Engano

Bella bateu a porta do carro e limpou a garganta. Colocou a chave na ignição e ligou o motor, mas, antes de sair, acendeu a lâmpada amarelada do teto e viu a própria imagem no retrovisor: as gotas grossas de chuva a tinham atingido independentemente de sua tentativa de correr. Ela passou a mão pelos ombros, vendo o jeans azul da jaqueta se escurecer nos pontos atingidos pela chuva e estalou a língua. Ela jogou os longos cabelos para o lado e tirou a jaqueta molhada. A camiseta preta ainda estava seca e, apesar da calça preta justa estar ligeiramente molhada, ver-se livre da jaqueta a ajudou a se sentir mais confortável.

Enquanto colocava o carro em movimento na direção de seu apartamento, Bella pensava que devia ter saído mais cedo. Agora a chuva estava intensa, e, embora dirigir na chuva não fosse um problema, fazê-lo sob uma tempestade, durante a noite e depois de duas cervejas, nunca era uma boa combinação. Confiando em sua sobriedade e na grande possibilidade de não encontrar nenhuma viatura policial no caminho, ela percorreu as ruas abaixo da velocidade permitida, sendo o mais prudente possível.

Sim, ela devia ter saído mais cedo. Talvez nem devesse ter saído com as amigas depois do trabalho, mas Alice tinha insistido tanto... E, bem, seu repertório de desculpas ficava restrito em dias de pagamento e principalmente pelo fato de que a melhor amiga dela já sabia que ela não tinha compromisso algum.

Exceto com sua cama e seus seriados, é claro.

Não que Alice tenha acreditado nisso. Para ela, o motivo de Bella não querer sair de casa, especialmente em dias chuvosos como este, tinha a ver com o fato de que ela necessariamente estaria dispondo seu tempo com lembranças de um passado remoto. Quando no tocante àquele assunto, o repertório de Alice, inclusive, falava a respeito de Bella ter a necessidade de se mudar do apartamento onde vivia, pela quantidade de lembranças que ele trazia.

Era um exagero, é claro – ela pensou enquanto virava o carro para a esquerda, ligando os faróis altos por conta da escuridão da rua chuvosa. Ela não negava que em certos momentos ela se lembrava do tempo em que Jacob fez parte de sua vida, e que até sentia falta dele. Mas o apartamento pouco tinha a ver com isso, o problema estava nas lembranças que o cérebro dela guardava.

Alice precisava confiar mais nela. Bella era uma advogada de 27 anos, bem resolvida e que definitivamente não ficava vivendo de lembranças de um noivado que não deu certo. Hoje, mais do que nunca, ela sabia que as coisas com Jacob jamais funcionariam, de qualquer jeito, porque a personalidade de ambos era por demais conflitante.

Por mais que tenha demorado algum tempo para que ela percebesse, mas isso também não importava.

Bella deixou o carro em sua vaga na frente do prédio em que morava. Era o terceiro, da esquerda para a direita, entre os outros dez blocos de apenas dois andares, com um apartamento em cada, do condomínio. Morar no segundo andar pareceu ótimo e com mais cara de sossego à primeira vista, mas o problema estava no fato de que a escada vinha pela lateral do prédio e não era coberta.

A saída do carro e a subida das escadas resultou numa Bella com o cabelo úmido e com a bolsa de camurça caramelo ensopada. Gemendo de frustração, ela jogou as chaves na mesa ao lado da porta do apartamento ainda escuro, e abriu a bolsa para procurar o celular, torcendo para que a umidade não tivesse chegado ao aparelho e comprometido seu funcionamento. Ela suspirou de alivio quando sua digital foi reconhecida e o celular iluminou o escuro do apartamento, mostrando a notificação de uma mensagem não lida no WhatsApp.

Ela bloqueou o aparelho sem ler o conteúdo da mensagem, sabendo que se tratava de Alice reclamando que ela tinha ido embora cedo demais. Talvez falasse de algum amigo do namorado que havia chegado “de surpresa” no bar, ou de alguém que tinha chegado logo depois que ela saiu, e que seria um “ótimo par” para a noite.

Nada que a interessasse no momento.

