Apocalipse escrita por Natália Alonso, WSU


Capítulo 13
Capítulo 12 – Novos Aliados




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A cabeça do líder fora tirada do jarro, lavada da aguardente que a cobria. Então os pitangas cobriram com sementes de pau-brasil, os grãos vermelhos são muito usadas pelos naurús, representam a vida e o renascimento. Daniele está nua, o corpo completamente pintado de negro, apenas em seus olhos vertem riscos vermelhos como lágrimas passando por suas bochechas. No rito, ela pronuncia os cânticos enquanto reveste a cabeça do pai em um linho branco, dando nós fortes e prendendo as contas sagradas.

A grande pira está pronta, machados, flechas e sementes estão em toda sua área. Ela carrega o pequeno embrulho branco caminhando por entre os seus, todos pintados em preto. Em suas bocas fechadas, eles murmuram usando a garganta, o som de tantos ecoa por toda a selva em breu, apenas os olhos amarelos cortam a escuridão, indo de encontro com as tochas vermelhas. A cabeça é colocada na pira, a entonação aumenta, quase como uivos contidos, entregam a ela uma tocha como um buquê de fogo.

As chamas rosnam na base da pira, o calor emana intensamente na noite antes fria, um ancião traz as capas. Com Caíque morto também, Daniele passa a ser líder e general, o acúmulo de cargos é incomum, mas em tempos difíceis, ainda é melhor ter um líder, do que não ter nenhum. A pele de jacaré cobre as costas dela, os dentes da boca do animal são posicionados cobrindo sua cabeça e parte dos cabelos. Em cima dela, uma segunda capa, vermelha e preta de pelagem do lobo-guará, duas feras em uma só mulher. Dois olhos amarelos encarando o fogo vermelho.

O rugir das chamas, é como uma hipnose, o chá tomado antes, os cânticos ecoando das gargantas chorosas, o calor emanando a frente. O breu da noite, escuro como era seu cativeiro, os dentes brancos do jacaré se destacam com seus cabelos negros, ela lembra do sorriso do Caveira. Ela sua, sente seu corpo sendo levantado, tal como fora levantado antes, sente as mãos pálidas de Liu, sendo as mãos escuras dos vermelhos. Ela fica confusa, as imagens passam em vultos a sua frente. Então um estalo no meio do fogo, os óleos essenciais são jogados e ela desperta de seu transe. Tal como as labaredas consumindo seu pai, ela decide consumir suas memórias.

Ela se vira, percebe que ficara a noite toda ali, em pé, observando a pira consumir o que restara de seu pai, agora para diante de seu povo. Igualmente, todos permaneceram ali, eles olham para a nova general e líder, ajoelham-se diante dela.

 

 

 

*********

 

Após observar o funeral a distância, ainda é noite quando Aradia fecha sua capa em plumas negras para se proteger do frio. Ela se distancia indo para sua tenda, mas então nota ao longe um brilho de fogo se acender, e se apagar. Quando a luz repete o piscar mais uma vez, ela desconfia, transforma-se em um corvo para ir até lá. No voo, ela observa do alto algumas árvores queimadas completamente, vão até o lugar onde a chama novamente se acende. A ave vai até o local, onde Dimitri faz um gesto com a mão, ao fechar o punho o foco se extingue na árvore, ele apenas olha para outra árvore que se acende em chamas.

Aradia observa, balança o corpo ajeitando as penas, o barulho faz com que Dimitri vire os olhos em sua direção. Reagindo instintivamente, ele joga uma bola de fogo em direção a bruxa que precisa voar rapidamente. Quando ela retorna a sua forma, cai no chão, coloca as mãos a frente do rosto criando símbolos místicos em sua penumbra negra que paira nos dedos.

— Pare, Dimitri! Sou eu!

Ele apaga o fogo que já estava rodeando a feiticeira, vai até ela ao notar que poderia tê-la ferido.

— Desculpe, eu achei que pudesse ser um vampiro ou algum outro...

— Tudo bem. Não se preocupe com os Cains agora, se eles tivessem se aproximado eu saberia com antecedência. — Ela olha a ele mais calma. — Está treinando?

Dimitri segue o olhar dela, chegando a uma árvore em chamas, ele olha, o fogo se apaga e ele volta a ela.

