Shadow escrita por Course


Capítulo 19
XVIII - Casa dos Mitchells


Notas iniciais do capítulo

Oi, oi, oi!

Nossa, queria dizer que eu amei demais esse capítulo! Esse é um CAPITULOZÃO! Está gigantesco, mas foi impossível reduzir os detalhes e não queria dividir em dois momentos, porque acrescentar mais coisas para torna-lo em "dois" estragaria a reflexão final da Eve.
Vocês podem perceber que, a cada capítulo, uma nova camada sobre a Eve é exposta e ela começa a se questionar sobre o que é verdadeiramente ser "humano".
Como eu disse, não quis, lá no início, apresentar uma Volturi perfeita à vocês. Isso seria, no mínimo, contraditório, já que ela foi criada por, ninguém mais e ninguém menos que o próprio Aro.

Então, é muito gratificante pra mim, sinceramente, perceber que ela vai "melhorando" aos poucos e, nesse capítulo, ela começa a refletir de forma profunda sobre coisas que, antes ela não tinha se atentado. Ao que parece, quatro humanas farão a Eve ver o mundo "mortal" por uma outra perspectiva.

Espero que gostem!



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Casa dos Mitchells

 

― E o que você acha, Eve?

― Hm? ― Ergui a cabeça e encarei absorta as pessoas a minha volta, claramente demonstrando ter perdido algo importante que exigia minha opinião.

― Jenny quer saber o que você acha da ideia de irmos ao cinema na sexta. ― Alessa retomou o assunto para que eu fosse esclarecida.

― Ah...

Olhei de soslaio para Ethan que sentava na ponta da mesa e sorria confidente, como se já soubesse que ir ao cinema era, também, uma experiência nova para mim.

―  Que filme iremos ver?

― Tem um filme de terror passando que o Seth disse estar animado pra assistir.

Assistir a um filme de terror não era lá o que eu mais almejava na minha primeira experiência no cinema, mas, em vista das minhas novas circunstâncias, eu estava aceitando toda novidade possível.

― Claro! Só vou precisar perguntar aos meus pais antes. ― Sorri, tentando parecer empolgada com a ideia.

Perguntar à Carlislie e Esme não era lá necessário, mas, eu percebi que quase todo adolescente fazia isso: pedia permissão para seus pais, então, passei a usar essa frase em alguns momentos que pareciam ser necessários.

Já havia passado uma semana desde que eu decidira soltar um pouco do meu autocontrole para viver as novas experiências e, até agora, até que tem sido... divertido. Passei a julgar menos os adolescentes, quando, depois de ler uma coleção inteira de livros infanto-juvenis, percebi que as atitudes deles já eram esperadas por suas imaturidades. Então, tentei abstrair todos os picos de imaturidade que eu observava em meus novos amigos e tudo pareceu ser mais suportável. Segundos antes de Jenny me indagar sobre o cinema, eu estava dentro de umas das minhas abstrações para ignorar os comentários ridículos que a Jenny e as outras garotas faziam a respeito dos nadadores da nossa escola.

― Ótimo! ― Jenny sorriu, animada ― Podemos nos dividir. Alguns vão comigo e meu primo no meu carro e alguns vão com o Ethan, que tal? E vamos ter que sair da escola e ir direto pra estrada, porque daqui até Port Angeles leva uma hora mais ou menos.

O pessoal começou a comentar sobre a empolgação de ir ao cinema e eu tentei, mentalmente, contar em quantos minutos eu poderia fazer esse trajeto se eu estivesse em minha versão de vampira. Não que pegar carona com Ethan ou Jenny fosse algo que eu repugnasse, mas, às vezes, as locomoções humanas, por serem mais lentas, me irritavam.

O restante do dia transcorreu como a rotina já previa: lento e repleto de aulas entediantes. Quando finalmente eu me vi livre no estacionamento e pude caminhar até o conversível de Alice, para esperar meus irmãos, fui interrompida por uma mão que, apesar de ser gentil ao pousar em meu ombro, fez-me brecar no meio do caminho.

― Ethan! ― Soltei, surpresa ― Oi!

― Sei que a gente não tinha combinado nenhum ensaio pra hoje, porque você disse que ia resolver o seu problema com o filme, mas eu estava pensando se você não topa ir lá pra casa pra gente começar os ensaios.

