After Dark escrita por saturn


Capítulo 5
A Cidade Solitária




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O clima no complexo ainda estava indiscutivelmente tenso quando quatro de julho chegou. Peter estava se isolando dentro de seu quarto, recusando-se a interagir com qualquer um que não fosse Bucky, Wanda ou Natasha, ignorando firmemente o elefante – ou a manada deles – presente entre ele e a equipe. Ele não sabia se estava sendo incrivelmente covarde ou incrivelmente corajoso de dar um gelo nos Vingadores de todas as pessoas, mas enquanto tivesse dois ex-assassinos e uma bruxa do seu lado, ele achava que poderia continuar em seu isolamento auto imposto sem grandes interferências.

Ou ao menos até um deles decidir que já estava cansado de cobri-lo.

Mas ele estava tentando não pensar nisso ao mesmo tempo em que relia seu livro favorito do Doutor Banner – quem ele também estava ignorando – para tentar afastar o tédio.

Ele pensou muito sobre o que dizer, qual atitude tomar diante de suas revelações e pensou ainda mais nas reações que receberia dos outros. Ele foi estupido e sabia disso, ser ex-cobaia de uma organização nazista não era exatamente algo que você saia por ai dizendo na hora de jantar para seus amigos que era exatamente os maiores inimigos dessa tal organização, mas agora era tarde demais para voltar atrás.

Peter sabia que precisava tomar vergonha na cara, vestir-se e ir para a festa de Steve, mas as coisas não eram tão fáceis assim. Ele nem sabia se ainda era bem vindo, embora seu patrono, Ares, tenha lhe dito que aquela não seria uma batalha com a qual se preocupar. Não que isso melhorasse alguma coisa, de jeito nenhum. Nem mesmo os incentivos irritados de Éris – ele tinha passado o dia anterior quase que inteiro retomando contato com seus patronos, o que tinha sido bom, porque ele realmente precisava de alguns conselhos, e ao mesmo tempo ruim, porque eles eram bem vocais quanto a não aprovarem sua covardia. Mas era isso que você ganhava por trabalhar com o deus da guerra e a deusa da discórdia. Não que fosse exatamente culpa dele.

Tudo bem, ele estava divagando.

Bufando e com raiva de si mesmo, ele se levantou e jogou o livro de qualquer jeito do outro lado da cama, foi para o banheiro e se enfiou de baixo do chuveiro, levando um minuto ou dois para perceber que ainda estava de cueca e meias e finalmente tomou banho. Às vezes sua mente era sua maior inimiga, forçando-o a uma paralisia onde ele era perfeitamente capaz de raciocinar tudo o que precisava fazer, mas ao mesmo tempo não conseguia se forçar a realmente realizar suas tarefas.

Era exaustivo. E o deixava com raiva.

Os raros momentos de clareza entre seus pensamentos honestamente desnorteadores eram sua única oportunidade de forçar seu cérebro a se levantar da cama, parar de procrastinar e cumprir seus objetivos, então era isso que ele estava fazendo agora enquanto raspava furiosamente sua barba rala que insistia em nascer.

— Esse cabelo de cú do caralho, coisa feia da porra. – ele resmungou enquanto enxaguava o rosto, notando vários pequenos cortes já em diferentes estados de cura – Pelo menos pra alguma coisa aquela merda de aranha serviu, além de tornar minha vida um inferno.

— Uau, alguém está de mal humor. – Bucky diz de algum lugar atrás dele. E Peter, que tinha ouvido ele chegar com sua audição aumentada, apenas bufou em resposta – Não precisa falar comigo se não quiser, eu só vim aqui pra te arrastar a força para a festa.

— Boa sorte com isso, eu sou mais forte que você.

— E eu sou mais velho e mais bem treinado, garoto. – o Barnes respondeu ainda parecendo divertido – Mas eu não vim aqui para brigar. Nat disse que caso você não apareça lá essa noite ela vai te chutar daqui até a Rússia.

— Não duvido disso.

