Celle, o retorno escrita por Nany Nogueira


Capítulo 14
A novidade




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O dia amanheceu nublado e Isabelle nem precisava abrir a janela para saber disso, bastava sentir o que pulsava em suas emoções. A sensação de deja vu, de estar deixando tudo para trás, de novo. Mas, dessa vez, não tinha a esperança de que o amor dela e de Cris sobreviveria ao tempo, como quando foi à universidade, sabia que não havia mais nada.

Sam e Freddie mostravam-se tristonhos desde o jantar na noite anterior, causando ainda mais dor na moça.

Ela não tinha vontade de se levantar da cama. Ascendeu o abajur e passou a fitar atentamente cada parte do quarto, apreciando o quanto podia a doce sensação de estar no seu quarto de infância, na casa de seus pais, no seu ninho, no seu abrigo.

Sam adentrou e ascendeu a luz:

— Belinha, melhor se apressar.

— Já sei, o meu vôo – concordou ela, sentando-se na cama.

A mãe saiu deixando-a à vontade para se aprontar.

Eddie e Nick já haviam retornado para a faculdade. Sam e Freddie agora teriam que aceitar a ida de Isabelle também. Não conseguiam esconder o abatimento no café da manhã, tampouco na despedida no aeroporto.

A moça embarcou para Nova York, Cris não foi se despedir e ela não esperava por isso mesmo, colocou os fones de ouvido e começou a trocar os canais na TV acoplada na parte traseira da poltrona da frente, tentando encontrar algo que prendesse a sua atenção.

Sam encontrou Freddie jogado numa poltrona da sala de estar, com o olhar distante.

 

Ela perguntou ao marido:

— O que houve, bebê?

— Você deve saber e sentir tanto quanto eu.

— É claro que sim. Mas, temos que ser fortes. A vida é assim, nós dedicamos a vida aos filhos, parece que eles nunca vão crescer, mas, um dia eles crescem e voam do ninho, então, temos que encontrar outro propósito para viver.

— Deve ser por isso essa sensação tão grande de vazio. Quem amamos, nunca devia ir embora. A família deveria ficar junta pra sempre.

— Nós também voamos do ninho, deixamos nossas famílias, construímos a nossa. Nossos filhos ainda não têm a sua própria família, mas têm os seus propósitos de vida e tudo bem, por mais que doa. Eles estão encaminhados, isso mostra que fizemos um bom trabalho.

— Sim, acho que fizemos um bom trabalho. Mas, me corta o coração ver a Belinha tão triste.

— Ela vai superar, ela é jovem, forte e cheia de planos. Quem tem sonhos, pode superar tudo.

— E quem tem garra para realizá-los também, como a nossa filha. Ela herdou isso de você. Acho que escolhi a pessoa certa para ser a mãe dele e dos outros dois também.

— Eu não tenho dúvidas de que escolhi o nerd certo para ser o pai dos meus filhos.

— Quer dizer que o pai dos seus filhos tinha mesmo que ser um nerd?

— Confesso que tenho uma quedinha por nerds.

— Eu já tinha percebido isso – tomando os lábios da esposa num beijo apaixonado.

O tempo foi passando e Isabelle foi se adaptando novamente à rotina de trabalho exaustiva em Nova York. Ao final do dia, não podia negar que sentia falta de Richard com o seu sorriso e suas ideias do que preparar para o jantar, também com quem fazia as fofocas do trabalho e expunha detalhadamente como havia sido o seu dia, muitas vezes desabafando qualquer estresse.

Além disso, percebeu a falta de Richard na divisão das despesas, estava realmente pesado, com o seu salário dar conta do aluguel, condomínio, luz, água, alimentação, transporte, etc. Teve que abrir mão dos passeios e lanches nos finais de semana, o que a deixava ainda mais reclusa e solitária, bem como trocar o Uber pelo metrô e aprender a preparar sua comida, levada em lancheiras térmicas para o trabalho, fazendo com sobra para a janta.

