Fusca Azul escrita por Lola Royal


Capítulo 1
Doçura


Notas iniciais do capítulo

Apenas uma one... Agradecimento especial a Chloe Less que revisou a fic. Boa leitura :)



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Rosalie passou mais rímel em meus cílios postiços, enquanto Bella continuava a cuidar do meu cabelo.

— Se você chorar de novo e estragar a maquiagem eu vou enfiar a minha mão na sua cara, ai você vai ter motivos para chorar — Rosalie me ameaçou.

— Rose, seja mais gentil com a Alice — Bella pediu.

— Gentil é o caralho, estou a horas deixando a maquiagem dessa anã perfeita e ela acabou com tudo chorando — minha amiga e maquiadora falou revoltada.

— Estou chorando porque o homem que amo vai casar com outra — falei, fungando, contendo as lágrimas.

Não queria Rosalie me socando, não seria nada legal acabar com um olho roxo.

— Eu estou a dois anos mandando você falar de uma vez para esse homem que gosta dele — Rosalie disse, se movendo por meu quarto no nosso apartamento.

Isabella, Rosalie e eu éramos amigas desde o colégio quando morávamos em Sacramento. Um grupinho peculiar, diga-se de passagem, Rosalie era a popular líder de torcida — cabelos loiros, olhos azuis, alta —, Isabella a garota considerada por todos rebelde por ter mechas coloridas — cabelos naturalmente castanhos, assim como seus olhos — e ouvir rock e eu a nerd que participava do clube de matemática — muito baixinha, de cabelos escuros e olhos claros —. Nos tornamos amigas quando uma vez Rose e eu encontramos Bella no banheiro da escola, nervosa enquanto esperava o resultado do teste de grávidez que tinha acabado de fazer.

Rosalie e eu ficamos junto dela até que o resultado saiu, para alívio de nós três deu negativo. Desde aquele dia nos tornamos amigas, tanto que dois meses depois voltamos aquele banheiro da escola e esperamos pelo resultado do teste de Rosalie, que também deu negativo, dois meses depois o meu também negativo.

Acho que posso dizer que éramos fodidamente sortudas por isso, além do fato de claramente precisarmos com urgência de aulas de educação sexual.

Quando acabamos o colegial nos mudamos para Los Angeles para cursar a faculdade, alugávamos aquele mesmo apartamento desde o começo. Muitas vezes uma queria matar a outra, mas tirando objetos sendo arremessados, estávamos de boa mesmo com nossas brigas.

— Ele já estava noivo da Jéssica quando o conheci — lembrei, falando sobre Michael Newton, meu chefe e o amor da minha vida.

Eu tinha conhecido Michael, ou Mike como ele gostava de ser chamado, dois anos atrás. Eu era uma recém formada  do curso de arquitetura, que foi pedir emprego no escritório de arquitetura dos Newton, acabei sendo contratada por Mike como sua assistente, posto que ainda ocupava.

Amava Mike, perdidamente. Amava como ele tinha os cabelos loiros mais bonitos do mundo — mais bonitos dos que os da própria Rosalie —, amava como ele sempre se lembrava do meu aniversário, amava como ele era um excelente arquiteto, amava como ele gostava de ouvir minha opinião sobre seus projetos e amava aquele rosto, amava aqueles olhos azuis.

— Me poupa, Alice. — Rosalie retirou um pouco do excesso do meu batom. — Já vimos um monte de caras largarem esposas, noivas e namoradas por outras mulheres. — Ela apontou para Bella. — Olha essa ai, roubou o namorado da prima dela.

— Ei, Ângela não merecia o Edward — Bella falou em sua defesa.

— Precisava foder com ele no aniversário de casamento dos pais da Ângela? — falei com a morena que estava atrás de mim.

— Ué, não obriguei ninguém a transar comigo — ela disse debochada. — Ele fodeu porque quis, o problema é da Ângela que não deu conta.

— Meu Deus, você vai para o inferno! — exclamei.

— Eu? É você quem está apaixonada por um cara que está noivo e se casa hoje — Bella lembrou, eu choraminguei.

— Já disse que se chorar eu vou socar a sua cara! — Rosalie bateu no meu braço, o que doeu.

