Genderswap escrita por Ero Hime


Capítulo 1
A rejeição


Notas iniciais do capítulo

Achou que eu ia me concentrar nas fics que eu já comecei e não ia postar outra? Achou errado, otário!
Aqui estou eu, sem um pingo de vergonha na cara, postando outra história, como se eu já não tivesse o que fazer. Esse plot simplesmente me surgiu e eu TIVE que fazer. Vai ser um novo desafio, porque:
1. Em nove anos, NUNCA escrevi sobre o universo ninja! Todas minhas histórias sempre se trataram de universos alternativos, e, mesmo que eu não vá utilizar muitos elementos, ainda assim vai ser difícil para mim.
2. Desenvolvi em um novo formato que sempre quis tentar (e que a Bruna sabe muito mais que eu como fazer, claro). Espero que fique bom!
A história vai ser ambientada meio que depois da saga Pain, mas não necessariamente com toda a linha temporal (por exemplo, o Jiraya não está morto e a Kurama já vai ser mais amigável), só quis ambientar nesse momento pela conveniência.
Eu também não sou boa com comédia, mas vou me esforçar para deixar legal. Espero que gostem e fiquem tão animados quanto eu!
Boa leitura, e não esqueçam de dar uma olhadinha nas minhas outras fics, Quimera e Heroína!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/765058/chapter/1

Capítulo I

Pior que o abandono e a rejeição, só a cegueira do coração.

 

 

 

Eu sinto muito, Hinata.

Hinata suspirou, pelo que parecia ser a terceira ou quarta. “Não suspire à mesa”, ralhou o patriarca da família principal, fitando a garota com severidade. Ela aprumou a postura, baixando os olhos para sua tigela e prostrando as mãos sob o colo, envergada. “Desculpe-me, meu pai”, retrucou com a voz baixa, emitindo o mínimo de ruídos possível. Ao seu lado, a irmã mais nova a olhava com curiosidade, os olhos sagazes analisando o aspecto diferente de seu rosto. Hinata esperava que a água fria tivesse desinchado seu rosto, mas não podia fazer muita coisa quanto à sua aura cabisbaixa. Por dois dias, tudo que fizera foi remoer as próprias lembranças, revendo-as como um filme velho.

Ela podia descrever com perfeição os traços de seu rosto, mesmo estando à meia-luz. Não era a feição que ela gostaria de ver, todavia. Ele estava inquieto, parecendo culpado, e coçava a cabeça mais vezes do que podia contar. Usava o casaco laranja aberto, deixando a malha à mostra, o que a fazia pensar se ele ficara esperando-a passar naquele trecho da rua, mesmo tão tarde da noite. Não havia mais ninjas, tampouco transeuntes cambaleando pelas vielas, o que tornara a conversa mais fácil de ser tida – de qualquer maneira, não haveria jeito de amenizar aquelas palavras.

Você é uma garota legal, mas eu preciso me concentrar no meu treinamento.

“Com licença, estou satisfeita”, resmungou, afastando o prato intocado de sopa. Hiashi sequer levantou os olhos, mas Hanabi a fitou preocupada, sem dizer nada. Hinata levantou-se, sacudindo as vestes de dormir e desviando um cumprimento discreto para o acompanhante que esperava no fusuma. Saiu pelos jardins, caminhando entre os longos corredores cobertos de shoji em cores neutras, tornando a paisagem absurdamente apática. Nunca concordou realmente em manter a estrutura tradicional da residência principal, mas, assim como o líder, parecia combinar bem a tradicionalidade. Arrastou seus pés pelas escadas até alcançar seu quarto, agradecendo, mentalmente distraída, por ter escolhido o cômodo com janela, que, por menor que fosse, sempre a consolava exibindo as sombras da cerejeira plantada nos fundos da propriedade.

