Demorou um pouco mas Richard e Gavin conseguiram chegar na delegacia junto a Trent e o seu filho pequeno, Gavin ainda sim mantinha o seu olhar um pouco distante e sua expressão facial deixava nítido que ainda estava entre seus pensamentos enquanto mantinha suas mãos nos bolsos de sua jaqueta, o androide com uma mão nas costas do homem ruivo conduzia-o até o escritório enquanto o mesmo mantinha sua cabeça baixa olhando os olhos do seu filho que mostrava tristeza e preocupação por nunca estar antes em uma delegacia, algumas pessoas que passavam entre eles não conseguiam deixar de olhar para Trent com suas mãos algemadas, ao entrar no escritório, Richard observa um pouco ao longe na mesa de Hank quatro pessoas, Connor e ele como sempre mas além disso um homem e uma mulher que estavam de costas em seu campo de visão, voltou a ignorá-los e andou até a sala de interrogatório adentrando.

Já dentro da sala, Richard abre uma outra porta que dava a uma pequena sala onde só havia dentro uma mesa e duas cadeiras

— Espere um pouco ai dentro, logo voltaremos

Trent não disse uma única palavra e apenas obedeceu o androide entrando na sala com a cabeça baixa, fechando a porta em seguida, pelo espelho conseguia observar que o homem ruivo andou em direção a mesa e se sentou na cadeira do lado direito da mesa e pôs seus braços na mesa, Gavin encostou-se na parede e cruzou os braços enquanto olhava um outro policial que havia entrado na sala para tentar confortar o garotinho que segurava trêmulo um copo de água

— Detetive Reed – Se aproximando do mesmo que o olhou atentamente – Você vai ou eu vou?

— Pode fazer as honras, baldroide, você que desvendou esse caso então termine o que começou

— Tem certeza disso?

— Você é surdo ou o que? – Em um tom um pouco zangado soltando um suspiro em seguida – Escuta, eu não faço a mínima questão de ter que ficar encarando um cuzão que queria tirar a minha vida há pouco tempo, se eu tiver que fazer as perguntas e ele não responder é bem capaz que ele receba uma bala na testa, então se você não quer ver isso acontecer é melhor que você vá

Richard apenas assentiu, foi em direção a porta da outra sala novamente e adentrou sem cerimônia, olhando para Trent ele podia observar o quanto humanos podiam achar aquela sala um tanto quanto intimidadora já que estava prestes a ter uma prosa olhos nos olhos com ele que sempre mantinha a mesma expressão gélida, olhou de canto em direção a janela espelhada e se não tivesse visto do outro lado nunca poderia dizer que estavam sendo observados já que só conseguia ver o reflexo da sala em que estava agora naquele espelho, vagarosamente ele anda em direção ao outro com o som de seus sapatos ecoando por todo aquele lugar regido pelo silêncio, puxou a cadeira e se sentou em frente a Trent que ainda sim mantinha a cabeça baixa

— Estamos sendo observados, não estamos?

— Você vê mais alguém nessa sala além de nós dois? – Pergunta Richard se despindo de sua blusa com o logotipo "Android" a colocando de seu colo ficando somente com sua blusa social preta de manga comprida, talvez tenha feito isso para deixar o ambiente tenso um pouco mais descontraído

— Isso é uma sala de interrogatório, sempre vai ter pessoas ouvindo o que temos a dizer, é igual aos filmes

— Talvez esteja certo – Estendendo suas mãos sobre a mesa – Bem agora irei lhe fazer umas perguntas e espero que seja totalmente sincero para terminarmos o mais breve possível

— Espere, e o meu filho? ele está bem?

— Se isso for tranquilizá-lo saiba que ele está seguro e a salvo mas de agora em diante sou eu que faço as perguntas aqui

— Pode perguntar o que quiser, eu não tenho mais nada a esconder ou temer
Gavin do outro lado da sala mantinha atentamente seu foco direcionado a janela e esboça um leve sorriso de canto quase imperceptível com a abordagem de Richard, definitivamente ele é diferente de Connor em muitos aspectos de sua personalidade, principalmente por ser direto ao ponto sem desviadas em seu objetivo

— Terça Feira, 25 de janeiro de 2039 foi encontrado o corpo de sua cônjuge Sharon Blake com uma bala de revólver calibre 36 alojada no crânio, quer começar a se explicar?

