After Dark escrita por saturn


Capítulo 8
Você não foi feita para mim




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Chamar Wanda para sair foi incrivelmente fácil, contrariando todas as expectativas e medos de Peter. Ela pareceu tão nervosa e feliz quanto ele se sentia, o que por si só foi responsável pelo enorme sorriso que ele carregou durante todo o fim do dia e a manhã do seguinte, que foi quando ele foi confrontado com a terrível realização: ele não sabia aonde leva-la.

Tia May tinha resmungado algo sobre restaurantes italianos e vinhos de vinte dólares – o que ele particularmente achava um ultraje; quem em sã consciência pagaria vinte dólares em uma garrafa de vinho – e Wade sobre chucrute, ao passo em que Peter teve que passar cerca de cinco minutos explicando sobre o quão inapropriado seria leva-la a um restaurante alemão.

Os Vingadores estavam tão longe de sua lista mental de 'pessoas apropriadas a quem pedir conselhos' que ele nem mesmo considerou perguntar, e seus amigos eram tão inexperientes na área quanto ele.

Por fim, a resposta era tão óbvia que ele quase se bateu tamanha sua burrice.

Em duas palavras: Little. Odessa.

Veja bem, Peter era um bom nova-iorquino que passava grande parte do seu tempo em seu próprio condado, no máximo se aventurando em Midtown. Quando se vive em uma cidade como aquelas, a mobilidade é geralmente desnecessária e trabalhosa. Mas mesmo ele não era ignorante acerca das melhores áreas culturais fora do Queens, em específico as comunidades estrangeiras. E em quesito de melhores lugares de Nova York para se levar sua namorada em potencial sokoviana com grande apreço pela cultura russa, Little Odessa era o destino perfeito.

Além da comida russa de qualidade, acesso mais fácil ao álcool e proximidade relativa de metrô, ele já estivera no bairro algumas poucas vezes e poderia dizer com propriedade que era como estar em qualquer outro lugar do mundo, mesmo NYC. Era perfeito.

A viagem de metrô não seria perfeita, é claro, mas era o meio de acesso mais rápido e civilizado, além de lhe garantir a chance de fugir caso tudo desse errado.

Foi com isso em mente que ele juntou suas economias, fez uma reserva em um restaurante que prometia a melhor comida caseira russa fora da Rússia (aprovado por Natasha Romanoff) e comprou dois ingressos para uma apresentação cultural de baixo custo e alto entretenimento em uma praça próxima ao lugar onde comeriam. Depois de marcar o horário e entrar em pânico diversas vezes, ele finalmente conseguiu escolher uma roupa bacana, se acalmar e aguardar com (in)paciência o bendito dia chegar.

Chegou mais cedo do que o esperado, é claro. Embora, ao mesmo tempo, era como se as horas nunca passassem.

Sábado amanheceu ameno e entardeceu morno, de uma maneira gostosa e não de uma maneira grudenta, como era de se esperar. Seu cabelo estava legal, Wanda tinha ido se arrumar na casa de MJ que morava algumas ruas abaixo, tia May tinha lhe emprestado mais vinte dólares para 'comprar um chocolatinho ou algo assim, não pílula do dia seguinte pelo amor de Deus' e Peter teve o desprazer de presenciar Wade flertando com sua tia por duas horas inteiras.

Quando o relógio bateu cinco da tarde, ele estava estranhamente calmo. Se não der certo, não deu. Mas vai dar. Ele tentava se convencer a todos os custos durante todo o dia, e o mantra surtiu algum efeito – Peter nem estava suando de nervosismo.

Eles se encontraram quando ele foi busca-la na casa de MJ, que o olhou com algo próximo o suficiente de aprovação para sua escolha de roupas (nada mais do que uma camiseta branca, jaqueta jeans, calças também jeans e seu par de tênis mais bem conservado) para que ele se sentisse melhor consigo mesmo, e o pai dela o deu dois tapinhas nos ombros.