— É sério, garoto. Olha, eu sei que você tá com medo da equipe te tratar diferente, e eu não vou mentir dizendo que vai ser fácil, porque não vai, mas você não precisa se preocupar tanto com isso. Tudo vai se resolver, ninguém tá realmente bravo com você.

— Ah, não? – ele questionou – Que engraçado, pensei justamente o contrário. Sabe, é o que costuma acontece quando você revela que trabalhou para uma organização nazista quando tinha treze anos, as pessoas ficam bravas com você.

— Peter. – Bucky suspirou – Você foi uma vítima.

— Eu me voluntariei!

— Ainda uma vítima. Wanda também se voluntariou e ela tinha a mesma idade que você tinha. Você acha que ela é culpada?

— Não, mas é diferente.

— Não é.

— Eu deixei nazistas fazerem experimentos em mim!

— Eu também, esqueceu?

— Você não teve escolha.

— E nem você. Eles te encontraram em um momento de fraqueza, mentiram para você, te manipularam para te fazer acreditar que eles estavam querendo ajudar, que se importavam com aquelas pessoas assim como você se importava. Você era uma criança e fez o que fez porque queria ajudar pessoas. Isso não te torna um vilão.

— Poderia.

— É, mas não tornou. – ele respirou fundo – Olha Pete, se algum aqui entende de culpa da vítima, esse alguém sou eu. Ainda é difícil para mim separar as minhas ações das do Soldado Invernal na maior parte do tempo, mas entender que eu não tive escolha, que eu fui manipulado e usado, ajuda. Eu não sou culpado pelos erros da HYDRA. E nem você.

Peter finalmente olhou para o amigo – Você pode até entender, mas e quanto aos outros?

— Eles não precisam entender, apenas aceitar. Todos nós cometemos nossa cota de pecados e crimes internacionais, - o Parker riu levemente pelo nariz – mas isso não nos torna pessoas ruins. Pessoas ruins não se preocupam em se redimir, não se preocupam em tentar serem boas.

— Talvez você esteja certo.

— Ah, eu estou. – o ex-sargento sorriu para o aracnídeo mais uma vez e então se afastou, indo em direção a porta – Se arrume logo, eu e as meninas estaremos te esperando para que você não precise entrar lá sozinho.

— Vocês sabem confortar alguém.

— Vem com a experiência. – ele deu de ombros e saiu, não sem antes dar um aceno encorajador para o homem mais novo.

Peter suspirou.

Ele não podia continuar sendo um covarde.

 

 

Tudo bem, ele era um covarde.

— Eu não vou.

— Vai sim.

— Não vou.

— Vai.

— Não. Vou.

— Ah, mas vai sim. Se não eu vou te chutar aqui até a Rússia. – Natasha espumou.

— Eu te avisei. – Bucky riu e recebeu um soco de leve de Wanda.

— Olha gente, isso é uma má ideia. – Peter tentou os coagir – Pra começo de conversa, eu nem tenho um presente.

— Eu já cuidei disso. – Wanda o garantiu.

— Essa camisa fica muito apertada em mim.

— São os músculos, garoto aranha – Bucky sorriu, ainda fazendo graça.

— E ninguém lá gosta de mim.

— A gente gosta. – Natasha bufou – Olha, você pode ficar aqui e ser um covarde...

— Soa ótimo para mim.

— ...ou você pode ir lá, enfrentar aquelas pessoas e mostrar para elas que você não se sente culpado.

— Mas eu me sinto.

— Isso é algo pra gente desempacotar mais tarde. No momento, você vai endireitar essa postura, ignorar essa vozinha pessimista na sua cabeça e entrar lá.

— Eu sou a vozinha pessimista.

— Peter. – ela suspirou – Steve realmente te quer lá. Ele me disse isso. Explicitamente. Com todas as palavras.

— Nós somos seus amigos, Pete. – Wanda disse suavemente – Até mesmo o resto da equipe. Todos nós queremos que você esteja lá. – ela sorriu lindamente e Peter sentiu algo dentro de si derreter. Droga, ele não conseguia dizer não a ela – Eu quero que você esteja lá também.