Ela deixou o celular no móvel e se moveu no escuro até o corredor dos quartos. Acendeu a luz do corredor e deixou a porta do quarto aberta. A chuva lá fora aumentava ainda mais, e vez ou outra a luz de um relâmpago atravessava a janela e iluminava o chão de madeira enquanto Bella se despia e caminhava na direção do banheiro.

Um banho de banheira agora seria ótimo, mas não o ideal. Demoraria demais e sua fantasia no momento só envolvia uma cama quente, pijamas compridos e episódios de The Handmaid’s Tale sem fim; ela quase gemeu de satisfação ao se lembrar que hoje, sexta-feira, poderia ser o dia em que ela entraria madrugada a dentro assistindo a quantos episódios quisesse daquele seriado, coisa que ficou tentada a fazer na noite anterior, mas foi impedida pelo senso de responsabilidade que a lembrava que o último dia de trabalho da semana ainda a esperava. Esse pensamento a fez acelerar o banho, esfregando o corpo com pressa, enxaguando os cabelos rapidamente e até pulando o passo de secá-los com o secador. Quem se importava de ficar com cabelos amassados por terem secado contra o travesseiro quando seus planos para o fim de semana envolviam apenas as paredes de seu apartamento?

Já vestida com o pijama mais quente que possuía, Bella foi até a cozinha e preparou a sopa instantânea e a garrafa de água para acompanha-la madrugada a dentro. Arrastando os chinelos no chão, conferiu se a porta da frente estava trancada e pegou o celular na sala. Equilibrando tudo o que precisava nas mãos, partiu de volta para o quarto e fechou a porta, deixando-se no escuro das janelas e cortinas fechadas, no conforto das cobertas, com o calor trazido por elas, pelo aquecedor e pela sopa. O notebook apoiado na cama de casal a aguardava com o título da série em vermelho, e ela pegou o celular mais uma vez para ver que horas eram e colocá-lo para carregar na mesa de cabeceira.

E viu a notificação da mensagem.

Revirou os olhos. Se não respondesse, Alice poderia começar a fantasiar sobre acidentes na estrada e, em pouco tempo, viaturas policiais e ambulâncias estariam procurando uma Bella pela cidade. Ela colocou a cumbuca com a sopa no móvel ao seu lado e desbloqueou o celular para responder à amiga.

Entretanto, a mensagem não era de Alice.

Era de um número desconhecido.

Intrigada, Bella franziu levemente o cenho. Lambeu os lábios, sentindo o gosto do conservante da sopa instantânea, e limpou novamente a garganta, coçando o queixo levemente. Pensou em ignorar, mas a curiosidade já estava aqui. Então ela suspirou e clicou na notificação.

Desconhecido, 9:22 pm

Ei, Vic, como vai? Aqui é o Edward, salve meu número!

A mensagem veio acompanhada de um emoji que piscava um olho só. Claramente não era direcionada a ela, porque jamais ouvira falar de uma Vic ou de um Edward.

Bella, 9:57 pm

Olá, Edward, vou bem, mas acredito que você não vá ficar tanto quando descobrir que você se enganou com relação a este número... ou talvez Vic tenha te enganado.

Bella largou o celular na cama e se remexeu sob as cobertas, deitando-se confortavelmente. Tateou a cômoda ao seu lado em busca dos óculos e os colocou no rosto a tempo de clicar no play e o episódio finalmente começar.

Aquele era um seriado pesado, ela pensou no décimo minuto do episódio. Mais do que cenas com conteúdo adulto, elas tinham um teor de terror psicológico que era deveras assustador, mas não apenas pelo fato de ser o que eram, de retratar o que retratavam; o terror vinha do fato de que a série não estava assim tão longe da realidade. Parecia inimaginável que seu país fosse passar por aquele tipo de revolução, mas a cultura do ódio estava em todos os lugares. Era uma realidade em charge, exagerada... Mas ainda assim, próxima o suficiente para dar-lhe arrepios.

“Caramba, June...” ela falou para a personagem, que mais uma vez demonstrava a força e a loucura que Bella pensava que jamais teria.

Entretanto, June achava que não teria, também. Era tudo uma questão de necessidade.