No entanto, nenhum tipo de preparação mental o deixou pronto para a visão que o abençoou quando Wanda apareceu na entrada da cozinha.

Ela estava absoluta, irremediável, apaixonável e insanamente linda.

E Peter se apaixonou mais uma vez.

 

 

Wanda esteve nervosa o dia inteiro.

Para começar, ela nunca tinha ido a um encontro antes, e não importa o quanto que MJ tentasse a apaziguar garantindo que Peter era tão inexperiente no assunto quanto ela, isso não mudava o fato do que ela não tinha ideia do que fazer.

Em Sokóvia, primeiro se conhecia os pais. E só depois de devidamente impressionados, eles concediam ao rapaz o privilégio de levar sua filha a um passeio nos jardins ou, caso tivessem sorte e dinheiro o suficiente, a um restaurante. Claro, isso não importava muito quando ela e Pietro eram pré-adolescentes e seu irmão estava disposto a conseguir um beijinho de todas as garotas – e garotos – bonitas da cidade onde moravam, mas era importante para seus pais.

Mas Wanda não estava mais em Sokóvia, e seus pais não estavam vivos. Nem os de Peter. O que os deixava com a opção de Loki ou tia May, o que era inviável por vários motivos, o que queria dizer que no geral eles iriam a um encontro estilo americano, o que queria dizer que ela não tinha ideia do que esperar.

Peter tinha dito que seria algo casual, nada chique demais ou desleixado demais. Ela não sabia bem o que esperar, mas a irmã mais nova de MJ, Mary, era fascinada por moda e felizmente estava mais do que contente em dar alguns conselhos e ajudar com a maquiagem.

No fim, Wanda acabou por usar um conjunto de calça de alfaiataria verde musgo, blusa de mangas compridas e esvoaçantes florida e um tênis branco sem cano. Era ao mesmo tempo simples, bonito e elegante, e ela adorou o resultado.

A mãe de MJ e Mary – Marlene – prendeu seu cabelo em uma trança de aparência complicada e a própria Wanda optou por aplicar apenas um pouco de gloss, rímel e delineador. E no fim de tudo, ela se sentia mais bonita do que em meses.

O pior mesmo foi a espera. Terrível, lenta e tortuosa espera. Era como se às cinco da tarde nunca chegassem, o que foi um pesadelo. Mas eventualmente chegou, e valeu cada segundo.

Peter estava bonito, se não mais bonito do que o usual. E suas mãos – as dela, não as dele – nem ao menos estavam suadas ou estalando com a magia nervosa mal contida. Ele abriu um largo sorriso atordoado para ela e Wanda sentiu seu estômago dar nós das melhores maneiras.

Ah droga, maldito Peter Parker e seu sorriso charmoso e cheio de dentes brilhantes.

 

 

De alguma forma, Peter conseguiu se envergonhar o mínimo possível ao sair da casa dos Jones-Watson de braços dados com Wanda. Ela estava tão linda que fazia suas bochechas queimarem, e ele lutou para encontrar todas as palavras que treinara no caminho de casa. No fim, após cerca de dez minutos de nervosismo e acanhamento mútuo, aquela linha tênue de tensão começou a se dissipar, e de repente eles eram Peter e Wanda, melhores amigos, outra vez.

No caminho para a estação de metrô e logo depois, na viagem de quase meia hora, eles conversaram sobre assuntos leves como livros, viagens que queriam fazer, o ultraje que era o cancelamento de Julie and the Phantons pela Netflix, e até chegaram a dar nomes para a família de ratos que estava compartilhando a viagem com eles (quando se morava em NY, essas eram cenas rotineiras).

E quando eles finalmente chegaram a Little Odessa ambos já estavam bem mais tranquilos e menos propensos a ficarem tão vermelhos quanto um tomate toda vez que suas mãos se tocavam.

