Modus Operandi: Dias Negros de Ocultgard escrita por Nemo, WSU


Capítulo 2
A Garota, o Ladrão e o Encapuzado (Parte 1)


Notas iniciais do capítulo

O capitulo foi dividido em duas partes para a conveniência geral ^^



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“Não há um destino específico, ou algo certo no universo, cada um faz seu próprio caminho, e cada caminho é uma história. Às vezes essas estradas se cruzam, e então temos o começo de uma mesma história” — Alayhin, Deus dos Caminhos.

 

 

Reino da terra, Karnadyan, Ano de 505, 4 mês da primavera.

 

— Quem você pensa que é? Um Inter-Reinos? Caia fora daqui mendigo!

O homem nada disse, apenas continuou em posição defensiva, às suas costas havia uma moça nobre e um garoto de rua. Á frente da pequena tríade, cinco homens, munidos com adagas e espadas curtas, fechavam o cerco.

— Não vai reconsiderar, seu maldito intrometido?

Seus lábios sequer se mexeram, os olhos castanhos continuaram a observar, ainda que sem qualquer expressão no rosto.

Quem é esse cara? Por que está me ajudando? Pensou Kay, segurando sua adaga em uma das mãos. A garota mantinha os punhos cerrados, também em posição defensiva.

— Peguem eles. — Foi a ordem do homem alvo, de olhos castanhos, em farrapos. Isso foi o suficiente para o encapuzado sacar duas cimitarras. Em situações normais não faria esse tipo de coisa, contudo tinha terminado uma missão e o seu quarto protocolo era bem claro, no fim só estava seguindo as ordens.  Também se colocou em movimento, ficar parado num beco como aquele era certeza de morte. Barrou o corte lateral de um e o horizontal de outro, fazendo retinir o som do choque. Saltou para trás, quando viu que seria apunhalado por um terceiro, ao mesmo tempo, o quarto passou por ele, indo em direção a dupla.

O encapuzado até tentou detê-lo, mas quando deu por si, uma dor perfurante preencheu seu braço esquerdo e depois na barriga, o líquido rubro não demorou a brotar, permeando suas vestes negras de vermelho, enquanto ambas as lâminas vinham encontrar sua carne mais uma vez.

Por sua vez, o algoz dos jovens evitou com facilidade o golpe perfurante do garoto, rumando certeiro para o pescoço da jovem.

 

 

 

Mais cedo, propriedade dos Selat.

 

— Hadyle, acorde. — falou uma voz austera, a garota ainda embolada em suas cobertas balbuciou semiconsciente:

— Pai ainda é cedo. — respondeu com a voz arrastada.

— Vamos fazer compras na cidade, precisamos sair cedo. Agora se arrume, e venha comer.

Hadyle, se sentou sobre a cama, ainda coçando os olhos, uma parte de si, gostaria de voltar a suas cobertas quentes e macias. A outra dizia que deveria seguir seu pai para o desjejum. No fim o medo de levar uma bronca e o desejo de comer a tiraram da cama.

Caminhou pelo quarto ainda zonza, se apoiando perto da janela ainda fechada, a destravou e abriu. Seu rosto alvo se deixou banhar pela brisa gélida da madrugada, seus os olhos verdes observavam os pinheiros inebriados pela escuridão e o céu estrelado.

Ela se permitiu ficar ali por alguns instantes apenas observando a paisagem. Realmente, gosto de madrugadas, ainda que deteste acordar nelas, acho que é o ar gélido. Ele me anima e curiosamente me dá forças. Pensou ela, sorrindo, acompanhada de dos cabelos negros balançando com a brisa.

— HADYLE! VENHA COMER LOGO! — A voz de sua mãe apesar de não tão austera, conseguia fazer o sangue da garota gelar de uma forma que a de seu pai nunca faria. Obedeceu prontamente com um:

— Estou indo! — Isso até bater a cabeça na quina da porta, deu alguns passos para trás, graças a dor que se espalhava pela testa. Pensou um xingamento e colocou uma das mãos sobre o local continuando seu andar pela casa, iluminada pelas velas.

Desceu as escadas do segundo andar, para o primeiro, atravessou o salão vazio que ligava os quartos do segundo andar ao resto da casa. Ao chegar na cozinha se deparou com uma mesa farta, tendo como ocupantes, seus pais e a irmã mais nova, enquanto os empregados cuidavam dos preparativos e do fogão.