— Ah é, você quer? – Bucky indagou maliciosamente.

— Sim. Porque Peter é meu amigo e a pessoa mais próxima da minha idade. – ela disse firmemente, mas todos puderam notar o leve rubor que cobria suas bochechas – E vai ser chato sem ninguém interessante pra conversar além de gente velha e entediante.

— Hey, eu vou estar lá! – o soldado indignou-se.

— Exatamente. Vê meu ponto, Peter? Você não pode me deixar passar por essa tortura sozinha. – ela implorou de brincadeira e ele riu, sentindo-se levemente atordoado pelos sorrisos sendo lançados em sua direção.

— Tudo bem, eu vou. – ele finalmente cedeu.

Wanda bateu palmas animadamente e os outros dois sorriram em vitória.

— Se eu soubesse que tudo o que a gente precisava para convencê-lo a ir era pedir flertar com ele, teria tentado isso mais cedo. – ele ouviu Natasha comentar para Bucky em sussurros.

— Tenho a sensação que só funcionou porque é a Wandinha. – o mais velho respondeu de volta para a ruiva.

Ignorando a queimação que sentiu em seu rosto e fingindo não ter escutado nada, ele deixou a sokoviana entrelaçar seus braços e o arrastar para o elevador que os levaria para o terceiro andar, onde a festa estava acontecendo.

Era um evento íntimo, apenas para amigos e família, o que deveria tornar tudo melhor, mas nesse caso não. Dessa vez Peter honestamente desejava que fosse um enorme baile de gala com centenas de pessoas nas quais ele poderia se misturar, mas a vida gostava de fazer troça de sua cara.

Ele só podia esperar que todos o ignorassem. Seria menos humilhante.

— Gostei da sua roupa. – Wanda comentou ao seu lado, retirando-o de seus pensamentos – Adoro seu estilo nerd chic.

— Light Academia, na verdade. – ele deu de ombros, envergonhado – Ao menos é o que minha amiga Michelle classificou como.

— Aquela dos desenhos?

— Ela mesma. – ele deu uma risadinha sem graça, não querendo falar sobre sua ex-crush – Você tá linda hoje.

Ao perceber o que disse, ele sentiu que corou ainda mais.

— Você acha? – ela sorriu para ele e Peter se sentiu todo esquisito por dentro. Ela era bonita.

— Acho.

— Hey pombinhos! – Bucky disse atrás deles – É por aqui. – ele indicou a escada de incêndio.

— O elevador estragou? – a Maximoff perguntou, confusa.

— Não, a gente só achou que o Peter se sentia mais confortável entrando pelos fundos, onde ninguém vai reparar muito na gente. – Natasha deu de ombros e deu um leve soco no ombro do Barnes, chamando sua atenção – Aposto que consigo chegar lá embaixo mais rápido.

— Aposto que não.

Eles sorriram um para o outro e saíram em disparada, ignorando as escadas e descendo pelos corrimões como ninjas bem vestidos. Peter soltou um assovio baixo.

— Eles são bons.

A europeia soltou um murmúrio de concordância – Você consegue fazer isso? – perguntou enquanto eles começaram a descer as escadas.

— Provavelmente. – ele fez careta, lembrando-se das inúmeras vezes que teve de fazer coisas parecidas como o Homem-Aranha, mas achando que não valia a pena mencionar – Mas nunca de salto alto como a Nat.

— Eles fariam um casal fofo caso ela não fosse aroace e ele não estivesse com o Steve.

— Eu acho que eles seriam um casal poderoso demais, interferiria no equilíbrio do universo. – ele deu de ombros e riu – Ou não, talvez eles fossem um casal de idiotas.

— Imagina se o público descobre que a infame Viúva Negra e o assustador Soldado Invernal são na verdade dois crianções.

— Vamos torcer para que isso nunca saia daqui. – a voz de Natasha disse lá de baixo – Eu tenho uma reputação a manter.

— Eu também. – Bucky concordou – Demorei setenta anos pra solidificar a minha.