Iluminada pela lua, Hinata ajoelhou-se, deitando sobre os travesseiros nada confortáveis. Sentia o estômago embrulhado, e a constante sensação de enjoo deixava-a incomodada. Era mais fácil de suportar, agora. Na primeira noite, logo depois que chegou em casa, chorou tanto que ficou sem ar, ofegando entre soluços e tentando desesperadamente controlar a si mesma. Seus olhos queimavam e todo seu corpo tremulava, tão ruidosamente que Hanabi veio do outro cômodo em um disparo, vendo se ela estava sendo atacada. Na noite seguinte, tampouco conseguira dormir, pregando os olhos no teto e repassando cada palavra, martirizando-se. Em meio à tristeza e à humilhação, passou pelos vários estágios da aceitação de mudanças drásticas.

Negação. Isso está mesmo acontecendo? Pode ser um sonho. Um pesadelo. Não seria o primeiro que tenho.

Raiva. Os punhos cerrados faziam suas unhas machucarem as palmas, e o Byakugan ativou-se sozinho, saltando e enxergando apenas o vermelho. Durou menos do que ela gostaria.

Negociação. Eu não preciso tê-lo por inteiro – por favor, eu não me importo. Apenas me deixe tê-lo.

Depressão. Parecia nunca terminar. Era um oceano, profundo e escuro, e afundava, afundava, debatendo-se a procura de ar.

Hinata estava pronta para a aceitação. De fato, era algo com que procurava lidar desde o começo, porque, de alguma maneira, era o único caminho que lhe permitia trilhar. Não era culpa de ninguém – embora tivesse tendências suspeitas a atribuir a responsabilidade para si mesma –. Ele não tinha a obrigação de retribuir quaisquer sentimentos seus. Então por que ele me deixou ter esperanças? Depois que a vila foi devidamente reconstruída e os recursos básicos foram enviados de outras vilas, a Godaime se responsabilizou pessoalmente em tratar todos os ninjas gravemente feridos em batalha, mantendo-os em observando no hospital de Konoha até que estivessem estáveis o suficiente para serem transferidos de acordo com suas necessidades. Hinata permaneceu longos dias em tratamento, tendo membros, músculos e ossos reconstituídos a muito custo. Foi doloroso, mas ela não tinha forças sequer para gritar. Conforme a agonia diminuía e recobrava a consciência, ficou mais fácil interagir com os ninjas médicos e os demais pacientes, para se distrair. Foi em um de seus passeios pelo corredor que ela o encontrou.

Ele não estava em trajes hospitalares, tampouco machucado. Parecia estar visitando a Godaime, e se esbarraram próximo aos jardins. Obviamente, Hinata não foi capaz de formular uma frase inteira sem gaguejar ou tingir o próprio rosto de vermelho, mas, quando ele sorriu aquele sorriso despreocupado, ela não pode deixar de pensar que as coisas poderiam ser diferentes. Ele a acompanhou durante todo o percurso, e voltou no dia seguinte, e no dia depois daquele. Sempre com o mesmo sorriso brilhante e os olhos serenos, e Hinata sentia que podia se apaixonar novamente. Ela estava confiante e talvez – apenas talvez – toda a humilhação pela qual passara valesse a pena.

“Eu sou muito idiota”, resmungou para si mesma, virando o corpo para o outro lado.

“É mesmo”, ouviu da porta, e sentou-se com rapidez, fuzilando a pequena silhueta que entrava em seu quarto sem permissão. Na penumbra, Hinata poderia pensar que estava olhando para uma versão mais nova de si mesma, mas ela jamais conseguiria ter aquela atitude altiva, nem em seus maiores sonhos. “Falando sozinha de novo, onee?”.

