Jornada para o amor. escrita por ElaineBDQ


Capítulo 4
Saindo da rotina.




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— Papai, o que é negro imundo? — O pequeno Emir olhou para o pai com uma interrogação.

— Onde você ouviu isso Emir?

— Meu colega da escola falou. Isso é algo ruim?

Um dos seus maiores receios estava sendo real, pensou Samuel.

— Isso é algo feio! Muito feio! Nunca deixe ninguém tratá-lo assim! Quando isso acontecer, informe a sua professora. Ouviu Emir?

— Sim papai!

Quando ele chegou ao Brasil sofreu muito preconceito. Primeiro porque era um negro vindo de um país pobre, e depois por ser imigrante ilegal. Não foi fácil! E até hoje não era. Mas nunca baixou a cabeça ou se sentiu inferior a ninguém!

Na manhã seguinte ele chegou ao trabalho. Já na porta, percebeu que havia outras pessoas na casa.

— Que bom que chegou Samuel — disparou Sandra ao vê-lo entrar pela ala de serviços. — A senhora Fernanda vai sair com a cunhada.

Mais um passeio em lojas e compras, pensou irônico.

Alguns minutos e lá estavam as duas elegantes senhoras, vindo em direção ao veículo. Fernanda vinha na frente, com um belo vestido de alças finas que realçava ainda mais sua pele clara. Ela levantou o olhar e o fitou por alguns segundos. Sentindo-se pego naquela admiração secreta ele desviou o olhar.

Já dentro do veículo, Patrícia comentou próximo ao ouvido de Fernanda:

— Ele é muito bonito!

Ela olhou para a cunhada e não entendia sobre o que ela falava.

— Vai me dizer que nunca notou?

Fernanda percebeu que ela se referia a Samuel. Ela então olhou para ele. De fato, havia notado que era um homem bonito. Fugia aos padrões locais. Algo que tinha lhe chamado a atenção era a tonalidade de seus olhos na cor âmbar.

Samuel era um homem másculo, alto e chamativo. Sabia poucas coisas sobre sua vida particular. Apenas o necessário para uma contratação. Já havia notado seu jeito sério e de poucos sorrisos. Fernanda estava distraída analisando-o foi então, que de repente seus olhares se encontraram novamente. Era a segunda vez naquele dia! Pensou ela desviando o olhar e colocando o óculos escuro.

— Você tem muita imaginação Patrícia! — comentou cortando o tema.

Samuel levou as mulheres ao shopping e seguiu indo em várias direções. As duas mulheres pareciam esquecer o mundo ao entorno. Depois de idas e vindas, Fernanda retornou ao veículo com várias sacolas.

Era bom ser rico! Pensou Samuel enquanto abria o porta-malas e acomodava as sacolas no lugar. Depois abriu a porta para que ela entrasse no carro, então assumiu o controle da direção.

— Vamos!

Ele entendeu que a cunhada dela não voltaria com eles.

Durante o retorno, Fernanda mais uma vez mantinha-se calada. Talvez não tivesse muito que falar com um motorista! Pensou ele enquanto olhava para ela e perguntava:

— A senhora quer ouvir alguma música?

Ela o fitou surpresa e pareceu pensar um pouco e por fim respondeu:

— Não Samuel. Prefiro o silêncio.

Sim senhora! Aquilo era uma resposta dupla? Ou apenas uma resposta normal? Não saberia dizer. Mas não voltou a puxar assunto com ela.

O celular dele soou e reconheceu o que o número de Emir. Sentiu apreensão. Tinha dito ao filho que ligasse apenas quando fosse algo muito urgente. O que havia acontecido?

Mas ao mesmo tempo estava em trabalho e não poderia atender. Aquela inquietação o estava matando!

Fernanda percebeu sua apreensão e disse:

— Seu telefone está soando Samuel.

Ele fitou-a e respondeu.

— É meu filho. Eu pedi que ele ligasse apenas em casos de urgência.

—Então atenda! Mas, por favor, pare o carro. Não quero causar nenhum acidente.

Samuel surpreendeu-se ao ouvi-la dizer aquilo, mas agradeceu.

— Obrigado.

Enquanto ele falava, Fernanda recordava do acidente que vitimou sua filha. Tudo havia acontecido por causa de uma distração ao telefone. Foram segundos, mas tinham lhe tirado o mais preciso que tinha.

— Em que hospital ele está?

A voz preocupada de Samuel a trouxe de volta à realidade. Pelo que tinha ouvido, o filho dele estava no hospital.

Assim que desligou o aparelho ele olhou para Fernanda e disse:

—Perdão, mas eu preciso ir ao hospital. Meu filho teve um acidente no colégio.

