CAPÍTULO 2

Tarde demais para se arrepender

Os quatro garotos mais poderosos do país assistiam sem muito interesse o ataque ao aluno que havia recebido o cartão vermelho naquele dia. O pátio principal do colégio estava coberto com ovos, farinha, terra e tudo de ruim que os estudantes haviam colhido do lixo para jogar no garoto que havia tomado por engano o milk-shake de Uchiha Sasuke.

—Que tédio. – Murmurou Naruto coçando a cabeça.

Aquela era para ser uma brincadeira divertida. Era esse o intuito quando foi criada anos atrás, mas agora não tinha a mesma emoção. O loiro bocejou desviando o olhar do centro do pátio e percebeu que o C4 estava incompleto.

—Onde o Gaara foi? – Perguntou olhando na direção das portas. Gaara sempre escapava deles sem que percebessem. Ele também não achava os espetáculos dado por seus colegas assim tão interessantes. Na verdade, Gaara nunca pareceu se divertir com a guerra que o C4 começava ao dar um cartão vermelho para algum aluno.

—Quem sabe. – Respondeu Sai dando de ombros. – Deve estar tirando um cochilo em algum lugar, como sempre.

Sai estava com toda sua atenção no celular, conversando com uma mulher. As que faziam seu tipo eram as mulheres mais velhas que ele. Sai não tinha vergonha de admitir isso. Na verdade, se achava muito importante por esse feito.

Ele, como Naruto não se divertia mais como antes ao assistir os ataques que o cartão vermelho provocava, por isso deixava sua atenção em assuntos mais interessantes, como o “nudes” que tinha acabado de receber de uma das suas paqueras.

—Vamos embora. – Ordenou Sasuke se levantando do seu trono.

O líder do grupo, embora não admitisse em voz alta, compartilhava do mesmo tédio que seus amigos. Mesmo que não tivesse a mesma satisfação por causar todo aquele caos no colégio, como tinha anos atrás, a sensação de que estava no comando era o suficiente para ele.

O pátio ficou silencioso assim que os três se levantaram e saíram pelas mesmas portas pelas quais entraram. Quando elas se fecharam às suas costas, os três ainda podiam ouvir as gritarias que recomeçaram.

~*~

A primeira aula tinha sido cancelada, por isso o professor nem tinha dado as caras. Depois da segunda aula, Sakura estava tão incomodada pela raiva contida dentro dela, que ao invés de ir para o refeitório, correu para a saída de emergência do último andar desejando imensamente ficar sozinha.

Ela desceu as escadas que ficavam do lado de fora do prédio e segurou com força o parapeito.

—C4 idiota! – Gritou para o céu desejando despejar toda sua raiva para fora. – Bando de riquinhos metidos à besta!

Se gritar era seu único jeito de mandar embora toda aquela raiva, era o que faria dali para frente.

Com um sorriso satisfeito, ela virou-se, depois voltou pelo caminho que tinha acabado de fazer. Se tivesse olhado para baixo, no lance de escadas à esquerda, ela teria visto Sabaku Gaara com um livro na mão e um olhar confuso e ao mesmo tempo curioso na direção dela.

~*~

—O que você fez de diferente na escola hoje, Sakura?

Sem que sua tia visse, Sakura revirou os olhos pela milésima vez. Ela estava lavando a louça do jantar enquanto a tia limpava a mesa.

—Por que a senhora me pergunta isso todos os dias? Fiz exatamente o que se faz em uma escola comum. – Respondeu ela dando de ombros.

Sakura não havia contado aos tios que aquela escola parecia mais um hospício, onde os jovens atacavam uns aos outros por causa de um cartão enviado pelos riquinhos metidos do C4. Ela não contou, porque pensava que eles não acreditariam nela, ou iriam se preocupar. Ou poderiam pensar que ela estava procurando desculpas para sair do Konoha Elite. Seu tio que não era nada bobo, havia percebido a falta de empolgação dela logo nas primeiras semanas de aula na nova escola. Ele sabia que havia algo errado, mas não pressionava Sakura a contar.

