Apocalipse escrita por Natália Alonso, WSU


Capítulo 8
Capítulo 7 – A profecia




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Manson vira devagar e avista a neblina esverdeada tomar a forma de Mefistófeles, que responde o olhar com um sorriso torto. O negro levanta a metralhadora e o braço do demônio sobe de uma vez com a espada curva destruindo seu cano. O major cai de costas e se arrasta no chão pegando a pistola para atirar, se esquecera que ela estava descarregada ainda. Mefisto inclina o rosto e se aproxima caminhando, Manson levanta às pressas, arranca uma granada e joga para trás.

A explosão toma o local, Manson é empurrado com o calor, tropeça no cadáver de um soldado, toma a sua metralhadora e já se vira recuando e mirando para o local da explosão. Assim que a fumaça desce, ele pode ver a esfera esverdeada rodeando e protegendo o demônio de longos chifres, andando em sua direção. Manson recua atirando com a metralhadora, vai em direção da sala de armas novamente.

O demônio é atingido por uma Karen que voa em um murro poderoso, ele perde o equilíbrio, mas a atinge com a espada. Outra chega o atingindo por trás, e depois outra em seu rosto, ele se debate contra as clonadas até ter de fazer outra esfera verde para afastá-las de seu corpo. Elas ficam presas em outras esferas no ar e ele as despedaça dentro dos invólucros de energia.

Os olhos amaldiçoados passam a brilhar verde e sua pele aos poucos vai se tornando azulada. Os pés descalços são garras e sua forma cada vez mais alta é de uma gárgula de asas de morcego gigantescas.

— Onde está você, major... achei que quisesse visitar seu marido morto. — pronuncia o gárgula de língua negra. — Eu posso providenciar o encontro.

Um soldado se aproxima atirando no demônio, os tiros penetram na carne, mas as balas escorrem derretidas pelos ferimentos. O monstro o agarra pelo pescoço e quebra sua coluna com facilidade, então usa o corpo para espantar outros dois. Quando as Karens se aproximam ele voa com suas grandes asas, rodopia no ar com uma delas e desviando das outras.

Na sala de armas, Manson abre uma caixa e tira um disco metálico, assim que o pressiona, o objeto fica vermelho com o calor para ser colocado no ferimento sangrando do abdome. Ele urra em dor e pequenos fios de fumaça sobem com o cheiro de carne queimada. Usa uma fita silvertape para manter as gazes presas no local embebidas do resto de rum que tinha em seu cantil. Ele carrega as armas e se curva para pegar o que procurava, corre pela escadaria interna e vê o rabo do gárgula que tinha entrado na sala a sua procura. Do lado de fora, Manson se vira e mira para o rei dos infernos.

Assim que Mefisto olha para Manson, o major atira com a bazuca, fazendo o salão de armamentos em pedaços. Soldados caem, uma Karen sai voando do local com o corpo em chamas, o major corre na direção oposta, acenando para uma alien a frente.

— Onde está a comandante?

K3. 316 chega em voo e pousa ao lado do militar, lhe entrega o comunicador.

— Você, chame mais duas para me acompanharem. As outras se concentram em Mefisto.

— O esquadrão alfa está levando os soldados feridos em retirada e o beta...

— Esqueça os orobas, esse lugar está cercado. É questão de tempo para o Leviatã aparecer. Concentrem na retirada dos soldados, venham conter o Mefisto e me tirem daqui!

A comandante toca no comunicador acoplado a seu implante metálico da cabeça passando informações para as outras Karens, então acompanha a corrida do militar que se afasta em direção as aeronaves. Ele carrega a pistola e atira nos orobas a frente, K3. 316 dá cobertura com os que vêm pela lateral. Mefisto sai da sala em chamas, atordoado, quando se apoia na porta vê que está rodeado de Karens, algumas voando, outras no chão.

— Onde está indo soldado?! — vocifera o demônio. — Achei que estivesse ansioso por esse encontro!

Manson tem o rosto em fúria quando entra no helicóptero, mas ao mesmo tempo está pálido pela perda de sangue do ferimento. O comandante aguarda o sinal.

— Vá para Primavera. — ordena o major.

— Por que uma base tão pequena?

— De lá eu posso acionar nossos últimos recursos. Essa já está...