“Calada, Hana”, fungou, apoiando a cabeça contra a parede firme e arrumando a barra do quimono largo. A irmã sentou-se à sua frente, cruzando as pernas como uma peralta. Apoiou a cabeça contra as mãos, observando-a atentamente. Por vezes, Hinata se sentia desconfortável com a intensidade dos olhos iguais aos seus. Hanabi era uma legítima Hyuuga – forte, destemida, imposta, corajosa. Nada como a irmã mais velha e, certamente, nada como o verdadeiro herdeiro do clã, seu primo. “Eu me sinto tão cansada, mas não consigo dormir”, confidenciou, abraçando os joelhos e deixando-se murchar. Novamente, como esperado, Hanabi apenas revirou os olhos, deixando que a luz do pequeno candelabro no canto do quarto iluminasse sua expressão reprovadora.

“Eu não aguento mais você se lamuriando por causa daquele loiro imperativo!”, exclamou, indelicada, mas Hinata não se ofendeu. Aquele era apenas o jeito da irmã mostrar que estava preocupada. “Esquece ele, onee. Já faz dois dias, eu não aguento mais te ver desse jeito. Ele te deu um pé na bunda, e daí? Dá a volta cima!”.

“Hana!”, Hinata brandou, injuriada. Odiava admitir que estava errada, principalmente para a irmã, contudo era óbvio que não poderia continuar lamentando a si mesma para sempre. Começara a sentir seu chakra diminuir, estava constantemente choramingando e sentindo tremores inconvenientes. Sua mente lhe pregava peças a todo momento, trazendo a tona a careta incômoda que ele fizera naquela noite, e como não combinava com seus traços harmônicos. Era como viver um pesadelo repetidas vezes. “Não é tão fácil quanto falar”, resmungou, recebendo um novo olhar fuzilante da mais nova.

“Eu não entendo por que você está tão sentida com isso”, ela suspirou, por fim, afastando uma mecha do rosto. “Você mesma disse que ele não te dispensou totalmente, que ele foi até legal”, ergueu uma elegante sobrancelha como quem sabia que estava certa mais uma vez. Hinata limitou-se a grunhir, brincando com os dedos, procurando não reavivar aquelas palavras novamente.

“Não tem mais volta, de qualquer maneira”, lamuriou, “Preciso seguir em frente, me ocupar com as porcarias do papai”, Hanabi gostava de ver reações enraivecidas da irmã, então levantou-se, satisfeita, sacudindo a própria roupa.

“A reunião é semana que vem, quem sabe você não conhece um líder bonitão e esquece o idiota?”, zombou antes de sair, rindo. Hinata lhe deu a língua, se permitindo sorrir um pouco enquanto voltava a se deitar, sozinha, pensando nas palavras da menor. Desde o acontecido ela vinha tentando lhe animar com seu jeito indelicado, fazendo provocações, que não deixavam de ser verdadeiras.

Hinata suspirou, como uma velha. Esquecer Naruto? Parecia impossível.

Desde que se entendia por ninja, ela nutria aqueles sentimentos pelo nove-caudas. Tal qual todas as crianças da vila daquela geração, também foi instruída a permanecer longe do garotinho loiro que passava horas balançando-se sozinho. Hinata não entendia porque não podia falar com aquele garoto – ele parecia inofensivo, e até mesmo fofo. Ainda assim, suas primeiras motivações a faziam pensar que nenhuma criança deveria brincar solitária daquela maneira. Com o decorrer dos anos, parecia inevitável que aquele afeto não evoluísse para um incisivo sentimento de admiração, e, naturalmente, para uma paixonite. Ele estava sempre ali, chamando atenção, destacando-se por suas habilidades nada admiráveis, mas, sobretudo, por sua perseverança e teimosia. Ele estava sempre ali, e, assim, também Hinata estava. Observando-o à sombra, incapaz de se aproximar sem demonstrar sinais preocupantes de uma síncope. Eram apenas crianças, mas ele já passara por tanta coisa, que os problemas dela pareciam simplesmente insignificantes.

Hinata não conseguia imaginar uma versão de si mesma que não amasse Naruto desesperadamente – no entanto, teria que se acostumar com a ideia. Ele a havia rejeitado, de um jeito amável, mas havia. Ela entendia seus pretextos, completamente. Era seu sonho, afinal. Não tinha o que pudesse fazer, além de se deitar e permanecer lamentando, sem saber como consertar um coração partido.

