O Amor é Noite em Claro escrita por Mims


Capítulo 1
Único




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Quando a voz de Ronald Weasley reverberou por toda a casa, Hugo, no auge de seus 10 anos, só conseguiu ir pra um dos cantos de seu quarto e se sentar no chão gelado. Com os ouvidos tapados e os olhos fechados, o Weasley apenas focou em contar de um até dez repetidas vezes, rezando para que tudo aquilo acabasse logo. 

Nunca acabava.

Pudim, seu cachorro, veio em silêncio aninhar-se ao seu lado, trazendo consigo uma presença reconfortante que vez ou outra acalmava Hugo.

Em movimentos silenciosos, a porta do quarto do ruivo abriu e, num ímpeto de terror, Hugo apenas continuou a rezar, pedindo intensamente para que fosse a mãe prestes a levá-lo para qualquer lugar longe dali. Longe de toda a gritaria e de toda a tensão constante que insistia em persegui-lo. Entretanto, o ruivo apenas ouviu os passos de sua irmã, Rose, entrando no recinto. Logo depois, a garota agachou-se ao seu lado, procurando suas mãos para apertar.

—Olhe pra mim. — ela pediu num sussurro. Obediente, Hugo lentamente abriu os olhos e viu o tom de ruivo dos cabelos da irmã preencherem todo o seu campo de visão. Agora em foco, os olhos castanhos, semelhantes à terra, da menina o encaravam de um jeito terno. Rose abriu um sorriso, na tentativa de lhe passar qualquer conforto. —Vai ficar tudo bem.

Aquele mantra, repetido tantas vezes por semana, já não fazia mais sentido. Não naquele momento.

Apesar da voz arrastada de Rose, o Weasley mais novo conseguia perceber os resquícios de medo presentes em seu tom fingido de calmaria. 

Hugo tentou respirar fundo, mas logo foi pego desprevenido pelo som de vidro sendo estilhaçado contra o chão. As vozes ficaram mais altas, localizadas exatamente ao lado da porta de seu quarto. Assustado, o garoto buscou focar no pelo caramelo do cachorro ao seu lado, que agora arregalava os olhos devido ao pavor repentino. Hugo tentava, como nunca antes, não prestar atenção nas palavras gritadas pelos pais, as quais pareciam ficar mais altas a cada segundo que se passava.

Rose também havia tomado um baita susto, porém reuniu coragem dentro de si para levantar-se e ir trancar a porta do quarto do irmão. Em poucos segundos, a ruiva voltou para o seu lado e perguntou:

—Tem espaço pra mais um aí? — A garota sorriu, evidenciando as covinhas formadas logo abaixo de seu sorriso, preenchidas pelas sardas que estavam em peso no seu rosto. Assim como estavam no de Hugo.

Hugo apenas assentiu, indo mais para o lado daquele pequeno canto do quarto e sentindo seu corpo sendo embalado pelos braços da irmã. A voz de Hermione Granger gritando contrastava-se com a cantiga que Rose cantava para tentar acalmá-lo.

E ali passaram a noite toda.

Por longas noites, sem exceção, os gritos que preenchiam a casa eram furiosos. Irados, cheio de raiva e rancor. Durante toda a sua curta existência, Hugo perguntava-se o porquê de duas pessoas tão diferentes como Hermione e Ronald terem se casado. E, acima de tudo, o porquê de eles não se separarem, visto que até uma criança havia percebido que a união estável não se configurava como uma das melhores escolhas da vida de seus pais.

Entretanto, sempre que questionava à mãe ou ao pai sobre tal fato, eles apenas suspiravam, davam-lhe um olhar cansado e diziam que aquilo fazia parte do cotidiano dos casais. Afinal, todo o amor era constituído por altos e baixos e, consequentemente, por brigas e reconciliações.

O Weasley, portanto, começou a criar uma ideia estranha sobre o amor.

O amor para Hugo, estava no tom exausto presente na voz da mãe quando ela falava de Rony. O amor estava nos dias seguidos em que seu pai saía de casa sem dar nenhuma notícia e voltava três dias depois como se nada houvesse acontecido. 

O amor fazia-se presente em cada vaso quebrado, cada foto rasgada e cada roupa largada que Hugo encontrava pela casa após as discussões de seus pais. O amor se encontrava na marca de batom no colarinho do terno de Rony, no choro de Hermione no meio da madrugada. O amor estava nas garrafas de bebidas que Hugo nunca podia tocar, nas bitucas de cigarro jogadas pelos móveis, no ciclo vicioso de quase ir embora e quase ficar que o Weasley via na relação de seus pais.

Então, pelo menos três vezes por mês o garoto encontrava-se no mesmo cenário caótico de sua casa, inteiramente cheia daquele ideal contorcido de amor, em que o som das vozes daqueles que o criavam quase derrubavam as paredes, formando, assim, uma rotina peculiar na vida de Rose e de Hugo.

Porém, sempre que Rose partia para Hogwarts, o que Hugo mais temia voltava a acontecer: ele estava sozinho.