— Idiotas. – Wanda bufou – Hey, Peter? Confia em mim?

— Claro. – ele respondeu confuso – Mas por quê?

— Eu vou fazer a gente chegar lá rapidinho. – ela disse e então eles foram envoltos pela névoa vermelha de seus poderes.

A escada de incêndio seguia rente as paredes e possuía uma área livre no meio, pela qual ambos desceram suavemente e em questão de segundos estavam no terceiro andar. Ajeitando seus cabelos que se bagunçaram na descida, ele se virou para Wanda e sorriu, com os olhos brilhando.

— Isso foi incrível! A gente pode fazer de novo?

— Quem sabe um dia desses. – ela espelhou seu sorriso e ele se perdeu levemente em seus olhos verdes.

Droga.

Peter acha que podia estar se apaixonando por Wanda.

 

 

Quando Peter apareceu na porta do quarto de Natasha, milhões de borboletas invadiram a barriga de Wanda. Ele estava bonito, usando calças de alfaiataria xadrez em um tom cinzento, um suéter azul bebê que parecia ser incrivelmente confortável e com os cachos curtos cuidadosamente arrumados e estilizados.

Ela precisava parar de prestar tanta atenção nos pequenos detalhes de Peter. Era esquisito porque eles eram apenas amigos e o aracnídeo com certeza ficaria desconfortável caso soubesse do rumo de seus pensamentos e –

Ele disse que eu estou bonita.

Não. Wanda malvada. Nada de ficar analisando demais tudo e se iludindo com um cara que te vê apenas como amiga. Peter já estava passando por coisas demais com todas as revelações de sexta-passada para ter de lidar com a quedinha ridícula – e completamente justificada – de sua amiga.

Mas Bucky implicou mais de uma vez que ele se sentia atraído por mim.

Mas isso não significava nada. Bucky só tinha síndrome de casamenteiro e sofria de intrometite aguda, isso não queria dizer nada.

Mas ele nunca a tratava mal por sua magia ou a olhava feio por isso.

Decência humana básica, não queria dizer nada além de ele ser uma boa pessoa.

Ele fica corado toda vez que olha para mim.

Deve ser impressão, a luz no complexo é ruim.

Ele é tão fofo.

É verdade. Mas ele era seu amigo.

— Wanda? – o menino que tomava conta de seus pensamentos chamou suavemente sua atenção.

— Sim? – ela guinchou e, corando de vergonha, ela limpou a garganta e disse novamente – Sim?

— Eu te perguntei se você queria Sprite, mas você não me respondeu.

— Ahn...claro. Claro que sim. Eu adoraria. – sorriu sem graça – Desculpa, eu me distrai.

— Tá tudo bem. – ele garantiu – Eu vivo fazendo isso, sou a pessoa mais distraída que você vai conhecer.

— Não sei, acho que eu posso ser uma oponente a altura. – que droga foi aquela? Ela só se envergonhava.

— Eu aceitaria essa aposta, Srta. Maximoff. – ele começou, entregando uma latinha de Sprite para ela – Mas provavelmente me distrairia e esqueceria.

Ela o encarou, divertida.

Ele parecia consideravelmente menos nervoso do que quando eles chegaram na festa, cerca de quarenta minutos atrás. Desde então estavam os dois sentados em uma mesinha meio escondida atrás do bar onde se preparava alguns drinks alcóolicos que nenhum deles tinha idade para beber, mas que Natasha e Bucky, que desapareceram quinze minutos após chegarem, não viram problemas de pedir para eles.

Peter tinha bebido três deles, mas ela ainda estava em seu primeiro. Eles eram consideravelmente fortes, mas ele não parecia tão afetado assim, provavelmente por seu metabolismo alto ou qualquer outra coisa do tipo – Wanda não era exatamente uma garota das ciências. Ainda sim, ele estava mais relaxado, tendo se recostado confortavelmente na cadeira e subido as magas do suéter.

— Desculpa, eu tô tornando isso tudo uma chatice com meus próprios problemas pessoais, não tô? – ele sorriu sem graça – Você não precisa ficar aqui comigo o tempo todo, pode ir aproveitar a festa, eu vou ficar bem.

