Nada em mim sou eu escrita por Unknown


Capítulo 8
Capítulo 8 - O dia que não vai chegar




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Amanhã vai ser um dia diferente.

A terra vai girar em volta do sol, como sempre. Os segundos vão contar em sua cadência implacável e o ônibus que sai às 7:10 vai sair sem atrasos, do jeito que é pra ser. Todas as coisas vivas vão continuar respirando e tudo aquilo que é morto vai continuar enterrado fundo no chão. 

A diferença é que você vai olhar pra carteira de trás e não vai ver ninguém sentado no meu lugar.

Você vai me mandar uma mensagem perguntando se vou chegar mais tarde e eu não vou responder. Você vai andar pelos corredores, passar por aquele cantinho só meu e ele vai estar vazio. Você vai pensar em alguma piada na hora da aula e só vai contar para duas pessoas, não três. Vai comprar café e ninguém vai roubar metade do copo, porque é uma coisa que só eu faço. Não vai me ouvir cantando Welcome To The Jungle no mesmo horário de sempre. Não vai caminhar comigo até o ônibus falando desesperadamente sobre nossos pensamentos irrelevantes.

E daqui a dois dias, acho que a notícia já vai ter chegado. Você ainda vai me mandar mensagens, porque é uma coisa automática, mas em um segundo vai perceber que eu nunca mais vou responder. Nossos amigos vão ficar abatidos e a rotina de vocês vai ser um pouco afetada. Acho que vai ser difícil se concentrar e por alguns dias o colégio vai ser todo eu. Estarei nas paredes de tijolos expostos, nas mesas de pedra quadriculadas, nas rampas de cimento, no ar em volta de vocês. Meu nome será sussurrado pelos cantos e vai parecer que o sofrimento nunca vai passar.

As próximas semanas serão sombrias pra você. Quase vejo as campanhas em prol da vida se propagando feito peste. Quase escuto os mil discursos da coordenação, os textos nas redes sociais, os cartazes espalhados.

E todo santo dia você vai se lamentar por não ter feito alguma coisa, por não ter me internado ou se preocupado mais ou me impedido.

Vai parecer o inferno.

Mas eu prometo, vai passar.

Em dois meses, acho que o riso já vai ser mais natural, o sorriso menos forçado. Em um ano, vou virar uma história meio distante que se conta aos novatos desavisados. Talvez eu até vire fantasma. Meu nome vai te assombrar, escurecer tuas feições. E vão ter dias que tudo vai parecer horrível e vai ser como se o inferno tivesse voltado.

Mas logo vai passar, porque você ainda vai estar no mundo dos vivos.

Vocês vão sair e assistir filmes e fazer vários cookies. Vão esquecer a minha voz e as coisas que eu falava. Em três anos, talvez até esqueçam do meu sobrenome.

E em cinco anos, quando você estiver quase se formando em engenharia, eu ainda vou ser uma dorzinha no seu coração, um pedaço seu faltando. Em dez anos, talvez você pense em mim umas duas vezes a cada seis meses.

Em vinte anos, eu vou ser uma história que você vai contar uma vez aos seus filhos e então esquecer.

Não vai mais doer.

E tudo vai continuar exatamente como era pra ser.

Em sessenta ou setenta anos, no seu leito de morte, talvez eu passe pela sua mente como uma memória extremamente distante. Pode ser que você sorria lembrando da menina louca que morreu no cruzamento da rua 15 com a Avenida Santos Andrade. Porque ela era completamente pirada e te fez rir tantas vezes. Porque agora você será eterno como ela.

Então, quando amanhã chegar, saiba que vai ser ruim, mas vai passar.

Amanhã pode ser um dia diferente, mas tudo bem, em breve vai ficar tudo bem.

Eu amo você, e amo meus pais, e amo esse mundo. Mas eu não aguento mais, então vou fazer de amanhã uma história diferente.

E diga para ele que eu o amo, sim? Sei que você sabe de quem estou falando. Infelizmente, nunca vou poder contar isso a ele pessoalmente. Mas você vai fazer isso por mim.

Porque o meu amanhã nunca vai chegar.


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