Apesar de Lily estar curiosa para interrogar Harry e procurar saber por que ele não tinha a contado do pesadelo e da dor na cicatriz, ela não se atreveu a atrapalhar o momento daqueles dois.

            Harry estava tão feliz por ter o padrinho em casa. Eles não tiveram realmente tempo para descansar e falar sobre tudo que queriam, além disso era arriscado colocar em cartas sendo que poderiam ser facilmente interceptadas.

            Só uma hora depois Lily conseguiu convencer Harry a ir para cama. Sirius começou a se aprontar para partir, mas a ruiva rapidamente indicou o montinho de lençóis e murmurou que o sofá era confortável.

— Eu não posso ficar. — Sirius disse seriamente. — É muito arriscado.

— Eu acho que aqui é o último lugar que suspeitariam que você estivesse. — Lily falou tranquilamente. — Até porque não seria justo com Harry. Ele só falou sobre você nas últimas semanas e queria que eu convidasse para jantar conosco no dia do seu aniversário.

            Sirius abriu um sorriso, o primeiro que parecia genuíno e não cheio de sarcasmo.

— É daqui dois dias. — Lily pontuou dando de ombros. — Você poderia ficar. A não ser que tenha algo inadiável.

            Rapidamente o ex-detento sacudiu a cabeça negativamente.

— Eu fugi para cuidar de Harry. Eu voltei para o Norte por ele.

— Ótimo. Então, estamos de acordo: você fica.

            Lily foi para o próprio quarto e tentou não pensar que o melhor amigo de seu marido estava dormindo em seu sofá. Harry estava no outro quarto, tendo sonhos alegres de uma vida com Sirius, Remus e Lily próximos a ele.

            Na manhã do dia seguinte, Lily acordou cedo como de costume. Era sábado e ela não tinha que trabalhar, mas seu relógio biológico sempre a despertava pontualmente às 7h.

            Ela saiu do quarto soltando um grande bocejo e enrolada em seu roupão. A pilha dobrada a lembrou dos acontecimentos da noite anterior, mas foi o cheiro formidável de bacon, torradas e chá que a levou para a cozinha.

            Lily não conseguia nem se lembrar qual era a última vez que tivera um café da manhã que não tivesse sido preparado por ela mesma. Ela assistiu Sirius de costas, inconsciente da presença dela, fritando ovos e assobiando uma canção antiga de rock.

— Here comes the sun... — ele cantarolou brevemente.

            Aquilo fez com que ela abrisse um sorriso. Sirius provavelmente não se sentia à vontade daquele jeito há muito tempo.

            Ela observou pela primeira vez que Sirius usava ainda as vestes de prisioneiro. Aquilo era uma coisa que precisava ser resolvida, ela pensou de maneira determinada.

            Decidiu se anunciar antes que ele se assustasse com a presença dela. Lily também não gostava de ser observada.

— Bom dia. — disse em tom agradável.

— Bom dia, Lily. — Sirius respondeu e se virou para encará-la. — Desculpe por ter invadido sua cozinha. Eu só queria fazer alguma coisa para retribuir o que fez por mim ontem à noite.

            Deu de ombros e não respondeu. Parecia muito pouco após 12 anos em Azkaban.

— Está cheirando bem. — comentou com um sorriso iluminando seu rosto amassado.

            Sirius não deixou de pensar que os anos em Azkaban acabaram com tudo de belo que um dia possuíra, mas Lily continuava tão bonita quanto sempre havia sido. Se possível ela parecia mais atraente agora, já que não era mais uma menina de 20 e poucos anos.

— Eu acho que ainda sei preparar ovos, torradas e bacon. — Sirius fez uma careta. — Mas seria bom que alguém experimentasse antes que Harry acorde.

            Lily imediatamente entendeu o convite e se sentou na bancada onde normalmente Harry e ela faziam as refeições rápidas. Ela indicou o banco ao seu lado num pedido silencioso para que Sirius se juntasse.

— Sabe, eu tenho umas vestes de James guardadas. — Lily disse timidamente sem tirar os olhos da torrada em que espalhava geleia. — Talvez algumas delas lhe sirva. Vocês costumavam vestir o mesmo tamanho.

— Não. Eu não poderia...

— Por que não? — Lily franziu o cenho. — Não é como se ele fosse se importar... ou precisar.

            Foi a primeira vez que Lily viu um pouco de cor surgir no rosto de Sirius. Ela nunca imaginou que um dia veria Sirius Black embaraçado com algumas palavras.

— Não parece certo. — justificou Sirius.

— A mim não parece certo você continuar usando esses trapos. — Lily respondeu com firmeza. — Você não está ofendendo a memória de James por usar as roupas dele.

            O assunto acabou morrendo quando escutaram a porta do quarto de Harry bater. O menino veio arrastando chinelos durante todo o percurso, coçando os olhos e seus cabelos que já eram bagunçados estavam, se possível, ainda mais desgovernados.

            Harry abriu um sorriso satisfeito ao identificar o padrinho tomando café da manhã em sua casa. Por um momento o menino tinha acreditado que tudo não passara de um sonho.

            Lily decidiu que deixaria os dois sozinhos para ficarem mais à vontade e voltou para o próprio quarto. Após trocar os pijamas por roupas confortáveis de trouxa, ela respirou fundo e foi até o armário.

            No maleiro havia uma caixa que ela normalmente ignoraria, mas era nessa caixa que mantinha algumas coisas de James guardadas, como sua varinha, o par de alianças dos dois, a bengala com a cabeça de cervo, documentos importantes, suas roupas de quadribol e outras coisas importantes. Ela agora deixava longe das mãos curiosas de Harry que havia afanado a capa da invisibilidade logo no primeiro ano.