— Sim fui eu que a matei mas eu juro, foi em legítima defesa – Trent estendeu melhor uma de suas mãos que estava enfaixada e com uma mancha de sangue no tecido, Richard por sua vez olhou aquilo com um certo interesse – Ela teve um de seus surtos de repente, pegou a faca que estava no balcão e tentou atingir o meu peito mas eu pus a mão na frente para me defender, dai tomei outra facada que acabei caindo

— Virando um pouco o rosto para que o androide pudesse ver melhor o corte pouco profundo na bochecha do homem ruivo

— Tem algum motivo específico para ela ter tido esse tipo de surto subitamente?

— Bem, ela era viciada em drogas, você sabe, rubrite e outras coisas ilícitas, já tentamos interná-la em centros de reabilitações e no começo parecia funcionar mas sempre que voltava pra casa os problemas pioravam, ela ficava muito agressiva com qualquer coisa e sempre conseguia algum jeito de conseguir cocaína e rubrite mas chegou um tempo em que não tinha como pagar mais uma clínica a ela e o único jeito foi tentar o tratamento em casa, aliás, péssima ideia... – Suspirando fundo

Richard cautelosamente analisava cada expressão, tom de voz e profundidade nos detalhes que o outro lhe contava, seu sistema não informava nenhum indício que ele pudesse estar mentindo principalmente por estar dentro da recriação que fez no local do crime e pelas provas que Gavin encontrou

— Como eram esses impulsos agressivos?

— Sempre que ela não usava drogas ela começava a suar frio e depois tremer, então ela xingava, jogava as coisas no chão e muitas vezes queria descontar no meu filho, eu nunca deixaria isso acontecer principalmente por ela ser a madrasta e não ter nenhum direto de encostar um dedo nele

— Interessante – Seu olhar neutro de sempre agora demonstrava interesse, quem diria que seu primeiro caso com a policia poderia ter sido tão envolvente e curioso – E depois, como você se livrou dela?

— Ela tinha subido em cima de mim e tentou a todo custo me perfurar com a faca, estava difícil de impedir pela dor do corte que estava em minha mão mas eu reuni forças pensando que ela podia matar o meu filho depois de me matar e consegui erguer o meu pé na altura da barriga dela e a empurrei, ela acabou indo ao chão junto com a cadeira que estava na frente

— E onde o seu filho estava neste momento?

— Ele estava assistindo televisão mas correu pro banheiro assim que tudo isso começou – Isso coincidia com ter encontrado a televisão ligada em um canal infantil

— Desculpe, pode prosseguir

— Tudo aconteceu tão rápido, eu só me lembro que nessa hora eu me senti fora de mim então... Eu peguei a arma que estava na minha cintura e... – Trent não conseguia terminar sua fala, relembrar o que aconteceu lhe fez ficar um pouco trêmulo encarando os olhos de Richard

— Eu acho que já entendi, você agiu por uma coisa que vocês humanos chamam de impulso, não? – O outro apenas concordou com a cabeça

— Eu sei que agi de forma muito errada e estou disposto a pagar pelo crime que cometi mas você sabe o que é agir pelo momento, não?

— Eu sou apenas uma máquina, Trent, não fui programado para entender ou ter sentimentos como os humanos

— Corta essa, acha mesmo que não tem nenhum sentimento depois do que fez hoje quando defendeu o seu parceiro?

Richard o olhou sem entender do que o outro estava se referindo, Trent olhou um instante para o vidro espelhado que o refletia sabendo que estava sendo observado e então se aproximou mais próximo de Richard fazendo um gesto para que o outro fizesse o mesmo, o ruivo se aproximou próximo a orelha do androide e falou quase em sussurro

— A forma que você correu para salvá-lo assim que ouviu o som do tiro que acertou a parede, você simplesmente entrou na frente dele antes que eu sequer pensasse em puxar o gatilho, e o jeito que o defendeu puxando a arma na sua cintura, não é qualquer um que iria fazer isso por alguém, por mais que você negue isso foi um ato bem corajoso e de instinto rápido, depois de todo o protesto que vi os androides fazendo pela liberdade eu tenho uma nova visão sobre vocês e você é tão humano quanto qualquer um de nós
—--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
RK900 Status: »Instabilidade de Software ↑«
—--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Trent se afastou de Richard que por um instante estava com a visão fora do foco, aquelas palavras do outro lhe chegaram de alguma forma inexplicável mas que sabia que iria se lembrar disso, o círculo LED de sua cabeça rodou entre amarelo e azul até que recuperou o foco no interrogatório, olhando-o novamente nos olhos