O Helicóptero inclina em um movimento brusco, um dos soldados desliza pela aeronave e quase cai pela porta ainda aberta. Manson o agarra pela mochila, o ferimento se abre e o major urra de dor. Os outros soldados ajudam a segurar o rapaz, quando a nave vira novamente eles podem ver o que havia empurrado no ar. O gigantesco dragão do Leviatã saíra do chão, é possível ver ele devorando Karens e outros homens que ainda estavam no local.

Os soldados no helicóptero olham assustados, nem todos já tinham visto de perto o dragão, Manson toca no comunicador chamando pelos caças.

O helicóptero se afasta, outros cinco estão mais à frente, o do major é o último a se afastar, ele olha pelos binóculos ainda de pé na aeronave aberta. Ignora o subcomandante pedindo que ele se sente, as lentes estão fixas no dragão. Ele vê os caças chegarem, atirarem mísseis na base, e a gigantesca explosão tomar conta do local, o fogo cobre a fera demoníaca. O major sorri, baixa os binóculos e finalmente se direciona para uma poltrona.

 

 

Refúgio dos Vermelhos, cidade do Corsário

 

Daniele termina de limpar o quarto porão, Caíque está segurando a submetralhadora a uma distância apenas cuidando da segurança da líder indígena. O arrastar das correntes é devagar, Sara se alimentou de um cérebro de uma vítima de orobas que fora encontrado, fica mais consciente dessa forma. Aradia observa a movimentação das duas e encontra uma Bíblia velha e carcomida no canto da sala, há diversos papeis no meio das páginas, anotações, algumas feitas com caneta, carvão e outras em sangue.

Um trecho destacado lhe chama a atenção, Deuteronômio 33:16:

*

(formatação de subtexto)

Com os melhores frutos da terra

e a sua plenitude,

e com o favor daquele

que apareceu na sarça ardente.

Que tudo isso repouse

sobre a cabeça de José,

sobre a fronte do escolhido

entre os seus irmãos.

*

A bruxa para pensativa, ouve as correntes se aproximando na sala pouco iluminada e se vira encontrando o rosto decomposto de Sara, bem ao seu lado.

— O que isso quer dizer? Está marcado como sendo algo importante. — questiona a bruxa com colares de contas na cintura.

— É uma das formas de enxergar. — responde a morta.

Aradia desconfia, observa atentamente os olhos completamente apodrecidos. Faz um movimento com as mãos de um lado a outro, constatando que a zumbi não enxerga.

— Não é assim que eu vejo, mas em minha mente. — declara Sara. — Assim como você vê pelos olhos de um corvo, eu vejo pelos olhos dos mortos. E há muitos mortos no inferno.

— Que tipo de monstruosidade é você? — Aradia segura o cabo da adaga na cintura. — Qual o seu interesse em nos ajudar?

— Que monstro eu sou? O pior de todos, sou humana. Minha alma está presa neste ir e vir, entre inferno e terra. Não se preocupe, você também virá comigo, mas não hoje.

Daniele nota o momento de tensão das duas e intervém.

— Só espero que não faça nenhuma besteira. — A naurú avisa Aradia. — Sara nunca falhou com suas profecias, sempre nos auxiliou.

— Desculpe, eu tenho dificuldade de confiar em quem se alimenta de cérebros humanos. — Aradia fala, se afastando e guardando a adaga.

— Não se esqueça que está rodeada de monstros também.

— Vocês são diferentes, os vermelhos não comem...

Caíque ri ao longe.

— Bruxa, com todo respeito, mas parece que você tem andado demais com os Saqueadores e Assassinos. Não conhece nossas regras.

— Eu devo então interpretar isso como uma ameaça?

A bruxa de vestes com penas negras se sente acuada, rodeada de Caíque, Daniele e Sara. A líder pitanga intervém.

— Não. É apenas um esclarecimento que nessa guerra, não há vencedores. Agora vamos, precisamos nos juntar aos outros.

Daniele se despede de Sara que volta-se para a cama agora com lençóis limpos, ela se senta e fica observando todos irem embora. Nas escadarias do porão, Aradia nota que na parede está escrito a grande profecia que sempre vira em todos templos. Ela para pensativa.

*

*

 

"O ser puro e inocente se levantará no mar de espelhos. O grande pássaro de asas douradas guiará os sobreviventes até o coração do mal. É de grande poder o escolhido que irá extirpar a crueldade dessa terra.”

*

*

— Estranho, fazia tempo que eu não lia isso.

