pureza - trigésimo sétimo capítulo

uma casa de estrelas, por lyn black

Cissy passa o batom nos lábios rosados de Andrômeda, cuidando para não tensionar a mão e borrar. Andie fecha os olhos levemente, e a irmã admira os cílios longos e as sobrancelhas cheias de Andrômeda, e traça a linha do seu nariz com um pouco de pó. Andrômeda usa um vestido esverdeado de veludo, e recosta o corpo na cadeira acolchoada da penteadeira, os ombros relaxados. Ela tem uma postura ainda dura, remanescente dos anos de aula de etiqueta, mas o perfume de Narcisa parece a acalmar.

Quando Cissy termina a pintura em sua face, murmurando uma canção bruxa, Andrômeda olha nos olhos azuis da mais nova. Com seus cabelos loiros e seus gestos delicados, ela consegue enxergar uma meticulosidade assustadora em Cissy, quase como se entranhada nela. Andie sabe, porém, que ambas são frutos dos moldes de diamante da família. 

 — Você e a Goyle não são mais amigas?  — pergunta Narcisa, sondando Andie.

A de dezesseis anos limpa a garganta, e tira um fio de cabelo que teima em cair por sobre seus olhos acinzentados.

 — Só colegas  — conta, num tom baixo, deixando com que Cissy finalize o trabalho em seus olhos  —, Goyle não morre de amores por mim  — complementa em um murmúrio.  

A loira, no auge de seus recém-completos treze anos, torce o lábio. 

 — De fato. A irmã mais nova dela, do segundo ano, não parava de falar que você roubou o namorado da irmã mais velha  — comenta Cissy, segurando o rosto de Andrômeda para aplicar a sombra. 

Elas se arrumam para a festa de aniversário da Goyle, aliás. Revirando os olhos, Andie afasta o rosto das mãos da menina. 

 — Vocês não tem mais nada para falar?  — questiona, um tanto impaciente.

Cissy dá um risinho e afasta-se do rosto da Black, verificando se há algum detalhe a ser aperfeiçoado na maquiagem. 

 — É verdade, então, sobre Thomas Selwyn? Você pode falar com papai para alterar o contrato de matrimônio, você sa—.

 — Thomas é um amigo, Narcisa  — corta Andrômeda, sua voz sempre pontuada ficando mais ácida do que o normal. 

Cissy apenas dá de ombros. 

 — Um amigo bonito. Mais bonito do que o Rabastan, o seu prometido. 

Andrômeda não responde a mais nova, incerta sobre o quão transparente era para a irmã e olhou-se no espelho. Está elegante o suficiente para a festa de aniversário da Goyle, nota, perfeita para posar com Cissy e representar a família ao lado dos pais. Não fora chamada por amizade, mas por status. Tudo aquilo não caí bem no seu estômago, não mais. Contente, entretanto, com sua imagem, Andie levanta-se e aponta para onde antes estava sentada.

 — Vem, vou ajeitar seus cabelos. 

Com mãos habilidosas e cuidadosas, ela passa a trançar os longos cabelos de Narcisa, em silêncio. Assim ficam, então, num estado de quase dormência, finalizando a arrumação, sem muito conversarem. Bella, aliás, não está presente, o que remexe na sua dinâmica. A mais velha está sabe-se lá onde, em seus "estudos mágicos profundos", os quais não eram da conta das irmãs, deixara claro antes de partir. Cissy é tão nova, repara Andrômeda.

Quando ambas estão finalmente prontas, Cissy adianta-se até a porta, mas sua mão enfeitada por anéis dourados para sobre a maçaneta e ela vagarosamente levanta-a, e retrocede alguns passos, ainda de costas. Sua pele alva contrasta com o vestido roxo com detalhes pratas e Narcisa engole em seco. 

 — Não escutei apenas sobre você e Thomas, 'Drômeda  — confessa com voz baixa. Ela vira seu rosto adolescente para a luz, e mira Andrômeda com certo receio  — Ouvi boatos muito piores sobre você e aquele sangue-ruim da Hufflepuff, o Tonks. 

A jovem de cabelos escuros estagna em meio as suas passadas, mas mantem a pose. Abre um pequeno sorriso.

 — Hogwarts fica mais criativa a cada dia que passa, querida  — diz sustentando um tom calmo, quase irônico  —, não dê ouvidos para essas coisas. 

Ela tenta andar até a porta, mas Cissy, já na mesma altura da irmã, impede a sua passagem. 

 — Quem fala de você não terá piedade se o pior acontecer, Andrômeda, é melhor acabar com essas fofocas  — aconselha num tom que mistura preocupação e ameaça.

Quem fala dela são paredes, são pessoas e são os integrantes da sua própria constelação familiar. Uma risada um tanto estridente saí da sua boca, tornando-a mais parecida do que nunca com uma estrela. 

 — A segunda maldição imperdoável está sempre a disposição para calar as bocas indesejadas, não é o que Bella diz?  — sussurra e pousa a mão no pulso de Narcisa, que a olha levemente assustada. 

 — Você não seria capaz  — desdenha Cissy e o seu queixo empinado treme levemente. 

 — Tonjours pur, Cissy, tounjours pur, você se esqueceu do nosso brasão? 

Cissy cruza os braços.

 — Nunca se envolver com sangues-ruins e traidores de sangue. 

Andie aproxima o rosto de Cissy, notando como elas destoavam. Onde estava Bella para equilibrar uma galáxia e uma flor egocêntricas? 

 — Nunca sujar as mãos de sangue. Tonjours pur, Narcisa, sempre pura.  

Cissy mantem-se quieta quando Andrômeda a empurra gentilmente para o lado e desce. Logo a voz de seu pai conversando com a garota alcança seus ouvidos. Parece, ao seu ver, que Andie está tão comprometida com a família quanto elas foram ensinadas a estar. Narcisa pensa em como pode pedir um favor para, de fato, calarem os rumores sobre a pureza dos Black.

Enquanto a outra desce as longas escadas negras, entretanto, parece que a mente da irmã do meio está em outra dimensão. Pureza, no seu dicionário, envolvia seu corpo pressionado contra o de Teddy Tonks sussurrando as palavras mais sagradas que existem na bruxaria, e não sangue mágico.

Talvez, ela pensa risonha, um dia Cissy descubra que os feitiços de amor são muito mais explosivos do que os de sangue mas, por enquanto, Andrômeda Black beija a bochecha de sua mãe e vai rodopiar em mais um baile onde só há o profano sendo cultuado.