Ethan havia me enviado uma mensagem mais cedo naquele dia dizendo que precisava urgentemente desmarcar nosso primeiro ensaio. Eu achei uma ideia fantástica, porque, sinceramente, eu ainda não havia assistido ao filme que embasaria nosso trabalho de francês. Agora, a ideia de ter que admitir que fracassei numa missão me parecia apavorante.

― Ethan, e-eu... hmm... ― Olhei em volta em busca de qualquer um dos meus irmãos para me salvar naquele momento. Eu sabia que era uma ótima mentirosa enquanto vampira, mas, na forma humana, eu sempre apresentava falhas e manias de mentirosos que me entregavam.

― Eve, não esquece que eu só vou focar no ensaio mesmo, tá legal? ― Ele sorriu, como se imaginasse que eu estava pensando além.

― Não é isso, Ethan. ― suspirei e tirei uma mecha de cabelo do meu rosto que estava me incomodando enquanto eu pensava numa resposta melhor ― Olha, é que... eu não pedi a permissão dos meus pais.

Ele assentiu, como se já estivesse esperando por isso.

― Tudo bem, então se quiser eu falo com a sua mãe e explico pra ela. Aposto que ela vai entender. Principalmente quando eu disser que meus pais também estarão em casa e que a Alessa vai nos ajudar a ensaiar.

Merda.

Eu não podia, simplesmente, agir como se Esme e Carlislie fossem proibir minha saída, já que toda a cidade os via como liberais pelas escapadas que eles fazem com os filhos em dias de Sol para acampar ― uma desculpa pensada positivamente para impedir que meus irmãos fossem expostos pelas luzes solares, já que a pele dos vampiros torna-se reflexiva no sol e brilha como se fôssemos feitos de fragmentos de diamantes.

― Tá. Vou... vou ligar para a Esme.

Puxei o celular da bolsa e logo procurei o contato dela no telefone enquanto via meu amigo encarar-me ansioso e visualmente animado com a possibilidade de eu poder ir para sua casa.

Eve, querida, está tudo bem?

― Ér... Oi¸ mãe. Hm... Lembra que te falei do meu trabalho de francês com o Ethan? Será que vai ter algum problema se eu for até a casa dele para ensaiar?

― Lembra de falar dos meus pais! ― Ethan sussurrou e ergueu os dois polegares em sinal de positivo ― E da Alessa.

Obviamente, Esme já deveria ter ouvido, mas tive que reafirmar suas palavras para manter as aparências.

― Isso, os pais dele estarão lá, sim. E a irmã dele, a Alessa, eu já falei sobre ela, lembra? Então, ela também estará lá.

Você se sente confortável indo, querida? ― O tom preocupado dela era evidente.

Levei uns segundos para pensar em uma resposta sincera para aquela pergunta, até que concluí:

― Sim.

Então, por mim, tudo bem. Fique perto do telefone caso ocorra alguma coisa e vou pedir para Alice tentar dar uma checada no futuro para o caso de algum... hm... impasse acontecer.

― Ok, tudo bem. ―  respondi de imediato e um pouco apreensiva com a sutil possibilidade de algo sair do meu controle ― Não volto para casa tarde, prometo.

Depois de finalizar a ligação, vi um sorriso gigantesco crescer nos lábios de Ethan.

― Perfeito!

Continuei com o celular nas mãos para enviar uma mensagem para Alice, informando que eu iria para a casa dos Mitchells e pelo simples “ok” dela, eu já presumi que ela já tinha conhecimento dessa situação antes mesmo de eu concordar com ela.

― Vamos! Alessa já está nos esperando no carro.

Claramente, eu tinha que pensar numa forma adequada e correta de contar para Ethan que eu não havia assistido ao filme ainda, então, durante todo o trajeto até sua casa, que durou cerca de 15 minutos, esperei que ele tocasse no assunto do nosso trabalho para que eu falasse, da forma mais branda possível, a verdade sobre minha farsa. Contudo, para minha surpresa, ele não parecia muito interessado em, previamente, conversar sobre os ensaios da nossa cena. Na verdade, ele estava muito mais interessado em compartilhar com Alessa a lista que, dias atrás, eu lhe confidenciara em um de nossos ensaios sobre coisas que eu havia perdido por ser uma órfã.

― Então, Eve, você também nunca foi ao cinema?! Caramba, isso vai ser perfeito! Temos a obrigação de tornar a sexta um dia memorável para ela, Ethan! ― Alessa quase que dava pulinhos de felicidade no bando de trás do carro enquanto, empolgada, parecia planejar mentalmente coisas para trazer suas ideias para o plano da realidade.

