E se corrupção tivesse cheiro? escrita por Helen
Kaliel era menino bonito de todas as formas, menos no rosto. Na escola, por muito tempo o chamaram de "tucano". Não se tratava de política – era seu nariz. Grande e fino, metade bonito e metade esquisito. Ele, pessoalmente, nunca se importou muito com os comentários, pois amava as aves, mas um dia notou algo estranho.
Chegando da escola, ao invés de sentir o aroma delicioso de um almoço recém posto, teve de suportar um fedor horrendo. Pensou que seu cachorro tinha derrubado o lixo, e foi até a cozinha, onde ele estava. Que lixo o que! Tudo nos conformes. O menino pensou que fosse ele mesmo, suado de tanto correr a manhã inteira na escola. Que nada! Um demorado banho não o livrou do cheiro que sentiu ao sair do banheiro. Se não era ele, nem o lixo, o que seria? Desconfiado, o menino foi até a mesa botar seu almoço.
Sua mãe lavava alguma louça do café, e enquanto isso seu pai almoçava como um animal domesticado: faminto mas cordial. O menino sentou-se na cadeira de madeira e botou uma colher de arroz, outras de feijão... e enquanto isso o cheiro só piorava.
— Tem alguma coisa estragada? – perguntou a criança.
— De onde você tirou isso, menino? Comprei as coisas hoje. Não tem como. – respondeu a mãe.
— É que eu tô sentindo um cheiro esquisito...
— Tomou banho?
— Já.
— Bem direitinho?
— Sim, lavei o fiofó e tudo.
A mãe deu uma risadinha.
— Então não sei o que é, Kaliel, mas pode comer, que a comida não tá estragada não.
Ele, como um bom filho, confiou na mãe e começou a comer insossegado pelo cheiro.
— Ei, vou comprar sorvete de noite, pra gente comer. – sorriu o pai, depois de terminar o prato.
— Sério?! – Kaliel abriu um sorriso do tamanho do mundo.
— E a empresa não tava passando por uma crise? – perguntou a mãe, boa de memória.
— Tava sim, mas é que eu... bem, um amigo meu decidiu me abençoar. E agora estou muito bem.
— Amigo? Quem, o Fernando? -- ela se referia ao colega rico de seu marido.
— Não, pô, foi o.... o... -- ele não sabia se dizia. Mas disse. –... o Hipólito.
— Aquele que é candidato a deputado?
— Esse mesmo...
— Ah. E por que ele te ajudaria?
— Bem, é que...
E um silêncio esquisito ficou na sala. Kaliel não entendia dessas coisas. Pensava: "Será que mamãe não gosta desse Hipólito? Também, com esse nome feio..."
— Você prometeu votar nele, foi? -- a mulher estava numa linha tênue para a revolta. Mas aparentemente parecia bem.
— Foi... e prometi que tu ia votar também...
— E "num" me disse nada?!
— Eu ia te contar mais tarde...
— Por que que tu inventou de "mim" botar na história?
— Oxe, e por que eu "num" devia?
— Eu já disse que ia votar na Soraia. Ela me prometeu até botar Kaliel no Hipócrates e tudo.
— E foi?? Tu devia ter me contado que eu vendia meu voto pra ela.
Kaliel ouvia a discussão dos dois sem entender direito o que estava acontecendo. Só sabia que o cheiro que sentia ficava cada vez mais forte enquanto falavam, e que chegou a um ponto em que ele teve de sair. Seus pais não notaram.
O menino foi até o quintal, onde seu cachorro estava, e abraçou o bicho. Não gostava do tom que seus pais tinham adquirido na conversa. Pareciam estranhos. Por sorte seu cão não tinha cheiro de corrupção. Só o familiar cheiro de um animal amoroso e inocente das culpas do mundo.
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