— Não, não. Tá tudo bem, é sério. – ela garantiu – Eu não sou exatamente uma borboleta social e tava falando sério quando disse que preferia a sua presença do que a dessa gente velha e enfadonha.

Atrás deles, Sam deu uma tentativa falha de mortal para trás e Scott espirrou coca pelo nariz de tanto rir do tombo do outro. Peter e Wanda se entreolharam, sem graça.

Seria uma longa noite.

 

 

Duas horas em que nada de especial aconteceu e que as pessoas o trataram como se nada estivesse errado foi o suficiente para Peter e ele resolveu que precisava sair dali o mais rápido o possível. Como ele havia previsto ter todos fingindo que nada tinha acontecido foi pior do que ser encarado com olhares julgadores e raivosos.

Ou talvez não. Talvez fosse ruim o suficiente em qualquer lugar porque ele não se sentia confortável o suficiente para estar no meio de muitas pessoas em seus melhores dias, mas em dias como aquele tudo era especialmente difícil.

— And I forget, just why I taste / Oh yeah, I guess it makes me smile / I found it hard, it’s hard to find / Oh well, whatever, nevermind... – a voz suave e abafada de Kurt Cobain cantarolava a letra de Smells Like Teen Spirit dois andares acima dele, mas sua audição aprimorada capitava tudo perfeitamente, como se ele estivesse a três metros da caixa de som.

Era agonizante e, embora Peter se considerasse um grande fã de Nirvana, ele se sentia compelido a nunca mais escutar nenhuma faixa de Nevermind apenas por mesquinhez.

Sua crescente ansiedade parecia arranhar sua garganta como um gato desesperado tentando escalar um muro de plástico liso. Tudo bem, essa não foi sua melhor comparação, mas também não foi a pior.

Ele se sentia meio mal por ter abandonado Wanda enquanto ela ia ao banheiro, mas a cada minuto que ele passava ali mais e mais parecia que as paredes se fechavam ao seu redor. Em algum momento, a descarga de adrenalina causada por seu nervosismo fez com que suas mãos começassem a tremer levemente e ele teve que engolir a vontade de chorar quando gaguejou várias vezes no meio de uma conversa com Sam e esse riu dele.

Peter odiava aquilo. Toda aquela sensibilidade exagerada, os arrepios que subiam seu corpo, seu cérebro o forçando a remoer cada único acontecimento, mesmo os mais comuns, e retorce-los para fazer parecer que todos estavam zombando dele. Ele não devia ter feito aquela piada sobre ligações químicas porque ninguém entendeu e ele ficou com cara de idiota, não devia ter escolhido aquela roupa porque ouviu Pepper comentar que ele estava ‘chique’ para uma festa tão casual e não devia ter saído do quarto porque ele teve que ouvir ela e Maria Hill sussurrarem durante dez minutos inteiros sobre como ele era um pobre coitado que foi enganado pela HYDRA e ele odiava tudo aquilo.

Ele queria desaparecer.

Ele queria nunca ter saído de seu quarto.

Ele queria nunca ter concordado em passar as férias ali.

Ele –

— Qualquer coisa que a sua cabeça esteja de dizendo, provavelmente não é verdade. – a voz inconfundível de Wanda disse perto de si. Peter se virou lentamente de seu lugar no cantinho da sala, ao lado de uma enorme janela aberta e encarou a amiga, envergonhado.

— O que você tá fazendo aqui? Quer dizer, poxa isso soou grosseiro. Não é como se eu não estivesse feliz em te ver aqui nem nada, eu estou de verdade, eu só não esperava que você fosse me seguir e eu provavelmente estou me fazendo de idiota agora e deveria parar. – ele sussurrou essa última parte para si mesmo.