— Isso não é nada. Meu irmão e eu fazíamos isso apenas por distração.

— Eu sinto muito pelo Domi.

Ele não fala nada, acena com a cabeça confirmando em agradecimento.

— Vai se calar de novo?

Ele volta o olhar.

— Achei que você fosse mudo até, acho que todos pensavam isso na verdade.

— Eu apenas não precisava falar, Domi falava por nós dois.

— Você tem um controle sobre o fogo que... não vi o Dominic fazer isso.

Dimitri abre a mão e um pássaro de fogo parece voar, então ele é atacado por um lagarto, e uma lança atravessa a garganta do animal. As formas nas labaredas surgem com naturalidade, tal como uma animação, então um homem se aproxima do animal que se dissipa, ficando apenas o homem e sua lança de pé. O noman olha para a feiticeira, a figura de fogo em sua mão parece olhar para ela também.

— Sim. Eu sempre tive um controle melhor e com mais... intensidade. Os testes que faziam, queriam que eu usasse o poder cada vez mais intensamente. Mas cada teste era... bom, tínhamos que aumentar nossos limites e resistência. Eles clonavam...

— Clonavam? Do que está falando Dimi? A Aliança clonou a Karen, mas vocês...

Dimitri derrama uma lágrima, que rapidamente evapora em sua face.

— Aradia, eu vi meu irmão morrer... muitas vezes. Esses eram os testes. Por isso ele não sabia o que faziam comigo.

— Dimi.

— Meu padrão é mais instável, eles disseram, era mais difícil de clonar. Eu era único, como eles disseram.

— Dimitri.

— Mas Domi, era mais fácil de clonar, eles fizeram vários deles como meu treinamento, eu tinha que... era sobrevivência... ou eu os matava, ou eles me matavam...

— DIMITRI!!! — grita Arádia, apreensiva.

Dimitri olha e vê que criou chamas ao redor, Aradia está com um círculo negro de energia se protegendo. Assim que ele percebe, as chamas todas param e ela solta a esfera de energia, ofegante e assustada.

— Eu não queria...

Aradia recua, transforma-se rapidamente em um corvo voando para longe dali. Dimitri permanece na clareira de fuligem que criara.

 

 

 

*********

 

Daniele abre o tecido da tenda, dois dias se passaram do rito fúnebre e a pira de seu pai ainda queima no alto da região. Naurús estão carregando toras para alimentar a fogueira, muitas árvores estão sendo cortadas. A líder, ainda de pintura negra entra na tenda, as peles de jacaré e lobo guará ainda cobrem suas costas. Em uma aparência desgastada ela caminha até uma das almofadas e se senta, Henrique observa e sussurra.

— E essa noite? Conseguiu dormir?

Ela não responde, acaba voltando os olhos fundos pelas olheiras para Sara.

— O que quer falar, Sara? Eu preciso falar com os vermelhos ainda.

A zumbi faz um gesto para esperar, poucos instantes depois o barulho de asas batendo ao lado da tenda indica a chegada de Aradia. Ela entra na tenda, os olhos negros dela vão de encontro certeiro aos cinzas de Dimitri, calado o tempo todo na tenda.

— Bom, já que todos estão aqui, posso finalmente falar do que já tinha indicado antes. — começa a morta. — Eu tinha visto uma imagem que não tinha entendido bem até então, de uma sombra negra que atravessava o peito da vampira Lucy, eu achava que era algum tipo de feitiço de Aradia, mas não.

— O que é então? — questiona Daniele.

— Um velho amigo. — responde uma voz ecoante na tenda.

Aradia se arrepia assim que ouve a voz, conhecida. Uma fumaça negra começa a subir do chão em torno deles, em poucos instantes ela se une se amontoando no centro, acima das chamas baixas da fogueira. O aglomerado disforme tem leves contornos de uma pessoa, seus olhos se abrem e dois pontos de luz vermelhos escapam da penumbra escura, fitando diretamente a feiticeira.

— Tales?

— Parece que ainda conseguem me reconhecer com certa facilidade. — rebate ele com tom de tristeza.

— Eu achei que você estivesse...

— Estou. Lucy me matou.

— Certo, isso agora está ficando muito estranho. — murmura Henrique.

Aradia fica desconcertada.

— Eu sinto muito... eu achei que...

