Agorafobia escrita por Ninja da Noite


Capítulo 1
Agorafobia


Notas iniciais do capítulo

Escrevi esse pequeno relato com a intenção de passar, com o máximo de clareza, o sentimento da agorafobia e como é conviver com ela no dia a dia.
A personagem e a situação foram inspiradas em minha própria experiencia com a fobia.
Lembrando que ela pode ter várias sintomas e manifestá-los de formas diferentes em cada pessoa, portanto a minha experiencia pode não ser a mesma que a de outras pessoas que passam pela mesma situação.



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Elizabete se ajeitou no assento do transporte coletivo em que estava, remexendo inquieta seus dedos no colo ela olhou para a noite iluminada pela janela. Já passava das 19:30, e ela sabia disso porque olhava para a tela do celular a cada 2 minutos.

Por habito ela fez isso mais uma vez, confirmando ser 19:32, enquanto tentava sem muito sucesso se distrair das voltas que sentia em seu estômago e da dor aguda em seu ventre que anunciava uma incômoda dor de barriga.

Se ela descrevesse aqueles sintomas a alguém essa pessoa provavelmente ficaria preocupada, diria para ela procurar um médico ou tomar algum remédio para indigestão. Para a moça aquilo seria totalmente inútil, conhecia aqueles sintomas como a palma de sua mão, sabia exatamente o porquê de eles estarem presentes ali e sabia que se livrar deles não seria tão fácil.

Ela suspirou recostando a cabeça na janela sacolejante, pensando inevitavelmente no que viria nos próximos minutos. Ela desceria do ônibus, andaria por alguns quarteirões até sua casa passando pelas ruas desertas de seu bairro não muito seguro. Suspirou outra vez, a essa altura todos, inclusive ela, já esperavam que a mulher estivesse acostumada com essa rotina, havia repetido esses mesmos passos pelos últimos dois anos. Mas não era isso que havia acontecido, por todos os dias que ela podia se lembrar o medo ainda estava ali presente, sufocante, causando todos aqueles variados sintomas, mandando seu coração voar em seu peito e suas pernas tremerem.

Observou a esquina em que o ônibus virava, faltavam duas ruas agora, e ela estaria sozinha com um longo caminho a ser feito. Por várias vezes ela pensou em ligar para alguém, pedir para uma pessoa de confiança a buscar no ponto, no começo havia sido assim, mas com seus 27 anos ela sentia vergonha de buscar isso. Oras, ela era uma adulta e como tal, deveria se virar.

Sem ânimo algum ela se levantou apertando o botão para chamar a atenção do motorista, alguns segundos depois ela desembarcou em frente ao velho supermercado que se aproximava do horário de fechamento. Sem que ela percebesse seus olhos passaram pelos painéis de vidro do estabelecimento, procurando por alguém que por sorte fosse seu vizinho e que por coincidência estivesse indo para casa nesse exato momento. Sua busca impensada foi em vão.

Resignada ela se encaminhou para a esquina, sentindo seu coração acelerar a cada passo. Sabia que depois daquela curva não haveria nenhum supermercado aberto, apenas casas com portões bem trancados e alguns lotes vagos que ficavam sinistros na escuridão da noite.

Sua perna bambeou levemente quando ela alcançou o local, olhou para o fim da rua a uns bons duzentos metros e sua visão pareceu escurecer levemente. A adrenalina em suas veias fez suas pernas, agora dormentes, começarem a se mover rapidamente, se esforçando para leva-la o mais depressa possível para o seu destino.

Seus olhos se moviam rápidos passando por cada sombra suspeita que as luzes dos postes não conseguiam cobrir, sua cabeça se virava para trás involuntariamente a cada cinco passos, seus ouvidos tentavam estar atentos, mas as batidas fortes do coração da moça atrapalhavam sua audição.

Depois do que pareceu ser uma eternidade ela chegou à próxima esquina virando na rua adjacente. Apesar disso não conseguiu se acalmar, ainda faltavam alguns metros pela frente e outra esquina para dobrar.

Sua tortura psicológica se tornou ainda mais dolorosa quando ela viu um homem se aproximando, vindo em sua direção. Seguindo todos os alertas que seu corpo lhe dava ela atravessou a rua indo para a calçada oposta, mas não pôde parar seus pensamentos incontroláveis.

“E se ele for um ladrão? Ou pior, um tarado? E se ele estiver armado? E se ele me atacar? Será que eu consigo acionar a discagem rápida antes de ele me golpear? Se ele vier para cima de mim eu vou gritar. Mas será que alguém me ouviria? Será que alguém me ajudaria? Devo gritar Fogo, foi o que li uma vez, se eu gritar Fogo tem mais chances de alguém aparecer. É isso, se ele se aproximar vou gritar Fogo como toda a força. Mas e se ele tampar minha boca? Mas e se...”

Enquanto sua mente batalhava para encontrar uma saída para todos os possíveis problemas, os metros de distância entre eles diminuíam e para Elizabete estava se tornando impossível respirar. O aperto em seu peito era quase insuportável e ela podia ter certeza que havia algo em sua garganta impedindo o ar de passar.

O homem não atravessou a rua, o que causou um certo alivio na mulher, porem esse sentimento desapareceu assim que ela ouviu a frase.

— Boa noite princesa.

Ele não elevou muito o tom da voz, porém com o silencio esmagador da rua, mesmo do outro lado da rua ela pôde ouvir claramente, o que foi o suficiente para seu cérebro parar de funcionar por um segundo e todos os seus músculos se retesiarem, fazendo com que ela acelerasse ainda mais as próprias pernas. Sentiu seus braços perderem todas as forças, porem sabia que poderia sair correndo o mais rápido possível caso fosse necessário.

Sem outras falas ou atitudes o homem passou por ela, e agora eles passaram a se distanciar. A mulher não conseguiu evitar o impulso de olhar para trás e seu passo acelerou ainda mais ao perceber que o homem fazia a mesma coisa.

Tentando pensar racionalmente se concentrou na esquina que agora se aproximava mais depressa. Antes de vira-la não resistiu a dar uma última olhada por sobre o ombro, suspirou de alivio ao ver que homem já desaparecia à distância.

Respirando fundo para tentar acalmar o corpo e a mente ela avistou o portão de sua própria casa. Suas mãos trêmulas demoraram um pouco para alcançar suas chaves no fundo da bolsa e demoraram mais ainda para conseguir enfiar a chave certa na tranca.

Ela entrou, fechando o portão depressa e o trancando, correu para a porta e repetiu o processo. Finalmente podia respirar decentemente, estava segura e exausta. Ela trabalhava o dia inteiro em pé, mas sabia que não era isso que a deixava tão cansada, era justamente a hora de ir embora, o estresse, o medo, a correria, o ataque de pânico, era essa a parte mais exaustiva e difícil de seu dia.

Jogou a bolsa no sofá e sem pressa alguma se encaminhou para o banheiro, tirando a roupa pelo caminho, ansiando por um banho. Deveria estar descansada para o próximo dia que, ela sabia, seria exatamente como esse.


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Notas finais do capítulo

Espero ter alcançado meu objetivo e ter feito você leitor entender pelo menos um pouco da angústia da personagem.
Caso você tenha se identificado em algum momento com a situação, sugiro de todo o meu coração que você procure ajuda profissional, não é nenhuma vergonha e a fobia é sinal de outros problemas como transtorno de ansiedade, depressão, entre outros.
Muito obrigada a você que leu até aqui, deixe um comentário com sua opinião e impressão.
Beijos e até a próxima.



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