— Por favor, vamos! — disse Fernanda instantaneamente. Poderia soar estranho , mas ela seria insensível se não se compadecesse numa situação como aquela. 

Samuel estava nervoso, Fernanda podia notar por sua pressão ao volante. Depois do acidente, não gostava de veículos em altas velocidades, mas o perdoava, pois o filho dele estava no hospital. Se fosse sua filha, faria a mesma coisa.

Eles chegaram ao hospital em poucos minutos. Samuel estacionou o veículo e saiu apressado esquecendo que Fernanda estava ali. Ela saiu do carro e o seguiu. Talvez precisasse de ajuda. Ou quem sabe não. Mas ainda assim ela o seguiu.

Fernanda entrou no quarto onde Samuel tinha entrado. Viu que ele estava sentado na beira de uma cama e que nela havia um garoto. O menino estava com um curativo na testa, mas mantinha seu jeito de menino travesso, como se nada daquilo estivesse acontecendo.

— O que houve Emir? — perguntou Samuel falando em seu idioma local e o menino pareceu entender que era algo sério e abaixou a cabeça. — O que houve Emir?

— Ele falou aquela palavra feia! — o menino começou a chorar e Samuel se calou.

— E por isso você brigou com seu colega?

— Eu não sou essa coisa feia!

Samuel tocou a face do filho e afastou as lágrimas no rosto do pequeno.

—Emir, você não é essa coisa feia meu filho. Você é um garoto inteligente e muito esperto. Não faça mais isso. Quando isso acontecer, informe a sua professora. Foi o que eu disse, lembra?

O garoto assentiu concordando e em seguida com seu jeito infantil disse:

—Desculpa papi.

—Só se você me prometer que não fará isso novamente!

— Sim.

Samuel abraçou o filho e o beijou no alto da cabeça.

Fernanda via toda aquela cena entre pai e filho. Não poderia ter presenciado coisa mais bela. Então o garoto a encarou com seus belos olhos âmbar, como os do pai. Emir era muito parecido com Samuel, pensou ela enquanto sorria para o menino.

— Quem é papai?

Samuel então notou a presença de Fernanda.

“Céus! Havia esquecido completamente dela.”

Ele levantou e caminhou até onde ela estava e com gestos de nervosismos tentou se desculpar.

— Por favor, Samuel, eu não irei brigar com você por causa disso. Apenas cuide de seu filho.

— Mas eu preciso levá-la para a sua casa.

De fato ele precisava, pensou Fernanda. Mas como ele poderia fazer aquilo quando estava naquela situação com o filho?

— Eu posso pegar um táxi.

Naquela hora o celular dele voltou a soar. Ele atendeu ao reconhecer o número da casa dos Accioli.

— Samuel, pegue o senhor Lorenzo na empresa! Dentro de meia hora ele vai precisar estar numa reunião importante!

— Sim, Sandra.

— Não se atrase!

Quem havia dito que ser motorista era fácil?

Samuel olhou para Fernanda que o encarava.

— Você precisa pegar o meu marido?

Fernanda sabia que naquele dia teria uma reunião importante com o marido e algumas pessoas da empresa. Odiava aquelas reuniões! Apesar das consequências, já tinha tomado de não ir.

— Sim senhora, mas...

— Eu posso ficar com ele.

Onde ela estava se metendo? Pensou Fernanda enquanto olhava para a cara de surpresa de Samuel. Mas uma coisa lavava a outra. Ela ouviu quando o médico falou que o garoto receberia alta após o resultado do exame. Não poderia ficar sem ajuda-lo.

Samuel estava constrangido com aquela situação, mas a verdade é que estava sem opção. Precisava aceitar a ajuda de Fernanda.

— Senhora, eu não posso permitir isso.

Ela riu, pois sabia que Samuel não tinha muita saída.

— Eu posso ajudá-lo Samuel, sei que essa é uma emergência. Mas por favor, esteja preparado para situações como essa no futuro.

Ele estaria!

— Obrigado.

Samuel beijou o filho e saiu, mas parou quando Fernanda o chamou.

— O endereço de sua casa?

Como poderia ter esquecido? Ele anotou no pedaço de papel e entregou a ela. Em seguida saiu apressado.

Depois de dispensado pelo médico, Fernanda levou o garoto para casa. A residência de Samuel ficava num bairro mais periférico de Florianópolis. Pela área ao entorno, era possível reconhecer que ali moravam muitas pessoas simples.

Eles entraram na casa onde Samuel morava. Ela era bem pequena, se comparada a sua casa, pensou Fernanda enquanto olhava ao entorno. Ela tinha dois quartos, uma cozinha pequena que se juntava a sala. Mas tudo ali era bem organizado.