— Não se preocupe, eu quem pedi para você ir embora. Não tinha como me salvar naquele momento. — tranquiliza a penumbra. — Eu só pude voltar por um acaso do destino.

— Sim, eu o encontrei se afogando na Ira, eu sei reconhecer um guerreiro útil quando vejo um. — responde Lúcifer, entrando pela tenda.

Assim que se aproxima, a luz da fogueira permite ver os cornos saindo de sua cabeleira negra. Aradia se afasta, Dimitri rapidamente forma uma bola de fogo nas mãos, Henrique e Daniele se colocam em posição de combate, Sara levanta as palmas pedindo calma a todos.

— Esperem, tenham calma. Ele é nosso aliado.

— É um Cain! — vocifera Daniele.

Dimitri lança uma bola de fogo em direção ao demônio e puxa Aradia mais para perto do grupo. A chama para a frente do rosto de Lúcifer, ele ri baixo.

— Eu gosto dessa impulsividade de vocês, realmente gosto. — O fogo forma uma esfera perfeita e começa a girar lentamente frente ao rosto dele, instantes depois ele inclina o rosto aparecendo detrás dela. — Mas não se preocupem, como disse a morta, eu sou aliado de vocês, estou ajudando vocês a muito tempo, na verdade.

— Uma das vozes que eu ouvia em minhas visões, era dele.

— Estava ouvindo dicas de um Cain?

— Não, estava ouvido a voz de Lúcifer. — fala ele se colocando ao lado da esfera flutuante de fogo e depois se curvando em um cumprimento cordial. — Sou o príncipe dos infernos, o verdadeiro herdeiro do trono que foi surrupiado por Mefisto. Acreditem, assim como vocês, também desejo o fim desse caos.

O demônio se aproxima de Tales em sua forma nebulosa.

— E ainda acabei trazendo um amigo de vocês, isso não conta? — Tales vira-se em sua penumbra negra, olhando para o grupo. — Além de se uma forma de eu mostrar que não são meus inimigos, eu tenho propostas de como vencermos essa guerra.

— Isso não faz muito sentido. — desconfia Daniele.

— Na verdade faz, querida loba. Mefisto roubou o que era meu, me manteve aprisionado por milhares de anos no inferno, eu só estou aqui pois... — Ele para, pensa um instante e observa que é melhor que não foi liberto por Lucy, como um gesto de vingança de seu esposo. — nem todos estão contentes com a atuação de Mefisto. Meu irmão não tem respeitado muitos de seus originais aliados, o reinado dele está com os dias contados.

— E o que tem a nos oferecer? Algum poder especial em troca de nossas almas? — sugere Henrique de forma sarcástica.

— Não estou negociando almas no momento. Pode ficar com elas, não me interessam. Prefiro seus braços para combate, com as armas certas, é claro.

— Procuramos por muito tempo as espadas sagradas, em nenhum tempo elas... — Sara fala, mas é interrompida pelo riso do demônio.

— Templos? Nossa, eu devia ter sido mais claro quanto a isso. Não, querida, elas nunca ficam quietinhas em templos, isso sempre são armadilhas. Armas tão poderosas nunca ficam guardadas em um local, isso nunca dá certo. Sempre estão nas mãos de alguém.

— Então vai nos dizer onde está a flamigerada? — rebate Henrique.

Nesse momento, um corvo entra na tenda e pousa próximo de Arádia, ele dá dois grasnos curtos, chamando a atenção da feiticeira. Lúcifer também vira o rosto com a ave, olha para a bruxa e fala.

— Sim, que curioso. Deixe-a, você já sabe que isso pode ser interessante a nós.

— Lúcifer! — chama a atenção Daniele, ao demônio que desviara do assunto.

— Ah, sim. Nobre rainha de índios. — responde em desdém o demônio. — Infelizmente não posso dar a Azul Flamejante, essa foi destruída por Mefisto em sua visita aos céus. Eu não encontrei um anjo que poderia nos ajudar com uma poderosa clava, nossa ajuda não virá de lá.

— E virá de onde então?

— Da cimitarra de Luz, aquela linda espada curva com uma lâmina de brilho esverdeado. O próprio Mefisto a carrega o tempo todo consigo. — fala ele elevando a voz. — Somente ela seria capaz de matá-lo agora, nas mãos de um bom guerreiro, é claro.