— Ai, Rosalie.

— Chora que fica pior! — ameaçou, com fúria em seus olhos claros.

— Bella? — Ouvimos a voz de Edward.

— Oi, baby! — Ela largou na mesma hora meu cabelo para dar atenção ao namorado que estava parado na porta do meu quarto.

Edward era lindo, alto, cabelos ruivos, olhos verdes, dava para entender o motivo de Bella não ter resistido ao namorado da prima. Foi uma grande confusão quando isso aconteceu, cerca de seis meses antes, mas os dois estavam juntos desde então e ele era o primeiro namorado de Bella, que antes disso só tinha casos que mal duravam um mês.

— Tô indo, tenho que ir para aquela entrevista que te falei no Four Seasons. — Ele beijou Bella, que se agarrou nele.

— Eca, não comecem a se pegar aqui — Rosalie protestou, fazendo com que os dois se soltassem rindo.

— Vou para seu apartamento amanhã quando sair do meu plantão — Bella falou para o namorado, que a beijou novamente.

Enquanto eu era uma arquiteta, Isabella era enfermeira e Rosalie maquiadora profissional, mesmo que tivesse se formado em comunicação social.

— Beleza, leva você sabe o que amanhã — Edward falou para Bella.

— Pode deixar. — Bella piscou para ele.

— Tchau, meninas! — Edward falou com Rosalie e eu antes de sair.

— O que é pra você levar? — Rosalie perguntou curiosa.

— Não é da sua conta. — Bella passou a mão por seus cabelos castanhos.

— Ah qual é? Fala logo — Rosalie insistiu.

— Não vou dizer — Bella afirmou, voltando a mexer nos meus cabelos.

— Se você não falar eu vou enfiar o rímel no seu olho — Rose ameaçou, é minha amiga tinha certo problema com raiva, mas ela lutava boxe para se livrar do estresse, inclusive namorava um boxeador.

— Deus é mais, você tem problemas! — Bella acusou, continuando a modelar meus cabelos escuros com a chapinha.

— Vai, Bella! — Rose insistiu. — Diz de uma vez.

— Meu vibrador, tá legal? — Bella cedeu facilmente. — Quer dizer, meu novo vibrador, aquele que comprei...

Ignorei o papo das duas sobre vibradores, lubrificantes, sexo anal, sexo oral, sexo com comida envolvida (sério?), sexo em lugares públicos (elas precisavam de tratamento), sexo com algemas (até que aquilo podia ser interessante), sexo em carros (eu não gostei nada das experiências que tive) e mil outras variações de sexo. Sim, ignorei tudo aquilo para pensar em Mike, em como eu queria ser a noiva.

Meu vestido de princesa, meu pai me levando ao altar, Mike emocionado a me ver. Então, ele falaria seus lindos votos para mim, eu diria os meus controlando o choro. Na festa nós dançaríamos ao som de alguma música antiga, ele diria que eu era a mulher mais linda do mundo, mas que perderia o primeiro lugar quando tivéssemos uma filha, que nós chamaríamos de Emma.

— Eu vou colocar amanhã, o bonitinho que me aguarde — Bella falou, recobrando minha atenção.

— Você vai colocar seu vibrador no Edward? — perguntei abismada, fazendo com que as duas rissem alto.

— Em que mundo você está, Alice? — Bella me perguntou, ainda gargalhando. — Eu estava falando que amanhã colocarei gasolina no meu carro, hoje irei para o trabalho de transporte público como boa servente do proletariado que sou.

— Você vai dirigindo para a festa? — Rosalie me perguntou, parando diante de mim e analisando criticamente a maquiagem.

— Não, vou pedir um Uber, não quero dirigir, pois sei que vou encher a cara.

— Oh, isso é meio perigoso — Bella disse preocupada. — Quando você encheu a cara no baile de formatura falou para o diretor Harrison que queria que ele fodesse sua boceta.

Me engasguei com saliva ao ouvir aquilo, sentindo meu rosto pegar fogo de vergonha. Eu não gostava, obviamente que não, de me lembrar daquela grande vergonha que passei nos meus últimos instantes no colegial. E sim, o diretor Harrison era um gatinho, mesmo sendo bons anos mais velho.