 

Do outro lado da cidade, também havia uma pessoa revirando-se na cama, incapaz de adormecer. Usualmente, Naruto não tinha dificuldade para dormir, sobretudo depois de um dia árduo de treinamento e trabalho com a velha Tsunade. Porém, nos últimos dias, não conseguia dormir devidamente, passando o dia cansado e improdutivo. Não sabia o que estava acontecendo – seus músculos queimavam e imploravam por descanso, mas sua mente não desligava, trabalhando incessantemente em pensamentos que ele não compreendia.

Ele sabia que não era a pessoa mais inteligente que existia – mas deveria ser capaz de entender a própria cabeça –. Não era o que estava acontecendo. Aquela era a segunda noite que mal conseguia pregar os olhos, ficando a ouvir o tiquetaquear irritante do relógio pendurado na parede, pingando cada segundo como se zombasse dele. Virou-se, desta vez de barriga para baixo, resmungando contra o travesseiro, enquanto tudo que seus olhos alcançavam era a louça suja em cima da mesa. Mordiscou a fronha, frustrado. Por algum motivo, insistia em continuar pensando em Hinata – aquilo nunca tinha acontecido, sequer com Sakura, por quem nutria uma doentia, porém infantil, queda –.

Alguma coisa em sua expressão não deixava que ele parasse de pensar naquela noite. Seus olhos eram impassíveis, sustentando sua visão, mesmo que seu rosto queimasse em brasa por inteiro. Foram poucas as vezes que Naruto pudera fitá-la tão diretamente – na maioria das vezes, ela permanecia com a cabeça baixa, sem encará-lo –. Estar tão perto permitia que ele enxergasse traços que não tinha se dado conta antes. Parando para pensar, seu rosto era realmente suave, doce. Mesmo com aparente vergonha, e torcendo os dedos sem parar, ela não o olhou com raiva ou mágoa. Escutou tudo que ele dizia assentindo minimamente, e se despediu de forma educada, desaparecendo na escuridão da vila. Naruto esperava uma reação mais energética – estava preparado até mesmo para ser nocauteado –, mas a passividade, surpreendentemente, o tinha incomodado mais.

Como qualquer pessoa normal, não estava preparado para receber uma declaração tão explícita de amor, mas foi com isso que teve de lidar – bem, isso e o resto da destruição de Konoha –. Apenas não fazia o perfil de Hinata fazer uma cena, mas ele admitia que seu encorajamento era justificável. Ele não ficara enfurecido – surpreso, talvez, e definitivamente sem reação, mas quem conseguiria ficar bravo quando uma garota como ela se declarava?

Naruto não era cego. Hinata era muito bonita, e especialmente incrível. Sua personalidade era altruísta, quase abnegada, e ele sabia o quanto sofria com a pressão do próprio clã. Mesmo assim, nunca deixou de tratar as pessoas com delicadeza e afetuosidade. Ela estava ali, incentivando-o, mesmo não sendo do mesmo time, e sequer amigos. Era uma garota esquisita, de um jeito bom.

Ele conseguia se imaginar junto de uma mulher como Hinata.

Mas, então, quando parou para pensar verdadeiramente no assunto, chegou à conclusão mais clara – ele não entendia nada sobre sentimentos. Naruto não cresceu cercado de amor e carinho familiar, ou de quaisquer outros exemplos de afeto. De fato, ele tampouco cultivou rancor. Tudo que queria era ser aceito e reconhecido, e pessoas especiais em sua vida o fizeram. Todavia, era mais fácil lidar com a subestimação do que com expectativas. Se, porventura, ele aceitasse os sentimentos de Hinata e iniciassem um relacionamento, ele não saberia como agir, e a magoaria em algum momento. Considerava muito a garota para isso, e optou pelo que seria a opção mais fácil e mais sensata – da maneira mais gentil que encontrou, disse que precisava se concentrar em seu treinamento, o que também não era mentira. Seria melhor daquele jeito.