Os Selat, eram em sua origem, pequenos negociantes que fizeram bons negócios durante várias gerações, esses negócios propiciaram a renda e as oportunidades certas para comprar terras e se tornarem abastados. O atual senhor da casa era Fyndr Selat, um profissional em estudos químicos e biológicos, um alquimista.

Seus olhos castanhos pousaram pacientes em sua primogênita, ela definitivamente não era uma dama, mas de longe não era uma decepção, pelo menos se interessava pela ciência e isso já lhe bastava. Sua mãe por outro lado teimava em mudar seu jeito de ser, mas era uma luta difícil.

No fim é mais fácil aceitá-la como é, só temos que cuidar para que ande na linha. Pensou Cath, desanimada, enquanto seu marido iluminado pelas chamas das velas, sorria vitorioso como se quisesse dizer: Ela puxou o meu lado da família.

Ela se limitou a lhe devolver um olhar de desdém, enquanto sua filha mais nova bocejava na cadeira ao seu lado.

— Sente-se e coma. — convidou seu pai gesticulando com a mão. A filha assim obedeceu, vendo que os empregados traziam os alimentos:: o leite quente e espumante, ovos cozidos, pães assados, queijos e a bebida que o senhor Fyndr, mais apreciava, café, especialmente o adocicado.

— Bem, estamos com falta de produtos. — comentou o homem de vestes elegantes — Sal, açúcar, café, arroz, além de remédios.

— Mas pai, por que vai nos levar junto? Normalmente o senhor vai apenas com Edyson e Escanor.

— Sim, mas me ocorreu que vocês não fazem compras faz certo tempo. — Ele respondeu sorrindo. A palavra compras queria dizer claramente: Roupas, sapatos e joias.

Aposto que a mamãe fez ele dormir no chão. Pensou ela, rindo por dentro.

Sua irmã menor Rosye, não estava muito animada, aquele horário era incomum para ela.  A loirinha de olhos castanhos, esfregava os olhos e bocejava a cada cinco minutos, ao fim da refeição cedeu ao sono e dormindo sentada ali. Com a arrumação e os preparativos para a viagem, não houve muita conversa, isso ficou para a viagem.

 

 

 

*******

 

— O mestre Ling, mencionou que você anda se destacando muito no treino. — comentou Fyndr, para Hadyle.

— Tenho dado tudo de mim, espero conseguir ser uma boa aluna. — Ela respondeu, se apoiando contra a parede da diligência para evitar ser espremida, já que o veículo fazia uma curva.

— Eu ainda penso que ela deveria aprender outra coisa. — comentou Cath.

— Ora querida, você bem sabe que etiqueta não salva vidas. — repreendeu Fyndr — Nunca se sabe quando uma guerra entre os reinos pode ocorrer, ou quando sofreremos ataques dos monstros. Isto é, os monstros também somos nós, minha filha tem que pelo menos saber se defender.

— Acontece que se ela não souber se portar, jamais encontrará um bom marido…

— Querida, para que ela procuraria um marido? São eles que devem correr atrás dela e não o contrário. Não foi assim conosco?

A mulher ruborizou completamente, não havia uma resposta para isso, senão um sorriso sem jeito, após alguns segundos arrumou a postura e seu típico ar mandão:

— Está bem, podem continuar com seus treinos e experimentos malucos, mas ela ainda vai ter que aprender a se portar!

— Fechado! — disseram pai e filha ao mesmo tempo, se estranhando logo depois e rindo com a situação. Sabiam que aquele era o melhor acordo que poderiam conseguir, abusar disso podia resultar em castigos piores do que ser exilado da cama ou aprender etiqueta todos os dias.

 

 

 

Subúrbios da cidade

 

— Voltem aqui seus ladrõezinhos miseráveis! — gritou o açougueiro, para os dois jovens que agora corriam pelas ruelas com dois pedaços de carne. Karnadyan sempre era agitada, não apenas por ser a cidade-mestra do reino, mas pela quantidade de negociantes que abarcava. Uma grande oportunidade para os irmãos Dewa e uma infelicidade para o açougueiro Vard.

Mas não há policiamento? Sim há, contudo era reduzido na parte pobre da cidade, os oficiais se interessavam mais em proteger os grandes negociantes e nobres, onde poderiam é claro conseguir uma leve taxa de serviços prestados.