Ela respirou fundo e soltou o ar pela boca, sentindo a emoção do episódio na boca de seu estômago. O que restava da sopa já estava frio, e já não a interessava. Bella colocou a cumbuca na mesa de cabeceira sem desviar os olhos do computador e tateou a cama até encontrar a garrafa de água que trouxera. Tomou dois longos goles e, ao colocá-la na cama novamente, sentiu que depositava o plástico maleável sobre um objeto duro. Olhou para a cama e viu o celular, que novamente tinha a notificação de novas mensagens.

Desconhecido, 10:01 pm

 Ah, qual é, Vic! Chega dessas piadinhas!

Desconhecido, 10:03 pm

A gente pode até brincar de novo esta noite. Sei que vacilei por não ter salvo seu número da outra vez, mas me desculpa vai...

Desconhecido, 10:04 pm

Aqui vai uma forcinha pra você me desculpar...

Desconhecido, 10:04 pm

Foto

Os olhos de Bella se arregalaram para o conteúdo da foto que vinha em anexo da última mensagem do tal Edward. A imagem mostrava seu torço desnudo a partir do umbigo, e uma calça de moletom cinza cobrindo o que definitivamente era o contorno de uma ereção.

A água que Bella tinha acabado de tomar de repente pareceu ter remanescentes em sua garganta, e ela começou a tossir descontroladamente. Ela pausou o episódio e concentrou-se na mensagem de resposta:

Bella, 10:15 pm

Olha, definitivamente não sou a Vic. Sinto muito pela sua frustração.

Não tinha mais o que dizer, certo? O que mais poderia vir no conteúdo dessa mensagem? Você tem um corpo legal, parece ser bem favorecido, mas sua mensagem foi extraviada? Posso ser a Vic se você quiser também?

Ela releu as mensagens enviadas pelo homem – Edward – mais três vezes antes de se ligar em conferir a foto de perfil dele no WhatsApp. Quer dizer, não que isso a interessasse de qualquer maneira, mas agora ela tinha visto mais do corpo dele do que jamais tinha pedido para fazê-lo, e dar um rosto a tudo aquilo era o de menos.

Mas a foto pouco ajudou. Quer dizer, dava para ver que ele era um cara bonito, mas seus olhos estavam cobertos por óculos escuros, e a imagem não era próxima o suficiente para mostrar mais de seus traços – ele estava sentado numa pedra, com os braços sobre os joelhos, com a imagem de um por do sol ao fundo e um sorriso alegre. Seus cabelos eram mais longos do que os dos homens que ela convivia no escritório e na vida, e eram balançados pelo vento que foi congelado pela fotografia.

Desconhecido, 10:17 pm

Ah, caramba! Você não é mesmo a Vic, é? Cara, me desculpa.

No lugar da foto enviada, agora havia os dizeres Esta mensagem foi apagada, e o homem continuava a digitar.

Desconhecido, 10:18 pm

Que péssima impressão, eu nem sei se você é mulher ou homem, porque a sua foto não aparece aqui. Me desculpa. Mesmo!

Bella quase riu. O desespero do homem era tão evidente, que ela chegou a sentir pena. Quer dizer, ela não conseguia imaginar o que sentiria se mandasse uma foto para alguém, com conteúdo íntimo, e acabar mandando para o número errado, de uma pessoa aleatória. Devia mesmo ser desesperador.

Bella, 10:19 pm

Não se preocupe, pelo menos eu sou mulher. Sinto muito pela Vic ter te enganado.

Desconhecido, 10:19 pm

Pelo menos isso!

Desconhecido, 10:20 pm

Estou muito envergonhado. Que impressão péssima eu te passei!

Desconhecido, 10:20 pm

Juro que não sou nenhum tarado ou coisa do tipo.

Bella gargalhou alto. A impressão que ele passou era realmente de alguém desinibido, mas talvez tarado não fosse a palavra certa. Quer dizer, existem tipos de conversas proporcionais a qualquer tipo de relacionamento, e ele pensou que o número fosse realmente o da tal Vic. Se o relacionamento deles envolvia aquele tipo de mensagens, então não era de todo ruim.

