9 Zonas escrita por Cas Hunt


Capítulo 18
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Jugen tem o toque macio apesar das mãos calejadas. Ele começa pelo resultado de um chute de Gesabel no meu rosto. Jug ergue alguns fios no meu cabelo e sai do banheiro para voltar com uma bolsa térmica em mãos e pressionar no olho roxo.

Para meus braços ele primeiro limpa com o álcool deixando uma queimação insuportável percorrer a pele para em seguida passar com a ponta de seus dedos uma loção cremosa anti radiação que alivia de imediato.

Tento não ficar encarando ele conforme o mesmo passa a mão pela minha pele em movimentos vagarosos e circulares. Percebo e admito o que tento negar para todos: Me apaixonei por Jugen, o filho e herdeiro do ditador.

—Preciso conferir o outro — ele aponta minhas costas.

Concordo com a cabeça e levanto forçando-o a fazer o mesmo. Viro-me para a parede e tiro a blusa amarrando meus cabelos em um porção deles mesmos. Noto então que a situação toda é desconfortável. Jug, sem blusa com seu corpo esculpido que me faz suspirar até com roupa e eu agora sem minha camiseta quase nua na presença dele.

Os dedos de Jug são mornos contra a pele do meu pescoço.

—Tem um arranhão. Não vai precisar de pontos.

Continuo pressionando a bolsa térmica contra meu olho esquerdo enquanto Jugen desinfeta meu ferimento superficial e põe uma gaze para cobri-lo. Apresso-me em por de volta a camiseta e viro para ele ajudando a guardar tudo de volta na caixa. Meus dedos esbarram nos dele e Jug segura meu indicador com o seu mindinho.

—Por que não me matou?

—O quê?

Jugen ergue o tronco ficando mais alto de modo que preciso erguer o queixo para conseguir vislumbrar seu rosto, uma máscara de curiosidade quase camuflada pelos cachos escuros.

—Você ainda não respondeu por que não... Sabe, acabou com a minha vida.

Não sou muito boa com palavras. Eu era incrivelmente ágil em iludir e desiludir todos os rapazes com quem fiquei, falava seus pontos fortes para se sentirem melhor antes de chuta-los ou seus pontos fracos como motivo para ter de ir embora. Agora não consigo contar pra Jugen que preciso proteger ele não pela minha consciência pesada, mas por que quero. Eu o quero vivo, feliz e comigo.

Uma vez minha mãe me disse que meu pai tinha sido o único garoto para quem ela direcionara atenção de verdade, a voz dele junta á um bom instrumento foram a arma fatal para conquistar seu coração. Quando ela me contou isso me neguei a acreditar e continuei deixando uma trilha de decepções amorosas para trás. Achei que nunca sentiria nada de valor por alguém que não fosse minha família.

E bem na minha frente, está a razão de duvidar se essa resistência vale a pena. Se alguém tão bom como ele não deveria estar no poder. Por tudo que é mais sagrado, Jugen não suporta nem que eu tenha mentido pra ele.

Engulo o seco virando a palma da minha mão para cima até pegar a dele. Encarando nossos dedos, dou um leve afagar com o polegar nas costas da mão de Jug sem saber como contar que ele bagunçou minha vida e colocou um alvo nas minhas costas ao mesmo tempo que finalmente me fez sentir o famigerado amor apaixonado.

—Nunca conseguiria matar você por que...— começo tentando falar devagar para elaborar as palavras devagar, franzindo o cenho. — Me apaixonei.

É estranho falar isso em voz alta. Soa idiota, infantil aos meus ouvidos. Paixão parece coisa de criança birrenta e eis me aqui admitindo pro filho do ditador que ele me deixa maluca. Vinte anos. Vinte infernos de anos que tive para me interessar por qualquer um do acampamento, estabelecer uma conexão duradoura e nada. Agora dois meses com um dos maiores alvos da rebelião e sinto que foram anos.