O restaurante que Peter escolhera era perfeito para um primeiro encontro, assim como o pretendido. Luzes suaves e amareladas, flores bonitas nas mesas, decoração boemia e música ambiente. Era quase que completamente diferente da maioria dos lugares que costumavam frequentar no Queens, e ele fez uma nota mental de comprar chocolate como forma de gratidão para Natasha.

Wanda parecia ter adorado o lugar, se a forma como seus olhos brilharam e um pequeno suspiro escapou de seus lábios fosse algum indicativo. Peter poderia ter apreciado mais a decoração, caso não estivesse tão ocupado apreciando a menina sokoviana, mas ele não acha que perdeu muito. Ela ainda era a mais linda do lugar todo, e nenhuma flor de mesa poderia tirar essa ideia da sua cabeça.

— Eu amei o lugar Pete, é lindo. – ela disse com um sorriso brilhante.

— Natasha me ajudou a escolher. – ele respondeu – Fico feliz que você tenha gostado.

(ele concorda que é tudo muito bonito, mas eles poderiam comer pastel em um banco de uma praça qualquer e ainda seria perfeito, porque seria ela)

— Eu adorei. Adoro culinária russa.

— Eu sei. – ele sorriu de volta, ao passo que a garçonete chegou para entregar seus cardápios.

— Boa noite, sejam bem vindos. – a jovem loira com sotaque do Bronx os cumprimentou – Aqui estão os cardápios, fiquem a vontade para me chamarem assim que se decidirem. Meu nome é Jolene e eu serei sua atendente essa noite.

— Obrigada, Jolene. – Wanda aceitou os menus pelos dois com um pequeno sorriso educado e logo a loira tinha se ido – Ah meu deus Peter, eles tem salo e okroshka.

— As porções servem dois. – ele murmurou, fazendo as contas de cabeça e concluindo, com satisfação, que sobraria dinheiro o suficiente para bebidas e sobremesa.

— Nós podemos pedir os dois e uma jarra de kompot, o que acha?

Novamente fazendo as contas, ele acenou satisfeito com o andar das coisas e concordou com um cantarolar. Seus olhos foram atraídos para o menu de sobremesas, mesmo sabendo que era meio cedo para isso, e quando ele viu o preço do pastilá, o doce favorito de Natasha e Wanda, ele ficou grato por estar sentado, ou então teria caído para trás. Quem em sã consciência cobrava vinte dólares por fatia?

Só lhe restava esperar que Wanda não percebesse esse pequeno detalhe.

— Vamos pedir então. – ele disse ansiosamente, querendo desviar a atenção da ruiva de seu cardápio. Chamando a atenção de Jolene, ele se virou para a companheira – Salo e okroshka então?

— E uma jarra de kompot. – ela acrescentou.

— E uma jarra de kompot. – ele concordou e rapidamente fez o pedido.

— Muito bem, senhor. – a garçonete disse após terminar de anotar tudo – Leva cerca de vinte minutos para tudo ficar pronto. Vocês irão querer a bebida agora ou junto com a comida?

— Junto com a comida, por favor. – Wanda respondeu e logo Jolene tinha ido embora.

— Vinte minutos de espera? – ele murmurou para si mesmo e recebeu uma risada da ruiva.

— Vocês americanos são muito apressados. Qual a graça de chegar, comer e ir embora? Tem que aproveitar o ambiente, a companhia, a comida, a experiência.

— Tem muitos outros lugares por ai para aproveitar a experiência. – ele disse, não querendo soar tão atrevido quanto soou. Felizmente ela não pareceu entender o duplo sentido, ou se entendeu, fingiu que não.

— Em Sokóvia ir a um restaurante é mais do que uma simples refeição, é um evento. – ela começa a gesticular enquanto fala e Peter se inclina para frente, apoiado nos cotovelos – Meus pais sempre nos fazia vestir nossas melhores roupas, e quando a gente chegava lá já sabia que teríamos que esperar pelo menos quarenta minutos antes da comida chegar. – ela para por um momento, perdida em uma lembrança, e então balança a cabeça para afastar o pensamento – Pelo menos no lugar que a gente costumava ir. Era legal, parecia um pouco com esse, mas era menos americano e a comida era meio diferente.

