Modus Operandi: Dias Negros de Ocultgard escrita por Nemo, WSU


Capítulo 14
Passados Distintos




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Certas coisas não se podem evitar…” — Anazak.

 

Jarnyan, 497

 

Anazak e seu irmão conversavam ao pôr sol, no terraço de sua casa, o vento quente da tarde balançavam suas madeixas negras e o sol inspirava Anazak a expor seus sentimentos, suas ideias:

— Ainda que a guerra tenha acabado faz seis anos… nada foi como antes, tudo foi afetado de ambos os lados, política, economia e estabilidade. O mais importante… bravos soldados, não voltaram da guerra… nosso pai foi um desses homens.

O rapaz suspirou chateado:

— Tanto como os outros… foi esquecido, por essa sociedade ingrata e arcaica. Eles foram nossos heróis e deram suas vidas, para proteger a todos nós! As coisas estão erradas irmão! — terminou irritado.

— E o que faríamos a respeito? — Foi a resposta de Bravell, um sujeito mais sossegado — Nós somos a ralé, esqueça essas coisas e se conforme.

O irmão mais novo demorou para absolver essas palavras duras, até explodir mais uma vez:

— E se esquecer dele também? — questionou Anazak, com os olhos marejados. — É injusto…

— O que faríamos a respeito? — A pergunta saiu irritada e cruel. Bravell, se odiava por sua incapacidade de não poder fazer algo sobre.

— Podemos nos tornar soldados… honrar nosso pai… nossa família. — Com o olhar fraquejante, o outro expôs seu ideai.

— Eu posso até ser, mas você não aguenta muito tempo correndo, é defeituoso. — expôs o mais velho, não conseguindo achar outro meio de fazê-lo desistir dessa insanidade — Aceite a realidade, é melhor assim, o pai não iria querer isso.

O rapaz baixou a cabeça tristonho:

— Eu só queria seu apoio… se você não acreditar em mim, quem irá?

— Acreditar em algo impossível, é o mesmo que estar louco, tome cuidado com esses seus pensamentos, você sabe o que fazem com os insanos, não sabe? — respondeu Bravell se levantando do lugar onde estava e dando as costas ao seu irmão — Isso é pelo seu bem, desista, não vale a pena…

 

 

 

Tempo Presente, mentalmente

 

Você não sabe de nada! Bradou a programação.

Você é uma manifestação externa psico-conduzente, criada e inserida por Guardyhan para subjugar a personalidade original e seus sentimentos. É doentiamente perfeito.” Afirmou Anazak, cheio de orgulho. “Mas esse método tem um grave defeito”.

Que seria?” Ela indagou incrédula e confiante.

A vítima adquire conhecimento de sua própria mente, do seu eu mental”. Respondeu ele abrindo um largo sorriso. “E agora os papéis se invertem”.

A programação olhou para trás, mas antes que pudesse observar a representação mental de seu prisioneiro, foi atacada pelas correntes que o prendiam, se atrelaram a ela, suspendendo o espectro.

O cenário negro e desolado aos poucos desaparecia, uma luz no alto clareava o local tal qual o sol, enchendo o ambiente de um calor agradável. Anazak ficou extasiado, era a primeira vez que contemplava algo tão singular, geralmente só acessava memórias e jogava contra as pessoas, mas aquilo era como estar no centro de tudo.

A programação chiava e amaldiçoava, odiava aquela luz ascendente e cristalina, pois jamais a teria, jamais faria dela sua. E a constatação de Anazak, para este fato, era de que: “São as esperanças e sonhos dele, seus objetivos de vida… sua luz”.

O que deseja aqui?” Questionou uma voz atrás de Anazak, este se virou surpreso, aquilo era diferente.

Inicialmente, pensei em te corromper, mas olhando agora… você é interessante demais para isso”. Falou Anazak, examinando o rapaz de cabelos curtos e castanhos, trajando roupas bem diferentes das de Ocultgard e uma estrutura metálica com duas lentes de vidro, nos olhos (óculos). Trazia também o que parecia ser uma bolsa em suas costas, tinha um aspecto vivaz.

Você não é de Ocultgard, imagino?” Afirmou Anazak.

Sou de Midgard, Terra…” Respondeu ele com os olhos fechados, parecia confuso. “Essa era minha forma original, imagino que minha mente liberta esteja oscilando a imagem mental de mim mesmo.”