Exceto que ele nem tinha o número da mulher.

Bella, 10:22 pm

Não se preocupe com isso, não estou te julgando, hahaha.

Certa de que o homem pediria desculpas mais uma vez e a cômica conversa seria encerrada ali, Bella largou o celular na cama e voltou a se concentrar nas cenas do seriado à sua frente. Voltou dois ou três minutos quando notou que não entendia muito bem o que se passava e culpou a foto do homem por tê-la distraído.

Ela franziu o cenho quando outra cena forte apareceu na tela do computador. No universo retratado pela série, lugares comuns foram feitos de verdadeiros matadouros, e era horrível pensar nisso. A redação de um jornal, escritórios e até igrejas que não seguiam a linha radical dos revolucionários... Tudo podia ser palco para o show de horrores que os seres humanos eram capazes de aprontar.

Um arrepio cortou sua pele ao pensar naquilo, mas o som do celular vibrando contra as cobertas as despertou mais uma vez.

Desconhecido 10:23 pm

Ainda assim estou muito envergonhado. Me desculpe, estranha. Já apaguei a foto.

Desconhecido, 10:30 pm

Tem certeza que está tudo bem?

Desconhecido, 10:35 pm

Certo, acho que estou te incomodando. Novamente, me desculpe.

Desconhecido, 10:38 pm

Foto – Pra ver se melhora a impressão. Prometo que sou um cara legal.

Bella quase teve medo de abrir a foto enviada por ele, mas, ao fim do download, ela reconheceu apenas um rosto bonito. Muito bonito. Ele estava encostado na cabeceira da cama, contra um travesseiro branco. Os cabelos ainda bagunçados, e uma mão tampava metade do rosto, mas ainda assim exibia o olho esquerdo, verde intenso, e metade da boca, que era torcida num sorriso torto.

Ela mordeu o lábio inferior, observando a foto. Caramba, essa tal de Vic era mesmo uma sortuda.

Bella, 10:40 pm

Hahahahaha não se preocupe, apenas me distraí assistindo a THT. E acredito que você seja um cara legal.

Ela quis comentar sobre a foto, mas não estava certa do que dizer.

Desconhecido, 10:40 pm

THT? The Handmaid’s Tale? Você assiste também?

Estou tentando, ela pensou, olhando pra as cenas que ainda passavam na tela do computador.

Bella, 10:41 pm

Sim, estou quase terminando a segunda temporada.

Desconhecido, 10:41 pm

Cara, esse é um dos meus seriados favoritos! É impressionante como é próximo da realidade de um jeito cômico... e trágico.

Bella riu baixo, pensando que a mensagem do homem refletia seu pensamento recente. Acomodou-se na cama e digitou a resposta:

Bella, 10:42 pm

Era exatamente o que eu estava pensando.

Bella, 10:42 pm

Mas confesso que a June me irrita às vezes.

Desconhecido, 10:43 pm

A todo mundo, eu acho! São as enrolações (des)necessárias de todos os seriados do mundo!

Sábias palavras.

Bella, 10:43 pm

(Des)necessárias é a melhor definição para 40% das cenas da segunda temporada até agora.

Desconhecido, 10:44 pm

Exatamente! Hahahaha.

Desconhecido, 10:45 pm

Desculpa, vai soar meio babaca, mas é meio estranho conversar com você sem ver a sua foto (porque não aparece aqui para mim). Sinta-se à vontade para me ignorar a partir de agora, mas eu ficaria imensamente grato se você me adicionasse aos contatos só para ter uma ideia de como é o seu rosto.

Audacioso, certamente. Mas ela não podia negar que a conversa – por mais estranha que fosse – lhe divertia. Parecia justo, ao fim das contas, e era só a foto de perfil. Não faria mal algum.

Então ela procurou pela opção Adicionar aos contatos e salvou o número sob o nome Edward da Vic.

Bella, 10:50 pm

Eu deveria ter te ignorado desde o início da noite, mas consigo compreender sua curiosidade. Me diga se eu pareço com a Vic.

