E se corrupção tivesse cheiro? escrita por Helen


Capítulo 1
Capítulo Único – Tucano




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Kaliel era menino bonito de todas as formas, menos no rosto. Na escola, por muito tempo o chamaram de "tucano". Não se tratava de política – era seu nariz. Grande e fino, metade bonito e metade esquisito. Ele, pessoalmente, nunca se importou muito com os comentários, pois amava as aves, mas um dia notou algo estranho.

Chegando da escola, ao invés de sentir o aroma delicioso de um almoço recém posto, teve de suportar um fedor horrendo. Pensou que seu cachorro tinha derrubado o lixo, e foi até a cozinha, onde ele estava. Que lixo o que! Tudo nos conformes. O menino pensou que fosse ele mesmo, suado de tanto correr a manhã inteira na escola. Que nada! Um demorado banho não o livrou do cheiro que sentiu ao sair do banheiro. Se não era ele, nem o lixo, o que seria? Desconfiado, o menino foi até a mesa botar seu almoço.

Sua mãe lavava alguma louça do café, e enquanto isso seu pai almoçava como um animal domesticado: faminto mas cordial. O menino sentou-se na cadeira de madeira e botou uma colher de arroz, outras de feijão... e enquanto isso o cheiro só piorava.

— Tem alguma coisa estragada? – perguntou a criança.

— De onde você tirou isso, menino? Comprei as coisas hoje. Não tem como. – respondeu a mãe.

— É que eu tô sentindo um cheiro esquisito...

— Tomou banho?

— Já.

— Bem direitinho?

— Sim, lavei o fiofó e tudo.

A mãe deu uma risadinha.

— Então não sei o que é, Kaliel, mas pode comer, que a comida não tá estragada não.

Ele, como um bom filho, confiou na mãe e começou a comer insossegado pelo cheiro.

— Ei, vou comprar sorvete de noite, pra gente comer. – sorriu o pai, depois de terminar o prato.

— Sério?! – Kaliel abriu um sorriso do tamanho do mundo.

— E a empresa não tava passando por uma crise? – perguntou a mãe, boa de memória.

— Tava sim, mas é que eu... bem, um amigo meu decidiu me abençoar. E agora estou muito bem.

— Amigo? Quem, o Fernando? -- ela se referia ao colega rico de seu marido.

— Não, pô, foi o.... o... -- ele não sabia se dizia. Mas disse. –... o Hipólito.

— Aquele que é candidato a deputado?

— Esse mesmo...

— Ah. E por que ele te ajudaria?

— Bem, é que...

E um silêncio esquisito ficou na sala. Kaliel não entendia dessas coisas. Pensava: "Será que mamãe não gosta desse Hipólito? Também, com esse nome feio..."

— Você prometeu votar nele, foi? -- a mulher estava numa linha tênue para a revolta. Mas aparentemente parecia bem.

— Foi... e prometi que tu ia votar também...

— E "num" me disse nada?!

— Eu ia te contar mais tarde...

— Por que que tu inventou de "mim" botar na história?

— Oxe, e por que eu "num" devia?

— Eu já disse que ia votar na Soraia. Ela me prometeu até botar Kaliel no Hipócrates e tudo.

— E foi?? Tu devia ter me contado que eu vendia meu voto pra ela.

Kaliel ouvia a discussão dos dois sem entender direito o que estava acontecendo. Só sabia que o cheiro que sentia ficava cada vez mais forte enquanto falavam, e que chegou a um ponto em que ele teve de sair. Seus pais não notaram.

O menino foi até o quintal, onde seu cachorro estava, e abraçou o bicho. Não gostava do tom que seus pais tinham adquirido na conversa. Pareciam estranhos. Por sorte seu cão não tinha cheiro de corrupção. Só o familiar cheiro de um animal amoroso e inocente das culpas do mundo.


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