Armário de Vassouras escrita por Eponine


Capítulo 1
Capítulo Único




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Em 1974, depois de algumas cervejas no Três Vassouras em uma comemoração do Clube de Xadrez, Remy Lupin adquiriu mais um segredo para sua lista.

Os olhos azuis acusatórios a seguindo é uma lembrança constante. Alguns outros olhos desconfiados a assustam também, mas nada que a faça entrar em pânico. Ela sabia de algumas coisas, assim como grande parte das pessoas, mas não era nada grandioso... Bem, ela sabia dos boatos, claro.

E dos pobres coitados que não podiam negar o que foi visto.

Kevin, no sexto ano da Grifinória passou três anos inteiros sendo alvo de fofocas mirabolantes e, discretamente excluído de algumas atividades extracurriculares com desculpas bem estranhas...

“Ei, Kevin, olha... O time conversou e achamos melhor você ficar fora essa temporada. Tobi vai assumir o gol, então você não precisa mais jogar”, avisou Marlon McKinnon, já com o uniforme do time. Os olhos de Remy correram do garoto louro para o garoto negro ao seu lado, confuso.

“Mas eu sempre fiz parte do time”, reforçou, abalado.

“Desculpa, cara”, Marlon se virou, voltando para o grupinho seleto do time Grifinória tomando café na ponta da mesa. A Lupin olhou Jamie Potter entre os garotos, mas a garota de óculos apenas deu de ombro, como se não pudesse fazer nada. Remy ficou em silêncio ao lado de Kevin, mexendo silenciosamente em seu mingau de aveia, evitando olhar o garoto que fitava o nada, estático.

Aquelas coisas veladas, silenciosas, causavam mais incomodo do que as escrachadas. Alguém claramente chamar Kevin de viado e excluí-lo era mais fácil de lidar do que pessoas que deixavam tudo no implícito, o deixando sem armas acusatórias. Uma vez, no tédio da espera da professora de Astronomia, Serena simplesmente disse algo que desconcertou Remy:

“Às vezes, no banheiro, eu fico nervosa vendo as garotas. Eu sinto meu corpo esquentar muito”, ela quebrou o pirulito em sua boca, balançando as pernas em cima da mesa. Pietra sentou-se em cima de seus pés, de boca aberta.

“Você quer ficar com garotas?”, esganiçou a Pettigrew, fazendo Remy prestar mais atenção do que devia na conversa. Os olhos de Jamie foram lentamente para a Black, mesmo que o rosto ainda estivesse em direção do livro.

E Serena sorriu docilmente, com a boca rosada pelo pirulito.

Se eu quisesse eu já teria ficado”, disse a Black.

Remy sabia que aquelas coisas eram apenas para Serena continuar com seu percurso de revolucionária, soltando aqui e ali qualquer coisa polêmica, para contrariar, sempre nadando contra a corrente. Entretanto, pequenos confessos como aquele faziam Remy reforçar sua teoria de que certas coisas não estavam só sem sua cabeça, como se apenas ela fosse anormal... Mais do que já era.

Quando ela e muitas garotas estão reunidas no bar a sensação de conforto a cobre de forma quase vexatória: Os dedos magros limpando vestígios de cerveja nos lábios molhados, a forma como um short aperta a cintura, uma mão apertando a coxa enquanto conta uma história engraçada, os olhos fixos as vezes debochados, as vezes curiosos... Ela simplesmente não conseguia parar de olhar, seus lábios formam um sorriso frouxo, bobo, seu corpo fica quente e quase que a entrega.

O que a deixa mais confusa é que quando Emmett Vance está perto demais, com seu ar marrento embebedado em timidez, bolando tabaco enquanto escuta os garotos falarem besteira, ela também sente seu corpo esquentar. E quando Emmett a beijou em uma árvore, com os dois banhados em suor após um trabalho de Herbologia na horta coletiva, o cheiro de cigarro que ele tragou antes de beijá-la e as mãos com cheiro de terra e planta a deixaram tremendo por horas e sorrindo uma noite inteira de insônia.

Mas os detalhes também a pegava com garotos: John e a forma como empurrava os óculos para os olhos tocando na lente, sem incomodar-se em sujá-las, Peter e a forma doce como a olhava, os gestos mínimos de David e seus beijos no topo da cabeça da Lupin, e principalmente a timidez quase aguda de Henry e a forma como Remy realmente teve que atracá-lo (o que rendeu boas noites de insônia para a garota, delirando na possibilidade de ter abusado do pobrezinho).

Todas aquelas coisas confortavam o coração tenso de Remy Lupin quando os olhos azuis perfuravam sua pele em algum local de Hogwarts, nos corredores, durante os jantares, às vezes durante as aulas.