Quando Ethan estacionou seu carro em frente a uma antiga casa de dois andares, percebi que havíamos chegado ao destino.

O jardim da frente parecia que há anos não tinha contato com um cortador de grama e a grande árvore no centro de um dos lados do gramado sujava toda a calçada com as folhas secas que fugiam de seus galhos.

Saímos do carro e Alessa parecia, a cada passo que dávamos, mais empolgada com a minha presença ali.

― Eu sei que nossa casa não deve ser nada comparada à mansão que você deve morar em Olympic, mas, nossa casa é o nosso lar.

Realmente, para os padrões dos vampiros que conhecia, aquilo estava longe de ser considerado uma mansão, contudo, a sensação de aconchego me fazia sentir coisas boas enquanto subíamos os degraus da varanda da entrada da casa.

Era uma construção com acabamento do que parecia ser uma madeira acinzentada que dava um efeito de cabana ao invés de realmente ser uma casa. As janelas eram pintadas com verniz avermelhado e logo na entrada havia um tapete lilás já gasto com os dizeres “Bem-vindo” que até traziam um aspecto convidativo.

― Minha mãe já deve chegar do hospital, mas o Rick deve estar em casa. ― Ethan explicou enquanto nos acomodamos no hall de entrada e eu entregava à Alessa meu casaco para ser pendurado.

― Rick? ― Precisei indagar, por não ter ouvido falar sobre este ainda. Seria um irmão dos gêmeos?

― Nosso pai-drasto. ― A forma como Alessa sorriu pela palavra criada me pareceu que aquilo era uma coisa boa.

― Rick e mamãe estão juntos há cerca de... hm... uns dois anos. ― Ethan compartilhou a história andando pelo corredor que nos direcionou para uma modesta sala que comportava um sofá antigo, duas poltronas e uma tv ligada no canal de esportes.

Não tão longe de nós, alguém pareceu gritar dos cômodos no fundo do corredor:

― Hey, meninos! Estou aqui atrás.

― Viu só? É o Rick. ― Ethan piscou para mim, segurou meu pulso levemente e me puxou pela casa em direção à onde a voz parecia ter vindo.

A cozinha da casa parecia uma zona de guerra.

Na ilha central havia uma infinidade de livros abertos, materiais para o que parecia ser uma receita em construção e muita, muita sujeira.

― Tentando uma coisa nova? ― Alessa pegou uma maçã da fruteira disposta na mesa de jantar e sorriu para o velho homem sorridente que segurava uma colher de pau enquanto nos recebia animado.

― Essa vai dar certo, pode crer, Lessy! ― Piscou para a garota, mas logo se voltou para mim ― Então, essa deve ser a famosa Eve Cullen, estou certo?

Tentei sorrir amigavelmente, mas claramente era desconfortável para mim que, até mesmo os mais velhos da cidade já soubessem da minha existência.

― Ethan e Alessa falam muito bem de você. E, claro, minha esposa trabalha com seu pai, então... Ficamos felizes por saber que os Cullens chegaram com mais uma criança resgatada.

Mantive meu sorriso no rosto, mas, sinceramente, não sabia muito o que falar para uma pessoa que eu sequer sabia da existência. E, como mentir enquanto humana não estava nas minhas melhores habilidades, resolvi prosseguir em silêncio.

― Uma menina de poucas palavras. ― Ele riu, percebendo que eu não falaria nada. ― Uma verdadeira Cullen, não é mesmo?

Piscando para mim, ele acabou não insistindo e começando um assunto com Alessa sobre tortas de frutas e culinária, enquanto Ethan tornava a me puxar pela a casa em direção à escada que claramente nos levaria para o segundo andar.

― Desculpa o jeito do Rick. Ele é do tipo sociável demais e é um dos que idolatra seu pai por aqui, então... Ele tenta ser simpático demais.

― Tudo bem. ― Dei de ombros quando finalmente terminamos de subir os degraus da escada e paramos em frente a uma porta no final do corredor ― Ele não chamou minha família de bizarra, então tem alguns pontos comigo.

Claramente o loiro revirou os olhos pelo meu comentário, mas um sorriso escapou de seus lábios e me senti bem por finalmente estar num clima amigável com ele, depois de nosso início conturbado.

Eu percebi que ele estava relutante para abrir a porta à sua frente, então fiquei o encarando um pouco preocupada com o seu olhar vazio e o seu maxilar travado, como se algo de ruim estivesse prestes a acontecer.