— E espera que consigamos roubar a cimitarra dele? Está louco?

— Vocês? Não, é claro que não. Será outra pessoa, seu anjo de asas douradas.

— Pra mim, chega disso. Se vão começar novamente com profecias estúpidas... — resmunga irritado Dimitri.

— Não foram tão estúpidas quando disseram que você conseguiria causar tamanho dano na vampira. Aliás, um feito impressionante. — rebate o demônio.

— Então temos que simplesmente esperar? — questiona Sara.

— Acho que é melhor sairmos daqui em breve, afinal, conseguiram fazer um churrasco de minha cunhada, mas ela não continuará carvão para sempre. — O demônio vira-se para Daniele. — Isso se vossa alteza permitir que saiam daqui, convenhamos, esse funeral já se prolongou tempo o suficiente.

Daniele brilha os olhos em tom amarelo para o demônio, ele retoma a postura.

— E quanto a vampira? Tales tentou usar uma catana amaldiçoada para matá-la. Ele pagou um alto preço por isso.

Lúcifer vira-se para a penumbra ao lado que ainda paira acima da fogueira.

— Eu diria que perdeu um braço, mas daí você teria que ter o resto contigo.

— Cala boca, Lúcifer. — rebate irritado, Tales. — Na verdade, há outra arma ainda, uma adaga chamada Sedenta, parece que essa foi feita para matar a vampira.

— E onde ela está?

— Normalmente ficava com meu irmão. — fala Lúcifer enquanto caminha pela tenda, rouba um figo e morde a fruta suculenta e fala exibindo os pedaços. — Mas ele deu para outro aliado, apenas para evitar que Lucy matasse o subordinado e o traísse. Um humano, que ironia do destino, ele tomou cuidado para que ela não o traísse, mas aqui estou.

— Do que está falando?

— O Caveira, Mefisto entregou a adaga a ele. Ou você acha mesmo que o insano iria aceitar trabalhar para o diabo sem nenhuma garantia de não virar jantar da mulher dele?

— Isso tudo parece muito promissor, mas como afinal sabe de tanto assim? — questiona Dimitri.

— Vampira e demônios iam me torturar, acredite, depois de milhares de anos, eu passei a ficar resistente para dor. E meus carrascos falam demais, eu só juntei uma informação aqui, outra lá... Ficaria surpreso o tudo que sei. Essa esposa dele talvez seja a mais esperta que ele já teve, por isso é bom tomar cuidado com ela, não é tão tola quanto parece.

— Agora que conseguimos enfraquecer os Caveiras, podemos atacar diretamente os Cains? Mas e quanto a Aliança?

— Eu não me preocuparia com ela agora, está ruindo de dentro para fora. Quando uma fera escapa do zoológico, ela tende a instigar as outras. Será lindo ver os domadores sendo domados pelos animais. — fala ele terminando de mastigar o figo.

Henrique vira-se para Sara, questionando sua pacificidade quanto a tudo isso.

— Acha mesmo que podemos vencer dessa forma?

Sara vira seus olhos dilatados para ele, concorda com a cabeça.

— Eu tive muitas visões, tudo o que ele disse pode se encaixar. Além do mais, que outras possibilidades temos?

O corvo gralha mais uma vez, Aradia sai rapidamente da tenda e vê o vulto de uma figura voando para longe, ela se abaixa e nota que alguém ficara abaixado ao lado, ouvindo tudo. Lúcifer se aproxima de trás da mulher.

— Não se preocupe, ela ouviu o suficiente.

— Espero que esteja certo quanto a isso. — avisa a bruxa.

— Ou o que? Vai me deixar ser morto por Lucy, tal como fez com seu amigo?

 

 

 

Horas depois, K3.316 chega a redoma, ela se abaixa e esconde o moletom velho que furtara do cadáver semanas antes. A peça colocada entre os arbustos é seu pouco disfarce para ouvir o que a resistência planeja. Apesar de já ter ouvido eles planejando atacar a Aliança, ainda assim ela para, olha para a redoma mais a frente e hesita em voltar. Já fazem muitos dias que saiu, provavelmente a levariam para uma triagem mais rigorosa se voltar.

