O Físico e o Poeta escrita por Srta Matsuoka


Capítulo 1
Capítulo Único




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 FÍSICO E O POETA – CAPÍTULO ÚNICO

“A EXATA MAIS HUMANA”.

 

 

Bang Yongguk bebia forçadamente mais um gole de café, talvez o milésimo naquela noite. Era uma tortura tão grande que ele até fechava os olhos e contava os segundos para que seu sofrimento acabasse logo. Desde que se tornara professor, café tornou-se a bebida que ele mais repudiava, especialmente sem leite, mas esse era o único jeito de mantê-lo acordado.

Ser professor significava fazer muito sacrifício e ficar noites sem dormir e ele sempre soube disso, só não imaginava que viraria escravo de café preto.

Eram duas e meia da manhã, faltando quase cinco horas para a sua aula começar e o honrado professor de física da Universidade Federal de Seul nunca se atrasava, mesmo com pouquíssimas horas de sono. Ele também não demonstrava fraqueza durante as suas aulas, era como se estivesse ganhando energia, não perdendo.

Finalmente chegou a última pesquisa para corrigir, a de quem ele propositalmente deixou por último, porque sabia que não valia a pena gastar tempo com qualquer trabalho daquele aluno quando as suas energias ainda estavam maravilhosamente bem. Jung Daehyun era o aluno que mais lhe dava dores de cabeça, pelo simples fato de que ele não se encaixava muito bem com o curso de Física.

O trabalho que o professor Bang havia passado era uma pesquisa a respeito das constelações e também pediu para que os alunos analisassem a décima terceira constelação descoberta pela NASA. E, ao invés de seguir as instruções de seu professor sobre as informações básicas que ele queria que contivesse no documento, Daehyun fez algo completamente diferente.

Enquanto lia atentamente aquela pesquisa, Yongguk ficou dividido entre rir, lamentar e conter-se para não ter um ataque raivoso. A cada dia que passava ele se surpreendia ainda mais com a estupidez de seu aluno, pois este se superava sempre. E ele sabia que nota aquele garoto merecia.

Quando amanheceu e Yongguk entrou na sala de aula, como sempre, foi em passos rápidos e duros, sem cumprimentar ninguém, e ele era tão respeitado que seus alunos até mesmo faziam silêncio quando ele passava. Fez de tudo para não olhar para o rosto de Daehyun, pois sabia que no momento em que o visse, voaria em seu pescoço e apertaria até que o mesmo parasse de respirar.

Pena que o rapaz sentava justo nas primeiras fileiras.

Daehyun estava muito ansioso, pois em sua mente a sua teoria não só deixaria o seu professor orgulhoso como também tocaria seu coração, que era o seu principal objetivo. E na entrega dos trabalhos, ele ficou cada vez mais nervoso, pois seu nome parecia que nunca seria chamado. Até que a sua hora chegou.

— Daehyun, venha buscar o seu trabalho. — Yongguk não conteve o seu olhar sério e arrogante, coisa que chegava a ser natural de sua personalidade.

O garoto respirou fundo antes de se levantar e seu interior gritava palavras de apoio para si mesmo, dizendo que não havia nada a temer, tudo daria certo. Ignorou os risos do fundo vindo de seus colegas de classe, que não perdiam uma oportunidade para caçoar dele. De início, ele achou que era por causa do seu jeito atrapalhado e diferente, mas não.

Era porque Daehyun era um garoto de humanas cursando exatas.

— Um décimo?!

Ele poderia até ser discreto, mas ficou tão revoltado que não pôde conter a língua, e as risadas só aumentavam.

— Antes tivesse me dado um zero, seria menos humilhante. — completou.

— É só para você ter o prazer de ter um número diferente em sua nota. Acho que seu cérebro poderá deixa-lo ainda mais tonto com tantos círculos vermelhos desenhados em seus trabalhos.

— Cérebro? — Um dos colegas gritou do fundo da sala, trazendo cada vez mais risadas.

Daehyun estava tão furioso que seria capaz de derrubar todas as mesas e cadeiras à sua frente se não houvessem pessoas sentadas ali.

— Não era o senhor que dizia para sermos inovadores, professor Bang? Veja, eu tive o trabalho de criar a minha própria teoria. — contestou — E eu acho que ela está ótima.