Então por que não conseguia dormir?

Grunhiu, irritado, voltando-se para cima e cruzando os braços, encarando as manchas de mofo no teto de seu velho apartamento. Estava silencioso demais, e seus pensamentos o importunavam. Havia algo em como ela o olhou, ele não sabia o que era – mas havia, e aquilo o estava incomodando. Preferia que Hinata o tivesse encarado com zanga, rancor, mágoa. Aquela expressão complacente apenas não parecia certa.

Entre as três e quatro horas da madrugada, finalmente conseguiu pegar no sono, exausto demais para pensar, e o tempo passou rápido demais, porque, quando acordou, o sol já atingia a altura de seus olhos, o que significava que ele estava atrasado.

Levantou-se em um raio, vestindo-se com uma mão e escovando os dentes com a outra. Não se deu ao trabalho de arrumar o cabelo, saindo sem tomar café da manhã, o que, certamente, o atingiria mais tarde. Correu pelos telhados de Konoha, desviando de fios e gatos, coçando os olhos cansados, preparando-se psicologicamente para mais uma bronca da velha. Chegou ao prédio do Hokage em tempo recorde, entrando pelas janelas sem se importar em ser anunciado. Tsunade já estava em sua mesa, lendo uma pilha de relatórios, e, assustada, derrubou o líquido de sua xícara. Naruto se levantou, arfante, enquanto a mulher o fitava furiosa.

“Você está louco, moleque? Quer morrer?”, ralhou, limpando a bagunça, e Naruto fez uma careta, ajeitando a bandana na testa. “Olha essa bagunça, moleque desgraçado”, resmungou sozinha, “Você está atrasado”, acusou, fuzilando-o, e o loiro encolheu-se, com sua melhor cara de arrependido.

“Desculpa, vovó, eu acordei atrasado”, justificou, coçando a nuca enquanto a mais velha bufava. “E parece não dormiu nada, seu rosto está péssimo”, Tsunade comentou, apontando para as olheiras visíveis sob os olhos azuis, e Naruto assentiu, suspirando. “Bom, esqueça isso”, ela continuou, “Não vou te mandar em missão hoje”.

“Mas, vovó...”

“Cale a boca!”, ela o interrompeu antes que escutasse suas lamentações, e Naruto fez um bico. Tsunade revirou os olhos. “Você vai me acompanhar hoje, precisa decorar os documentos da reunião de semana que vem”.

“Ah, eu odeio trabalho de escritório!”, lamuriou, insatisfeito.

“E quer ser Hokage como, idiota?”, Tsunade retrucou, vendo-o fazer uma careta, “Precisa se acostumar a ler relatórios e parar de sair pulando por aí como um imbecil”. Naruto não se importava mais com a franqueza rude da Godaime, acostumado com a rabugice e, resignado, puxou uma cadeira e soltou o peso do corpo do lado da mulher, chorando internamente por não poder estar na ativa com seus amigos.

“Mas depois você vai me treinar, não vai?”, não desistiu, perguntando com os olhos brilhando, e a loira suspirou, não deixando que ele visse seu sorriso. “Vou pensar no seu caso, idiota. Agora leia”, ordenou, empurrando uma pasta cheia de informações sobre os líderes que se reuniriam em Konoha para uma importante assembleia diplomática que há muito não acontecia. Todos os clãs importantes participariam, e seria preciso diplomacia para representar todos sem que nada desse errado, trabalho este incumbido à Hokage.

Durante toda a manhã, Naruto e Tsunade permaneceram em silêncio, fazendo anotações sobre os chefes, mesmo que o Uzumaki estivesse absorvendo menos informações que deveria. Sua hiperatividade não o deixava se concentrar sentado, e cogitou criar um bushin para fazer o trabalho sujo enquanto ia treinar – mas a velha certamente perceberia –. Concomitante ao sono e aos acontecimentos, não conseguia ler mais de uma página sem suspirar.