— Imagino que não costume frequentar as igrejas mesmo. — fala Daniele para a bruxa.

— Não, é que... o que quer dizer com “mar de espelhos”, Sara?

A zumbi olha para a inscrição na parede e depois volta para Aradia.

— Foi exatamente o que eu vi, inúmeros espelhos e algo subindo no ar com faixas douradas.

— Faixas? Mas não eram asas?

— Eu não sei, pareciam asas... saiam das costas... eu vejo pelos olhos de quem está no leito de morte. Muitas vezes as pessoas estão se sentindo mal, delirantes...

— Sim... não sei por que está me causando esse estranhamento só agora.

— Talvez seja sua falta de fé. — responde Caíque.

Aradia devolve um olhar de reprovação a ele.

— Não é falta de crença, mas saber que nem sempre sabemos ler o que estamos vendo.

 

 

*********

 

— Então você acha que é possível ir para outra dimensão? — questiona Henrique para Arthur.

Todos estão em torno e olham para o velocista.

— Sim. Eu precisaria usar um acelerador de partículas para estabilizar a supervelocidade, há um na cidade de Primavera. Foi assim que entendi do que se tratava a profecia de Sara.

— Ela falou que Serena irá te ajudar com as flores, também falou de um anel... — relembra Aradia.

— Serena é minha esposa, ela mora em Primavera. A cidade e o Instituto de Física são da região tomada pela organização. O anel deve ser uma referência ao logo da Aliança, tem um anel dourado formando a letra “A”.

— E como isso seria exatamente? — questiona confusa Daniele.

— O acelerador de partículas fará com que as minhas partículas, minha matéria, vibrem de forma diferente. Quando eu chegar em super-velocidade poderei me estabilizar nessa nova vibração e entrar em uma frequência de outra dimensão.

— Espera, tempo! — interrompe Dominique. — Estamos falando disso mesmo? Quer dizer... uma outra dimensão? Isso é como uma realidade paralela? Quer dizer que tem outro Dominique e Dimitri por aí?

— Segundo a teoria, de certa forma, sim. Existem realidades paralelas, e lá podem haver condições diferentes. Tudo indica que essa guerra ocorreu ou acontece nesse momento em cada uma das realidades. Mas com resultados diferentes.

— Tudo indica? Quem indica isso? Uma zumbi delirante? — retruca o noman de cabelos cor de chumbo.

— Vamos mesmo voltar a questionar Sara? Quantas vezes ela precisa provar que fala a verdade? Quantas profecias se concretizaram? — brada a líder dos pitangas.

— Isso se chama sorte. — rebate Domi.

— Isso foi estudado por muitos cientistas, na época ainda que haviam cientistas que não fossem só da Aliança. — explica Arthur. — A única coisa que estranho é que...

— O que? — rebate Aradia, preocupada. — O que está errado?

— Ela disse que a luz irá me guiar.

— Não é a passagem para a outra dimensão? — responde Henrique.

— As passagens dimensionais são em túneis escuros, não são iluminados. Ao menos na teoria, eu ficaria cego entre uma e outra, só quando atravessar, eu poderei ver já na outra realidade.

— Você diz isso, mas ninguém testou, não é? — questiona Dominique.

O velocista confirma com a cabeça.

— Sim, mas as teorias podem estar erradas. Justamente por não sabermos como seria.

— E se tem várias realidades, como vai saber qual delas é? Quero dizer, é como se fosse um corredor com várias portas, pelo que entendi. — Henrique fala se sentando na cadeira.

— Eu... acho que terei que descobrir na hora.

Eles se entreolham, há muitas teorias e poucas certezas. Então Aradia vira-se para Jonas, calado desde a visita a Sara no dia anterior.

— Não vai falar nada, aranho-boy?

Ele permanece encostado na parede, de braços cruzados, está desconfortável com a situação. Olha para todos antes de falar de forma retraída.

— Isso é perigoso para você, Arthur?

O velocista titubeia inicialmente com a pergunta, mas afirma com veemência.

— Perigoso é ficar aqui, sendo atacado por vampiros, demônios e aliens.

— Então não há o que dizer. Faça. Pelo menos é uma chance de alguém ser o salvador desse mundo de merda.

Ele se desencosta da parede e começa a sair da sala.

— É assim? Vamos decidir desse jeito? — questiona Aradia pela postura do líder.