— Mamãe dizia para o papi ser organizado.

Fernanda gesticulou concordando. Agora entendia o porquê de toda aquela organização.

— Onde está sua mãe Emir? — perguntou ela curiosa.

— Mamãe morreu. Sinto muita falta dela. Ela sempre cuidava de mim.

O garoto demonstrou tristeza e aquilo deixou Fernanda comovida.

— Você está com fome Emir?

Ele gesticulou confirmando.

— Eu irei fazer uma comida para você.

Como resposta ele deu um pulo. Aquele gesto causou em Fernanda uma alegria que há tempos não sentia. Enquanto procurava na pequena cozinha algo para fazer, ela se viu pensando nas comidas que sempre fazia para Isabella.

Emir sentou-se à mesa e a observava fazer as coisas.

— Você é a moça bonita que o papi falou?

Ela parou e sorriu para ele.

— Não sei...

Então o garoto começou a falar. Ele parecia ser um menino bem extrovertido e falava sobre a vida deles.

— Você gosta daqui Emir?

Ele não soube responder. Talvez fosse difícil para uma criança passar por tantas mudanças. Depois de comer um pouco o garoto deitou e acabou dormindo.

Ela ficou por longas horas se imaginando ali com Isabella. Sentia muita vontade de tê-la novamente ao seu lado. Lágrimas ameaçaram cair, mas ela as conteve. Então ela fechou os olhos e acabou cochilando.

Samuel sentia-se envergonhado com toda aquela situação. Mas acima de tudo, estava surpreendido pela atitude de Fernanda em ajudá-lo. Definitivamente não estava preparado para aquilo. 

Ao chegar em casa , notou que o ambiente silencioso. Mas as janelas estavam aberta. Será que Fernanda ainda estava la? Indagou-se Samuel. Mas ele realmente não esperava que ela ainda estivesse ali. Ele ficou paralisado ao vê-la sentada e dormindo na poltrona da sala.

Por alguns segundos ficou olhando para Fernanda. Ela era uma mulher bonita e dificilmente não chamaria atenção onde fosse, mas aquela atitude não combinava com o status dela. Quem imaginaria que ela o ajudaria?

Samuel tocou de leve no braço dela e Fernanda abriu os olhos e o encarou. Ele ficou preso encarando aqueles belos olhos azuis turquesa. Eram lindos demais!

Fernanda bocejou e ajeitou os longos cabelos castanhos para trás.

— Eu acabei dormindo — disse ela sentindo-se envergonhada.

— A senhora deve estar cansada.

— Um pouco. — confessou ela rindo tímida. Então ela voltou a sua posição de superior, como se de repente tivesse caído na realidade. — O seu filho está dormindo.

Ela pegou a bolsa.

— Obrigado por sua ajuda.

— Não precisa agradecer Samuel. Seu filho é um garoto muito divertido — ela sorriu recordando das brincadeiras com o garoto. — Não se preocupe comigo. Eu vou pegar um táxi. Até amanhã Samuel.

Ele a acompanhou até a porta e no momento que ia abri-la, os dedos deles se tocaram na maçaneta.

— Desculpe. — disse Samuel puxando a mão e sentindo-se embaraçado com aquela situação.

Fernanda saiu e ele a acompanhou com o olhar até que ela entrou no táxi. Então ele voltou para casa e ao caminhar em direção ao quarto viu que Emir estava acordado.

— Acordou meu filho?

— A senhora bonita já foi embora?

Samuel brincou com os cabelos cacheados do filho. E em seguida o beijou no rosto. Sabia que ele sentia falta da mãe, mas não deveria ter essa esperança da pessoa errada.

— Sim meu amor.

— Ela vai voltar?

— Creio que não Emir.

Ao ver o olhar triste do filho ele abaixou e falou olhando-o nos olhos.

— Ela é uma pessoa muito importante, não vai ter tempo para voltar aqui. Por isso Emir, me conte como foi sua escola hoje.

****

Fernanda sentia-se estranha. Na realidade, tudo naquele dia tinha fugido ao seu habitual. Quando ela chegou em casa, a primeira pessoa a recepcioná-la foi Sandra.

— Fernanda, o seu marido estava nervoso perguntando por você.

Ela sabia muito bem o motivo do nervosismo de Lorenzo. Sua ausência na reunião! Ela não tinha a mínima vontade de participar daquelas reuniões chatas. Os assuntos sempre eram os mesmos. Dinheiro e muitas futilidades.

— Obrigada Sandra. Onde ele está?

— No escritório.

