Ele e Eu escrita por Thay Chan


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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NÃO SEI O que senti quando papai disse que havíamos chegado. Embora estivesse esperando, um calafrio na espinha fora a resposta que eu precisava para ter certeza de que ainda não estava preparada. Meu pulso acelerou, e, de repente, eu estava assustada com a possibilidade de sair de dentro de Dorothy – no momento, uma das únicas coisas ainda constantes na minha vida – para me aventurar em um lugar totalmente desconhecido.

Encontrei os olhos de papai no espelho retrovisor, quando percebi que estava respirando com dificuldade. Papai se virou no banco do motorista, com olhos preocupados.

— Respire, querida – ele pediu, respirando lentamente para que eu o imitasse. Repeti o movimento. — Isso. Inspire e expire — continuamos aspirando e expelindo ar até que meu coração parasse de bater tão fortemente e meu peito parasse de doer com a pressão que o oxigênio fazia ao entrar e sair bruscamente de meus pulmões.

Quando eu parecia melhor, papai disse:

— Vai dar tudo certo, querida.

Eu assenti, mesmo que não tivesse tanta certeza. Papai então olhou para fora como se estivesse tendo uma ideia.

— Já sei: vamos ficar aqui o tempo que você precisar. Se você quiser, nós podemos passar o dia todo aqui, e a noite também. Os bancos de Dorothy são confortáveis o bastante. Acredite, eu sei do que estou falando.

Fiquei tentada a perguntar a papai porque ele já tivera que passar a noite em Dorothy, mas apenas falei:

— Não seja bobo, papai – mas logo quando as palavras saíram, me arrependi; eu não achava que precisaria dormir no Corolla, – até porque não eram nem onze da manhã ainda – só que eu precisava de um tempo para me acostumar.

Papai deve ter percebido minha hesitação, porque ele tirou a chave de Dorothy, onde ela estava junto à um molho de chaves barulhento, da ignição e a jogou no porta-luvas:

— Certo, vamos ficar.

Não consegui negar outra vez, porque não achava que papai iria se deixar enganar, e – mesmo que fosse algo improvável (papai era muito bom em me proteger de mim mesma) – eu não saberia o que fazer caso ele se deixasse. Por isso, fiquei feliz quando ele começou a contar histórias da própria infância empolgante. Eu adorava os detalhes – e papai, como um bom escritor, era muito bom em contar histórias com muitos detalhes – então em pouco tempo eu já estava super envolvida como, em um dia de verão qualquer, ele, e esse vizinho, Michael "Robusto" Simons – que, segundo papai, não era gordo, mas era tão grandão que chegava a assustar todas as crianças do bairro –, estavam brincando perto de suas casas, e acabaram achando uma colmeia de abelhas em uma árvore (eu sei, parece realmente batido – acontece com todo mundo –, mas você tem que admitir: é engraçado, papai comentou), e então papai, um menino de nove anos, Michael "Robusto" Simons tinha dez, (você poderia pensar que, ele, sendo mais velho, se ofereceria para subir) subiu na árvore e cutucou a colmeia com um pedaço de graveto.

É claro, a colmeia caiu no chão, e então Michael gritou "K, você é maluco?", e ele saiu correndo pela rua gritando "ahhhhh!!!" e sacudindo os braços, antes mesmo que as abelhas saíssem da colmeia, e papai quase resolveu ficar (eu pensei "acho que elas não ficaram tão chateadas, se ainda não saíram), mas as abelhas apareceram aos montes, e então papai saiu correndo atrás de Michael "Robusto" (só que gritando menos, porque seu pai é muito corajoso!). As abelhas os seguiram até dois quarteirões, então eles correram mais um, apenas para garantir.

Papai contou que saiu da travessura (apesar de ter sido eu quem tinha as incomodado!) com somente duas picadas, uma no lóbulo da orelha e uma na panturrilha, mas Michael Simons saiu com oito (isso foi o que ele ganhou por ser tão medroso!).

— Michael Simons correu primeiro, como ele conseguiu oito ferrões? – eu perguntei, curiosa e estupefata.

— Acontece que além de corajoso – papai se gabou — Eu também sou um ótimo corredor! Sério, eu poderia ter participado da equipe de corrida da escola!

— E por que não participou? – perguntei.

Papai balançou a cabeça, como se estivesse se lamentando.

— Porque não tinha uma!

Ri, achando graça.

 

Papai contou mais algumas histórias, e ele provavelmente teria contado mais, se não estivéssemos famintos. Tínhamos comido algumas batatas frias e molengas que papai comprou na viagem, mas elas fizeram o que poderiam.

Havia ficado tão contente com as narrativas de papai que tinha esquecido completamente aonde estávamos: dentro de Dorothy, na frente de nossa nova casa em uma cidade de New Jersey. Quantas horas estávamos ali dentro? Estiquei o pescoço para checar o relógio digital do rádio de Dorothy. 14h42min. Certo, não dava para protelar mais. Acho que eu estava relativamente pronta.

Ouvi o tilintar de metal batendo contra metal e olhei para papai, ele estava tirando o molho de chaves do porta-luvas.

— Querida, preciso comprar comida — ele disse. – Eu vou travar Dorothy; não se preocupe, eu não vou muito longe. – falou, preparando-se para sair.

Senti meus olhos lacrimejarem. Papai, meu velho e bom pai. Sempre disposto a fazer tudo por mim. Sequei o canto dos olhos com as costas das mãos. Era a hora de eu fazer algo por ele.