Ela pensa em contar ao major os planos da resistência, que descobriu o paradeiro deles, essa é sua função, seu treinamento. Mas por algum motivo ainda segura o moletom velho enquanto observa as clones de vigia na redoma. Ela lamenta para si mesma e lembra: A Aliança é a justiça. A Aliança é a salvação da humanidade. Esse mantra ressoa em sua mente, então ela deixa o local e vai em direção a redoma.

Ao chegar na entrada, como era de se esperar, as Karens a direcionam para a triagem. Em poucos minutos ela está na central, é levada junto das muitas outras clonadas que estão apresentando comportamento instável. No salão branco, elas ficam enfileiradas me pose inerte, K3.316 não é diferente, a não ser pela faixa vermelha na manga de seu uniforme que a identifica como comandante. Todas a louras de cabelos Chanel tem o olhar estático quando a porta se abre e os passos pesados do major Jones Manson se aproxima e inspeciona.

Ele para frente a uma que pisca os olhos com maior frequência, seus cabelos estão desalinhados. Ele passa os dedos negros nos fios dourados e nota que a clone arrancara alguns fios na lateral, próximo da orelha. Então observa o uniforme, perfeitamente limpo e alinhado, no peito o bordado na camisa a identifica.

— K7.138, reportar os últimos dois dias.

K7.138 acorda em horário regular, sequência de exercícios iniciada as... — fala ela em tom monofônico.

— Pular para irregularidades. — fala ele impaciente.

A clone pisca duas vezes.

No almoço, estava no refeitório quando ouvi uma batida. Ao olhar para o alto havia um pássaro, que bateu na redoma. — Ela pisca, muda a expressão.

Manson franze o cenho.

— O que tem o pássaro?

Ele sangrou, então ele respirou duas vezes antes de parar.

— O que sentiu, K7.138?

— Sentir? — Seu tom de voz muda, parece emocionada.

— Sim, o que sentiu?

— Não entendo, senhor. Verbo sentir, não identificado.

— Continue a reportagem. O que fez?

— K7.138 voa até o pássaro que estava morto na redoma. Ele estava do lado de fora, ia ser coberto na fuligem.

— E o que você fez?

A clone pisca mais uma vez, sua expressão é de confusão mental. Ergue o braço que estava atrás de seu corpo exibindo a mão direita com os dedos quebrados.

— K7.138 tentou tirar o pássaro de lá.

Manson não fala nada, inclina o rosto irritado. Vira-se para o soldado ao lado com uma prancheta e balançando a cabeça, o subordinado anota algo no papel. O major continua os questionamentos para a próxima clone da esquerda, faz isso mais duas vezes até notar K3.316. Ele rapidamente pula as clones no caminho e vai direto a ela.

— Eu disse para me avisarem quando ela chegasse. — murmura irritado para o soldado, que apenas engole a seco segurando firmemente a caneta. — Quando ela apareceu?

— Agora de manhã, entrou normalmente pelo portão principal.

Ele anda uma vez ao seu redor, nota os joelhos sujos de terra e as botas militares com fuligem.

— K3.316, reportar os últimos sete dias. — ordena ele.

— K3.316 saiu para ronda regular após a inspeção médica.

Manson se vira para o soldado que levanta uma das folhas para ler o relatório médico.

— Bom, ela se recuperou de um tiro de arma horusiana na invasão da resistência...

— Isso eu sei, eu estava junto, idiota. Quero saber do relatório.

— Não diz nada, apenas “regenerada completamente” e “100% de eficiência”.

K3.316 se sente aliviada, aparentemente ninguém percebera o soldado morto em sua fuga, ela tomou cuidado para que nenhuma câmera pegasse tal ato.

— Não deveria ter irregularidades. Sabe o quanto custa uma clone dessas? As linhagens para comandantes são o dobro do preço.

O soldado lê até a outra folha conferindo os dados.

— Desculpe, senhor. Aqui não tem nada mais de irregularidades, todos os escaneamentos bateram.

Manson volta-se para a comandante novamente.

— Continuar reportagem, K3.316.

— Foi encontrado um grupo da resistência. K3.316 percebeu que haviam líderes e se escondeu para ouvir os planos de ataque.

— Ótimo, e que tipo de informações eles têm?