Com o mundo desabando atrás de si, o ruivo apenas se escondia debaixo da cama, noite após noite, e chorava tudo aquilo que estava entalado em sua garganta, na esperança de que, quando as lágrimas parassem de escorrer, todo aquele apocalipse que ocorria ao seu redor pudesse desaparecer tão rapidamente quanto havia aparecido.

Em dias ruins como aqueles, ele daria qualquer coisa para que o som dos passos da irmã entrando em seu quarto voltassem a fazer parte de sua realidade.

Aquilo era como uma prisão, uma gaiola que insistia em prendê-lo junto com todos os seus medos. Junto com todos os demônios idealizados pelos homens que encarnavam-se em seus pais em noites assim.

Hugo estava confinado. E sempre entristecia-se ao lembrar que o lugar que mais detestava nesse mundo era sua própria casa. 

Vez ou outra, o ruivo pegava-se invejando a vida dos primos. Ele duvidava que Albus, James e Lily tivessem que passar por aquilo. Era quase cômico imaginar Harry Potter e Gina Weasley brigando naquelas proporções, tal qual seus pais faziam. 

Hugo uma vez leu em algum dos livros da mãe que o ser humano possuía inveja o suficiente pra preencher seu corpo sete vezes. Quando leu aquela frase pela primeira vez ele riu por achá-la irreal. Ora, como poderia alguém sentir tanta inveja assim? 

Entretanto, via aquelas palavras lhe rasgarem a pele sempre que pisava na casa dos Potter. Hugo observava atentamente as paredes recobertas com fotografias dos cinco membros da família sorrindo, visivelmente alegres, e pensava que talvez a origem de todos os seus problemas fosse porque em sua casa não tinha tantas fotos assim. O garoto não conseguia parar de cogitar se a verdadeira questão não seria o fato de ele não ser tão quieto quanto Albus, nem tão inteligente quanto Lily, muito menos tão astuto quanto James.

Entretanto, logo vinha a descartar essa possibilidade, pois por mais que ele não fosse todas essas coisas, Rose ao menos o era. O universo não podia puni-la daquele jeito, podia?

Com o tempo, Hugo desistiu de procurar causas para todas aquelas brigas que agora varriam seus dias. Ele apenas insistiu para si mesmo que aquilo fazia parte do amor.

Em alguns dias, Hugo até ria de todo aquele desastre que consistia sua vida. Gargalhava. Insistia para si mesmo repetidas vezes: tudo aquilo era normal. Sua família era normal. Duvidava que houvesse um casal nesse mundo que não brigasse. Era apenas uma fase. Uma fase, no sentido real da palavra: passageira.

Quando estivesse em Hogwarts aquilo mudaria. 

No castelo, não seria obrigado a ouvir os passos pesados de Rony pela casa. Muito menos o choro agudo de Hermione no meio da noite. Não ouviria mais as vozes abafadas vindas do outro lado da parede. Não teria que pedir ou implorar para qualquer deus que aquilo acabasse logo. Rose não entraria em seu quarto tentando acalmá-lo, tentando distraí-lo do desabamento que ocorria mundo afora. A irmã estaria a alguns passos, em seu dormitório, dormindo sem o peso de ter que se preocupar com os pais ou com o irmão. E ele também não reclamaria da ideia de poder ter noites infindáveis de um sono tranquilo e despreocupado.

Seria paz.

Teria paz.

Desde que começaram as brigas em sua casa, Hugo desenvolveu um fascínio curioso por desastres naturais que ocorriam ao redor do mundo.

Sim, ele entendia o quão prejudicial aquilo era para a vida das pessoas que os viviam, porém não conseguia evitar sentir-se atraído pelas causas e consequências que formavam tais fenômenos. A explosão de um vulcão, a formação de um furacão, os tremores de um terremoto. Tudo aquilo lhe era surpreendente. Saber que algo que visivelmente era sólido e intacto poderia se esfacelar em um piscar de olhos, aquilo era impressionante. Talvez fosse buscando sobre desastre naturais e relacionando-os com essa ideia de destruição repentina que Hugo passou a associar tais fenômenos com tudo o que acontecia em sua casa. E, como fora dito que tudo aquilo era amor, também passou a associar os mais variados desastres com essa ideia irreal que fora posta em sua cabeça.

Assim, Hugo Weasley-Granger cresceu aprendendo que amor era sinônimo de desastre. E, como ninguém havia lhe ensinado o contrário, viu-se imerso em uma ideologia que amar era a destruição. Mesmo assim, bem no âmago de sua existência, passou a ter medo de que aquele sentimento viesse um dia a fazer parte da sua vida.

Não conhecia muito sobre o amor, mas tinha uma certeza: ele não queria acabar como seus pais.

Pouco importava se Hugo nunca viesse a amar alguém um dia. Ele apenas não queria que a próxima voz que reverberasse por toda a casa não fosse a de Rony, nem a de Hermione.

E sim a sua.


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