 

Após uma pausa Anazak procurou interpelar:

Vejo que você não deseja trabalhar com Guardyhan, posso conhecer uma divindade que não te controlaria como ele, só precisa me ajudar com meu objetivo…” Anazak, foi interrompido pelo rapaz:

Honrar seu pai ao se tornar rei de Jarnyan, fazendo todos se lembrarem do orgulho de ser um Jarnyano”. Rebateu Tales com naturalidade, Anazak ficou incrédulo perante a afirmação.

Seu Hankar é maravilhoso, mas assim como o meu, ele tem a fraqueza de ser uma via de mão dupla, pode ver minhas memórias, mas na minha atual condição o contrário também é verdade” Disse Tales, ficando cara a cara com o homem a sua frente. “Não posso ajudar alguém que não sabe o que quer…”

Eu vou fazer de tudo pelo meu sonho” Disse Negativo, entre os dentes.

E no fim valerá a pena? Você realmente se sentirá feliz, sabendo que massacrou aqueles que também eram seu povo?” Tales, deu-lhe as costas ao término da frase.

Você deve se achar imaculado, não é? O nobre e honesto Tales, abandonado pelos próprios pais por seu nascimento, criado com uma outra parte da família… sempre tentando ser aceito pelos outros e sempre fracassando.” Negativo, se contorcia de prazer ante essas palavras, pois era reconfortante saber que existia alguém pior que ele e que era parecido com ele ao mesmo tempo.

Não me envergonho das minhas origens”. O pensamento saiu concreto, mas ele não se sentia bem com aquilo.

Era um completo idiota que deu duro para se tornar competente e inteligente, e deu certo… você estava sendo aceito por todos, seus irmãos te amavam, você era como um irmão para Vakeynar, e aquela garota… eu não ficaria muito surpreso, se ela lhe amasse”.

Aquilo tirou o chão do rapaz, atacar no seu passado, focar em seus sentimentos era maldoso demais. Seu medo se materializava naquele turbilhão de incertezas, era sempre mais fácil esperar o pior da realidade.

Errado, eles ainda me amam”. Bradou o rapaz irritado ainda de costas, se segurava para segurar o choro que a tanto queria soltar.

Isso você vem dizendo a si mesmo a muito tempo, contudo em seu interior, sabe a verdade, a suprime por que quer seguir adiante, mas pobre soldadinho, imagine se sua querida irmã pudesse vê-lo agora… e se Hugo também o visse agora?

O rapaz agarrou seu próprio peito com a mão esquerda tentando suprimir a dor que sentia, podia imaginar o medo, a repulsa, não só dela como também de todos os outros, insultos e rejeições… até ser somente ele, sozinho para sempre. Anazak sorria enquanto Tales soluçava se ajoelhando, tinha sido fácil influenciá-lo.

 

 

 

Realidade

 

— O mais corretos dos homens transfigurado em um assassino — disse a figura envolta por uma aura negativa e repulsiva — Você é uma vergonha a tudo aquilo que representou!

Enquanto lutava com a programação, Anazak mexia os pauzinhos para que o corpo saísse da mata e se colocasse a sua frente, para que seus recém-chegados homens e ele dessem conta do mesmo. O que era dito, sentido e feito pelos dois na mente, também era feito na realidade.

Por possuir uma resiliência mental, e por ter convicções fortes, o espírito de Tales não pode ser influenciado com facilidade, isso era feito aos poucos. E o esforço de Anazak nessa tentativa era tanto, que ele próprio não se permitia, trabalhar em dois planos ao mesmo tempo, ele atuava apenas em um, forçando a mente a fazer o corpo se movimentar no mundo físico.

— Mate-se, e honre o pouco que restou! — ordenou o Negativo imperioso, odiava o rapaz a sua frente, não por ser o Draghard, odiava por que sabia que ele estava certo a seu respeito, e via nele o que deveria ser. A desculpa de que fazia por ser necessidade, porque a situação o obrigava, parecia cair por terra diante de Tales.

— Como poderiam amar, aquele que tirou tantas vidas inocentes? Homens, mulheres, idosos e crianças, todos mortos pelas suas mãos. Sem mencionar aqueles que você prendeu e levou ao seu mestre! — Apesar de fala raivosa, Anazak, sentiu o peso de suas próprias palavras, imaginando: Como meu pai poderia se orgulhar de mim?