— Bem, eu reparei que você estava angustiado a ansioso durante toda a festa, então quando você desapareceu eu assumi que você não aguentou mais e foi embora, então eu peguei dois pedaços de bolo e mais álcool na cozinha e segui a trilha de aranhas. Sabia que as aranhas daqui costumam gravitar em sua direção? Siga as aranhas. – ela deu uma risadinha e foi só então que ele reparou nos pratos, copos e na garrafa de vinho que flutuavam atrás dela – Mas eu posso ir embora se você quiser.

— Não! Fica! Desculpa por ter desaparecido, eu só me senti meio...

— Sobrecarregado? – ela perguntou, parecendo compreensível.

— Sim. – ele resmungou e então suspirado – Você não precisava ter vindo, podia ter aproveitado a festa.

— Não estava tão interessante assim. Na verdade, se eu tivesse que ouvir Thor contar mais uma história de suas batalhas eu ia me esfaquear com os palitos de dente. Eu adoro ele, mas...

— Às vezes é demais. – ele disse e ela concordou.

— Então... – ela começou após um breve momento de silencio que usou para se sentar ao lado dele e colocar as coisas no chão ao redor deles – Álcool, bolo e conversas sentimentais ou só álcool e bolo?

— Acho que eu gostaria de conversar. – o aracnídeo admitiu após um momento ou dois de contemplação.

— Tuuudo bem então, sinta-se a vontade para começar. – ela disse enquanto servia ambos com o vinho furtado.

— Eu só comecei a me sentir muito afobado, entende? Todas aquelas pessoas ao meu redor fingindo que nada tinha acontecido, a música alta, os olhares do Sr. Stark, tudo isso me deixou sufocado. Não ajuda que amanhã seja o aniversário de morte do tio Ben. – ele tinha ignorado a data durante todo o dia, mas por algum motivo não conseguiu continuar guardando aquilo para si.

— Imagino que tudo aquilo tenha sido desorientador e tenha te sobrecarregado, e eu peço desculpas por ter insistido que você fosse. – ela disse suavemente – Na verdade, eu meio que não queria ir também, festa não é muito minha praia.

— Nem a minha.

— Escuta Peter, eu não sei exatamente o que dizer nesse tipo de situação, porque eu mesma mal lido com a perda do meu irmão, mas embora eu seja a pior conselheira de todos os tempos, você pode me contar o que quiser. Eu juro que sou uma confidente melhor do que sou conselheira.

Ele riu pelo nariz – Tá tudo bem, não é como se eu fosse muito melhor.

— Que bela dupla nós somos, hein? – eles se encararam e riram novamente – Quer chegar até o fim dessa garrafa?

— Por favor. – ele disse de brincadeira – Um pouco de rebeldia é tudo o que eu preciso pra me sentir melhor.

Ela deu uma garfada em seu pedaço de bolo e um gole em seu vinho – Para a sua sorte, jovem Padawan, eu recentemente descobri onde Tony guarda todo o álcool caro dele.

— Primeiramente, você conhece Stark Wars? Segundamente: lidere o caminho, mestre.

— Talvez eu conheça. – ela aceitou a mão que ele estendeu em sua direção e com um aceno de seus dedos a ‘janta’ deles começou a flutuar.

— Nós definitivamente precisamos maratonar os três primeiros um dia desses.

— São os únicos que eu assisti.

— Acredite, é melhor assim. – ele riu e hesitantemente passou um braço pelo ombro da amiga.

Seu coração parecia um pouco mais leve.

 

 

Peter acordou com uma dor de cabeça assassina que sempre o acompanhava após dias estressantes – e ele se lembra de não ter tomado tanta água quanto deveria no dia anterior. Claro, ele tinha bebido duas vezes mais vinho do que Wanda, mas não é como se ele ficasse facilmente bêbado ou com ressaca, então ele se contentou em apenas se dispor em esperar cerca de meia hora para aquela dor incomoda desaparecer ao invés de pedir um dos analgésicos próprios para pessoas como ele. Esses remédios eram difíceis e caros de se produzir para ficar usando a toa.

Forçando seu corpo a se esticar, alongando os músculos dos braços e tronco, ele se virou de costas bem a tempo de se chocar com algo, ou melhor, alguém.