— O que espera? Não temos mais chances de vencer essa luta! Esses malditos dominaram tudo! — Jonas deixa lágrimas escaparem antes de continuar. — Eu sempre orei, eu sempre pedi algum milagre. Minha mulher também, minha família! E ninguém realmente se importa com isso! Enquanto vocês ficam discutindo se acreditam ou não na morta, isso não importa realmente. Se ele pode tentar uma teoria que se der certo ele pode trazer ajuda para nós, então é o que precisamos fazer!

— Sim, Jonas. Mas a questão é que não sabemos se podemos pedir algo que o coloque em risco. Não sabemos realmente o que acontece com o acelerador de partículas, e se ele morrer? — fala Henrique tentando acalmar o Aracnídeo.

— Então tomara que ele não sinta dor. Todos nós vamos morrer, cedo ou tarde. E do jeito que está, não temos muito tempo. — finaliza Jonas.

Arthur está virado, ele observa a própria mão que treme sem parar, segura o próprio pulso tentando estancar o movimento. Percebe que as pessoas podem notar então ele vira-se novamente colocando a mão para trás e fingindo tranquilidade.

— Por mim isso está decidido. Vamos para Primavera o mais rápido possível.

— Serena irá nos ajudar também? — pergunta Daniele.

— Minha mulher está grávida de sete meses. Eu espero que ela fique o mais longe possível disso tudo, não quero gerar nenhum risco para o bebê.

— Risco? O acelerador pode emitir radiação ou algo do tipo?

— Não, quanto a isso há proteção... eu só... não quero estressá-la. A condição é essa, eu faço, mas ela não pode ser envolvida.

Daniele arqueia as sobrancelhas olhando para Henrique.

— Certo então. Acho que podemos planejar sair daqui amanhã para lá. Afinal, serão dias de viagem.

 


Cidade de Primavera, Minas Gerais

 

Ao chegar na cidade você facilmente se enganaria com a aparente tranquilidade. As pessoas continuam trabalhando, seguindo suas vidas na intensa metrópole de população feliz e trabalhadora. Homens e mulheres andando de um lado a outro, dirigindo, comendo nos restaurantes, trabalhando nas escolas, livrarias e lojas. Tudo pareceria normal até você reparar nas gargantilhas prateadas, pequenos pontos de luz piscam coloridos indicando a mecânica. É com elas que eles pagam, recebem seus salários, são identificados e também controlados.

Eu não sei do que mais tinha horror, se eram as gargantilhas que controlavam cada pessoa, ou da guerra vivida fora daquela redoma, cheia de monstros prontos para te devorar.

 

Uma mulher caminha com saltos altos em seu vestido justo e curto. O coque alto destaca a sensualidade de suas formas enquanto distraidamente ela ouve música com fones de ouvido. Um luxo, já que energia é proveniente das usinas nucleares que ficam do lado de fora da redoma da cidade, é claro. Lá dentro não há poluição, o ar é constantemente limpo contra os efeitos da radiação daqueles que “escolheram” aceitar o regime da Aliança.

Quando ela passa por um restaurante, alguns homens fixam-se em sua passagem. Ela para na esquina aguardando o momento de atravessar, eles provocam com risos e gestos obscenos. Ela olha horrorizada, tirando um dos fones de ouvido, o seu colar indica sua insatisfação piscando uma luz vermelha. Em menos de um segundo, uma alien aparece voando dos céus e agarra a mão do homem sentado à mesa do restaurante.

— O senhor cidadão não está sendo exemplar. A Aliança pode corrigir o comportamento. — fala de forma mecânica a alien de cabelos curtos e louros.

O homem em desespero começa a pedir desculpas, afirmando que isso não irá retornar a acontecer.

— Não, não precisa fazer nada! — diz a mulher já tentando ajudar.

Ele podia ser desrespeitoso, mas não era um criminoso que merecia uma “correção” da Aliança. Os campos de correção eram famosos por sua crueldade.

— Esse homem lhe provocou sensação de raiva e insegurança. Potencialmente ele pode ter ameaçado...

— Não! Meu colar está com defeito, ele só...

A confusão se instaura quando outras karens chegando e tentando afastar as pessoas ao redor.

— A Aliança é a justiça. — falam elas em uníssono. — Esse é um delito leve que será corrigido.

— Não, por favor. O colar marcou errado, eu senti atração por ele, por isso da elevação... a marcação está errada!