Ela entregou a bolsa a Sandra e dirigiu-se ao escritório particular do marido, que ficava na área lateral da casa. Ao chegar no local , viu que Lorenzo tinha um copo de vinho na mão.

— Boa noite Lorenzo.

— Onde você esteve toda esta hora?

Lorenzo estava nervoso. Fernanda não gostava quando o marido e ficava daquele jeito.

— Precisei ajudar uma pessoa e acabei esquecendo — disse ela entre nervosismo.

— Minha esposa esqueceu suas obrigações para atender a necessitados pela rua? — disse ele em tom de ironia.

— Perdão.

Lorenzo atravessou o pequeno espaço que os separava e parou em frente a ela.

— Você faz ideia que eu a esperava nesse encontro pela tarde?

— Me desculpe!

Ele segurou o braço de Fernanda e ela sentiu que o marido estava muito nervoso. Agora sentia medo de verdade.

— Lorenzo, por favor, se acalme!

— Eu estou calmo minha querida. Só não entendo como alguém pode ser mais importante que sua família?

— Eu já pedi desculpa Lorenzo!

Lorenzo apertou o braço dela com mais força e quando Fernanda tentou puxar sentiu que ele a segurava com muita força.

— Me solte Lorenzo! Você está muito nervoso. Nós não podemos conversar assim.

— A Patrícia participou da reunião e estava elegante na frente de todos os convidados.

Odiava quando ele fazia esse tipo de comparações!

— Eu não sou a Patrícia, você sabe muito bem! Você mais do que ninguém, sabe que eu odeio esses tipos de reuniões.

— Mas você deveria estar lá! Você está aqui para isso!

Ela o empurrou e Lorenzo caiu sobre a mesa de centro.

— Porque nós estamos nesse casamento? Qual o sentido de tudo isso Lorenzo? Você não me ama.

— Amor? — ele riu descontrolado. Era visível que ele havia bebido mais do que o habitual. — Você  está aqui por causa da sua família! Não se esqueça de onde eu os tirei.

Fernanda sentiu o golpe daquelas palavras e não teve força para rebater. Apenas gesticulou e saiu do escritório. Mas antes ainda ouviu Lorenzo dizer:

— Não esqueça a sua responsabilidade e eu não me esquecerei da sua família!

Ele a estava ameaçando. Era claro que sim! Fernanda conhecia muito bem o poder que ele tinha.  A empresa de Lorenzo tinha emprestado uma grande sona de dinheiro para a família dela. Esse dinheiro seria usado como investimento na fazenda , mas houve um grande prejuízo e eles não conseguiram liquidar as dividas do empréstimo.  Por causa disso, ele se tornou o dono da fazenda e de alguns outros bens da família dela. Pelo menos ,até o momento em que fosse quitada toda a divida.  Enquanto isso , ele poderia simplesmente se desfazer daqueles bens a hora que quisesse. 

— Não esquecerei!

Fernanda seguiu apressada para o seu quarto. Sandra seguiu logo atrás. Já em seu quarto, ela abraçou a amiga a quem tinha aprendido a ter confiança.

— Sandra! — Sussurrou entre lágrimas.

— Calma minha querida. O que houve?

— Eu não aguento mais! Não existem motivos para esse casamento continuar. O Lorenzo não me ama. E eu também não. Ele me culpa pela morte da nossa filha e mantém essa união apenas por causa das aparências. Eu odeio isso!

Sandra segurou a mãos de Fernanda na tentativa de acalmá-la. Mas ela estava muito tensa e nervosa.

— O que houve para você não ter vindo a reunião?

Fernanda sentou na beira da cama e passou a mãos nos fios castanhos prendendo os longos cabelos que estavam bagunçados.

— Eu estive com o filho do Samuel.

— O que?

— Eu sei é loucura! Na hora foi tão estranho. Mas quando eu vi aquele garoto ali na minha frente , foi como na época em que a Isabella estava viva.

A empregada estava confusa e pediu que Fernanda a explicasse, então ela relatou em resumo tudo o que havia acontecido.

— Por isso o Samuel estava nervoso. Coitado!

— Na hora eu não pensei em nada. Agora sei que fui imprudente, mas não me arrependo de tê-lo ajudado.

— Ajudar é bom.

— Há tempos não sentia uma alegria tão verdadeira assim. Aquele garoto me fez rir tanto ao contar as coisas de criança. Se minha Bela estivesse aqui...

— Querida, você não pode viver assim. A Isabella já se foi, mas você ainda está aqui.

Ela ouvia aquelas palavras, mas a realidade é que sentia que uma parte dela tinha morrido com sua filha naquele dia. Tentava reencontrar novamente aquela mulher, pensou Fernanda.


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