— Trent Blake, agradeço por você ter colaborado com esta investigação, embora você tenha confessado tudo precisamos de um pequeno tempo para poder tomarmos uma decisão sobre sua liberdade, principalmente por ser raro encontrar um caso em que a agressão vem por parte de uma mulher

— Eu sei que é difícil de acreditar pois estamos sempre acostumados com noticias de que homens agridem e matam suas esposas porque este tipo de violência se tornou comum nos noticiários mas isso serviu para mostrar que algumas mulheres podem se tornar ainda mais traiçoeiras que os próprios homens, infelizmente as pessoas ainda zombam quando ouvem que uma mulher pode chegar a agredir porque desmerecem a força e a possibilidade delas poderem fazer isso, mas acredite, humanos são capazes de tudo – Abaixando novamente sua cabeça

— E também agradeço pela honestidade em conter os fatos, por enquanto você terá que ficar detido aqui até que a decisão seja tomada

— Eu entendo... Mas e quanto ao meu filho? o que irá acontecer com ele?

— Por enquanto iremos deixá-lo com algum outro responsável de confiança da sua família até que possa sair daqui, não se preocupe agora ele está a salvo

— Muito obrigado, androide, ele não merecia ter vivenciado tudo isso que aconteceu em tão pouco tempo, espero que assim que sair daqui ele ainda possa me perdoar

Trent novamente abaixou sua cabeça e mostrava feições de arrependimento, aquele interrogatório já havia encerrado por ali, Richard olha para o espelho e faz um gesto com o seu dedo polegar para indicar que já havia terminado, o policial do outro lado já estava adentrando na mesma sala que o androide para poder levar Trent até sua nova cela, Gavin por outro lado fitava Richard do outro lado enquanto sorria de satisfação, por mais que não era de admitir ele mesmo sabia que o androide fez um ótimo trabalho neste caso, o androide levantou e apanhou sua blusa da cadeira indo em direção a saída da sala, ao voltar ao escritório se encontra com Gavin e Tina conversando entre si próximo de onde ele estava mas resolveu dar de ombros e ir a mesa do detetive para checar qual seria o próximo caso que deveria investigar porém a poucos passos dali foi chamado a atenção

— Ei, baldroide! – Gavin caminhou em sua direção e parou atrás do outro que virou em seu encontro

— Aconteceu algo, detetive?

— Não é nada, é que... Parabéns pelo trabalho, você mandou bem hoje – Seu gesto de mexer os braços e pernas mostrava que o detetive estava sem jeito

— Eu não teria conseguido sem a sua ajuda, detetive Reed – Já estava quase se virando novamente

— Não é só isso, o que você fez hoje – Dando uma pequena pausa indicando dificuldade de se expressar, enquanto isso o outro mantinha o olhar focado em seu rosto – Você salvou minha vida mesmo que eu tenha mandado você não se mexer... Valeu por aquilo – (Relacionamento: Gavin ⌂ - Confiança)

Logo após seu agradecimento, o detetive virou-se e voltou a falar com Tina andando com ela até a cafeteria, Richard não sabia muito bem o que dizer ou pensar mas que não pensaria duas vezes em salvar seu parceiro mas isso gerava uma dúvida interna, que força maior foi aquela que acabou fazendo tomar uma atitude fora do que lhe foi programado? e aquilo que Trent havia lhe dito poderia ter algum fundo de verdade? pelo menos por aquele instante queria apagar aquilo de sua memória interna, Richard andou até a mesa de Gavin e logo ouviu a voz de Connor chama-lo, o mesmo direciona seu olhar para o seu modelo antigo e caminha até sua direção

— Espero não estar interrompendo o seu trabalho com o detetive Reed

— Não tem problema, o detetive foi fazer uma pausa para o café – Cruzando os braços – Mas por que me chamou até aqui?

— Bem, não sei se você os conhece – Hank tomou a palavra – Mas acho que devia ter sua primeira impressão com os divergentes que mudaram a história de Detroit

Richard volta sua atenção as pessoas que estavam ao seu lado e seu círculo LED mudou para amarelo, seu olhar também mudou e ficou levemente surpreso

— Quero que conheça Markus e North

— Eu não sabia que Connor tinha um irmão mais velho, haha! – Riu de forma amigável o homem negro – muito prazer, meu nome é Markus