Pensou em pegar um cachorro que lhe fizesse companhia, mas lembrou-se que não teria condições de bancar gastos com veterinário, já que quando ela mesma tinha um mal estar rezava para não morrer, após cancelar o plano de saúde.

A propósito, estava tendo muito mal estar nos últimos dias, atribuía isso ao estresse acentuado, o qual também a estava fazendo-a chorar sem motivo quase todas as noites, de modo que tinha que caprichar na maquiagem no dia seguinte a fim de evitar comentários de colegas sobre seus olhos inchados.

Enquanto isso, em Seattle, Cristopher também estava enfrentando o seu drama pessoal.

Ele não havia conseguido ir se despedir de Isabelle no aeroporto, embora fosse da sua vontade, porque Mabel resolveu ir embora com a mãe, Melanie, que havia vindo de Cambridge ver a filha, deixando a pequena Ellie para trás.

Melanie colocou na cabeça de Mabel que os melhores especialistas para tratar a depressão estavam em Cambridge, inclusive o psiquiatra que já havia tratado a moça na adolescência, razão pela qual levaria a filha para os especialistas de lá, até mesmo para uma eventual internação numa das melhores clínicas do País. Explicou que por se tratar de uma situação complicada, era melhor deixar Ellie.

Mabel sempre se mostrou muito apegada à Ellie, mas Melanie parecia estar no controle diante da apatia da filha, que pouca reação esboçava a qualquer coisa.

Então, Cris viu-se pai solteiro. Ainda que pudesse contar com a ajuda dos pais e da irmã, a maior responsabilidade, como era de se esperar, seria dele.

Naquele momento, o rapaz preparava-se para o teste de graduação de oficial. Com a maior responsabilidade de dar conta sozinho de Ellie, não obteve a aprovação. Mas, dedicou-se mais a ela que ao trabalho de forma consciente e não esboçou arrependimento diante da frustração dos pais, que já esperavam pelo resultado positivo.

Ele deixava Ellie na creche meio período, no outro, passou a pagar Sophie para cuidar da pequena. Quando estava em casa, seu tempo era todo da filha.

Em Nova York, durante mais uma tarde de trabalho, Isabelle sentiu uma leve tontura, lembrou-se de estar há tempo sem comer, então, dirigiu-se ao refeitório com a sua lancheira. Sentou-se numa das mesas e começou a abri-la. Frank, seu colega de trabalho, aproximou-se e pediu para se sentar, ela concordou.

Frank era do setor jurídico, advogado, com pouco mais de 30 anos, moreno claro e atraente.

Enquanto a moça comia seu almoço e ele também, o rapaz puxou assunto:

— Eu soube do fim do seu noivado e sinto muito.

— Pois é, a empresa toda já sabe, parece que sou o principal assunto.

— Isso passa, até o próximo assunto surgir – rindo.

— Não tenho dúvidas disso, por isso nem ligo.

— Você está certa, é uma pessoa muito forte e sensata e isso é admirável.

— Obrigada.

— Tenho certeza de que vai superar isso logo. Mas, se quiser uma ajuda, estamos aí.

— Obrigada.

— Quero dizer, podemos sair e tal.

— Olha, Frank, eu agradeço o convite, mas o término do meu noivado é realmente muito recente e eu não estou pronta para sair com ninguém.

— Eu entendo, mas, vou com calma.

— Prefiro nenhum tipo de interação com intenções amorosas no momento, se é que me entende. Eu preciso mesmo desse tempo.

— Claro.

Isabelle tentou se levantar para sair da mesa, mas teve uma tontura mais forte, precisando ser amparada por Frank. Ele perguntou, preocupado:

— O que você tem?

— Pressão baixa, eu acho.

— Mas, acabou de comer.

— Pois é.

Ela tentou se desvencilhar de Frank mais uma vez e caminhar, ma a tontura lhe pegou com tudo novamente. A moça teria ido ao chão se o colega não a pegasse no colo e a levasse para a enfermaria.

Na enfermaria, a enfermeira fez breves exames na moça e perguntou:

— Alguma chance de a senhora estar grávida?

— É claro que não!