Yongguk estava farto de tamanho absurdo, a ponto de se levantar e andar em círculos em volta de Daehyun.

— Sabe, Jung, quando eu disse “inovação”, queria que vocês fizessem novas análises, novas descobertas, ou até mesmo acrescentar novas observações a teorias já feitas. Não pedi uma poesia!

— Isto se chama prosa, senhor. — Daehyun o corrigiu — Não tem nada a ver com poesia.

— Ah, que seja. Humanas é tudo a mesma coisa, é só poesia. Isso deveria ser um hobby, não uma matéria escolar. Ninguém ganha nada com isso, é muito difícil.

— Com todo o respeito, professor Bang, há tantos escritores românticos que ganham muito mais que professores como o senhor!

Yongguk nada disse, apenas levantou o olhar e parou de frente para Jung. Com aquela pequena frase, Daehyun conseguiu pela primeira vez calar a boca de todos e fazê-los ficar boquiaberto com a sua ousadia em falar assim com o seu professor.

— Escute aqui, sua criança insolente. — A firmeza no tom de voz do professor Bang chegou a ser arrepiante — Você está na aula de Física, se as letras não estiverem ocultando um número desconhecido numa equação, então elas não servem para nada.

“Caso esteja insatisfeito, fique à vontade para ter aula de literatura no andar de baixo. Porque é em lugares assim que as Humanas devem ficar, abaixo de nós, Exatas”.

— O senhor vai se arrepender por dizer essas palavras, professor Bang. — Daehyun rosnou.

— Depois você faz seu discursinho patético. Agora, se não se importa, preciso dar meu conteúdo. Sente-se ou saia.

Daehyun engoliu o seu orgulho e soltou um riso sarcástico para finalmente dar as costas e voltar ao seu lugar.

Diferente do que costumava ser, Daehyun ficou bastante inquieto durante a aula. Apesar de não ser o melhor aluno, ele parecia estar sempre concentrado e parecia anotar cada palavra que considerasse importante, por isso sentava sempre na frente. Só que, desta vez, por mais que seu caderno estivesse aberto, ele nem ao menos tocou em sua caneta.

E o tempo todo ele ouvia os seus colegas sussurrando piadas sobre si, como faziam todos os dias, que, como sempre, ignorava. Porém, justo naquele dia em que Daehyun ficara indignado com o fato de seu professor criticar a sua ciência e falou o que não devia, as piadas só aumentavam. Ele certamente seria o tema principal de muitas conversas em grupo quando a aula acabasse.

Ao final da aula, os alunos rapidamente guardavam as suas coisas e saíam. Ao contrário da escola, não era preciso um sinal para que todos soubessem a hora de ir, mas o professor era quem anunciava. Mas também não faria nada caso algum aluno saísse antes do horário. Era responsabilidade dele.

— Daehyun, posso falar com você antes de ir? — Yongguk perguntara enquanto o outro ajeitava a mochila nas costas.

— É a respeito do meu trabalho, professor?

— Mais ou menos.

Yongguk respirou fundo, estava procurando as palavras certas. Não queria ofender o jovem Jung, mas também não podia deixar aquilo passar.

— Por acaso pensa em desistir do curso de Física para estudar literatura ou algo assim?

— Apesar de isso ser um assunto pessoal meu, professor, eu gosto de Astronomia e pretendo continuar.

— Olhe só para as suas notas Daehyun! Parece que você não evolui em nada. Você está sendo mais uma piada que um aluno. — Yongguk cruzou os braços — Não pense que conseguirá sustentar a si mesmo e ainda ajudar a sua família vendendo livros. Procure algo que realmente o ajude.

Daehyun parou de responder por alguns segundos e abaixou a cabeça enquanto ajeitava um caderno embaixo do braço. Foi aí que Yongguk percebeu o quão magoado o garoto ficou com as suas palavras.

— Professor Bang, por favor, dê-me um pouco mais de tempo. — o garoto insistiu — Sei que o senhor dificilmente permite, mas, por favor, nem que seja por uma nota menor, deixe-me refazer o seu trabalho.

Ele permaneceu na posição final de sua reverência mesmo quando terminou de falar. De fato, aquele professor dificilmente permitia algo assim, mas visto que a situação do jovem Jung era crítica e ele, apesar do desempenho ruim, era um aluno esforçado, pensou em dar-lhe uma segunda chance.