A Karen que segurava o homem para, olha atentamente para a mulher analisando seus batimentos cardíacos. É confuso, ritmo acelerado pode ser interpretado de ambas as formas.

— Possível erro de cálculo do colar informado. Queixa retirada.

A alien solta o pulso quebrado do homem que tenta se controlar para não chorar de dor. Cada uma das sentinelas alça voo deixando a mulher atônita na calçada e o homem confuso no restaurante.

 

Essa era uma cena típica, todos os crimes eram muito bem controlados. Isso para garantir a segurança de todos, agir antes que o crime ocorra. Você já deve imaginar o que os saqueadores mais vendiam como tráfico para os da redoma. Se pensou em tranquilizantes e ansiolíticos está correto. Afinal, era difícil controlar qualquer impulso nervoso que possa ser interpretado como “quero matar meu chefe”. Era assim que a sociedade de Primavera funcionava, na base do terror extremamente calmo e controlado.

Por motivos do tráfico é que também não foi difícil invadir, os saqueadores tinham muitos contatos para a venda das drogas e também para conseguir colares falsos. Após rastejar por um túnel a vinte metros abaixo da superfície chegamos a cidade perfeita, onde a Aliança é a justiça, a Aliança é a salvação da humanidade. Ou pelo menos era isso o que diziam todos os outdoors e Karens que sobrevoavam o local.

 

A tampa de bueiro se abre devagar, os olhos cinzas de Henrique espiam ao redor conferindo se não há aliens no beco. Ele volta a fechar a tampa e volta-se para os outros.

— Está em pleno meio-dia. Estou falando, a gente deveria esperar até de noite.

— Acredite, é melhor assim, podemos nos misturar com os outros cidadãos, a noite seriámos facilmente identificados pelas ruas vazias do toque de recolher.

— Já fez isso antes, corredor? — questiona Daniele.

— Sim, muitas vezes para visitar Serena.

— Porque diabos ela escolheria ficar aqui? Não faz sentido ficar como rato de laboratório da Aliança. — Jonas fica claramente incomodado, ele e os gêmeos sabem muito bem como eram os estudos da organização. — Eu sei que ela também era uma corrompida ou algo do tipo, é muito arriscado!

— Será que pode se focar menos na minha vida pessoal e mais no que estamos lidando? — O velocista olha irritado para o grupo, ele coloca duas cápsulas laranja brilhantes na arma alienígena. — Prestem atenção agora. Eu não tenho muita munição, essa arma é aquela que peguei na nave da Karen quando ela chegou aqui, é melhor economizarmos. Os dutos não chegam até o Instituto de Física, onde fica o Acelerador de Partículas. Vamos por cima até próximo e lá iremos na surdina invadir a noite.

— Essa arma realmente mata as aliens? — indaga descrente Dominique. — Quero dizer, eu já vi elas levando um foguete no peito e levantarem para lutar depois.

— É feita para isso, a Aliança tem algumas cápsulas originais e tentam fazer cópias. Mas é pouco provável que tenham conseguido. Só vai matar mesmo se eu acertar na cabeça bem no meio, de resto elas regeneram.

— Então é melhor dar na mão do mudinho. — conclui Daniele, Dimitri olha feio para ela. — Que foi, vai me xingar?

Arthur a estende para o noman de cabelos cor de chumbo que sorri com o peso da arma prateada.

— Você só tem dois tiros, faça valer.

Dimitri confere a forma e sorri de forma maliciosa para Aradia. Daniele deixa cair o colar metálico no chão, eles olham preocupados. Henrique pega rapidamente e o prende atrás da indígena.

— Essa coisa está com falha no feixe, fica frouxo ou soltando.

Arthur responde enquanto espia pela abertura do bueiro.

— Ainda assim é nossa garantia, apenas se mantenham calmos, os colares vão sempre emitir o sinal de tranquilidade para não chamarmos a atenção. Se sairmos feito loucos elas podem estranhar. Eu pedi que dessem registros compatíveis com os nossos para que não haja conflitos.

Jonas cobre os olhos com as mãos e faz uma prece para “O Iluminado” antes de subir pelas escadas, todos saem do esgoto. Cada um está com roupas elegantes, ternos, camisas calças e saias para que sejam facilmente confundidos pelos cidadãos locais. Arthur ainda está com seu uniforme prata por baixo, ele abotoa a camisa até o final cobrindo o tecido brilhante.

