Cortina de Fumaça escrita por Lovelace


Capítulo 1
Capítulo Único




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Lembro quando, eu lembro, lembro quando perdi a cabeça.

Havia algo tão agradável naquele lugar

Até mesmo suas emoções tinham um eco

Em tanto espaço

 

E quando você saiu por aí, sem tomar cuidado

Sim, eu estava fora de alcance

Mas não foi porque eu não sabia o suficiente

Eu apenas sabia demais

 

Isso me faz louco?

Isso me faz louco?

Isso me faz louco?

Possivelmente

 

— Crazy, “Gnarls Barkley”.



Os acordes dolorosos da música faziam Gray tragar o cigarro o máximo de tempo que conseguia. Com essa desculpa, poderia fingir que seus olhos lacrimejantes eram devido a isso, e não pela forma patética que vinha se comportando desde que Juvia saíra pela porta da frente há exatos doze meses.

Tossiu um pouco, engasgado, com pulmões queimando em protesto, e colocou a mão no lado esquerdo do peito, cravando as unhas ali.

Ele tentou, ah como tentou, seguir em frente. Não era como se fosse a grande vítima da história para se sentir injustiçado. Sempre tinha sentido orgulho de não ser um hipócrita, então, oras, por que sentia vontade de arrancar o coração quando se torturava ao olhar as fotos dela sendo feliz com outra pessoa?

Era quase como estar preso em um limbo continuar naquele apartamento cheio de lembrança dela e dele. Juntos. Por isso, a sacada fria e, agora, sem flores, havia se tornado seu lugar favorito.

A cama lhe recordava dos toques carinhosos, dos dedos pequenos percorrendo todo seu corpo em uma lentidão lancinante, das bochechas coradas e dos olhos pesados em um misto sensual de vergonha e prazer. Ela já não tinha mais o cheiro de algodão-doce e nem era manchada de tinta azul desbotada. E já não suspendia aquela que entoava seu nome tremulamente ao apertar suas costas, que sempre acabavam machucadas. Não existia nada mais adorável do que escutar Juvia pedindo desculpas por isso.

A sala já não era preenchida pelos sussurros pedindo para que ficasse quieto enquanto o filme preferido dela passava pela enésima vez — Gray nunca tinha entendido por qual motivo ela era tão fascinada por Wall-e —,  e os sapatos dela já não jaziam espalhados pelo cômodo desorganizadamente.

A cozinha era vazia. Não existia nenhum rastro de comida nos armários ou na geladeira. As formas dos cookies que ela adorava fazer estavam empoeiradas, sendo retiradas de vez em quando, pois, em certas datas, colocava-as no balcão e fingia que estaria tudo igual ao chegar em casa.

O banheiro já não tinha aqueles bolos de cabelos que tanto detestava, e o azulejo brilhava, alvo. O balcão da pia era deprimente, com apenas o suporte para creme dental e a escova. Em nada lembrava o espaço abarrotado e confuso de outrora.

Entretanto, o pior era o Hall de entrada: os quadros deles em posições ridículas e constrangedoras sumiram. Ela os levou e, provavelmente, jogou-os no lixo depois de ter começado a namorar outra vez. Deveriam estar entulhados, tristes, olhando para o céu em saudosismo.

Gray não tinha nenhuma lembrança deles. Nem em rede sociais, nem no celular, nem em um álbum, nem em qualquer canto maldito. Talvez, isso explicasse tudo. Talvez, fosse por isso que ela tinha ido embora.

E, embora ela fosse rir de escárnio caso alguém contasse, ele quis se abrir com Juvia. Quis adorá-la da mesma forma que Gajeel adorava Levy, que Natsu adorava Lucy. O problema é que ela não entendeu que seu amor, mesmo não tão explícito, era tão forte quanto. Tão necessitado quanto. E o que poderia fazer quando sua voz já não era mais ouvida?

Deveria ter sido mais esforçado? Será que era o destino deles acabar assim? Essas questões remoíam em sua cabeça, fazendo a culpa e a raiva se enraizarem cada vez mais dentro de seu coração.

Gray, então, começou a fumar. Não porque sentisse apreço pelo ardor na garganta — embora tenha começado a gostar depois de um tempo —, e, sim, porque ela odiava esse vício. Nas poucas vezes que colocara um cigarro na boca enquanto estavam juntos, Juvia tinha tirado-o bruscamente de sua boca e lhe beijado com lascívia, proclamando que, toda vez que ele sentisse vontade de tragar algo, consumisse-a até o desejo passar.

Assim, imaginou que isso poderia fazê-la voltar. Quem sabe ao vê-lo pela rua casualmente com um cigarro na mão, não faria ela lhe dar um sermão, abrindo a brecha que precisava para consertar tudo? Era tolice, é claro. Mas que mente humana não o é?

E o tempo passou, e passou. E a cortina de fumaça pungente se tornou sua melhor amiga, consolando-o um pouco por tudo que havia perdido, por tudo que não havia dito. E foram tantas coisas, como o cabelo berrante dela, que deixava-a única, era sensacional. Como o vestido rodado branco, que ela comprara em pleno inverno, fazia com que parecesse uma deusa. Como a voz desafinada era incomparável, cheia de nuances que só ele conhecia.

E, porra, o sorriso dela. Ele era capaz de iluminar toda uma avenida, capaz de descongelar seu coração e de lhe desarmar como nada do mundo. A razão de sua alegria por muito tempo. E ele não disse isso uma única vez, como o cretino que era.

Gray tinha um desejo secreto desde então: dizer tudo isso, mesmo que ela já tivesse em outra, sem se importar com seu código de honra deturpado. Assim, ela iria entender que todos aqueles infinitos beijos não foram em vão.

O tempo estava cada vez mais frio, fazendo-o sair do devaneio constante. Seus músculos já estavam rígidos, protestando contra tamanha displicência e auto-sabotagem. Ainda assim, ele não parou. Continuou tragando até que seus olhos ficaram pesados demais para se importar com qualquer coisa.

Gray sonhou com Juvia, um sonho mais repleto de lembranças do que de delírios, afinal:

Ele, queria ser louco para chamá-la de volta à outrora. Ela, só estava esperando por ele.


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Notas finais do capítulo

♠ Oneshot betada pela incrível Shakya.



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