Sangue de Arthur escrita por MT


Capítulo 6
6- Capítulo, Deem me vinho e comida


Notas iniciais do capítulo

Mais cedo porque... sim. Viva com isso!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/783231/chapter/6

O rugido da velha porta do septo sendo arrastada a despertou. Não via mais seu pai a abandonando e abraçando outra garota, sua espada sendo esquivada e defendida ou seu mestre escolhendo um novo e melhor servo. Kotomine Kirei estava diante de si e Clarent partia para cortá-lo ao meio.

Poderia deixar, queria fazê-lo. Ele a fizera pensar em coisas horríveis. Seu coração doía, dava-lhe a impressão de que esforçava-se para permanecer numa interminável contração.

  Mas desviou a lâmina, fazendo com que fosse para horizontal antes que encontrasse o ombro do falso padre. Tatsuo Koji não a condenaria, seu pai não ligaria e ela tão pouco. Mas fazer aquilo deixaria claro que a machucara e Mordred não admitiria isso.

Olhou para a entrada. Uma silhueta humana vinha em sua direção passando entre as duas fileiras de banco da igreja. 

Quando tocado pela luz suas cores abandonaram o anonimato. Cabelos dourados, íris como rubis e um rosto de traços elegantes. Vestia um terno negro, com gravata vermelha, e era mais belo que qualquer outro homem que já havia visto.

Não emitia a energia de um servo, mas era tão abundante em mana que não conseguiu ter certeza que não o era.

— Saber…? - perguntou o sujeito que adentrava o septo sombrio.

Novamente a cavaleira ergueu a espada. Quase grata pela quebra do clima de assassinato a falsos devotos. E com o sangue agradavelmente agitando-se sob a perspectiva de batalha. 

Fora para isso que viera a aquele lugar, para encontrar seus inimigos.

— Quem é você? Um servo? - quase perguntara como sabia sua classe, mas lembrou imediatamente que balançar uma espada e não rugir como um louco desfazia a dificuldade do mistério.

O sujeito continuou se aproximando. Quando a luz o tocou mais seus olhos se apertaram. E a cor das íris, duas pequenas esferas escarlates, a fez sentir um arrepio percorrer-lhe a pele. Isso seria deliciosamente difícil, sentiu em algum canto de sua alma.

— Responda, bastardo! - gritou, mas o sujeito já estava perto o bastante para tocar-lhe a ponta da espada. E assim o fez, depositando a mão sobre a lâmina. Os cabelos de Mordred se arrepiaram. O que está fazendo? Corte-o!

— Não. - ele disse e a cavaleira hesitou. - É falsa.

O coração dela se apertou sob aquelas palavras. Talvez fosse mesmo. No fundo sabia que era o clone do rei Arthur, não seu filho.

O ar brilhou puxando sua atenção para fora do devaneio. Dourado, pequenas poças flutuando com formatos circulares, delineadas por uma aura da cor do ouro, sobre a cabeça do homen de íris rubras. Cinco, contou olhando-as com curiosidade e um pouco de admiração, emitindo uma quantidade tão grande de mana quanto nobres fantasmas. A garganta dela engoliu em seco.

Aquilo é muito poder.

Foi um vislumbre do aço. Das armas saindo de dentro dos círculos amarelos e cruzando o ar que viu antes de se mover. Então Mordred pulou para trás e recuou enquanto o metal acertava o assoalho com um ruído seco numa falha tentativa de empalá-la.

Poeira se ergueu tentando obstruir a imagem do que quase a acertara, mas era tão claro e brilhante que isso fora inútil. As enxergou enquanto desvaneciam.

— Lanças, espadas, machado… - observou-as fincadas no assoalho, meio atordoada. Das classes que conhecia nenhuma chamava-se: todasarmasquesaibausar. - quem merda é você?  

— Uma falsificação não tem o direito de dirigir a palavra para mim. - novamente ondulações douradas surgiram sobre o ar quando ele ergueu a mão, mas dessa vez eram dezenas e as pontas das armas jaziam fora delas. - Apenas morra.

Mordred pôs a sua espada a frente. A excitação tornou-se uma irritante fome pela verdadeira natureza daquele sujeito. Suor frio escorria por suas têmporas e no peito o coração acelerava prevendo o início de um confronto. Precisava avançar, esquecer os detalhes, e avançar. Mas já era tarde. Já percebera que não poderia aproveitar aquela luta.

— Espere, Gilgamesh, ela é uma participante desta edição da guerra pelo graal.