— Nós prometemos nunca mais falar sobre isso — resmunguei.

Mas, servida com as melhores amigas do mundo, claro que elas não deixariam de me provocar. As duas se entreolharam e começaram a falar, me imitando:

— Senhor Harrison, quero que você foda a minha boceta — falaram juntas. — Você é o maior gostosão!

Elas gargalharam, eu quase chorei, mas Rosalie apontou o rímel para mim como se fosse uma arma. Aquilo me fez parar, eu tinha de me manter na linha sendo amiga daquelas duas malucas.

***

Por fim, eu estava pronta para sair. Usava um vestido vermelho vivo, que se ajustava perfeitamente as minhas curvas de baixinha, meus cabelos estavam ondulados e repartidos para o lado, em meus pés saltos bem altos pretos. Rosalie destacou minha boca com a maquiagem, eu estava usando um poderoso batom vermelho, ela disse que:

— Quando o Mike ver esses lábios vai pensar que deveria foder sua boca.

Rude, mas bem que queria que fosse verdade... Quero dizer, um boquete não mataria ninguém, certo?

— Olá, garotas! — a voz alta e que fazia meus ouvidos doerem de Emmett, namorado de Rosalie, preencheu o apartamento quando ele entrou.

Estávamos na sala de estar, as meninas tiravam fotos minhas. Principalmente para Rose divulgar seus trabalhos nas redes sociais, já que o marketing era seu melhor aliado.

— Nossa, Alice, você tá bonitona! — Emmett exclamou para mim, ele era um cara gigante, de quase dois metros de altura, cheio de músculos, cabelos pretos curtos e tinha uma covinha do lado esquerdo do rosto, o que quebrava qualquer ideia de que ele era assustador. Bom, ele ainda era assustador no ringue quando estava quebrando a cara de outros boxeadores.

— Obrigada, eu acho — murmurei.

— Eu fiz uma obra de arte — Rosalie disse animada, olhando para mim como se eu fosse sua primogênita.

— Meninas, já deu de foto — pedi, já cansada de sorrisos falsos quando na verdade queria chorar pela situação. O amor da minha vida prestes a se casar com outra, o pior era que a outra era uma boa pessoa, seria mais fácil se fosse uma vadia detestável, mas pelo contrário, Jessica sempre me tratou muito bem.

— Não, precisamos de mais — Bella continuou me fotografando. — Vamos atualizar seu perfil do Tinder.

— Eu não tenho um perfil no Tinder.

— Nossa, tá na hora de criar, então!

— Vamos parar com isso — tornei a pedir. — Ainda tenho que chamar o Uber.

— Eu faço isso por você — Emmett se voluntariou, tirando o celular do bolso e começando a mexer nele.

— Ai, obrigada, Emmett — agradeci, ele era bem mais gentil que sua namorada maluca.

— Por que você não interrompe o casamento?

Viu só? Essa era a namorada maluca dele.

— O quê? — perguntei para Rosalie.

— Interrompa o casamento — ela falou, alisando meu vestido na barriga. — Espere aquela parte do fale agora ou cale-se para sempre, se coloque de pé na igreja e diga: Michael Newton, minhas últimas masturbações nos dois anos foram pensando em você, fique comigo e me dê um bom orgasmo.

— Claro que não vou falar isso! — gritei.

— Que tal a versão editada? — Bella sugeriu. — Michael Newton, eu venho te amando pelos últimos dois anos, fique comigo para que eu possa te amar pelo resto dos meus anos.

— Tenho uma versão melhor — Emmett se manifestou.

— Não! — gritei com ele, antes que outra merda surgisse ali. — Você já pediu o carro?

— Já — ele resmungou, claramente nada feliz de ter sido cortado. — Já chegou. — Olhou para seu celular. — Vamos lá, eu te deixo lá embaixo — se disponibilizou.

— Não importa como vai dizer — Rose falou ao entregar minha bolsa de mão, onde estava meu celular, cartão, dinheiro e um batom de emergência. — Apenas diga para Mike que o ama, ok? É sua última oportunidade.