Ela clicou na própria foto de perfil, como se antecipasse o gesto do desconhecido. Era estranho saber que ele agora examinava sua foto para conhecer o seu rosto, e ela fazia o mesmo agora para pensar no que ele via. Era uma foto cortada, que tinha Alice em sua versão original. O rosto de Bella tinha um sorriso alegre e os cabelos caíam sobre os ombros, junto ao braço de Alice. Ao fundo, o escuro que mostrava que a foto tinha sido tirada à noite.

Edward da Vic, 10:52 pm

Fico imensamente grato!

Edward da Vic, 10:54 pm

Não, você não se parece nada com a Vic. Ouso dizer que estou agradecido que eu não tenha pegado o número certo.

Edward da Vic, 10:54

A Vic não gosta de THT, eu acho. E você é mais bonita.

Bella gargalhou pelo fato de a última frase ter sido tachada. Se virou na cama, sentindo o conforto de uma conversa inesperadamente divertida.

Bella, 10:54 pm

Obrigada, eu acho.

Edward da Vic, 10:55 pm

Não há de quê.

Edward da Vic, 10:55 pm

Nossa, só não me diga que a pessoa cortada da foto, que tem um braço ao redor do seu pescoço, é o seu namorado. Minha vergonha já estava passando, e vou voltar a ter certeza de que ele está ao seu lado, só catando informações para me matar logo, logo.

Bella franziu o cenho e riu dos absurdos da mensagem. O braço da foto era claramente feminino, visto sua finura e tamanho. Isso sem falar da mão de Alice, que aparecia com as unhas pintadas de vermelho.

Bella, 10:56 pm

Só se fosse uma namorada e eu fosse lésbica (não, não é o caso). Ou que eu tivesse um namorado gender fluid (nada contra, mas também não é o caso). Você não corre riscos.

Edward da Vic, 10:57 pm

Sua última mensagem foi repleta de boas notícias.

Edward da Vic, 10:57 pm

Mas sinto que sei várias coisas sobre você (sua aparência, seu gosto por THT e por Netflix and chill*, o fato de que você é solteira), mas não sei o seu nome.

N/A: Netflix and chill quer dizer Netflix e “relaxar”, mas, na língua inglesa, é uma gíria e uma espécie de código para sexo.

Os olhos de Bella se arregalaram antes que ela soltasse uma gargalhada, que coincidiu com o som alto de uma porta batendo na cena do seriado. Ela lançou os olhos rapidamente sobre a tela, mas June novamente confinada em seu quarto na mansão do comandante não prendeu sua atenção.

Bella, 10:59 pm

Pelo conteúdo das primeiras mensagens enviadas por engano, tenho certeza que você sabe muito bem o que “Netflix and chill” significa, e garanto que ainda não te dei pistas sobre esse meu lado. Talvez minha aparência tenha sugerido alguma coisa, embora sempre tive certeza que essa minha foto de perfil é super puritana.

Bella, 11:00 pm

E meu nome é Bella, a propósito.

Edward da Vic, 11:00 pm

Cacete, eu nunca vou conseguir melhorar a sua impressão a meu respeito!

Edward da Vic, 11:02 pm

Mil desculpas, Bella (que nome lindo! Combina com você), é claro que a sua foto não sugeriu nada. Eu realmente me referi ao fato de você gostar de assistir Netflix, e não à gíria que normalmente se aplica àquela frase.

Edward da Vic, 11:02 pm

Talvez isso não ajude nem um pouco, mas “ainda não me deu pistas”? Ainda? Hm...

Bella, 11:03 pm

Mas THT não está no catálogo da Netflix, então...

Bella, 11:03 pm

Hahaha, estou só brincando, não se preocupe. E, não, a sua última mensagem não te ajudou em nada.

Edward da Vic, 11:05 pm

Se eu não estou te incomodando, pelo menos não corro o risco de ser assassinado por um namorado qualquer. Me desculpe se fui desrespeitoso.

Bella, 11:05 pm

Não foi, não se preocupe.

Bella, 11:06 pm

Embora tenha me atrapalhado com o seriado, mas tudo bem, já desisti de ver.

Edward da Vic, 11:06 pm

Sem querer dar spoilers, mas você vai se decepcionar com a última cena dessa temporada. Me conta quando você assistir.