— Mas que porra...? – ele murmurou, esfregando os olhos e tentando processar a situação – Wanda?

— Bom dia Peter. – a menina que estava encolhida ao seu lado, com os pés frios tocando as coxas mal cobertas do menino, murmurou enquanto abria os olhos lentamente – PETER?

Ela se levantou rapidamente, olhando para ele com os olhos arregalados. Ambos ficaram aliviados em constatar que estavam completamente vestidos – quer dizer, não completamente, já que o Parker tinha quase certeza de que estava sem calças – e nada de estranho parecia ter acontecido.

— Ahn... bom dia? – ele disse timidamente.

— Ah meu Deus, mil perdões. – ela começou a se desculpar enquanto se levantava da cama e ajeitava o vestido cor de ameixa.

— Tá tudo bem. – ele garantiu, sabendo que suas bochechas estavam tão vermelhas quanto as dela – Se isso te faz sentir melhor, nada aconteceu. – ele disse e então se arrependeu imediatamente. Sutil, Parker. Muito sutil.

— Eu sei. – ela respondeu – Eu só não devia ter dormido no meio do segundo filme.

— Eu dormi por ai também. – ele riu sem graça.

Na noite anterior, após ambos invadirem a adega de Tony e furtarem um vinho de aparência cara, eles foram para o quarto do aracnídeo, que era quem tinha a maior televisão, e assistiram os dois primeiros filmes de Harry Potter enquanto passavam as duas garrafas de lá para cá e comiam os pedaços enormes de bolo que ela tinha trazido.

— Então... – ela limpou a garganta, parecendo meio perdida em relação ao que dizer – Eu preciso ir tomar banho. Te encontro lá embaixo?

— C-claro. – ele se repreendeu mentalmente por gaguejar. Não queria de jeito nenhum pensar nela tomando banho, isso seria uma falta de respeito enorme. Droga de hormônios.

Quando Wanda saiu, ele esperou por um segundo ou dois antes de pegar seu celular na mesinha de cabeceira e ligar para tia May, sentindo a tristeza o invadir como um tsunami assim que a presença calmante da amiga se foi.

Naquele dia se completavam dois anos desde que Ben se foi.

Dois anos desde que ele se foi e deixou Peter sozinho.

Peter se lembrava da primeira vez em que teve uma briga feia com Ben. Ele tinha chego tarde em casa porque estava muito ocupado brigando com crianças maiores do que ele que achavam que tinham direito de roubar o dinheiro do lanche de seu amigo Ned. Naquela época, quando ele tinha doze anos e o mundo ainda era muito preto e branco, ele costumava ser alguém que não aguentava ver injustiças, que se recusava a abaixar a cabeça quando alguém que se achava no direito de machucar os mais indefesos fazia exatamente isso.

Ele usava óculos, tinha asma e pouco mais de 1.50 de altura. E aquele Peter Parker que mal dormia três horas por noite, muito ocupado com todos os seus interesses para o propriamente, que vivia de suco de caixinha, oreos e que era a única criança de sua classe que era fã do Doutor Banner e não do Hulk, acreditava fielmente que podia lutar contra Deus e o mundo se tomasse achocolatado o suficiente e tivesse um bom motivo.

Ben o ensinou muitas coisas: a tocar violão, a gostar de Nirvana, primeiros socorros e como dar um soco sem quebrar os dedos. Mas também foi ele quem ficou sentado na sala de estar até dez horas da noite, cinco horas após seu toque de recolher, esperando para que ele chegasse em casa. Foi ele quem gritou com Peter em um momento de raiva e que chorou por medo de algo ter acontecido apenas cinco minutos depois.

Era seu tio quem sempre cuidava dele, quem sempre fazia questão de abastecer o kit de primeiros socorros do banheiro porque sabia que seu sobrinho precisaria, quem o levava em todas as feiras de livros do Queens ao Brooklyn e que sempre incentivou seu amor à ciência. E droga, ele odiava desapontar Ben, que sempre foi sua pessoa favorita no mundo inteiro, mesmo antes do acidente que levou seus pais, mesmo depois de ser somente ele e May.