— Eles planejaram um ataque contra os Cains, mas os Caveiras atacaram o grupo. Para não perder o disfarce, K3.316 se manteve morta por cinco dias. Todos os líderes da resistência que estavam no plano também estavam mortos quando K3.316 saiu do local.

Manson observa atentamente os olhos e a expressão da comandante, se aproxima e cheira sua camisa.

— Está fedendo.

— K3.316 estava junto de outros cadáveres. — responde ela.

— Sim... isso explica a demora, ainda assim deveria ter reportado a central.

— K3.316 estava sem o comunicador, foi perdido na luta com os Caveiras.

— Você perdeu o comunicador? — estranha o Major.

O soldado ao lado dele levanta os olhos, notando a resposta incomum. As karens dificilmente perdem objetos para humanos comuns. Apenas vampiros e orobas são capazes de dar realmente trabalho a elas.

— Sim, na luta, ele se quebrou.

Manson para pensativo por um instante, apesar dela continuar em voz monofônica e falando de si mesma na terceira pessoa como é o padrão ainda tem algo que o incomoda.

— Major? — A fala do soldado interrompe os pensamentos dele.

— Sim?

— Devo marcar?

Manson faz uma pausa, mas concorda com a cabeça ainda insatisfeito.

— Conduza as selecionadas para a sala 2, agora.

O soldado pega pelo braço K3.316 e mais duas que foram reprovadas e as conduz pelo corredor. Quando é tocada ela ouve os pensamentos do soldado, lamentando por tanto dinheiro sendo jogado fora. As três caminham pelos corredores com soldados passando por várias áreas de testes e laboratórios. Eles tiveram que reconstruir as incubadoras perdidas no último ataque que ocorreu nos Estados Unidos.

Ao chegarem na sala, uma mesa está ao lado de um gaveteiro, apesar de estar muito limpo, K3.316 tem a certeza que esse é o último salão onde as karens descartadas passam. O soldado vai embora e apenas Manson em seguida, trancando a porta. Ele caminha direto ao gaveteiro pegando uma seringa e um frasco de líquido transparente. A agulha penetra a borracha silenciosamente e captura o conteúdo do frasco.

K3.316 observa ele se virar, vai até a primeira clone, vira o rosto dela, espeta a agulha na prótese metálica acima da orelha e injeta o líquido. A garota fica com as pupilas dilatadas, o rosto relaxado e os lábios soltam de forma ruidosa. Inerte, agora ela fica muito mais sugestionável, o major volta a seringa para o frasco e repete o procedimento na segunda clone. Após aplicar na que possui a mão ferida, ele abastece novamente a seringa, e para a frente de k3.316.

Ela o olha, ele também. O major toca no rosto para incliná-la e K3.316 segura seu pulso, instintivamente ele leva a mão na cintura para pegar a cópia de arma horusiana que se sempre carrega consigo. Mas a comandante segura sua outra mão e o empurra até a parede. Ao bater com as costas, ele resmuga.

— Desgraçada! — tenta soltar as mãos, mas K3.316 o observa atentamente. — K3.316, solte as mãos!

Ela continua o prendendo.

— k3.316, isso é uma ordem! Solte-me agora, sua vagabunda!

— Controle sua linguagem, major, eu posso ficar magoada. — responde ela.

Ele arregala os olhos, nunca vira uma karen que se referisse a si mesma com identidade e pronomes pessoais. Uma clone com personalidade própria era algo impensável.

— O que? Como...

— Sou eu quem farei as perguntas agora. — fala ela o lançando para o outro lado do salão.

Assustado, ele procura a arma, mas então nota ela colocar o objeto na mesa ao lado. Em sua mão ela segura a seringa e lê o frasco do produto.

— Então é assim que nos controla? Não pode ser apenas isso. — Ela volta seus olhos azuis para o homem, franze as sobrancelhas levemente e ele leva as mãos nas têmporas em agonia. — Não tente resistir, acredite, percebi que essa minha habilidade é muito mais forte do que seus produtos químicos.

Ele se contorce no chão, sua e seus olhos estatelam pequenas veias pela pressão.

— Me conte, o que mais usam para nos controlar.

— Há redução genética... elas são mais sugestionáveis... tem menos habilidades. — fala o major entre pausas pela agonia mental.

— Por que comandantes são mais caras?

Ele devolve um olhar assustado, ela franze o cenho e ele se contorce no chão antes de falar.