Recuso-me a olhar para Jugen. Limpo o nariz com as costas da mão e saio com os ombros tensos descendo as escadas para conferir Lion. No meio do caminho encontro Foley e aponto com o queixo para cima.

—Fica de olho nele — falo com certa falta de voz.

Ele assente e sobe os degraus de dois em dois até Jug.

—Ei, Ally — Gesabel pronuncia o apelido de Lion com o devido tom de escarnio.

Ela está sentada, as pernas cruzadas uma por cima da outra possuindo um quadrado preto de plástico na mão repleto de botões coloridos. Ela pressiona o botão azulado e um holograma surge entre os dois sofás na sala.

—Tá me sacaneando — suspiro sentando no sofá enfrente á Lion ainda adormecido.

O título da notícia é espalhafatoso assim como a imagem nele e as roupas da repórter no estúdio — provavelmente localizado na Zona 2. Ela está com um terno de corte fino que recai bem sobre o seu corpo, contudo deixa mais do decote á vista assim como as cores amarelas com detalhes em azul e roxo com seu cabelo alto e espetado a deixam mais chamativa que a própria notícia.

Exibem a imagem do alto do Complexo pegando fogo, a foto tirada no momento em que uma das torres desaba trazendo uma cortina de concreto para o ambiente. Isso não me provoca náuseas e sim a pilha de corpos montados no formato de uma palavra, maior parte deles chamuscados ou mutilados, sangue ou fumaça saindo dos mesmos.

— “Devolvam” — Gesabel ergue uma sobrancelha me olhando do outro lado do holograma. — Sabe a o que eles se referem?

Percebo a ironia.

—Eles são terroristas, entendi — pego a mão direita que segurara a de Jug segundos atrás e deixo-a apoiando a bolsa térmica no olho roxo — Sabe se eles têm muita influência nas Zonas?

—Até uma semana atrás nem sabia que eles existiam.

—Eles não surgiram do nada.

—Isso já é óbvio, garota. A questão é que eles dominaram o Complexo com facilidade e escapamos por pura sorte. Todos os outros espiões dos Exilados morreram. Éramos vinte, Alya. Só que os Radios estavam por toda parte.

Junto as sobrancelhas.

—Não conseguiu tirar mais ninguém de lá?

—E você matou o Jug?

Cruzo os braços sobre o peito.

—Não acho que eles sejam terroristas — olho para a foto exibida pelo jornal com o título de “URGENTE: RESISTÊNCIA FAZ CARNIFICINA NO COMPLEXO ZONA 4”. — Queriam alguma coisa.

—Ninguém tirou nada deles — Gesabel coça o queixo e esbarra o cotovelo na bota de Lion.

Ela arregala os olhos e entendo seu pensamento. Roubamos duas pessoas deles. Jugen Baratheon, filho do ditador. E Lion Calem, um dos sargentos mais importantes dos Exilados.

—Talvez fossem utiliza-los para barganha.

—Não — ela nega — Querem informações, Alya. Informações! Nossas bases, as bases do ditador. Querem tudo. Nada de aliados.

Nada de aliados. Quem seria maluco o suficiente pra entrar em uma guerra sem aliados? Alguém forte. Alguém bem forte que cresceu emaranhado nos dois lados esperando a oportunidade para tomar tudo para si.

—Mas que merda — jogo a cabeça entre as mãos. — Como vamos lidar com mais essa?

—Eles têm sentinelas do lado deles — Gesabel suspira se recostando no sofá — Nós temos algumas também. Aposto que eles têm espiões até do nosso lado.

Concordo com a cabeça.

—Essa guerra ficou longe de acabar.

—Talvez. Ou talvez eles estejam acabando. Vai que vencem.

—Você quer que os Radios vençam?

—Qualquer coisa é melhor que a ditadura.

—E que tal um governo opressor? Eles sequer tentaram nos puxar para o lado deles! Fomos considerados inimigos logo de cara.