(ele amava sua tia, de verdade – mas ela não era seu tio, ela nunca poderia preencher o buraco em seu peito assim como ele nunca poderia preencher o que havia no dela)

As coisas melhoraram a partir dai, mas pioraram significativamente cerca de um ano depois. E de seus treze aos quinze, Peter foi uma bola de destruição, afastando-se de todos os que amava e se envolvendo com organizações nazistas. E ainda sim, mesmo após ver a vergonha que ele se tornara, Ben nunca desistiu dele. Ainda sim, ele escolheu levar uma bala no peito no lugar de Peter.

Ele não sabia se merecia esse sacrifício, mas a partir desse dia ele fez questão de honra-lo.

As pessoas nunca saberiam disso, mas sem Benjamin Parker não existiria o Homem-Aranha, seu amigão da vizinhança. Mas elas se lembrariam do oficial Parker, que deu sua vida em serviço. Bem, apenas algumas delas. Apenas aquelas que se importavam.

Naquele momento, ele decidiu: tudo bem se as pessoas não se lembrassem. Ele se lembrava.

 

 

As semanas se passaram e por fim chegou o momento de voltar para a civilização descivilizada que era Nova York. Wanda e ele se tornaram cada vez mais próximos, e ele se sentia seguro o suficiente para dizer que ela era uma de suas melhores amigas e para admitir para si mesmo que talvez ele realmente tivesse um pequeno crush nela.

Ele demorou para aceitar seus sentimentos – que sabia que nunca seriam correspondidos – por sua mais nova amiga, mas teve um momento que ele teve que simplesmente desistir de ser um idiota teimoso e passar a reconhecer sua existência. Então sim, era meio estranho estar perto de alguém que você tinha um Monte Everest por, mas Peter se considerava um ator bom o suficiente para esconder seus sentimentos.

Se bem que pelos olhares que Bucky e Nat continuavam lançando em sua direção, talvez ele não fosse tão bom quando pensava que era.

As coisas entre ele, Tony e os outros Vingadores finalmente se acalmaram, embora ainda tivessem aquela fina camada de tensão em quase todos os momentos. Apenas disso, ele se divertiu imensamente passando tempo no laboratório com seus cientistas favoritos, treinando com Steve e Bucky, aprendendo arco e flecha com Clint em suas visitas esporádicas, tentando pegar alguma coisa de russo e alemão com Natasha e passando uma quantidade de tempo insalubre com Wanda assistindo programas de televisão.

E a parte mais insana de todas?

Wanda Maximoff, sua nem tão secreta crush e melhor amiga vingadora™ (desculpa Bucky) estava indo morar com ele e sua tia May enquanto terminava seu último ano no ensino médio na mesma escola que ele. Qual a probabilidade?

As vezes ele era extremamente grato a quem quer que fosse que estivesse escrevendo o livro de sua vida.

— Peter? – Happy o chamou – Você vai nos atrasar.

— Eu já estou indo. – ele sorriu amarelo, tendo se perdido em seus pensamentos mais uma vez.

— Vamos logo, nós temos que chegar a cidade solitária antes do anoitecer. – o guarda-costas geralmente mal humorado disse.

— Ah! Então você leu o livro que eu te recomendei. – ele se referiu a ‘A Cidade Solitária’, de Olivia Laing, um livro ótimo que ele pensou que seria do gosto do Horgan.

— Talvez eu tenha lido. – ele deu de ombros.

Sorrindo, Peter entrou no carro que os levaria do interior do estado até sua capital, dando de cara com Wanda, que já estava bem acomodada.

— Nervosa? – ele perguntou.

— Um pouco. Empolgada, principalmente. – ela respondeu.

— É um lugar meio tosco, mas você vai gostar. – deu de ombros.

— Nenhum lugar é tosco se a companhia é boa.

Ela sorriu para ele enquanto Happy dava partida no carro e Peter não pode evitar sorrir de volta. Talvez Nova York não fosse mais tão solitária assim, hein?


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Notas finais do capítulo

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