Tenten suspirou fundo e fechou os olhos, querendo que o tempo parasse naquele momento. Podia até sentir seu coração morto querer bater novamente. Retribuiu o abraço com força, perdendo até mesmo a fome monstruosa que sentia.

Não podia negar que tinha desejos e impulsos estranhos, mas os seres humanos também os tem. Não na mesma proporção que os seus, claro. Contudo não deixam de ser impulsos e desejos, que muitas vezes os cegam, fazendo-os cometer os mais variados tipos de loucuras. E ter a compreensão daquilo deixava Mitsashi Tenten se sentir um pouco mais humana.

Ela tinha que tentar. Por Neji, seus pais, seus amigos... Por ela mesma. Arranjaria alguma cura, feitiço ou milagre. Precisava voltar para eles. 

Sentiu o corpo do japonês amolecer em seus braços, finalmente cedendo ao cansaço. Levou-o até um banquinho de madeira e deixou o corpo desfalecido ali, com cuidado. Em seguida abaixou-se até poder encarar o rosto sereno, dizendo as palavras com um significado oculto e uma promessa implícita:

— Até logo Neji.


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