― Olha, Eve... Eu sei que... você tem essa infinidade de coisas novas pra descobrir, mas, por favor, eu quero que saiba que eu já a considero minha amiga e tudo, absolutamente tudo o que eu fizer hoje será porque me preocupo com você e por querer que você fique bem.

― Ethan, você está me preocupando...

Por um instante, cogitei a possibilidade de liberar minha sombra e me preparar para uma espécie de ataque humano contra mim, contudo, no momento em que ele abriu a porta e eu vi o que me aguardava, minha única intuição foi ficar boquiaberta e desacreditada no que eu via na minha frente.

Diferente do que eu imaginava, aquele não era o seu quarto. Possivelmente era o quarto de Alessa, pela infinidade de coisas em tom rosa e pela fotografia gigantesca de seu rosto jovial pendurada logo de cara em uma das paredes do quarto que possuía um papel de parede em tom amarelado.

Jenny, acompanhada das amigas que agora eu já reconhecia de nome: Stacey e Claire, estavam usando uma espécie de robe cor-de-rosa e pantufas com pelugem branca destacando-se em seus pés que pulavam alegres enquanto eu encarava a cena sem entender nada e elas gritavam:

― Bem-vinda à tarde das meninas!

Encarei o garoto ao meu lado, tentando buscar uma resposta completa para a loucura que eu via à minha frente e, aí, como num passe de mágica, tudo pareceu se ligar na minha mente: os assuntos excessivos no carro sobre minha “dificuldade” em viver como uma adolescente por não ter muitas experiências, a fala anterior de Ethan e... agora isso. Não havia planos para ensaio, assim como era o combinado com Ethan desde cedo. O mais evidente possível ali era me trazer experiências de adolescentes da minha idade humana.

Quando voltei a encarar as meninas, elas haviam parado de gritar e agora me olhavam preocupadas com a minha clara ausência de expressividade sobre o que aquilo realmente parecia para mim. Na verdade, eu ainda estava assimilando o que, de fato, aquela surpresa e tentativa delas me inserirem em sua forma social de enxergar a vida poderia significar.

Claramente, minhas irmãs aprovariam totalmente o evento e eu já conseguia imaginar Rosalie se entrosando muito bem com as garotas, bem como Alice que amaria testar modelos nas humanas adolescentes. Esme talvez também tentaria entrar na brincadeira e prepararia comidas deliciosas, enquanto compartilharia com Jenny um momento de manicure ou o que quer se fosse. Mas... e eu?

Suspirei fundo e tentei me lembrar da minha promessa pessoal de “liberar o meu controle” quando eu soltei as palavras a seguir:

― Acho que não tem ensaio de A Bela e a Fera hoje, né? ― esbocei o meu melhor sorriso enquanto entrava no quarto e era recebida pelas meninas que me entregavam diferentes coisas e fechavam a porta, mantendo Ethan para fora do quarto.

Jenny me entregou uma taça com um líquido amarelado, enquanto Claire me entregava o robe e Stacey me oferecia as pantufas e um prendedor de cabelo que o tom combinava perfeitamente com o robe que todas vestiam.

Se precisarem de alguma coisa, liguem para meu telefone. A Ale já deve estar subindo. ― a voz abafada do garoto que ficou para fora do quarto soou do outro lado da porta, mas foi ignorada por todas nós.

― Vai tirar suas roupas no banheiro da Ale que vamos te esperar aqui fora. Temos, pelo menos, uns 5 anos de adolescência pra recuperar em você, Eve. E pretendemos fazer tudo isso ainda hoje. ― Jenny foi me empurrando para o cubículo que era o banheiro da Alessa e me fechou lá dentro com todas as coisas que elas me entregaram.

Uma espécie de frio na barriga se apossou de mim e temi que, de alguma forma, eu deixasse escapar alguma coisa da minha verdadeira vida que as fizessem perceber que havia muito mais por trás da órfã italiana. Enquanto eu removia minha calça, sapatos e camisa para vestir o robe macio que elas haviam me entregado, tive que relutar contra a ideia incansável de fugir dali o mais rápido possível, imaginando que seria motivo de piada para toda a minha família por ter fugido de um simples momento de interação com outras humanas.

― Onde foi que você se meteu, Eve? ― resmunguei baixinho enquanto dobrava as minhas roupas e as colocava dentro da minha mochila cuidadosamente.