            Abriu a caixa e pensou que talvez Sirius pudesse fazer uso da varinha de seu marido provisoriamente. Talvez demorasse um tempo para que ela começasse a responder a Sirius, mas quebraria um galho já que a varinha dele tinha sido quebrada quando foi mandado a Azkaban.

            Depositou a varinha de mogno flexível sobre a cama e puxou o par de vestes de bruxo que tinha guardado. Havia também uma capa de viagem, uma calça jeans trouxa e a camisa de botões.

            Lily ficou vermelha ao se lembrar daquela camisa. Ela tinha a comprado para James acompanhá-la no ensaio de casamento de Petúnia, logo após o jantar eles foram para a casa dela que estava vazia e transaram em seu quarto. Lily abriu a camisa dele com tanta violência que todos os botões descosturaram.

— Mãe?

            Assustou-se e soltou a camisa subitamente. Olhou na direção da porta e viu Harry já usando roupas de trouxa.

— Estávamos querendo dar uma volta. Pensei em levar Sirius no parque. — Harry disse tranquilamente, não parecia ter percebido que a mãe se assustara com sua chegada súbita.

— Ah querido, eu não sei... — Lily disse nervosamente.

— Oh mãe. O que é a vida sem cometer um pouquinho de risco? — Harry falou em súplica e com olhos pidões.

            Abriu um sorriso sabendo que aquela fala não era de seu filho. Como se confirmando sua teoria, Sirius surgiu com um de seus raros sorrisos verdadeiros e puxando os cabelos compridos num rabo.

— Eu estaria na minha forma animaga, Lils.

— Alguém poderia achar suspeito. — Lily insistiu. — Ah, eu não sei.

— Venha conosco então. — Harry sugeriu e apontou o polegar na direção do padrinho. — Será um passeio no parque. Sirius quer correr atrás dos pombos.

            Lily riu e Sirius parecia surpreso com o senso de humor de Harry. Ele provavelmente não esperava que o afilhado fosse James na casca e no coração.

            Uma versão mais aborrecida, porém, não tão irresponsável, assim Lily gostava de pensar.

— Tudo bem então. — Lily cedeu. — Mas só vamos sair quando a louça estiver limpa, Harry.

            Ela nunca viu Harry responder tão rápido aquela tática que Lily usava. Normalmente ele sempre reclamaria ou diria que lavaria na volta, mas era evidente que Harry estava entusiasmado para passar todo tempo disponível com Sirius, então ele imediatamente correu para a cozinha para começar a lavar os pratos.

— Obrigado Lils. — Sirius disse genuinamente.

— Apenas... apenas não ensine a ele as táticas de James para driblar Euphemia quando ele aprontava alguma em Hogwarts. — Lily revirou os olhos. — Olhe, aqui tem algumas roupas. Você costumava vestir as roupas dele e vice-versa, então acho que vai servir. Tem também um cinto dentro da caixa ao caso de ficar um pouco largo.

— Lily, não é necessário...

— Sim, é sim. — Lily disse um pouco irritada com a resistência dele. — Eu já me sinto culpada o suficiente, Sirius! Eu não preciso ficar vendo você desfilar com meu filho usando vestes de presidiário.

            Fez-se silêncio entre os dois pela primeira vez. Lily murmurou um pedido de desculpas, porque ela não tinha a intenção de se exaltar, mas Sirius fechou a porta atrás de si e caminhou na direção dela.

            Sirius não sabia lidar com sentimentalismo. Barbas de Merlin, ele só esperava que a mulher não caísse em lágrimas de novo.

            Acabando com a distância entre eles, Sirius colocou as mãos nos ombros dela.

— Eu vou repetir quantas vezes for necessário até você entender. — sua voz rouca e canina soou severa. — Não foi sua culpa. Eu disse a James para não te contar, porque eu sabia que você não concordaria. Você diria para colocarmos Remus no meu lugar, mas na época eu estava desconfiado de Moony.

— Mas eu... eu não quis sequer entender. — Lily chorava em prantos. — Eu... se-sequer procurei você para entender.

            Sirius riu amargamente.

— Lily. — ele disse o nome dela com firmeza e revirando os olhos. — Quem em sã consciência iria? Eu fui preso sem um julgamento, esse foi o problema. Não você, nem Remus...

            A ruiva limpava o rosto, seus olhos verdes inchados.

— Você foi a vítima. — Lily contrariou.

— Você e Harry são as vítimas, eu fui o mártir da proposta linha dura do Crouch. — Sirius corrigiu-a. — Wormtail causou essa bagunça, mas fui eu que sugeri a troca com James para início de conversa. Eu duvidei da lealdade de Moony, e bem, veja o que acontece com amigos que não confiam no outro...

            O comentário amargo fez Lily sorrir com tristeza para Sirius. Ela o tocou no rosto carinhosamente.

— Vamos passar por isso ok? Vamos consertar as coisas com Moony. — Lily disse mais para si mesma que para o outro. — Agora... você quer tomar um banho?

— Acho que eu gostaria. — Sirius engoliu em seco.

— Pode usar o meu banheiro. — Lily instruiu e indicou para a porta anexa ao quarto. — Há sabonete na última gaveta e escova de dente. As toalhas limpas ficam no armário.

            Ela estava a caminho da porta quando escutou Sirius chamar seu nome.

— Obrigado.

— Não me agradeça agora. Espero que esteja em forma para acompanhar Harry.

— Em quatro patas vai ser fácil. — Padfoot disse arrogante.