“Tudo bem, já chega. O que está acontecendo com você hoje?”, Tsunade finalmente o interrompeu, depois de algum tempo, e Naruto se virou, envergonhado de contar.

“Eu...”

“Com licença, Tsunade-sama”, Shizune entrou com Tonton em seus braços, “Hiashi-sama está aqui para falar com a senhora”.

“Mande-o entrar”, a mulher ordenou, assumindo um tom de voz imponente, e Naruto encolheu-se, pretendendo ficar invisível. Não gostava do patriarca dos Hyuuga. Ele entrou com altivez, os ombros para trás e o manto com o símbolo do clã arrastando atrás de si. Seus olhos eram severos e julgadores, e o rosto, repuxado por rugas de uma expressão de quem não sorria há muito tempo. Distraído, Naruto pensou em como Hinata era tão diferente do pai.

“Hokage-sama”, o homem se curvou minimamente, cumprimentando-o, voltando-se para Naruto por um segundo, o suficiente para arrepiar sua coluna e fazê-lo eriçar. “Vim para saber sobre as atualizações da reunião. Como sabe, é importante para nosso clã”, falava polidamente, mas havia algo nele que fazia os instintos de Naruto apitarem.

“Sim, sei que o clã Hyuuga precisa reestabelecer os laços com os líderes vizinhos”, Tsunade ressaltou, altiva, “Acabo de receber um pergaminho confirmando as nossas informações atuais. Aparentemente nenhum outro líder foi adicionado, continuamos com a formação atual. Iremos nos encontrar aqui, na sala de conferências, em quatro dias”, atualizou, e o homem assentiu, sem expressar maiores reações.

“Agradeço, Hokage-sama”, estava prestes a sair, mas voltou, desviando o rosto para Naruto por mais tempo que consideraria normal, e o loiro arrepiou-se. “Ele estará presente?”, perguntou, não dizendo nomes, mas o loiro sentiu-se pessoalmente ofendido. Tsunade suspirou disfarçadamente antes de responder o mais neutra possível.

“Sim, Naruto estará presente”, frisou o nome, “Os líderes requisitaram a presença dele, assim como a de um representante herdeiro de cada clã. Creio que o senhor levará Hinata também”, apontou, e Naruto sentiu o estômago dar uma volta incômoda.

“Infelizmente”. Naruto não gostou da maneira que a boca dele se fechou em uma careta desgostosa, e quis levantar para defender a garota. Não concordava com a maneira estúpida que o próprio pai a tratava, mas, antes que pudesse fazer alguma coisa, Tsunade o impediu com um olhar cauteloso, voltando-se para o homem sem interromper. “Era apenas isto, Hokage-sama. Aprecio o seu tempo”, curvou-se novamente e saiu da sala. Era como se a atmosfera se livrasse de uma massa negra e, quando ele fechou a porta, Naruto soltou a respiração pesadamente.

“Eu não gosto dele”, Naruto resmungou, apoiando a cabeça com as mãos. “Você deveria pensar antes de fazer inimigos como Hiashi”, aconselhou Tsunade, em contrapartida. O garoto a fitou, sem entender. “Querendo ou não, ele é um homem influente em Konoha. Parte do trabalho de Hokage é ter um bom relacionamento mesmo com as piores pessoas”. Naruto não estava acostumado com as vezes que Tsunade assumia uma postura séria, aconselhando-o. Apenas assentiu, aceitando a recomendação e voltando para seu trabalho maçante de ler relatórios, mas já com a cabeça longe.

Hinata também estaria na reunião. Seria difícil se concentrar, o clima entre os dois seria péssimo. Não saberia que cara fazer para encará-la depois de dispensá-la, mas, para o bem da vila, teria de engolir seu embaraço e permanecer neutro. Era hora de seguir em frente.