— Essa mania de não tirar essa porcaria vai te fazer passar muito calor. — Jonas sussurra.

— Força do hábito. — fala Arthur enquanto guarda o óculos de velocista no bolso da calça bem cortada.

Eles caminham devagar saindo do beco, na rua principal a multidão caminha calmamente para seus trabalhos e passeios. Eles se misturam e vão em direção a Sede da Aliança, ponto mais alto da cidade da redoma. Os cidadãos estampam seus leves sorrisos estáticos, uma mistura de tensão e conformidade está em seus rostos. As Karens não enxergam isso do alto, estão sobrevoando sem interpretar o que realmente veem.

Na sede da Aliança, o major Jones Manson caminha rijo, mas senta com dificuldade pela dor do ferimento no abdômen. A luta com Mefistófeles lhe trouxe amargas lembranças.

— Atualize. — ordena ele.

K3.316 responde lendo a tabela de forma mecânica.

— Cidade de primavera em normalidade no último período de quinze dias. Cidadãos executados por impropriedade: 7; Cidadãos em atividade correcional: 14; Nomans e corrompidos em análise: 9; Análise da Cidade de Primavera: Situação Normal, dentro dos padrões estabelecidos.

— Ótimo, análise dos soldados.

— Trinta e três em recuperação, doze óbitos dos resgatados. Estimativa de baixas de oficiais em Washington, 138. Baixas de Karens, 390.

Manson pisca devagar e olha lateralmente com fúria na feição.

— Transmitir controle nuclear para meu pack pessoal, entrar em estado de Alerta.

O subcomandante se revolta com os números.

— Com todo respeito, senhor. Mas teríamos evitado isso se tivéssemos nos deslocado antes.

— Não íamos sair sem que eu soubesse exatamente onde estava a lança de Longinus. Foi com ela que o demônio conseguiu controlar as Karens, com ela que conseguiu dominar a Europa com tamanha facilidade.

— Isso não passa de um mito, senhor. — contesta o subcomandante.

— Estamos lidando com demônios, vampiros, lobisomens... e ainda acha que mitos não são reais?

— Não sabemos se os relatos são confiáveis, as pessoas têm delírios durante guerras. Se tivesse me ouvido, muitos estariam vivos.

Manson olha para o subcomandante em desprezo.

— Cris acreditava na lança, ele buscou os dados e mandou para nós. Ele deu a vida para encontrar a arma que nos dará controle maior sobre as Karens e os Cains.

— Sim, e depois o demônio mandou o cadáver dele para você. Já que gostava tanto do corpo dele também, não é mesmo?

Em um gesto rápido e frio, Manson pega uma caneta na mesa e atravessa a garganta do subcomandante. Quando eles caem no chão, o ferido tenta em vão pegar a pistola, mas a mão enorme e negra o segura e o contém com as pernas no chão. O subordinado tosse ao se sentir afogado no próprio sangue, olha para o alto com o vermelho rubro cobrindo a face e se espalhando em jatos ao redor. A sujeira se intensifica quando o major tira a caneta deixando a dupla perfuração livre e se aproxima do rosto dele gritando.

— Acha que pode falar assim comigo?! Que dei a permissão de pensar diferente?! — vocifera. — Não passa de um escroto idiota que estava tentando tirar meu posto desse lugar. Eu matei Karens sem pistola horusiana, eu ergui essa operação da Aliança! Nenhum engomadinho de merda vai tirar o prazer de estabelecer a Aliança por tudo o que sobrou dessa porra de terra!

Manson usa a caneta para furar os olhos e a face do homem que nada responde, são muitos golpes repetidos que os outros soldados observam paralisados. K3.316 ainda segura a prancheta com as tabelas informativas, aguarda o major terminar.

Após quase trinta perfurações no rosto, ele para cansado cravando a caneta já quebrada no peito do homem no chão. Levanta-se com o rosto e uniforme completamente encharcado e puxa sua farda para desamassar. Aponta para um dos soldados de feições latina ao lado.

— Qual seu nome mesmo?

— Diego Santana, senhor.

O major se abaixa e tira do cadáver uma insígnia prateada, vai até o rapaz e finca no uniforme dele o broxe espetando o peito do novato.

— Parabéns, subcomandante. — fala ele dando duas palmadas no ombro dele. — Todos estão dispensados agora. K3.316, livre-se do lixo e o contabilize nas baixas.


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