— Ela está certa, você precisa arriscar antes dele estar casado — Bella incentivou, afagando meu braço. — Agora vai, Rose e eu criaremos seu perfil no Tinder.

— Tá bom... Espera, o quê?

— Vai logo! — Rosalie indicou a porta, onde Emmett já esperava por mim.

Eu segui até o lutador, nós descemos no elevador com Emmett contando quando casou em Vegas com a noiva do seu irmão, por estarem completamente bêbado, quando eles estavam na festa de despedida de solteiro do casal. É, Rose e Emmett formavam um belo par.

— Uma pena que ela não casou com o Bobby também, o irmão mais novo, ia ser irado.

Eu o ignorei, naquele momento era a melhor coisa que poderia fazer. Nós saímos do prédio e eu fiquei confusa, o único carro parado lá na frente era um fusca azul velho, onde estava o Uber?

— Ué, cada o carro? — perguntei para Emmett.

— Bem aqui. — Apontou para o Fusca.

— Você tá brincando, né? Não me diz que eu vou chegar ao casamento do Mike em um fusca velho.

— É bonitinho, Alice! — Emmett discordou. — Tem personalidade.

Revirei os olhos, pisei firme em meus saltos até a janela do motorista, ele estava distraído mexendo em seu celular. Bati uma vez, o cara lá dentro abaixou metade do vidro, parecia ser o máximo que conseguia.

— E ai? Vai entrar ou não, doçura? — ele me perguntou, com um forte sotaque sulista.

O motorista era alto demais para um fusca, ele estava claramente apertado lá dentro, parecia uma cena de desenho animado. Eu vi seus olhos cor de mel, seus cabelos loiros escuros penteados para trás. Ele também estava bem vestido demais para quem dirigia um fusca, vestia camisa e calça social, com um blazer, tudo em tons de azul escuro.

— Não sou doçura! — exclamei irada por ter sido chamada daquele jeito.

— Tudo bem, senhora — ele resmungou. — Apenas me diga se vai entrar ou não —  pediu irritado. — Caso não entre você sabe que vai pagar o cancelamento, também vou avaliá-la de forma nada legal.

— Não, não, não! — Emmett gritou, me agarrando pela cintura e me afastando do carro. — Eu já tô com uma avaliação de merda, cara — disse assombrado. — Alice, entra logo nesse fusca bonitinho.

— Mas...

— Por favor, eu não tenho um carro, preciso do Uber para sobreviver — dramatizou. — Se a minha avaliação cair eu vou ter que começar a andar de ônibus, eu não sei pegar o ônibus.

— Que seja! — resmunguei. — Eu vou ir no maldito fusca.

— Mais respeito com a Alice — o motorista falou, eu o encarei em choque.

— Seu fusca se chama Alice?

— Sim — respondeu, sorrindo zombeteiramente para mim. — Algum problema, doçura?

— Emmett — rosnei o nome do namorado da minha amiga.

— Supera, Alice — ele pediu. — Vai, entra logo. — Gesticulou para o fusca.

— Você me paga por isso, Emmett McCarty — ameacei, contornando o carro para entrar pelo lado do carona, afinal o fusca não tinha quatro portas.

— Não se esqueça de se declarar para o Mike! — Emmett gritou, antes de desaparecer de volta para dentro do prédio.

Eu precisei de muita força para conseguir abrir a porta da droga daquele Fusca azul, quando consegui o motorista parecia se divertir com a minha derrota. Ele era um panaca, quem achava que era para rir de mim? Ele dirigia um Fusca velho.

— Como eu vou sentar ai atrás? — perguntei olhando para o minúsculo banco de trás, vendo dois violões e uma grande mochila.

— Você não vai — ele me corrigiu, dando uma batidinha no banco do carona. — Terá que se sentar aqui.

— Por que você não coloca essa tralha toda no porta malas?

— É onde a bateria do meu amigo tá — explicou.

Ótimo, um músico! Eu odiava músicos, eles se achavam os grandes poetas, quando acabavam sendo só bêbados fanfarrões tocando músicas de dor de cotovelo em seus violões.

— Você é um péssimo motorista — deixei bem claro, sentando no banco do carona e colocando o cinto.

— Eu? Eu sou o melhor motorista do país, doçura.