Quando voltei para o quarto, Alessa já estava ali, também usando um dos robes e parecendo oferecer uma espécie de biscoito com pequenas bolinhas marrons que cheirava deliciosamente bem para meu estômago humano e faminto.

― Rick preparou uma fornada de cockies para a gente se entupir de glúten e carboidratos, porque hoje nós merecemos.

A forma como ela falava sobre a comida me deixava levemente irritada por recordar do seu problema com peso, então, para mostrar que pouco me importava sobre quais malefícios aquela massa poderia vir a trazer para meu corpo, peguei logo dois e os devorei rapidamente enquanto as outras gentilmente pareciam recusar enquanto organizavam as coisas no quarto.

― O que, exatamente, vocês pretendem com essa...tarde das meninas? ― indaguei enquanto observava a movimentação das garotas que mexiam em diferentes coisas ao mesmo tempo.

― Vamos fazer nossos cabelos. ― Começou Jenny enquanto separava uma escova e um secador de cabelo.

― As nossas unhas também. E pretendemos fazer uma máscara com algas para hidratar nossa pele do rosto. ― Claire estava abrindo uma necessárie com diversos frascos e equipamentos de eu não conhecia muito bem.

― A ideia é a gente compartilhar com você um pouco da nossa vida também. Porque a Alessa nos contou um pouco do que você viveu e não viveu na Itália, então queremos te contar como é a típica vida adolescente estadunidense. ― Stacey segurava uma revista e apontava para umas celebridades joviais enquanto relatava sua ideia.

― E, claro, vamos fazer isso tudo enquanto ouvimos as melhores músicas de todas e vamos tirar todas as dúvidas que você tiver sobre a nossa vida, Eve. Tipo, todas mesmo!

E foi com uma fina pontada de curiosidade e, até mesmo, empolgação, que eu descobri que ter soltado o meu controle para viver as melhores experiências humanas fora uma das coisas mais certas que eu fizera na minha vida. Passei a tarde inteira ouvindo sobre como a Jenny e a Stacey foram as primeiras a se conhecerem, quando ainda pequenas. Depois vieram Claire e Alessa e, desde sempre, elas são inseparáveis. As quatro tinham um jeito nem um pouco sutil de se sentirem à vontade para, realmente, falarem abertamente sobre tudo. Contaram sobre seus primeiros beijos, primeiras transas, sobre as diversas fugas para irem às festas do Ensino Médio. Não pouparam detalhes ao falarem sobre todos os garotos com quem já quiseram sair, mas não saíram, porque não queriam se sentir vulgares.

Eu não consegui esboçar dúvidas, porque elas não deixaram espaço para tanto, pois usaram e abusaram dos detalhes para narrarem sobre todas as coisas que viveram ao longo de suas vidas. No início da noite, eu já estava confortavelmente sentada no tapete peludo de Alessa, assoprando minhas unhas que foram pintadas em um tom azul cobalto e ouvindo sobre os blogs que elas seguiam e acompanhavam as notícias das bandas que mais gostavam. Por sorte, eu conhecia algumas, já que eu sempre ouvia músicas humanas quando fugia para a taverna em Volterra, então não me senti tão por fora dos seus gostos musicais, apesar da minha preferência ser bem distinta das melodias que elas mais gostavam de ouvir.

Com o passar da conversa, os assuntos foram mudando e se tornando cada vez mais pessoais. Jenny relatou sobre seus conflitos com sua mãe que fora Miss Forks cerca de 20 anos atrás e lhe fazia muitas cobranças com questões de estética. Apesar de seu pai ser o reverendo da cidade, as coisas na sua casa eram bem complicadas no quesito familiar. Naquele momento, senti uma pontada de pesar por sua vida ser voltada apenas para emagrecimento e manutenção de uma estética perfeita. Foi só com essa sua declaração que nutri mais respeito e empatia por sua visão de mundo. Claire e Stacey passavam por situações distintas, já que Stacey vivia com sua avó, uma senhora extremamente tradicional, que abominava o estilo de vida de Jenny, então, quase sempre, proibia a neta de sair com as amigas. Já Claire, não poupou elogios à sua mãe, apesar de não ter uma relação muito agradável com seu pai, alcóolatra.

Elas pareceram querer me poupar de falar da minha família, mas, quando chegou o momento de Alessa falar, percebi que ela estava relutante quanto à qual assunto abordar naquele momento.

