Scorpius se lembrava das milhares de vezes em que Rose havia falado sobre seu livro favorito. Ele se lembrava das diversas vezes em que ela lhe citou frases de cunho poético. Ele se lembrava da vez em que uma em especial lhe chamou a atenção.

“Sou apaixonado pelo mundo.”

Ele não sabia ao certo porquê, mas as palavras de Maurice Sendak ficaram em sua mente por mais tempo do que ele imaginara.

Na maioria das situações, ele estava muito ocupado prestando atenção a Rose. À voz dela que parecia preencher o silêncio com uma animação doce; aos gestos dela, tão leves e ao mesmo tempo tão precisos; aos olhos dela que brilhavam como safiras sob a Lua; aos lábios rosados dela que eram como um convite ao paraíso; ao nariz salpicado de sardas dela; às expressões faciais tão bem definidas dela; ao corpo delineado com cuidado dela.

Na maioria das situações, ele estava muito ocupado só ouvindo-a falar sem prestar muita atenção ao que lhe era dito com tanto entusiasmo. Scorpius não focava em suas palavras não por desinteresse, mas porque Rose em si já lhe chamava mais atenção do que qualquer outra coisa. Ele focava nela, ele estava apaixonado por ela.

Ele não reclamava de somente ouvir e pouco falar. Eles sempre foram assim.

Ela era o caos e ele a calmaria; ela era o barulho e ele o silêncio; ela era o calor de primavera e ele o frio de outono; ela era a rosa e ele o que estava disposto a tocá-la e admirá-la mesmo com os pontiagudos acúleos.

Mas a frase de Sendak lhe preencheu os ouvidos e lhe perturbou a mente. Depois de algumas noites sem dormir, ela aqueceu seu coração e abriu seus olhos.

Scorpius adentrou o quarto de Rose e deslizou pelas cobertas, fazendo-a acordar e franzir o cenho adoravelmente. Quando ele a encarou, viu as orbes azuis brilhando mesmo no relativo escuro do cômodo e as sardas salpicadas pelo nariz ornamentarem a delicada pele de porcelana.

“Lembra daquele dia em que você me citou uma frase de Sendak? Aquela que está em seu livro preferido.” ele ouviu sua voz pairar sobre eles no silêncio do quarto por alguns segundos e para logo depois a dela percorrer o mesmo caminho.

“Sim. Maurice era apaixonado pelo mundo.” as orbes azuis dela brilharam um pouco mais. A expressão sonolenta dela era como um convite para ele envolvê-la em seus braços e fazê-la dormir até que todo o cansaço físico se esvaisse de seu corpo.

“Eu sou apaixonado por você.” ele murmurou e sorriu levemente ao vê-la arregalar os olhos para sua sinceridade tão direta. O rosto dela esquentou e suas bochechas assumiram um tom rosado adorável. Scorpius quis beijá-la por ser tão linda envergonhada, por ser tão linda de qualquer forma, mas se conteve. “Sendak era apaixonado pelo mundo, e como eu sou apaixonado por você, você é o meu mundo.”

Rose teve que piscar algumas vezes. Não esperava uma atitude como essa em uma madrugada fria de domingo.

Era tão estranho ela ter sido criada para odiar a família dele e ele ter sido criado para odiar a dela, e no final das contas eles estarem ali, mesmo sendo tão opostos, aos vinte e um anos, na mesma cama e sob as mesmas cobertas, no apartamento em que dividiam juntos na Londres trouxa desde que começaram a trabalhar no Ministério depois de Hogwarts, entitulados depois de não muito tempo de convivência como melhores amigos. Era tão estranhamente bom.

Rose sabia que seu rosto corado estava destacando suas sardas e que Scorpius estava controlando-se para não rir. Ela sabia que suas famílias surtariam e seus amigos mais próximos diriam que estavam certos o tempo todo. Mas ela também sabia que não​ estava dando a mínima para tudo isso.

“Segundo Terry Pratchett, quanto mais distante você veleja, mais perto de casa está.” ela​ se aproximou dele, sua voz não passando de um murmúrio. “Disseram que era para eu te superar, que eu tinha que te odiar, mas se esqueceram de que eu não sou de superar expectativas.”

“Você faz o que quer.” Scorpius admirava isso nela. Na verdade, ele admirava tudo nela.

“Sim. E quanto mais eu me distanciei das ordens, mais eu me aproximei de você.” ela tocou o rosto dele com o indicador, em um afago sutil. “Mais eu me aproximei de…”

“Casa.” as palavras escaparam sem querer da boca dele.

“Não.” ela o viu engolir em seco e mordeu o lábio inferior para não rir. “Mais eu me aproximei de lar. Do meu lar. Mais eu me aproximei de você.”

“O que eu vou dizer não é romântico, mas estou surpreso e aliviado.” ela gargalhou e ele gostava de fazê-la rir. Sua risada era tão gostosa de ouvir, ele nunca se cansava.

Rose enxugou as lágrimas de riso no canto dos olhos e o encarou com um sorriso brincando nos lábios. As orbes acinzentadas dele procuraram as azuis dela, e quando encontraram, até seus olhos pareciam sorrir.

“Num determinado ponto da vida,” Scorpius citou as palavras de Toni Morrison com um erguer sutil de lábios. Era uma das frases favoritas dela. “a beleza do mundo se torna suficiente. Já não precisas fotografar, pintar ou até mesmo recordar. É suficiente.”

“Amo essa frase.” Rose murmurou.

“Eu sei.” ele enlaçou a cintura dela e se aproximou. Ela puxou as​ cobertas e se aconchegou nele. O rosto dele nos fios ruivos dela, o rosto dela no peito dele.

“Se Albus nos visse agora ele bancaria o Salinger e diria: Durmam bem, seus imbecis.”

Scorpius riu das palavras da Weasley quando ela quebrou o silêncio confortável que pairava sobre eles. Não poderia negar, de qualquer forma. O Potter realmente falaria isso.

“Acho que ele está ocupado com a Alice.” ele brincou. Os dedos enrolando as mechas ruivas distraidamente, a mente e o coração calmos. Os lados racional e emocional no mais perfeito equilíbrio.

“E eu com você.” ela o beliscou no braço, fazendo-o parar o carinho em seu cabelo e encará-la surpreso e divertido.

“É ruim?” ele arqueou as sobrancelhas, afagando a área beliscada com uma das mãos.

Rose mordeu o canto dos lábios, um sorriso ameaçando tomar conta do seu rosto pálido.

“Definitivamente não.”