Arg, ele ia continuar me chamando daquele jeito?

— Não quero que me chame de doçura, isso não é nada profissional — aleguei, enquanto ele começava a dirigir para longe do prédio que eu morava, seu carro fazia um barulhão.

— Tudo bem, a partir de agora irei lhe chamar de amarguinha — provocou, sorrindo para mim.

Os dentes dele eram bem brancos... Nossa!

— Não me chame de nada, em alguns minutos você me deixará na porta da igreja e nunca mais nos veremos.

— Tá indo para um casamento? — perguntou.

— Não é da sua conta.

— Qual é? Só vamos conversar um pouco, eu odeio dirigir no silêncio.

— Converse consigo mesmo. — Empinei meu nariz, olhando pela janela.

O silêncio durou exatamente um minuto, eu contei.

— Então, casamento? — perguntou novamente.

— Dirija em silêncio — exigi.

Ele não se calou, claro. No entanto, não ficou falando comigo, apenas seguiu cantarolando uma música que eu não conhecia.

Quando avistei a avenida, que rapidamente nos levaria até onde ficava a igreja que Mike estava casando, me senti um pouquinho aliviada. De lá seria rápido, logo eu me veria longe daquele carro e daquele motorista pé no saco. Apesar disso significar que teria de ver Mike casando, com outra, enquanto eu o amava.

— Eita, estamos ferrados! — a fala do motorista me alertou, olhei com atenção para a avenida, vendo que estava tudo parado.

Ah não, essa não!

— Provavelmente é um acidente, doçura — falou para mim.

Naquele instante eu estava tão nervosa com a ideia de ficar presa no trânsito que nem me importei com a forma que o motorista me chamou.

— Volte — ordenei. — Vamos por outro caminho.

— Não tem como, doçura. Já tem carros atrás da gente nos bloqueando. — Ele moveu o pescoço de um lado para o outro. — Melhor você relaxar, vamos demorar por aqui.

— Não, não! — neguei, apavorada. — Eu tenho um casamento para ir...

— Ah, então é um casamento mesmo! — ele exclamou contente. — Eu amo casamentos e você?

— Cale a boca! — gritei com ele, que segurou uma risada. — Eu não posso me atrasar, então dê seu jeito de nos tirar desse engarrafamento.

Eu tinha de chegar logo a igreja, iria escutar os conselhos de Emmett, Isabella e Rosalie, contaria a Mike como me sentia por ele. Podia ser uma tolice, mas precisava arriscar.

— Doçura, eu tenho um fusca, como você bem sabe, não um helicóptero, não posso te resgatar de um engarrafamento.

— Vá se foder!

— Nossa, você é agressiva! — Ele sorriu, parecendo orgulhoso. — E ai? De quem é o casamento? Algum parente? Amigo? Amiga?

— É o casamento do meu chefe, tá legal? — indaguei raivosa. — O chefe por quem eu sou apaixonada por dois fodidos anos! — gritei, o motorista arregalou os olhos.

— Espera, aquele seu amigo lá mandou você se declarar para um tal de Mike, esse é o noivo?

Assenti, sentindo lágrimas nos meus olhos. O motorista assentiu, rindo.

— Você é uma destruidora de casamentos.

— Não, eu não sou!

— Você é amante dele?

— O quê?

— Olha, se me permite um conselho não caia nesse lance de amante, tá legal? É uma furada, você só deve estar sendo usada por esse seu chefe.

— Eu não sou amante dele.

— Doçura, não se engane.

— Eu tô falando a verdade, merda — praguejei. — Não sou a amante do meu chefe, ele e eu nunca tivemos nada, só que sou apaixonada por ele desde que o conheci.

O motorista ergueu uma sobrancelha.

— Doçura, você não está misturando as coisas? Se me permite um novo conselho, isso é bem normal, sabe? Essa confusão de sentimentos, você provavelmente só ficou deslumbrada com esse cara em uma posição de poder e acha que tá apaixonada por ele. Outro conselho, supere, ele com certeza não é tudo isso.

— Pare de me dar conselhos.

— Mas eu sou bom em dar conselhos.

— Não, você não é! — Olhei para fora do carro, tudo seguia parado.