Sua tia, porém, estava alheia aos sentimentos da sobrinha. Ela achava que Sakura estudava na escola dos deuses e estava mais feliz que qualquer outra criatura do mundo. Sakura não queria decepcioná-los demonstrando o quanto estava odiando ir todos os dias para aquele lugar. Seus tios estavam felizes, pois acreditavam que Sakura teria um futuro brilhante por estudar no Konoha Elite. Eles não tinham dinheiro para envia-la a uma boa faculdade, mas estudar no colégio mais prestigiado do país abriria as portas para muitas possibilidades.

Sakura era grata por eles terem cuidado dela depois que seus pais morreram. Seus tios eram pobres, mas não pensaram duas vezes antes de abrirem suas portas para recebe-la. Eles a tinham como filha e se preocupavam com o futuro dela.

Era só por isso que Sakura não se queixava por estar infeliz naquela escola. Por seus tios, ela enfrentaria qualquer coisa.

Inclusive quatro garotos mimados que se achavam os reis do mundo.

~*~

Sakura encontrou Karin no refeitório após a segunda aula daquele dia chuvoso de quinta-feira. Elas tinham muitas aulas juntas e por isso haviam se aproximado mais durante aquela semana. Sakura estava almoçando, quando Karin parou ao lado da sua mesa segurando uma bandeja.

—Isso parece delicioso! – Disse Karin com um sorriso olhando para o prato de Sakura. – Você traz seu almoço de casa? Não gosta da comida do refeitório?

Sakura mastigou duas vezes mais antes de responder com um aceno de cabeça. Na verdade, ela não tinha dinheiro suficiente para gastar no refeitório da Konoha Elite e mesmo que tivesse não iria desperdiçá-lo naquela comida tão requintada.

—Eu adoraria comer algo preparado pela minha mãe. – Disse Karin sentando-se no lugar de frente para Sakura. – Mas ela nunca tem tempo para nada.  

—Você quer provar um onigiri? – Ofereceu Sakura gentilmente gesticulando para um dos bolinhos de arroz em sua marmita. – Minha tia sempre exagera e nunca consigo comer tudo.

Karin aceitou um bolinho e curiosa perguntou para Sakura porque sua tia havia cozinhado para ela.

—Eu moro com meus tios. Meus pais morreram quando eu era pequena. – Respondeu Sakura gentilmente, sentindo-se culpada pela expressão aflita de Karin que parecia arrependida por ter feito tal pergunta.

—Eu sinto muito, Sakura-chan! Eu não sabia!

—Está tudo bem. – Respondeu a Haruno com um aceno, voltando a atenção ao seu almoço.

Elas continuaram almoçando e conversando tão despreocupadas, que nem perceberam o momento em que o C4 entrou no refeitório. Karin estava distraída jogando molho em mais um bolinho que Sakura lhe dera, quando se descuidou e o vidro de molho escorregou de sua mão, caiu da mesa e bateu no chão, respingando para todos os lados.

Os olhos de ambas garotas seguiram o caminho que o vidro de molho fez, até as gotas que pingaram em um pé de tênis brancos adidas de alguém que passava pela mesa delas naquele exato minuto. Elas olharam para cima e o coração de Sakura parou de bater.

O dono dos tênis adidas era ninguém menos que Uchiha Sasuke.

Karin soltou um gritinho de susto e Sakura, com olhos arregalados prendeu a respiração. Ela não sabia dizer se seus ouvidos estavam entupidos ou se o silêncio total no refeitório era real.

Uchiha Sasuke desceu o olhar inexpressivo para seus pés, em seguida para a garota que havia derrubado o molho.

Karin se levantou lentamente e com os ombros encolhidos tentou se desculpar, mas sua voz saiu tão baixa que nem mesmo Sakura ao lado dela pôde entender.