—Mais opressor do que já temos? Seria difícil de superar, Alya.

Fecho a cara.

—Não me chama de Alya.

—Só por que você tem uma quedinha pelo filho do ditador não significa que ele é uma boa pessoa.

Meu rosto pega fogo e ergo-me do sofá pronta para enfiar o argumento dela goela abaixo. Jugen é melhor que seu pai e se for para ter alguém no comando de Pangeia, entre ele e eu, com certeza o escolheria. Sei que caso minha mãe se instaure no poder vai resgatar a monarquia, instituir uma ordem de rainhas no trono e eu seria a seguinte na sucessão assim que ela morresse. A ideia me assombra desde que ela me contara.

—Moças — Foley repreende. — Será possível que vocês não vão parar de brigar?

Os passos dele nas escadas atrás de mim são seguidos por outros, um pouco mais silenciosos. Os de Jugen. Falar em bom som o que sinto por ele e pra ele não me parece ter sido uma boa ideia. Agora sinto vergonha até de olha-lo nos olhos.

Sento-me de volta no sofá ainda de braços cruzados, só que dessa vez para me segurar e não avançar no pescoço de Gesabel.

—Jug me disse que o estoque está cheio e podemos aproveitar — Foley esfrega as mãos ao chegar do meu lado. — Querem que eu prepare alguma coisa em especial?

—Uma bela xícara de enfia a comida na sua bunda.

Foley revira os olhos.

—Ally?

Junto as sobrancelhas. Achei que só Lion me conhecesse por Ally e agora parece que maior parte me conhece por ele maldito apelido. Talvez seja algo bom não ser mais algo exclusivo dele.

—Não, obrigada.

—Jug?

—O que você fizer está bom.

—Então um espaguete saindo no estilo!

Foley saltita até a cozinha e não evito um sorriso. Ele ainda consegue ser animado até nas piores das situações e tenho certeza que ouviu toda minha conversa com Gesabel, afinal ele é bom nisso.

O sofá se movimenta contra o peso de Jugen e meu corpo inteiro fica tenso em resposta olhando para qualquer lugar menos pra ele. Me sinto uma adolescente de quinze anos ao fazer isso.

—Somos nós? — Jug se curva para frente ficando mais perto do holograma.

Olho para a noticia outra vez que agora exibe um vídeo de segurança de pouco antes de sairmos pela névoa. O rosto de Jugen fica escondido assim como o de Lion sempre baixo. Gesabel está de máscara e Foley pode-se até identificar, só que não tem como negar á mim. Meu rosto exposto ao virar para trás depois de Jug me puxar para perto.

O jornal corta minha face na gravação e amplia mostrando cada detalhe do rosto assim como o de Foley. Pela primeira vez, presto atenção ao áudio.

—Esses foram os únicos sobreviventes dos terroristas, os desertores Alay Vutte e Foley Kienup e outros dois não identificados. Tivemos confirmação do próprio ditador que o rapaz desmaiado seria seu filho, Jugen Baratheon, e que os desertores o sequestraram.

—Como assim? — Gesabel esbraveja. — Que idiota confundiria ele — aponta para Jug — Com o Lion? Vocês nem tem a mesma altura!

—Ou cor de cabelo.

—É uma jogada do meu pai — Jug suspira — Ele sabe que não reconheceram meu corpo e sabe que eu fugi. Mais fácil fazer os outros acreditarem que fui sequestrado do que deixar a conhecimento público que o filho do ditador é um desertor.

—Eles prenderam você — protesto.

Jug olha pra mim. Um calor estranho sobe pelo meu peito ao encarar os olhos de ferro líquido que fazem minhas pernas bambearem. Ficamos fixos um no outro, sem desviar nem por um segundo conforme as batidas do meu coração se acumulam clamando para minha mão toca-lo.

Um tiro vindo da cozinha me faz parar. Pânico me invade ao pensar que nos acharam.


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