  O sujeito, com uma das mãos elevadas, voltara ao padre suas íris rubras. Mordred viu ali o momento de distração inimiga que poderia ser a diferença entre acertá-lo ou não. 

A cavaleira avançou. 

Entre o homem capaz de invocar armas brancas e ela não havia mais que cinco grandes passos, com um impulso simples poderia alcançá-lo e, talvez, até mesmo antes que houvesse qualquer chance de retaliação, Clarent o mandasse para o túmulo.

Os bancos passaram num vulto escuro, as espadas voaram em sua direção, os pés dela pararam à frente de seu inimigo sem que lâmina alguma a tocasse mais do que de raspão. Empurrou a arma numa estocada reta rumo ao peito do homem. Ele não trajava armadura ou cota de malha ou qualquer outra forma de se proteger visível ao olho. Seu vestuário era tecido simples. A espada atravessaria aquilo e o que quer que estivesse abaixo disso. Pele, músculos, ossos.

Mas não conseguiu avançar com o golpe. Forçou a espada e ela não se moveu. Pôs mais força, enrijeceu mais os musculos e colocou mais mana. Nada além de um minúsculo avanço que mal fez a ponta triscar no alvo veio disso. Mas a permitiu notar os grilhões enrolados sobre si, rentes a armadura dela nas manoplas, peitoral, pernas e na própria espada. 

Correntes revestidas por mana dourada. 

— Gilgamesh. - o padre disse, mas ainda assim a cavaleira foi tirada do chão. Erguida pelas suas amarras enquanto esbravejava, xingava e forçava as correntes. - Deixe-a ir, uma morte prematura e pelas mãos de alguém que sequer faz parte desta guerra seria desagradável.

— Uma cópia estará melhor enterrada a sete palmos da terra, não me atrapalhe Kirei. 

— Então talvez eu deva dar um fim naqueles arquivos… - disse o padre após um suspiro. - É uma pena, dessa vez o material era realmente promissor.

— Bastardo, você não ousaria… 

— Cenas da hora do banho que você tanto queria… realmente uma pena.

Uma espada voou e perfurou a perna de Mordred. Ela cuspiu sangue e engoliu um gemido. Uma flecha acertou sua panturrilha e uma lança cravou-se na lateral do abdômen dela fazendo-a quase perder os sentidos. Veneno? Algum tipo de magia? perguntou-se enquanto desmaiava, não, provavelmente só doí pra caralho e minha bateria de mana móvel está brincando de casinha com meu pai.

— Pronto, se tratá-la ela irá sobreviver, - depositou a cavaleira no chão. - espero que esteja feliz, Kirei, porquê eu lembrarei dessa chantagem e isso não te fará feliz um dia.

A garota perdeu a consciência instantes após aquelas palavras.

 

Quando acordou estava numa cama simples ao lado de uma janela que permitia-lhe o vislumbre de parte da luz da lua. A direita um armário sobre qual uma vela queimava lhe aquecia naquele frio aposento. Um quarto pequeno com pouca mobília. A cama, o móvel a seu lado e a cadeira posta na frente de onde fora deitada. 

Seu corpo doía como se o inferno houvesse sido aberto lá dentro.

— Vejo que já recuperou a consciência, servos são realmente umas criaturas resilientes. - disse o padre emergindo das sombras que cobriam a entrada do aposento.

— Quem era? - Mordred lembrava. Memórias duras de outra derrota, mas as tinha. O homem de cabelos loiros e íris rubras que invocava armas e as disparava. Precisava de respostas.- Há quanto tempo estou acamada?

— São todos os cavaleiros das lendas arturianas tão impacientes? Talvez devesse se preocupar mais com seus ferimentos, homens comuns teriam morrido ou pelo menos perdido a capacidade de usar alguns membros, creio. Alegre-se, jovem, por não sofrer destino similar, agradeça e enalteça a Deus por sua benevolência.

São todos os falsos padres tão irritantes?

— Responda ou enviarei você para dar os agradecimentos a vossa divindade pessoalmente. - a garota disse pondo-se sentada na cama e materializando sua espada. A dor que percorria-lhe o corpo e lembrar da rápida derrota que sofrera não fez dela uma pessoa mais paciente.

O padre se aproximou do leito e tratou de abrir a janela de vidro, permitindo que o ar da noite preenchesse o quarto. Um frio, com cheiro de árvores e terra, varreu o lugar suavemente.

— Ele é o primeiro dos heróis, o mais velho e o mais arrogante. Sua fortuna não possui igual nas mãos de nenhum homem que veio antes ou depois. Um rei que governou sobre toda a humanidade, frio e impiedoso, nascido da união de deuses e homens.