— Eu não queria… eu não tive escolha, não era eu… — rebateu ele no chão ameaçando se reerguer, mas se detendo ao ouvir as seguintes palavras:

— Mas foram as suas mãos, os seus golpes! Você foi fraco, e as pessoas pagaram o preço! Como pode querer ajudar as pessoas, se você destrói elas? Você se tornou o mais distante do herói que desejava ser! — Mas em seu interior:

Eu queria, eu tive escolha, foi fraqueza minha me deixar levar pelo poder e o prazer, de me vingar do mundo… por me tirarem meu pai! Uma solitária lágrima percorreu seu rosto e por um momento, cogitou parar e desistir. Mas que mensagem passaria a seus homens ou seu irmão? Ele tinha o Draghard ajoelhado a sua frente, por que parar? Se já continuei até aqui, por que não

ir a diante?

— Acerte as coisas… — Negativo, desembainhou uma adaga e arremessou para o assassino que a apanhou relutante. Toda a sua força de vontade, todo o seu desejo, sua luz sumiu e agora sua mente era só penumbra.

Bravell, enjoado daquela cena decidiu continuar em direção a Gadamer e Kay, com sua espada em punho.

— E eu achando que ele seria um desafio interessante, ultimamente sinto falta de alguém a altura.

Gadamer a muito custo se pós novamente de pé trêmulo e sangrando, era o fim, mas queria partir do jeito dele. Se pudesse dar pelo menos uma chance para que Kay despertasse e fugisse, o faria com um sorriso no rosto, era assim que estava.

— Isso é de aquecer o coração, temos aqui um velhote que quer morrer pelo seu filho. — disse o Impuro com diversão na voz, assumindo um tom ressentido — Eu odeio pessoas como você!

Em vez de usar a espada, retrocedeu o punho e então avançou contra o homem, desejava vê-lo agonizar e matar Kay, na sua frente. Tudo para provar que seu pai era tolo, por se sacrificar tanto e no fim ser em vão.

Mas algo se chocou contra seu punho e com dificuldade o parou. Kay havia empurrado Gadamer, segurando o ataque com o braço direito e com o esquerdo pressionando o primeiro.

 

 

 

Ilusão de Kay

 

Kay e Valk, estavam deitados na relva, sob um amanhecer suave, uma leve brisa gélida soprava no rosto dos dois. Ela sorria e ele também, após um tempo, ele parou de sorrir.

O que foi?” Ela questionou.

Apesar de estar feliz em ter você por aqui... sei que não é verdade, aquele dia deixou uma sequela em mim... foi difícil viver sem meu braço. Disse o rapaz a sua irmã.” Desde que te reencontrei, não sinto minha prótese, seu frio gélido, sua potência.... Gadamer me deu, cobrando um antigo favor, se tivesse vendido poderia estar rico hoje.

Ele faz uma pausa.

Apesar de ser doloso viver com ela, também se tornou algo que define meu propósito, viver por nós dois e viver pelas pessoas que amo, Gadamer e Hadyle precisam de mim.” Disse cabisbaixo, era uma ilusão, mas gostaria de ficar ali, não era uma vida ruim estar com ela, era seu maior desejo, mas encarar a realidade era necessário.

Viva então, irmão”. Ela sorriu para ele. “Não importa qual escolha faça, sempre vou te amar.”

E a ilusão, deu lugar a realidade, ainda que muitos outros preferissem viver uma ilusão, ou viver por uma ilusão.

 

 

Ocultgard, 500, Terras Escuras

 

Bravell e Anazak caminhavam pela selva pantanosa a dias, procurando pelo local indicado com uma dificuldade terrível em avançar, seja por conta das plantas, ou o terreno lodoso, os variados tipos de animais e insetos que tentavam matá-los.

As terras escuras divisavam com a parte sul do deserto dos Jarnyan, estando localizada no sudoeste do continente, dizem que antigamente o lugar era uma parte da grande floresta verde, mas que com o passar dos séculos foi adquirindo aquela composição detestável. Aquela terra inóspita era a terra de ninguém.

A causa do distúrbio era especulação constante, alguns achavam que o lugar tinha sido amaldiçoado pelos deuses, outros que algo de maligno espreitava pelas sombras, algo selado ali antes do mundo ser mundo. Aqueles que acreditavam nisso, faziam parte do CHAOS, um grupo de cultistas, a quem Anazak e Bravell recorreram. A informação foi cara, a jornada era arriscada, mas naquele lugar teriam a chance de mudar suas vidas.