—O que foi que você disse? – Perguntou Sasuke arqueando uma sobrancelha.

—Eu sinto muito! Foi um acidente! Eu posso... Posso limpar o seu tênis! – Disse Karin encolhida sem conseguir olhar nos olhos do líder do C4.

—Ela disse limpar? – Questionou sarcasticamente o Uchiha olhando para um de seus amigos. – Você acha que isso é suficiente?

Karin não pôde responder e Sakura apertou os punhos quando a raiva a consumiu.

—Você pode limpá-lo, sim. – Disse o Uchiha com um meio sorriso. – Mas deve ser com a língua.

Karin o encarou de olhos arregalados e Sakura pôde perceber que ela estava tremendo. Todos observavam aquela cena humilhante como se fosse um espetáculo. Sakura olhou à sua volta e se horrorizou pelas expressões maliciosas das pessoas.

Quando Karin deu um passo hesitante à frente e fez um movimento para se ajoelhar diante do Uchiha, Sakura se levantou e bateu seus punhos fechados na mesa, causando um barulho estridente pelo refeitório silencioso.

—Ei, seu idiota! Ela não fez por mal e já pediu desculpas! Qual é o seu problema? – Gritou ela sem poder se conter nem mais um segundo.

O refeitório não estava mais em silêncio. Um burburinho, um arrastar de cadeiras e de hashis caindo nos pratos circulou por todo o ambiente, pois ninguém acreditava na cena que estavam presenciando. Quem seria aquela maluca que gritou com um membro do C4? Não apenas um membro, mas o líder Uchiha?

—Você... Me chamou de idiota? – Perguntou Sasuke igualmente atônito, como todo o resto da escola. Ele encarou a garota de cabelos róseos por mais um segundo antes de acreditar que de fato alguém teve coragem o bastante para xinga-lo.

Sasuke deu um passo para frente, olhando Sakura mais de perto. A Haruno não vacilou pela aproximação. Ela sentia seu sangue ferver. Não era só pelo que havia acontecido com Karin, sua única amiga naquele lugar, mas por todas as outras coisas ruins que aconteceram e que ela só pôde assistir sem fazer nada.

—Olha só! Uma demonstração barata de amizade. – Murmurou Sasuke com um sorriso irônico. – É mesmo amiga dela? Então não vai se importar de lamber meu tênis em seu lugar.

Sakura olhou para a gota minúscula de molho no tênis dele.

Todos à sua volta pareciam ansiosos para ver o que ela iria fazer. Até mesmo os outros membros do C4, como ela constatou. Uzumaki Naruto tinha os olhos arregalados e ansiosos, Toudo Sai não escondia sua ansiedade e Sabaku Gaara, embora estivesse inexpressivo, olhava atentamente para ela.

Sakura respirou fundo, abaixou-se e Sasuke deu um sorriso triunfante.

Que durou um segundo, pois a Haruno abaixou-se apenas para pegar o vidro de molho do chão e derramar todo o conteúdo dele nos pés do Uchiha.

—Eu já estou farta de você e dos seus amiguinhos fantoches! – Disse ela batendo com o vidro de molho na mesa. – Vocês andam por aí intimidando as pessoas só porque a mamãe e o papai são ricos! Mas acontece que vocês não fizeram nada para merecerem o que tem!

O Uchiha a encarou em silêncio. Sua expressão, horrorizada por ela ter sujado ainda mais seus tênis, havia ficado sombria e gelada. Sem dizer nenhuma palavra, ele lhe deu as costas e saiu do refeitório, sendo seguido por seus amigos.

Sakura respirava pesadamente, observando o grupo desaparecer de vista e quando se deu conta do que tinha acabado de fazer, era tarde demais.

Ela arregalou os olhos e os desviou para os outros alunos que estavam paralisados e boquiabertos olhando para ela e conversando entre si. Karin a encarava com olhos arregalados e as mãos na boca.

Droga! O que foi que eu fiz?