— Olha, ai vai o conselho mais importante, você devia ser menos fechada para conselhos. Já pensou em terapia?

— Ai, cala a sua boca! Você é só um motorista do Uber, não tem conhecimento de nada.

Na mesma hora o motorista ficou sério, franzindo a testa e olhando para frente. Na mesma hora eu me senti mal, fui muito grossa com ele. Além de ter sido hipócrita, meu pai era um motorista de ônibus escolar, merda.

— Ei, desculpe por isso — pedi envergonhada, mas ele continuou me ignorando. — Vamos, eu só disse aquilo no calor do momento.

Nada. Suspirei, cutucando seu braço.

— Não vai deixar essa doçura falando sozinha, vai?

Ele riu, olhando para mim, mas ainda chateado como seus olhos mostravam.

— Sinto muito — murmurei. — Não devia ter dito aquilo.

— Não mesmo. E para sua informação, eu não sou só um motorista, sou um músico também.

— É, eu percebi. — Apontei para os violões atrás da gente. — O que você toca?

— Música country, você sabe, eu sou do Texas. — Dei de ombros.

— Na verdade não sei, sequer sei seu nome.

— Jasper Whitlock, Doçura — contou animado, não mais sentido pelo o que eu disse. — Seu nome é Alice, certo? Ouvi o seu amigo lhe chamar assim.

— É, Alice como seu carro — resmunguei, ele gargalhou, jogando a cabeça para trás.

— Meu Fusca não tem um nome, Doçura — falou. — Só falei aquilo para te provocar.

Revirei os olhos, ele riu mais.

— Muito espertinho, Whitlock. E eu me chamo Alice Brandon.

— É da Califórnia mesmo?

— Sim, Sacramento.

— Com que você e o seu chefe trabalham?

— Eu sou arquiteta, sou assistente dele.

Jasper franziu o cenho.

— É assistente dele por dois anos?

— Sim.

— Mesmo sendo formada?

— É.

— Você já não deveria estar, sei lá, projetando por ai.

— Ainda sou inexperiente.

Ele negou com um aceno de cabeça.

— Você sempre será inexperiente se ele não lhe der oportunidades, Doçura.

O quê? Não, claro que não. Mike sabia o que estava fazendo ao me manter como sua assistente, eu precisava evoluir antes de começar a projetar.

— Não, você está errado.

— Sei que não gosta dos meus conselhos, Doçura, mas acho que seu chefe é um panaca. Você deveria largar esse emprego, ir atrás de algo que realmente valorize seu trabalho.

— Você nem sabe que sou boa.

— Eu reconheço uma pessoa talentosa quando estou na presença dela.

— Aham, até parece.

— É sério, você emana talento. Aposto que passava as aulas desenhando, né?

— É, mas isso é meio óbvio.

— E aposto que você só está com medo de alcançar voos maiores, por isso está se escondendo no papel de assistente.

Mordi minha língua, não, Jasper não estava certo. Amava meu trabalho, estava confortável com ele.

— Você pode parar de tentar adivinhar o que sinto agora — declarei, me remexendo no banco. — Sempre quis ser músico?

— Não, antes eu queria ser um desenhista, mas não sei desenhar nem uma flor.

— Sério?

— Sim. — Riu. — Tudo que desenho são imagens rupestres.

Ri ao ouvir aquilo.

— Nem todos nascem com o dom, Doçura.

— Nada disso — o contrariei. — Você sempre pode aprender a desenhar.

— Claro que não.

— Claro que sim, assim como eu que nunca toquei um violão na vida poderia aprender se quisesse. Você só precisa se esforçar e irá aprender a desenhar.

— Que tal nós trocarmos conhecimento? — sugeriu.

— Como?

— Eu te ensino a tocar violão, você me ensina a desenhar.

— Não que isso... — Me calei quando uma buzina alta soou atrás da gente, o engarrafamento tinha acabado. — Ai, vamos, corra, Jasper! — clamei desesperada, eu precisava conseguir chegar a tempo para o casamento.

— Calma, Doçura — ele pediu, soando apreensivo, voltando a dirigir.