Bella olhou para o episódio que agora já estava quase no fim. Teria de assistir tudo novamente, mas se perguntou o que poderia acontecer de agora para a frente que a frustrasse. Quer dizer, June era o tipo de personagem que enchia Bella de nervos, mas isso não era novidade. O que poderia ser pior do que o que já tinha acontecido até agora? Estalando a língua, ela fechou a janela do navegador que exibia o episódio e desligou o computador, colocando-o no chão antes de se deitar na cama. Ajustou os óculos no rosto e virou-se de barriga para cima para digitar uma nova mensagem.

Bella, 11:08 pm

Isso também não me ajudou. Obrigada pelo aviso, de qualquer maneira.

Edward da Vic, 11:09 pm

Estou te atrapalhando?

Bella, 11:09 pm

Não, não estou mais assistindo à série.

Edward da Vic, 11:10 pm

Isso quer dizer que te atrapalhei ao ponto de te fazer desistir. Me desculpe.

Edward da Vic, 11:10 pm

Mas agora já foi, não é? Me mande ir pastar se eu te irritar demais.

Bella, 11:10 pm

Pode deixar.

Edward da Vic, 11:11 pm

Mas agora que já atrapalhei, me conta. O que você faz?

Bella, 11:12 pm

Sou advogada, trabalho numa negociadora. E você?

Edward da Vic, 11:12

Nossa, chique! Você vai trabalhar de salto alto?

Bella gargalhou.

Bella, 11:12 pm

Essa foi, de longe, a pergunta mais aleatória de toda essa conversa aleatória. Mas vou sim, na maior parte das vezes.

Edward da Vic, 11:13

Hahahaha! Foi mesmo aleatório, me desculpe (sinto que peço desculpas o tempo inteiro, me desculpe por isso). É que, quando penso em trabalho em escritório, penso em mulheres de salto.

Edward da Vic, 11:14 pm

Sou contador.

Bella, 11:14 pm

Seu pensamento faz sentido.

Bella, 11:15 pm

E pelo visto trabalha em escritórios também, então isso deve fazer parte do seu cotidiano.

Edward da Vic, 11:15 pm

Sim, o barulho do “toc toc” é constante na minha vida.

Bella, 11:16 pm

A Vic faz parte da turma do “toc toc”?

Edward da Vic, 11:16 pm

Não faço a menor ideia.

Bella bocejou. Lá fora a chuva ainda era constante, os trovões ainda soavam. Seus olhos se fecharam por pura comodidade, e ela de repente despertou com a vibração do celular.

Edward da Vic 11:25 pm

Te entediei o suficiente?

Bella, 11:26 pm

Não. Me desculpe, eu acabei dando um cochilo rápido.

Edward da Vic, 11:27 pm

Melhor você ir, se estiver com sono. Podemos continuar esta conversa aleatória amanhã. Te conto mais sobre a última cena da temporada de THT.

Bella, 11:27 pm

Não se você realmente quiser continuar esta conversa. Boa noite, Edward da Vic.

Edward da Vic, 11:28 pm

Boa noite, Bella. E vou gostar mais se você me chamar só de Edward.

Edward da Vic, 11:30 pm

Foto – Boa noite!

Ela sorriu com a imagem do homem que piscava um olho só, sorria abertamente e tinha os ombros cobertos por uma fina camisa de algodão branca. Ajustou os óculos no rosto, abriu o próprio aplicativo da câmera e angulou-se da melhor forma possível, sorrindo preguiçosamente para a câmera, deixando até o pescoço coberto pelo edredom.

Bella, 11:33 pm

Foto – Boa noite, Edward (que não é da Vic).

Edward da Vic, 11:32 pm

Ah, caramba! Obrigado por ter me dado o telefone errado, Vic. Boa noite, (linda) Bella!

Mas Bella só se deixou fechar os olhos e dormir com um afago no peito depois de modificar o nome do contato do homem com quem passou a última hora conversando. Ele disse que não era da Vic, e quem era Vic?

Ele era só o Edward. E o restante, ela estava (surpreendentemente) pronta para descobrir.

 Parte 2: Acerto