— Então, eu aconselho a senhora a procurar um médico, porque as tonturas, se não indicam gravidez, podem indicar algo mais grave. Além disso, não sou médica.

Frank aguardava preocupado do lado de fora e perguntou:

— E então? Sente-se melhor?

— A enfermeira não fez muita coisa, aconselhou-me a procurar um médico.

— Eu te levo. Conheço um excelente médico.

— Frank, eu agradeço, mas nem plano de saúde tenho mais. Resta-me torcer para não morrer, como tenho feito.

— Isso não se faz, Isabelle! Eu não posso permitir isso. Vamos, eu te levo e pago a consulta.

— Eu não posso aceitar.

— Você tem que aceitar, se eu não te levar, é omissão de socorro, posso responder por isso, sabia?

— Algo me diz que isso não está na lei e que você está sendo muito dramático, mas vou aceitar para você parar de insistir, afinal, um advogado pode ser bem persistente.

— Garota esperta.

Na consulta, o médico começou a fazer perguntas:

— Apresenta algum sintoma além de tonturas?

— Sim, enjôos matinais. Acredito que possa estar relacionado ao estômago, por isso tenho tomado chás digestivos, os quais ajudam.

— Tem comido algo diferente?

— Eu mesma preparo a minha comida, mas, confesso que, apesar de ser filha de uma ótima chefe de cozinha, não sou melhor nem no estilo amador.

— Sente ganho de peso?

— Um pouco, talvez eu tenha comido demais. Também estou perto dos 25 anos, o metabolismo começa a desacelerar.

— Dor nos seios, diminuição da cintura?

— Sempre sinto dores nos seios na TPM e como estou ganhando peso, a roupa está mais justa.

— Sua menstruação está em dia?

— Está sim, sempre fui regulada.

— Tenho uma boa suspeita. Vou pedir que faça um exame rápido de urina.

— Mas, eu nem estou com vontade de fazer xixi.

— Tem bastante água na recepção. Vá até lá, tome bastante e quando se sentir pronta, volte.

Assim Isabelle fez. Com o resultado em mãos, o médico decretou:

— Como eu suspeitava, a senhora está grávida! Pode chamar o seu marido na recepção se quiser.

A notícia caiu como uma bomba em Isabelle, tudo o que ela conseguiu falar foi:

— Frank não é meu marido, só fez o favor de me acompanhar.

Respirou fundo e tentou raciocinar, concluindo:

— Esse exame está errado, simplesmente porque eu menstruo, não estou atrasada.

— Algumas mulheres continuam a menstruar nas primeiras semanas de gestação, mas logo cessa.

— Isso não pode estar acontecendo comigo.

— Ora, antes uma criança que uma doença!

Isabelle nada respondeu e saiu. Frank percebeu o nervosismo dela e perguntou:

— Tudo bem? Ele disse que você está doente?

— Disse que estou muito estressada – mentiu ela – Preciso ir pra casa, hoje não tenho condições de voltar ao trabalho.

— Está bem, eu te levo.

No seu pequeno apartamento, Isabelle tentava digerir a novidade: “Grávida e de Cris!”.

Sabia que não podia ser de Richard, com quem já não mantinha relações sexuais há meses e quando as mantinha, estava tomando regularmente anticoncepcional.

Recordou-se da aventura de amor no carro de Cris, quando se entregou a ele, sem preservativo, já sem tomar anticoncepcional desde que chegara a Seattle, sem pensar nas conseqüências. Sentiu-se como uma adolescente de quase 25 anos e culpou-se por ter sido tão irresponsável justamente ao atingir a idade adulta.

Pensou que não tinha dinheiro nem para manter um cachorro, mal estava mantendo a si própria com o seu parco salário de início de carreira, seu orgulho a fazia não ter vontade de contar a Cris ou a pedir pensão a ele. Estava desesperada. Aborto não era uma opção.

Passou a mão na barriga, ainda não podia sentir o seu bebê, mas sentia-se incapaz de matá-lo. Só de saber que ele estava ali, o amor por ele já brotava em seu peito e sentia que cresceria mais rápido que a própria barriga.


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