— Parecia ser legal. – ele sorri encorajador. Peter adorava ouvir sobre a infância de Wanda, principalmente as partes boas, que pareciam ser tão poucas.

— Era ótimo. Era nosso momento em família, sabe? Nós não podíamos sair o tempo todo, não tínhamos dinheiro pra isso, mas às vezes quando sobravam alguns euros nós íamos comer fora. Meus tios e primos iam junto conosco de vez em quando. Nós conversávamos sobre tudo, comíamos devagar, e depois que terminávamos de comer nós ficávamos na mesa conversando até dar fome de novo. – ela ri – E então meu pai dizia: ‘ah, já que já estamos aqui’ e me deixava comer metade da sobremesa dele todas as vezes.

— Quanto tempo vocês ficavam lá?

— Ah, horas. Tinha vez que a gente só saia quando os funcionários iam fechar. – ela sorri novamente – Essas são algumas das minhas memórias favoritas. – diz suavemente – E você? quais suas memórias favoritas da infância, Pete?

— Quando eu era pequeno, - ele começa, inclinando-se e focado o olhar no saleiro que ficava no meio da mesa – meu tio Ben costumava passar horas tentando me ensinar a tocar guitarra. Eu era bem ruim nisso, principalmente porque sofria de fraqueza muscular, o que tornava difícil ficar muito tempo tentando tocar. No fim, ele iria desistir e me levar para tomar sorvete.

— Seu tio parece ter sido um cara ótimo.

— Ele foi. – Peter levanta o olhar, encontrando compreensão no rosto de Wanda e se sentindo motivado a continuar – Eu não tenho muitas memórias dos meus pais, eles morreram quando eu era muito pequeno. Ben e May são tudo o que eu sempre tive, desde que eu me entendo por gente. Todas as memórias que eu tenho deles são preciosas, sabe? Eu já perdi meus pais, já perdi Ben, tudo o que eu tenho deles são memórias agora. E eu as guardo com muito carinho, mesmo as ruins.

— Espero que um dia você encontre alguém para criar tão boas memórias quanto as que você tem deles. – ela diz suavemente.

— Eu já encontrei. – Peter responde – Eu tenho tia May, os Vingadores, Ned e MJ, Wade. E eu tenho você. – ele pontua bem a última palavra, recebendo um sorriso tímido em retorno.

Ela ia falar mais alguma coisa, mas bem nesse momento a comida chegou, interrompendo a conversa e quebrando aquela bolha intima na qual se perderam. Peter nem ao menos viu o tempo passar, tão preso em sua fascinação e conversa para com Wanda.

Eles comeram e conversaram, saboreando bem a deliciosa refeição e mantendo os tópicos mais leves. No fim, quando Peter já tinha pagado – ele insistiu em pagar tudo, mas Wanda decidiu que no próximo encontro seria ela a pagar (o que o fez se sentir estupidamente feliz, porque teria um próximo) – eles saíram para fora e caminharam até a praça que sediava a amostra cultural, onde passaram o resto da noite entre as apresentações e as barraquinhas de feira.

No fim, eles acabaram tendo correr para a estação de metrô, ou se não chegariam em casa muito depois do horário limite de May. Para sua sorte, o vagão onde se encontravam estava praticamente vazio, com alguns poucos jovens parcialmente bêbados dormindo uns sobre os outros em um canto.

Eles se sentaram nos fundos, onde ele criou coragem para passar um braço pelo ombro dela. Wanda virou sua cabeça em direção a ele e o encarou com uma sobrancelha arqueada, diversão brilhando em seus olhos. Ele sorriu para ela. Ela sorriu para ele.

E então, ela o beijou.


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Notas finais do capítulo

Boa noite, eu odeio esse capítulo.



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