Por fim os dois chegaram em um ponto onde o lodo era inexistente e às árvores ainda eram grandes e viçosas, o solo, no entanto, era completamente negro indicando algo extremamente errado ali. Quanto mais adentravam cenário, mais viam símbolos macabros em rochas brancas espalhadas sobre o local.

Por fim avistaram um círculo gigantesco do mesmo material com vários níveis de profundidade, os irmãos já sabiam daquilo e foram descendo ao chegarem no último nível se ajoelharam e oraram.

Não havia um meio especifico de acionar o ser que ali vivia, nem todos conseguiam e para alguns sacrifícios humanos se faziam necessários.

— Olha… eu ainda não acho isso uma boa. Mesmo que alguma coisa ocorra, o que me garante que tudo vai dar certo? — Foi o questionamento do indeciso Bravell. — O valor é bem salgado afinal… não vai considerar isso? Ainda dá para voltar atrás… se morrermos nós…

Anazak apenas ignorou seu irmão:

— Divindade selada, venha em meu auxílio me dê o poder para honrar minha promessa e trazer dor aqueles que lhe desagradem.pediu Anazak com força e ambição no coração.

Seguinte, eu andei muito e sofri demais para vir nesse lugar deplorável, se esse idiota quer tanto o poder… não posso permitir que faça isso sozinho, já falhei como irmão uma vez, não posso fazer isso de novo… Pediu Bravell sem grandes animações.

Mas nada aconteceu.

— Eu sabia que vir aqui era furada! — esbravejou Bravell, esmurrando o solo — Divindade selada? Tá mais para divindade furada!

— Calma, tenha mais fé. — pediu Anazak — Talvez esteja nos testando.

— Ou talvez rindo da nossa cara…

Vocês podem considerar os dois”.

Os dois olharam em volta, mas não havia ninguém, pelo contrário a voz parecia vir da cabeça dos dois.

O que é você?” Questionou Bravell tremendo.

Eu sou tudo e também sou o nada, é pela minha existência que vocês humanos vivem e transitam por este mundo moribundo.”

Você pode nos ajudar?” Questionou Anazak, percebendo que ouvia até mesmo os pensamentos de seu irmão.

Tudo tem um preço, e o poder cobiçado por vocês não é exceção, um deseja a imortalidade, o outro conhecer o coração de todos.”

O que você quer em troca do poder?” Indagou Bravell ansioso, queria tanto que a entidade não pedisse o que ele imaginava.

A única coisa que vocês podem me oferecer, é a sua alma e um pouco de caos também”

Anazak e Bravell perderam o chão, o que mais desejavam estava ao seu alcance, mas o preço impedia ambos de alcançarem o paraíso, nunca veriam seu pai ou sua mãe que faleceu sem eles terem conhecido.

O quanto sua promessa vale Anazak? E Bravell? Eu só permiti e atendi suas preces por que vocês têm o que preciso, sonhos ambiciosos. Só existe essa chance e é agora.”

Os irmãos se entreolham e Bravell foi quem deu o primeiro passo:

Do que me adianta ficar com minha alma e viver uma existência curta? Manda ver! Ele tentou ser forte, mas estava apavorado. Diante dessa alternativa, Anazak ficou receoso por um momento.

Se quiser… posso adicionar um envelhecimento bem lento a você rapaz, melhor… se cumprir sua promessa, te darei a vida eterna, governe o povo e honre seu pai”.

Após um tempo pensativo, Anazak cedeu:

Ofereço minha alma… Deus do destino.

Perfeito rapaz, você definitivamente é meu herói”. Falou a voz em tom sarcástico.

Do chão uma névoa meio verde e escura começou a surgir, era uma presença enjoativa, tentaram se mexer, mas estavam completamente paralisados, a área começou a ficar menos visível e a energia mais flácida, envolvendo-os.

O que você está fazendo?” Questionou Bravell. Enquanto vozes sinistras e tribais começavam a ecoar de todos os lugares, junto de batidas de tambores.

Vocês pensaram realmente que o processo seria em um simples passe de mágica? Não…

A energia, começou a ser absolvida pelo corpo, ou até mesmo forçando a entrada pela boca dos dois rapazes.

Para viver, é preciso morrer. E pelo seu bem… espero que proporcionem muita dor e sofrimento ao mundo”. A divindade aprisionada sorriu na escuridão. Tal qual Imortus.

Imortus?” Foi o último pensamento de Anazak.


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