— Espera, papai! – eu chamei, antes que ele abrisse a porta. — Não precisa, eu… eu… a… acho que estou pronta – gaguejei.

Papai me olhou, surpreso.

— Tem certeza, querida? – ele perguntou. — Você não precisa ter pressa. Podemos esperar o tempo que você quiser.

Pela janela, olhei o chão da calçada.

— Tudo bem, papai. Eu tenho certeza – eu disse, um pouco mais segura.

Papai suspirou, como se estivesse com medo por mim, e, alguns segundos mais tarde, sugou ar e disse:

— Certo. Vamos fazer isso – ele parecia levemente nervoso, então dei-lhe um tempo para que ingerisse a ideia. Havia uma linha tênue entre pensar em enfrentar o problema e de fato enfrentar o problema. E parecia que nem papai escapava desse dilema.

Eu não estava muito mais calma que ele, ainda que estivesse respirando normalmente. Minhas mãos tremiam tanto que as entrelacei para que elas ficassem mais estáveis.

Olhei para papai quando ele repetiu:

— Certo – ele me olhou por trás de seus óculos de aro vermelho, e assentiu.

Engoli em seco, e acho que meus olhos se arregalaram um pouquinho, mas eu assenti de volta.

Eu coloquei a mão na trava e, em seguida, abri a porta do meu lado de Dorothy. Papai abriu a dele um instante depois.

Branco foi tudo que vi quando olhei para fora. Virei o rosto, e tentei me proteger com as mãos, incomodada com a luz do sol. Um momento depois, pisquei algumas vezes para me acostumar. Quando abri os olhos novamente e me virei para olhar ao redor, papai já estava ao lado da porta aberta de Dorothy. Ele estava com suas mãos nos bolsos da calça, esperando, paciente como sempre, até que eu estivesse pronta.

Meus olhos pegaram pequenos flashes de imagens coloridas e ensolaradas. Casas de dois andares com telhados cinzentos, árvores muito verdes espalhadas em todas as direções, um pedaço de nuvem magra e branca, uma varanda bonita com vasos de barro vermelho com plantas bem cuidadas.

Eu não poderia dizer que tinha achado a rua mais interessante que a Corbin. Havia cor demais, plantas demais, casas demais e tudo demais. Então apenas me virei para a casa maior a qual papai agora olhava com adoração, a casa na qual Dorothy estava com suas rodas estacionadas bem na frente – a nossa nova casa.

Acho que devo ter me encolhido, porque aquela casa não era nada parecida com a nossa. Não era nada como uma casa onde papai e eu normalmente moraríamos. A nossa antiga casa, em Rockford, tinha apenas um andar, com um sótão em cima, um telhado vermelho, fachada amarelada, e nenhuma varanda; somente uma garagem pequena onde Dorothy ficava guardada. Essa casa estranha, era totalmente o oposto: dois andares mais um sótão e talvez um porão, paredes muito vermelhas, teto esmeralda, uma garagem onde facilmente entrariam dois carros e uma varanda, com vários pilares ornamentados e brancos, ligada ao jardim por uma escada de poucos degraus.

Continuei a olhando por longos minutos, até que papai resolveu que já havia se passado tempo demais.

— Eu sei, não é muito parecida com a nossa – papai disse ao meu lado, ainda com as mãos nos bolsos e os olhos na casa fantástica.

— Você disse que ela era legal – eu acusei, sentindo meus olhos arderem. Meus dedos se contorcendo um contra o outro.

— Eu sei – ele disse, e então suspirou. – Eu só achei que não faria bem para você nossa casa nova ser tão parecida com a antiga.

— Você mentiu! – eu sussurrei, magoada.

— Eu não menti, Sá – ele disse, como se estivesse se desculpando. — Eu disse que tinha gostado dela e realmente gostei. E achei que, depois que você a olhasse melhor, também gostaria.

— Eu nunca vou gostar dela – eu disse. — Nunca.

Papai se virou para mim. Mas eu não o olhei de volta.

— Eu sei que não fui muito sincero com você. Mas o que eu te disse foi e é verdade: você será muito feliz aqui. Eu prometo.

— Eu já era muito feliz lá – respondi, ainda sem olhá-lo.

Papai se colocou entre mim e a casa, e se curvou para ficar com os olhos na minha altura. Eu era bem baixa e, ele, razoavelmente alto. Fiquei sem opção a não ser olhá-lo.

— Eu sei que você acredita nisso. E sei que tivemos bons momentos lá – ele disse, colocando as mãos em meus ombros, e me fazendo ficar bem de frente para ele. — Mas isso não é verdade.

Senti uma tristeza muito grande quando ele disse isso. Porque eu sempre achei que papai e eu éramos felizes e que ele achava o mesmo. Mas, pelo visto, estava errada.

Acho que ele viu a dor no meu rosto, porque, um segundo depois, me envolveu com os braços, e colocou uma mão em meus cabelos.

— Eu não quis dizer isso, querida – ele disse, perto do meu ouvido. — Eu só acho que você merece mais, merece ter uma vida de verdade.

Eu não sabia o que ele queria dizer. Vida de verdade? Como as pessoas especiais do tipo normal?

Uma boa-nova para papai: eu não era uma pessoa especial do tipo normal. Mas eu não sabia se ficava irritada, magoada ou muito feliz por ele me ver da forma como eu queria.

Então, apenas fiquei esperando-o me soltar, para dizer:

— Acho que já podemos entrar.

 

 


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Me digam nos reviews!



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