O resto do caminho até a igreja fizemos em silêncio, embalados somente pelo som do Fusca Azul barulhento. Quando Jasper estacionou diante a igreja eu mal podia respirar, ia fazer isso, interromper o casamento do meu chefe e me declarar.

— Tem certeza de que quer fazer isso, Doçura? — Jasper me perguntou.

— Tenho! — exclamei, não estava confiante, mas... — Aqui seu dinheiro. — Peguei a grana da bolsa, mas ele segurou em minha mão, me interrompendo.

— Não precisa, Doçura — disse. — Essa corrida é por minha conta. — Piscou para mim.

— Certo — sussurrei. — Preciso ir agora.

Tirei o cinto e sai do Fusca, mas antes de fechar a porta falei para Jasper.

— Onde eu posso te ver tocar?

Ele sorriu de orelha a orelha.

— Bar do Monty, é só jogar no Google e conseguir a localização, Doçura — contou. — Estou lá toda sexta e sábado.

— Quem sabe não apareço por lá com... — Apontei por cima do meu ombro, dando a entender que iria com meu chefe.

— É, quem sabe — Jasper concordou.

— Até algum dia, Jasper.

— Até algum dia, Doçura. — Fechei a porta, olhei uma última vez para o Fusca Azul, antes de seguir para dentro da igreja.

***

Mesmo com o engarrafamento eu tinha conseguido chegar antes do inicio da cerimonia, mas Mike ainda não estava por lá. Sentei junto de alguns colegas de trabalho que também tinham sido convidados, eles conversavam sobre um grande projeto e eu só sabia dele por repassar documentos para Mike assinar.

Porque, bom, esse era meu trabalho. Eu não estava atuando como uma arquiteta, era uma assistente. Meus anos na faculdade estudando para ser uma arquiteta pareciam ter sido deixados completamente de lado, isso era certo? E Mike nunca falava sobre me promover, sempre era eu quem tocava no assunto e quando ia acontecia ele me distraia comentando amenidades.

Engoli em seco, sentindo-me errada. Então, vi Mike entrar na igreja e ir até o altar. Ele parecia menos bonito aquele dia, ele tinha perdido peso? Estava meio magrelo demais, de forma doente.

E aquele cabelo? Estava ressecado. Por que ele não me promovia? Eu fui uma das melhores da minha turma. Eu era mais inteligente do que ele que confundia mais com mas.

Jasper estava certo, Mike só estava enfeitiçando minha mente. Eu não o amava, só estava deslumbrada.

Levantei do banco, pisando firme até o altar em direção ao meu chefe, faria minha declaração. Mike sorriu para mim, um sorriso que antes me faria sentir borboletas no estomago, mas naquele instante eu só sentia raiva.

— Você pensa em me promover? — o confrontei, ele arregalou um pouco os olhos.

— Alice, não é lugar para isso.

— Não, né? Você ia ficar me usando de consultoria para seus projetos, enquanto eu fico presa ao lugar de assiste. — Bufei. — Seu babaca!

— A-Alice — gaguejou.

— Eu me demito, Mike! — exclamei, sorrindo.

Dei meia volta e sai de cabeça erguida da igreja, me sentindo leve e confiante. Ia arranjar um emprego muito melhor, talvez até aceitasse a ideia das meninas de aderir ao Tinder e...

— O que está fazendo aqui fora, Doçura?

Olhei para frente, vendo Jasper apoiado em seu Fusca Azul diante a igreja.

— O que ainda está fazendo aqui?

— Pensei em ficar, caso você precisasse de uma carona para ir embora. — Sorriu para mim, eu me vi sorrindo de volta.

— Preciso mesmo de uma carona. — Andei até ele. — Na verdade, eu acho que quero dirigir o seu Fusca Azul, o que me diz?

— É o carro que herdei da minha avó, Doçura, promete ser bom com ele?

— Eu serei muito boazinha com o Herbie — falei, citando o filme que vi muito na minha infância, Herbie Meu Fusca Turbinado.

Jasper riu alto, jogando sua cabeça para trás.

 — Herbie é o nome do meu pai, Doçura.

— Você tá brincando?