Os olhos azuis sempre estavam carregados de alguma emoção, mas nos últimos tempos eles perseguiam Remy com raiva e ressentimento.

Eu não quero mais ficar aqui”, os olhos azuis ficavam vermelhos com facilidade “Eu quero ir ao baile. Quero andar de mãos dadas com você. Dançar... Tirar fotos... Encostar meu rosto no seu durante nossa música...”

Antes, antes das noites e noites compartilhadas no apertado e enfeitiçado armário de vassouras, os olhos azuis estavam escuros por conta da iluminação do banheiro apertado do Três Vassouras, e Remy, pela quantidade de bebida alcóolica, não conseguia enxergar muito bem, mas ela se lembra do sorriso e a boca vermelha pela pressão.

E o silêncio do banheiro quando a garota saiu, fechando a porta.

Mas quando Remy saiu do armário, não restou silêncio, pois ela ainda falava.

“Você tem que ser corajosa... Eu sou corajosa por você. Por que... Por que você não pode ser por mim também?”

 

Angel Olsen – Woman

 

Quando os olhos azuis fecham depois de horas e horas de estarem abertos, olhando para Remy de diversas direções, seja entre os pelos púbicos da mesma, ou com a boca entre seus seios, ou após um beijo longo e silencioso, a Lupin sente a latente vontade de sair dali de mãos dadas.

De tocar o cabelo enquanto a garota janta, beijar o pescoço enquanto elas escutam alguma piada no jardim, pouco antes do toque de recolher. De dar um abraço apertado de despedida, e uma promessa de um sonho durante a noite que dormiriam separadas... Ela sonha, é claro que sonha.

Entretanto certas coisas devem ficar no armário de vassouras.

Os olhos azuis de Dorcas Meadowes persistem em fita-la durante o Baile de Formatura, ressentidos, e Remy resiste, quase impassível.

“Você sabe que eu não... Eu não sou... gay. Eu não sou...” seu rosto reprimiu uma careta.

E sentiu culpa, pois os olhos azuis estavam aguados.

A loura era vitima das más línguas, nunca tinha sido vista com um garoto, mas ela estava protegida pela camada acolhedora da Lufa Lufa e os traços de timidez. Remy tentava se lembrar de ter trocado sequer um sorriso com Dorcas antes da fatídica noite de 74, mas não se recordava de nada, ela parecia ter simplesmente caído dos céus.

O clube de xadrez e sua nova integrante, a comemoração de mais um ano de competições, muitas cervejas e risadas. Uma ida ao banheiro e lá estava Dorcas, com os olhos... Os olhos azuis e o sorriso contido, sempre com uma indagação a cada movimento.

A forma como selou os lábios de Remy rapidamente antes de realmente beijá-la. Os olhos buscando afirmação.

Remy encostou seu rosto no peito de Emmett durante a música, confortável. Os saltos que sua mãe lhe enviou fora o detalhe que mais lhe agradou ao se arrumar para o baile, por mais que não estivesse com tanta vontade de ir. Observou o garoto que tocava guitarra ao lado da vocalista no palco cristalizado da formatura de 1977. O globo de luz pareceu apagar por um momento, diminuindo gradativamente a iluminação conforme a voz da cantora aumentava como uma sinfonia dos anjos.

 

Tell me that love isn't true

I dare you to understand

What makes me a woman

What makes me a woman

What makes me a woman

 

O corte que atravessava seu rosto parecia ser a coisa que Dorcas mais gostava de beijar quando se encontravam sob a iluminação apertada dos armários de vassouras, entre rondas, entre intervalos de aula, entre desculpas esfarrapadas, entre aulas perdidas com o único propósito de acidentalmente uma estar em um corredor vazio e acabar encontrando a outra...

Os olhos azuis fitaram Remy e Emmett na pista de dança, solitária ao lado da mesa de ponche.

Mas eu sou”, afirmou Dorcas, e os olhos... Os olhos... “Eu sou gay. Eu gosto de meninas. Eu gosto de você”.

Antes do fim da música, Remy pediu licença a Emmett, saindo do Salão Principal quase as pressas, indo para o quarto andar. Andou pelo corredor vazio ouvindo apenas seus saltos, aguardando, olhando para o armário de vassouras como se fosse um portal. A ansiedade estava prestes a devorá-la viva.

Sentou-se no chão, esperando, mas naquela noite não viu os olhos azuis novamente, só de relance, no dia seguinte, no embarque para casa.

Olhou para suas amigas na cabine, com sua garganta pulsando para chorar, e quis dizer:

Eu amo uma garota. Não me peçam para explicar. Já faz bastante tempo. Quero me despedir dela. Quero beijá-la uma última vez.

Mas, assim como todas as outras coisas, Remy guardou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Um mês da visi(bi)lidade atrasada, mas saiu.

Espero que gostem.



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