― Podia contar pra Eve sobre... sobre seu pai, Ale. ― Jenny sugeriu, apertando a mão da amiga em um sinal de apoio ― Até porque, foi só com a partida dele que o Rick entrou na vida de vocês e tudo melhorou, né?

Encarei a loira com um certo pesar e aperto no peito. Pelo pouco que eu havia entendido, parecia que seu pai havia falecido e aquele assunto era delicado para a humana.

― Tudo bem, Alessa. Eu... não preciso saber. Acho que vocês já me contaram o suficiente para uma vida inteira! ― Sorri e tentei tornar o momento novamente mais leve para todas nós.

― Meu pai tentou matar o Ethan quando ele se assumiu para nossa família. ― De repente, sem nem ter delicadeza, ela soltou as palavras. ― Ele sempre foi bem discreto, sabe? Mas... quando Ethan quis finalmente arrumar um primeiro namorado, há uns três anos atrás, ele resolveu que era hora de contar para nossos pais sobre a homossexualidade dele. ― Alessa não encarava nenhuma de nós enquanto contava sua história ― O meu pai é policial, então ele tem uma arma em casa. Somos membros da igreja da Jenny, mas... ele era uma espécie de fanático, entende? Um filho gay para ele era uma abominação. Eu não estava em casa, então não sei qual a ordem certa de acontecimentos, mas eu sei que ele ia atirar no meu irmão, mas a mamãe se colocou na frente dele. Naquele dia mesmo, meu pai foi embora de casa e nunca mais voltou. Forks é uma cidade pequena, então nós o vemos as vezes em patrulhas da polícia, mas ele nunca mais falou com nenhum de nós.

O silêncio desconfortável dominou o ambiente, mas fui incapaz de tentar mudar a situação naquele instante, porque absorvia a história relatada pela minha amiga com certa dificuldade.

Cresci num ambiente em que amor era uma raridade, mas o prazer era ostentado e nossas escolhas de parceiros jamais foram tidas como pecado. Olhando do meu pedestal, sempre vi os humanos como fracos e objetos apenas para análise, estudo e, bom, alimentação. Era difícil e estranho perceber as interações sociais humanas que aparentavam, agora, uma certa complexidade. No meu mundo, morte dos nossos era o resultado apenas previsto por traição ao nosso clã ou quebra das nossas valiosas regras do mundo vampírico. Contudo, jamais imaginei que o fato de os humanos pressuporem o assassinato de sua própria espécie de uma forma tão banal. Fui criada em uma corte que os de nossa espécie que quisessem se aliar a nosso estilo de vida, conseguiam um lugar na guarda. Meu pai nunca descartou nenhum vampiro, pois todos, quando com pensamentos voltados à nossa causa, eram tidos como essenciais para a manutenção da nossa sociedade.

Em uma tarde com as garotas aprendi muitas coisas: a secar corretamente meu cabelo com um secador, a pintar minhas unhas e a ordem certa de produtos de limpeza do rosto, diferentes produtos de higiene para o corpo e, até mesmo, cinco penteados diferentes para fazer no meu cabelo. Descobri também que Jenny se daria muito bem com Alice, pois ela me mostrou uma paleta de cores de roupas que combinariam muito bem com minha pele e contrastavam perfeitamente com meus olhos. Além de ter descoberto as funções de algumas redes sociais ― que preferi não entrar, temendo uma exposição maior da minha espécie ― e a diferentes funções úteis para humanos no meu celular, como uma calculadora.

Para além de tudo isso, percebi que havia sim um certo fascínio em observar a humanidade. Não eram meramente vermes, descartáveis e inúteis. Humanos possuíam suas próprias dificuldades, seus próprios problemas, mas também seus valores. Alessa, Claire, Stacey e Jenny me ensinaram muito mais do que ser apenas adolescente. Me mostraram as gratificações e as dificuldades verdadeiras de serem humanas. E, no final do dia, me peguei respeitando essa espécie que, outrora, era tida apenas como fonte de alimento.

Eu finalmente conseguia entender um propósito maior para ser uma vampira vegetariana, no fim das contas, e aquilo, no fundo da minha alma, causava-me uma sensação muito boa.


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Notas finais do capítulo

Tá, eu quero M U I T O saber a opinião de vocês quanto à essa reflexão final da nossa Eve.

Queria apenas dizer que não queria me estender muito detalhando sobre as coisas que as meninas fizeram, porque achei que seria, no fim das contas, desnecessário. Aos poucos, vocês verão as reações com a Eve e essa interação mesmo com as coisas humanas.



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