Já havia anoitecido quando Tsunade o liberou de seu escritório, e sua mente já estava arruinada a essa altura. Não aguentava mais ver nomes e dados na sua frente, e conseguiria recitar até mesmo o segundo nome dos conselheiros. A velha, pelo menos, parecia satisfeita com seu empenho, porque prometeu treiná-lo no dia seguinte. Aquilo o motivara, e, animado, iniciou uma caminhada para casa. A rua principal estava quase deserta, com o comércio fechado e a maioria dos civis voltando para suas residências. O céu estava pintada de azul-escuro, mesmo com pouca hora, e algumas estrelas despontavam. Não fazia frio como nas noites anteriores, apenas de um assovio desconfortável passar por seu ouvido.

Andava distraído com as mãos no pescoço, observando os prédios serem reconstruídos, quando uma segunda pessoa chamou sua atenção. O destino, como um bom cretino, colocou-se frente a frente de novo. Naruto parou, deixando as mãos caírem, sentindo-se tímido. Hinata também o olhou, desviando em seguida, corada. Usava suas roupas casuais de treino, e o garoto anotou que lilás era realmente sua cor. Nenhum dos dois andou, e uma corrente elétrica impelia-os.

“Hinata...”, começou, mas a garota baixou o rosto, fazendo menção de passar pelo outro lado da calçada, com as mãos juntas segurando uma sacola. A garota estava voltando da loja de conveniência, onde comprara um pouco de gyoza, e, mesmo voltando quase perto do jantar, era óbvio que tinha que se encontrar com ele. Todos os sentimentos reprimidos dentro de seu peito se remexiam, lembrando-a das palavras que não tinham saído da sua cabeça ainda. Não conseguia encará-lo. Não podia.

No entanto, uma forte ventania começou, chacoalhando as árvores e fazendo barulho nas calhas soltas. Naruto olhou em volta, alarmado para um possível jutsu, mas não enxergou ninguém. Hinata, também alerta, ativou o Byakugan, não avistando nenhum inimigo. O vento ficou mais forte, e, de repente, um estampido fez com que nuvens se agrupassem no céu, pesadas e escuras. O loiro curvou-se, preocupado em proteger Hinata do desastre, e ela estava assustada. O tempo não mudava tão de repente daquela maneira. No céu, redemoinhos convertiam-se em formas estranhas, e a lua, cheia e brilhante, estava encoberta, como se tivesse desaparecido.

De repente, um estampido. “Hinata!”, Naruto se lançou em sua direção no mesmo instante em que um raio caiu próximo a ela, fazendo um alto barulho. Hinata gritou, deixando a sacola cair no momento em que sentiu o corpo de Naruto cair sobre ela, jogando-a para o lado oposto. No lugar em que o raio caiu, uma explosão, com fumaça. Ambos caíram no chão duro, soltando exclamações, e Hinata bateu a cabeça, por estar embaixo. Depois do estalo do raio, o vento acalmou, e as nuvens desapareceram. Ninguém aparecera – era como se somente eles tivesse percebido aquele acontecimento estranho.

Se levantaram, com dificuldade, e Hinata se colocou de pé primeiro, esfregando o lugar em que tinha batido. Não estava sangrando. Tentou ativar o Byakugan, procurar uma explicação, mas, por algum motivo, não conseguia. Estava desnorteada e, confusa, estendeu a mão para ajudar Naruto a se levantar e ver se ele havia se ferido com o empurrão, salvando-a de ser atingida.

Algo estava errado. Hinata olhou para baixo, e viu seu próprio braço estendido, mas não era seu braço. E, então, moveu o olhar alguns centímetros, avistando seu próprio corpo ainda deitado na rua. Era como se olhar no espelho, mas com uma diferença – ela a encarava de volta, com o que parecia ser a mesma expressão atônita.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Já está indo embora, e não vai deixar nenhum comentário sequer?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Genderswap" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.