Michael de Vulcano escrita por Valdir Júnior


Capítulo 4
Os Extremistas Lógicos




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Michael ainda estava próxima à área de estudos quando o nicho computadorizado em que ela estivera até a poucos segundos explodiu. A onda de choque a atingiu por trás, jogando-a violentamente de encontro à parede a sua esquerda. Pedaços de acrílico e metal atingiram suas pernas, braços e costas, abrindo alguns cortes profundos. A menina ficou confusa por alguns momentos, ensurdecida devido ao grande estrondo. Assustada, tentou se levantar, mas as dores que sentia foram mais fortes e suas pernas fraquejaram. E de repente tudo escureceu.

*   *   *

Sarek acabara de sair do prédio e caminhava em direção ao carro aéreo que os levaria de volta para casa quando inesperadamente uma mensagem de áudio começou a ser veiculada através dos alto-falantes instalados no pátio do centro de educação.

 “Esta escola não reflete mais a verdadeira ideologia Vulcana. A complacência e o fascínio de seus diretores pelos humanos não pode mais ser tolerado. Vulcano logo reconhecerá a verdade de que os humanos são inferiores e sairá do experimento fracassado conhecido como "Federação". O sacrifício feito hoje representará um chamado para aqueles que valorizam a lógica acima de tudo.”

Nós somos os extremistas lógicos (1).

O embaixador ainda estava tentando entender o sentido da mensagem quando ocorreu uma violenta explosão, originada do local de onde havia acabado de sair. Vendo a porta pela qual acabara de sair parcialmente destruída, Sarek Imediatamente voltou correndo sobre os próprios passos. Logo na entrada havia várias vigas e pedaços fumegantes de alvenaria dificultado a sua passagem. Com certo esforço saltou sobre os obstáculos e, em meio a fumaça, conseguiu ver Michael caída a alguns metros. Já sob o som dos alarmes de segurança do complexo ele correu na direção onde a menina estava. Quando a alcançou, abaixou-se rapidamente para examiná-la. Constatou que ela estava quase sem pulsação e respirava com muita dificuldade. O vulcano não tinha meios de saber a quanto tempo sua pupila estava neste estado.

— Michael? – chamou Sarek, tocando o rosto dela suavemente, demonstrando uma atípica aflição.

A menina permaneceu inerte.

Sarek chamou novamente, agora a sacudindo levemente

— Michael...

Sarek olhou a sua volta e percebeu que varias pessoas se movimentavam em direção a eles, passando pelos escombros. Certamente isso possibilitaria que Michael fosse socorrida com maior presteza.

Porém quando ele tornou a olhar para a menina, percebeu que ela havia parado de respirar e ele não conseguia mais sentir-lhe a pulsação. Michael sofrera uma parada cardiorrespiratória. Ele concluiu que era preciso encontrar uma maneira de reanimá-la com urgência ou era muito provável que ela morresse ali mesmo.

Sabendo que as chances de recuperação de Michael se tornavam cada vez mais escassos à medida que o tempo passasse, ele fez o que lhe pareceu ser o mais lógico naquele momento. Mesmo conhecendo os riscos para si próprio e para a menina, Sarek resolveu lançar mão de um procedimento que raramente era usado entre os vulcanos e que nunca havia sido usado com um humano. Mas não havia nenhuma alternativa se ele pretendesse salvar a vida dela.  

Puxando Michael para mais próximo dele, Sarek estendeu os dedos sobre o rosto dela, fechou seus olhos e tocou pontos específicos da têmpora da garota, iniciando um elo mental.

 - Minha mente para sua mente. Meus pensamentos para seus pensamentos... – sussurrou ele – Michael, volte para mim.

Quando as mentes deles se conectaram a dor e o medo que ela estava sentindo o atingiram, deixando-o desorientado por alguns instantes. Mas rapidamente ele se controlou e, reforçando o elo, procurou tranqüilizá-la, ao mesmo tempo que canalizava as energias vitais de que ela tanto necessitava naquele momento para restabelecer o seu equilíbrio orgânico.