Os jovens se separaram pelas vielas, o açougueiro decidiu seguir o mais novo, acreditando ter maior vantagem sobre ele. Em alguns momentos de fato quase chegou a tocá-lo, mas as ruas apertadas e seu corpulento corpo o impediam de atingir seu objetivo, dando vantagem ao esguio menino, enquanto este ria do homem moreno.

Isso até chegar numa área circular e sem saída. Onde só haviam alguns mendigos encapuzados, devido a sua condição de enfermos.

— Agora você vai ver! — vociferou o homem com os braços abertos para o garoto encurralado. Uma pedrada em sua testa o fez recuar.

— Lamento, mas só eu posso chutar o traseiro dele. — falou a ladra mais velha, sentada em cima de um muro, balançando as pernas no ar e apalpando uma “pequena” pilha de pedras.

— Acha que eu tenho medo de você? Sua merdinha!

— Acho que você deveria ter medo deles. — disse a garota com um sorriso, apontando para trás do homem, ele ao se virar deu de cara com as pessoas encapuzadas.

— Saiam de perto de mim! — berrou o açougueiro com o coração quase saindo pela boca.

Dizendo isso, evitou o toque daquelas pessoas e tratou de sumir dali o mais rápido do que pudesse. Outra amarga realidade de Karnadyan, os doentes não eram tratados pelo governo, este só assegurava a segurança. Dessa forma os enfermos tinham de correr ao conhecimento popular, boticários e aqueles com conhecimento de ervas medicinais.

A garota acenou e desceu do muro, logo depois jogando a sacola de couro para um deles:

— Pegue Sophya.

— Obrigada, Valk. — respondeu a menina de capuz, apanhando sua refeição naquela manhã.

Sei que pode estar se perguntando por que duas jovens crianças repartiriam seu “pão de cada dia” com estranhos, a verdade é que todos eles eram Shyndars.

A etnia, mais desprezada de Ocultgard, ladrões, assassinos, são o que dizem as más línguas. Algo relativo, pois boa parte dos Shyndars também eram artistas, pintores, músicos e pastores.

Os irmãos se reuniram em um canto afastado dos outros, Valk, deu um leve soco no peito de Kay.

— Você foi bem descuidado.

— Eu fiz o melhor que pude! — retrucou ele.

— Eu sei. — disse ela, lhe lançando um olhar incisivo, batendo várias vezes uma pedra na outra para produzir fogo. — Só tome mais cuidado, não quero te perder também...

— Acha que vou te deixar com toda a diversão? — questionou sorrindo, cortando a carne em tiras, sobre um pedaço de madeira. O fogo se acendeu, tremulante, irradiando seu calor sobre os dois maltrapilhos e suas bagunçadas madeixas castanhas.

O ar matinal da cidade se dissipava aos poucos, dando lugar a um mais quente com uma grande pluralidade de cheiros, alguns nem tão agradáveis. Para Valk e Kay, o cheiro da carne assada parecia muito bom, já que como era salgada e temperada para evitar o apodrecimento, se tornava melhor ainda.

— Será que um dia eles vão encontrar a cura? — questionou Kay cabisbaixo para os encapuzados, seu povo.

— Precisamos ter fé, que sim irmão. — respondeu Valk, tentando esboçar o máximo de confiança, mas mesmo assim, suas palavras soaram falhas para seu irmão.

No caso daquelas pessoas  em especial, não havia uma cura conhecida. Eles sofriam da doença da Caveira: A primeira etapa debilitava o corpo com a imunidade baixa, ela ia deformando o indivíduo ao longo de meses, ou anos. Lentamente provocando necrose no corpo, conduzindo a uma morte dolorosa, até restar apenas uma caveira sorridente.

Muitos se suicidavam com o diagnóstico, mas outros persistiam acreditando que poderiam ser salvos, que a cura seria encontrada. Não haviam mais pistas sobre a enfermidade, ela aparecia em áreas aleatórias.  Com isso surgiram as ideias de castigo divino, uma tolice, afinal Deuses não castigam, pelo menos… não diretamente.

Na mente de Kay, se perguntava: Se existem Deuses? Por que eles permitem isso? Por que eles não ajudam meu povo?

 

A resposta só viria bem mais tarde.


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Notas finais do capítulo

Estamos sempre abertos a criticas positivas e negativas ^^ Se tiver alguma correção fique a vontade pra falar pelo pv, ou no formato de comentário.



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