— Comandantes tem plena carga genética... — Ele geme. — por isso você tem a telepatia, tal como a original.

— Original? Onde ela está? Por que não me controlam mais? O que mais podem usar em mim??? — K3.316 grita em ira.

— Ela estava no laboratório de Nova York, tiramos tudo o que precisávamos, era só um cor...um corpo em um aquário...

Ela se aproxima, injeta a agulha na têmpora do major. Ele urra de dor, suas pernas se debatem no chão quando ela tira a seringa e coloca as duas mãos em seu rosto, o forçando a falar.

— Diga tudo!

Ele respira mais devagar, as pupilas dilatam e começa a falar em tom monofônico.

— A Lança de Longinus, foi a primeira arma usada para controlar as aliens. A fraqueza das clones é a magia, por isso enfraquecemos usando magia com ciência. Meu prisioneiro amaldiçoa e faz os frascos de controle mental, a lança foi encontrada em um templo.

— Onde está esse prisioneiro?

— Nova York, ala 6, setor 12. Muito provavelmente está morto pelo bombardeio que eu comandei. Não temos mais como criar frascos, por isso ordenamos as clones caçarem a feiticeira que se transforma em corvo. Ela esteve aqui, agora teremos outra forma de criar um controle.

— E a lança de Longinus?

— Meu dormitório, no cofre, senha 261284.

K3. 316 percebe que o major está babando demais, ele soluça com a própria saliva mal engolida. Então ela se abaixa ainda mais em seu rosto e sussurra.

— Vou deixar duas ordens aí. A primeira, quando eu disser Demócrito, você irá me obedecer e responder todas as minhas perguntas e ordens. A segunda, quando eu soltar minhas mãos você irá dormir, irá esquecer de tudo que aconteceu nessa sala.

Dito isso, ela solta as mãos das têmporas de Manson, que dorme instantaneamente. Ela se levanta, pega alguns frascos e vai embora pela última vez daquele laboratório.

 

 

 

*********

 

Daniele finalmente entra na banheira, a tinta negra tinge a água rapidamente, ela curva sua cabeça para trás mergulhando o rosto. Solta bolhas, abre os olhos submersa observando a tinta cobrir as águas a frente. Então, o rosto do ancião aparece a sua frente, ele olha a líder na banheira que calmamente se senta na banheira, os cabelos escorrem tinta ainda.

— Fico feliz que banhaste, batarra naurú.

O termo dito em tupi, batarra naurú, significa grande naurú, uma forma respeitosa de se referir ao líder da tribo.

— Sim, eu precisava já.

— Então posso dispensar o corte de hoje?

Ela olha de lado, vê o brilho da pira funerária que ainda queima, a luz parca transpassa o tecido de sua tenda.

— Já fazem cinco dias, nós precisamos sair, senhora.

— Cinco dias é o suficiente? Para lembrar da morte do grande líder? Não é um pouco apressado?

— Não há mais árvores em torno para alimentar a pira, estamos correndo risco de ficarmos parados, os Cains podem nos encontrar logo.

— Aradia está os espionando com seus corvos, eles estão isolados, lambendo as feridas. Se tivessem recuperados já teriam vindo até nós.

— Então vamos esperar eles se recuperarem?

Daniele vira o rosto para o velho cheio de cicatrizes e rugas, os cabelos grisalhos do homem caem em tranças nos ombros. Ele insiste.

— Seu pai sempre deu valor a tradição de permanecermos andando, foi assim que conseguiu proteger seus primos.

— Sim, e sabemos que não adiantou muito. Meu pai queima na pira nesse instante.

— Ele já queimou a cinco dias. Ele já se foi a muito tempo.

— Exatamente. Parece que a tradição não está ajudando mais. Esse último ataque nos rendeu o melhor avanço que já tivemos, apesar de tudo.

— Nem a morte de seus amigos saqueadores importa?

— Nossos aliados saqueadores importam muito — corrige ela. —, e agora temos novos parceiros que nos trarão uma nova perspectiva.

O ancião se preocupa, baixa a cabeça e se vira para sair. Quando ele toca no tecido da entrada da tenda Daniele completa.

— Avise os vermelhos para soltarem amarras, partimos amanhã. Mas será uma mudança próxima, pois teremos uma batalha em breve.

 


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