Assim que ele sentiu, através da ligação mental, que a dor dela havia diminuído significativamente e que seus sistemas orgânicos estavam voltando a funcionar, ele foi gradativamente desfazendo o elo. Ao abrir os olhos Sarek voltou-se novamente para Michel, notando que a cor havia começado a voltar ao rosto dela e percebendo a pulsação e respiração dela quase normalizadas. O vulcano experimentou a satisfação de constatar que seu esforço fora recompensado, embora estivesse também um pouco apreensivo. Ele sabia que juntamente com os fluidos vitais também havia acabado de transferir uma parte significativa do seu Katra (2) para Michael e, com isso, criado um laço que só seria rompido com a morte de um deles.

*   *   *

Sarek levantou-se do leito de monitoramento e diagnóstico no Hospital Avarak, um dos maiores centros médicos de ShiKahr. Ele já fora examinado e liberado, pois os médicos constataram que ele não estava ferido, com exceção de alguns arranhões superficiais e um pequeno incômodo auditivo devido ao barulho da explosão.

O embaixador havia acabado de receber uma informação preocupante do chefe da segurança do complexo de ensino. A explosão que vitimara a pequena Michael não fora um acidente. Descobriu-se que o epicentro da explosão encontrava-se justamente no nicho de aprendizagem do qual a menina havia acabado de sair. Afortunadamente ela já não estava mais lá quando houve a detonação. Mas os fatos não deixavam dúvidas. O objetivo dos fanáticos era matá-la, tornando-a o símbolo da mensagem deles.

Ao sair da sala de exames ele já estava listando mentalmente os procedimentos que seriam necessários para garantir a segurança da garota, permitindo que ela continuasse normalmente sua educação. Deparou-se então com Amanda andando nervosamente de um lado para o outro no corredor do hospital. Assim que o viu ela aproximou-se rapidamente do marido, segurando nervosamente as mãos dele. O vulcano levantou uma das sobrancelhas, olhando-a sério. Mesmo depois de tantos anos aquelas manifestações emocionais de sua esposa ainda o surpreendiam.

— Sarek! – disse Amanda com angústia na voz – você está bem?

— Esposa – respondeu o vulcano tranquilamente – fui devidamente examinado e constatou-se que não sofri qualquer dano digno de maiores preocupações.

— E quanto a Michael? – questionou ela, ansiosa.

— Foi necessário colocá-la em uma unidade de tratamento intensivo para que pudesse passar por algumas micro-cirurgias para retirada de estilhaços que se alojaram nas suas costas e membros. Apesar de estar se recuperando bem, ela ainda inspirava cuidados. Seu tratamento está a cargo do Dr. Daniel Corrigan (3), um jovem médico humano que faz parte do programa de intercâmbio a convite da Academia de Ciências de Vulcano.

Antes que Amanda pudesse fazer mais alguma pergunta o medico saiu do quarto onde estava a garota, acompanhado de uma enfermeira vulcana. Ao ver o embaixador e sua esposa, aproximou-se deles demonstrando tranqüilidade no olhar.

— Embaixador, senhora. – disse o jovem médico, cumprimentando-os – Apesar do coração de Michael ter ficado parado por quase três minutos, os procedimentos médico cirúrgicos foram realizados com sucesso e as sondagens demonstram que ela encontra-se fora de perigo e vai recuperar-se sem seqüelas. Daqui a duas horas já estará em condições de ser liberada.

Apesar trazer os olhos marejados de lágrimas, Amanda Grayson suspirou aliviada e sorriu abertamente,  

— Obrigado doutor – disse ela com a voz embargada – são ótimas notícias

 

 

Referências do Capítulo:

(1) Os extremistas lógicos eram uma pequena facção dos vulcanos durante o século XXIII. Reivindicando representar a "verdadeira ideologia vulcana" e valorizando a lógica acima de tudo, eles foram considerados renegados e fanáticos por outros vulcanos. Eram particularmente opostos ao envolvimento humano na cultura vulcana e os consideravam os humanos inferiores e uma ameaça à sua civilização lógica. Seu principal objetivo era que o vulcano se separasse da Federação, que eles consideravam uma "experiência fracassada".

(2O Katra é o nome pelo qual os vulcanos designam a essência de suas memórias, personalidade e vida. A analogia mais aproximada seria a alma ou espírito. O termo katra é uma palavra que ninguém jamais conseguira traduzir com precisão. Ele representa mais que uma memória, mas menos que um ser vivo.

(3O Dr. Daniel Corrigan é um dos personagens principais do livro “Crime em Vulcano”, escrito por Jean Lorrah e está inserido na história como uma homenagem ao livro e ao autor.

 

 


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