— Não. — Ele continuou rindo, abrindo a porta do motorista para mim. — Vamos, temos muito que conversar e conhecer sobre o outro, Doçura.

— Vai continuar me chamando assim?

— Eu vou, Doçura. — Beijou minha bochecha, senti minha pele queimar onde seus lábios tocaram.

Entrei no carro, Jasper o contornou e entrou junto de mim no banco do carona. Eu liguei o Fusca Azul, ouvindo o barulho rude e pensando como seria transar lá, quero dizer, não que eu tivesse com segundas intenções.

Ok, talvez um pouquinho. Mas, eu sabia algo sobre músicos, eles eram muito bons com suas mãos... Se é que me entende.

***

Jasper e eu deixamos a igreja de mãos dadas, enquanto amigos e familiares jogavam pétalas de rosas em nós dois. Tínhamos trocado o arroz pelas flores, parecia melhor.

— Você casou! — Bella e Rosalie gritaram juntas ao me abraçarem.

— Eu casei! — comemorei com elas.

Tinha sido um lindo casamento no mês de maio, cerca de três anos depois de Jasper e eu nos conhecemos. Começamos a namorar não muito depois do dia que ele me conduziu ao casamento de Mike — que tinha acabado um mês depois, quando Jessica deu um pé nele ao descobrir que ele transou com sua nova assistente, pois é —, Jasper e eu éramos bem diferentes, mas isso parecia tornar a relação melhor ainda.

— Podemos deletar a sua conta do Tinder agora — Bella falou toda alegre, afagando sua barriga de grávida, ela e Edward tinham se casado no ano anterior. Rose não aceitava o pedido de casamento de Emmett, na verdade eu acho que eles gostavam desse joguinho, pelo menos eu não precisaria mais dividir apartamento com ela e a ouvir gemendo toda noite, ou pior, ouvir Emmett gemendo.

— Vocês ainda mantem aquilo? — indaguei.

— Claro que sim! — Rose exclamou decidida. — Nunca se sabe, além do mais é um bom jeito de divulgar meu trabalho por outras redes sociais.

— Do que estão falando? — Jasper, ainda segurando minha mão, mas que estava entretido conversando com Emmett e Edward perguntou para a gente.

— Nada, não, Doçura — Rose debochou.

— Ei, você não pode o chamar assim! — Bati nela com meu buquê, mas na verdade estava rindo.

— Ok, parem de enrolar e vão logo para o local da festa — Emmett ordenou. — Preciso encher a cara.

— Precisamos — Edward e Rosalie fizeram coro, Bella resmungou algo sobre ter de ficar sóbria.

Puxei Jasper, nós falamos rapidamente com nossos pais e descemos a escadaria da igreja até o Fusca Azul estacionado lá na frente. Eu tinha um carro muito bom, fruto do meu trabalho como arquiteta em um excelente escritório e mesmo que Jasper tivesse montado um bar  de sucesso com um amigo e continuasse tocando, o que queria dizer que ele tinha grana também, meu marido continuava apegado ao seu velho Fusca herdado da avó.

Entramos no Fusca, ele na direção, eu no carona. Sorri para Jasper, o puxando para um grande beijo. Estava casada, com o verdadeiro amor da minha vida, aquele que me enchia de conselhos mesmo quando eu não os queria, mas não me importava, porque o amava.

— Pronta, Doçura? — perguntou.

— Pronta! — gritei entusiasmada.

Jasper ligou o carro, mas ele não emitiu som algum. Ele tentou de novo, mas continuamos no zero a zero. Meu marido limpou a garganta, olhando para mim.

— Doçura, eu acho que tinha de ter ouvido seu conselho sobre trocar de carro.

— Você jura? — resmunguei.

— Que tal você descer e empurrar?

— Vá se foder, Jasper!

— Doçura, não me trate assim. — Ele segurou meu rosto, o enchendo de beijos, fazendo com que eu risse.

Eu amava Jasper, ter entrado naquele Fusca Azul anos atrás foi o melhor acontecimento da minha vida. Mas, eu faria meu marido se livrar daquele carro, de qualquer forma, precisaríamos de um maior quando as crianças chegassem.

 

 


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Notas finais do capítulo

Beijos.

Lola Royal.

18.07.18



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