— Pare de enrolar, droga! - e atirou nele um travesseiro de modo tão violento que o padre quase despencou. - É um servo? Qual seu nome e classe? Alguma fraqueza conhecida? Atenha-se a isso, merda!

— Que garotinha desagradável… - dessa vez ela jogou a cadeira nele, mas o padre se abaixou a tempo de evitar ser acertado. - Certo. Não, ele não é um servo apesar de ter o sido durante a última guerra pelo santo graal. Seu nome é Gilgamesh, antigo rei de Uruk, e se possui alguma fraqueza essa provavelmente é sua obsessão pela esposa do homem que venceu a última batalha pelo cálice sagrado. Satisfeita?

Mordred não respondeu. Seus olhos pairaram sobre o lençol que a cobria e os punhos fecharam-se em torno dele com força. Outro não servo que me vence, outro que encara o meu pai com desejo, outro que pôde dizer que eu era uma cópia apenas olhando. Sentiu as íris começaram a tornarem-se úmidas, uma sensação ruim se formar na garganta e o desejo de destruir a mobília daquele lugar crescer dentro de si. E odiou cada pedaço daquilo.

— Saia.

Kotomine Kirei a observou por um ou dois segundos antes de assentir com a cabeça e deixar o local.

Não houve alma viva que a ouvisse chorar, mas os sons do punho da cavaleira acertado a cama ressoaram pela sombria e agourenta igreja. 

Então ela riu. Jogou a cabeça para trás e gargalhou quebrando o monótono som da noite. Quando voltou a ficar quieta ainda tinha a face apontada para o teto. Era madeira escura e podia ver as toras sobrepostas umas às outras. Tão feias. 

Respirou fundo e soltou o ar pela boca. Sentia tanta dor, mas isso não a importava muito. Sentia-se tão seca, vazia, despida.

Então é assim, disse para si mesma enquanto encarava o teto, eu falhei de novo. Que saco. Me faz lembrar do fracasso anterior e daquele que o precedeu e a que veio antes de ambos. Ah, dessa vez eu estava confiante, certa de que poderia fazer qualquer coisa. Meu orgulho tornara-se grande o bastante para cobrir as cicatrizes das derrotas e me permitir prosseguir. Minha raiva engoliu as tristezas e mágoas. Senti que poderia desafiar o mundo e, estupidamente, achei que conseguiria vencer. Uma grande tola essa eu.

O mundo nunca perde, até porque ele jamais toma partido em nada. Apenas pessoas perdem ou ganham e eu aparentemente sempre perco quando realmente importa. Perdi a batalha em Camlann, perdi meu pai e perdi mesmo minha cruzada pelo santo graal. Ha, não quero mais nada disso. Estou farta de lutas. Chega de objetivos que nunca alcanço. Deem me vinho e comida, irei ficar aqui e morrer.

Mas essa igreja é um saco e o padre… tenho vontade de matá-lo. Devia fazer isso. Por que não? Meu corpo doí tanto que me sinto chapada e tenho uma maldita espada. Só pode ser algum sinal divino para: faça! Vejamos se os homens de Deus sangram tão bem quanto soldados ateus! Ah, seria fácil, cortá-lo e observar enquanto agoniza até a morte. Não é isso que o grande rei Arthur sempre quis de mim? Um cão com a boca espumando sangue e um cadáver dilacerado aos pés. Talvez ele me jogue um osso por debaixo da mesa, entregue meu mestre para que eu possa saciar minha libido e depois troque a água do cantil no qual bebo. 

Hahahaha, essa cena realmente fica bem em nós. Quase posso ver meu pai fazendo isso enquanto carrega sua filha de verdade num braço e no outro está sendo segurada pelo Emiya. É, e eles sorriem e trocam palavras afetuosas entre si. Tão lindo… uma verdadeira família aqueles caras, não é?

Lágrimas escorreram-lhe pela face. Uma verdadeira família feliz de merda...

Estava tão cansada. Por um momento se questionou porque não acabar com aquele estúpido espetáculo ali mesmo, deixar que Clarent lambesse-lhe o sangue e a vida.

A resposta deixou-a ainda mais inclinada a odiar-se.

 

Mordred não conseguia fazê-lo. Não por qualquer limitação física ou proibição mágica, apenas porque seus braços tremiam e sua mente desistia de prosseguir. Porque tinha medo.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Alguém ainda tá lendo? A contagem de números aumenta, mas talvez sejam só pessoas vendo o primeiro capitulo e vazando.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sangue de Arthur" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.