— Eu quero uma pesquisa de verdade. — Yongguk confirmou enquanto tocava nos ombros do aluno para que este erguesse suas costas. — Sem poemas, prosas ou poesias.

Daehyun, com um sorriso largo em seu rosto, balançava a cabeça em afirmação.

— Nada de humanas.

— Nada de humanas. — o professor repetiu.

— Obrigado, professor Bang. Não irei decepcioná-lo.

— Eu espero que não.

Daehyun o reverenciou mais uma vez, desta vez como despedida. Quanto a Yongguk, ele deu meia-volta porque ainda teria de arrumar as suas coisas em cima da mesa. Curiosamente ele pegou novamente a pesquisa de Daehyun e releu ainda desacreditado daquela “teoria”.

Na pesquisa, ele afirma que, ao contrário do que muitos acreditavam, as estrelas poderiam não representar a alma daqueles que já morreram, mas sim dos que estão vivos. Cada estrela representava um ser humano, e, quanto mais alegre fosse o seu espírito, maior e mais brilhante ela será. É por isso que existem estrelas tão pequenas e apagadas que quase não conseguimos ver.

Aquele garoto pensava alto demais, tinha uma grande imaginação. Era realmente uma pena que toda aquela criatividade não servisse de muita coisa durante as aulas de física.

Passaram-se dois dias desde então, e já era noite de domingo, e o calendário de Bang Yongguk estava circulado naquele dia. Vinte e quatro de outubro, o dia em que perdeu a sua irmã poucos anos atrás. Todos os anos, desde então, ele vai ao cemitério com diferentes tipos de flores e pequenas lembranças para pôr no túmulo dela, em respeito a sua memória.

Naquela parte da cidade, mesmo que fosse num lugar tão depressivo, visto que se tratava de um cemitério, ao menos o céu era limpo. A única beleza presente ali. Era noite de lua cheia e as estrelas pareciam que tinham se multiplicado.

— Se ao menos você estivesse aqui para ver isso. — Yongguk sussurrou para si mesmo. — Você amava as estrelas. Amava tanto que, naquela cama de hospital, disse que em breve se tornaria uma.

“Por que disse essas palavras? Você sabe que eu odeio poesia”.

Bang Yongsun, sua preciosa irmã, era a única pessoa capaz de fazê-lo chorar, mesmo quando ainda estava viva. Se ela visse a lágrima que estava escorrendo pelo rosto dele agora, com certeza o abraçaria e faria de tudo para que ele sorrisse. Era uma boa garota, muito amorosa também e fazia muita falta.

— Professor Bang! O senhor por aqui?

Yongguk se assustara ao notar uma nova presença ali. Ele nunca encontrava ninguém ali tão tarde da noite, por isso ia naquele horário, e a pessoa que menos esperava encontrar era o seu aluno, Jung Daehyun. O garoto sorriu contente assim que o viu. Não importava o lugar ou a situação, ele sempre mantinha aquele sorriso radiante no rosto.

— Estou visitando a minha irmã.

— Oh! — Daehyun mirou o túmulo à frente de Yongguk e as flores novas que estavam sobre. — Sinto muito.

— Obrigado. Não foi recente, mas eu quero manter a memória dela sempre viva.

— Que bonito de sua parte.

Ao redirecionar o olhar mais atentamente para Daehyun, Yongguk pôde notar melhor que o mesmo carregava um pedaço, não muito grande, de um cano cuja largura era grande o suficiente para caber um animal de tamanho médio.

— Desculpe me intrometer, mas o que você está fazendo?

— Ah, isso? — Daehyun apontou para o cano — Digamos que eu também perdi alguém que amo dois anos atrás, mas eu tenho uma maneira diferente de manter viva a sua memória. Afinal, ele não gostava de flores.

— Meus pêsames.

— Foi o meu cachorrinho. Ele comeu veneno acidentalmente no dia em que fugiu de casa.

Yongguk crispou os lábios, estava sem palavras. Era triste de se ouvir, pois dava para ver o quão apegado Daehyun era ao seu mascote, ele até mesmo podia ver a mistura de tristeza, revolta e saudade refletido em seus olhos. Pobre garoto.

— Nós costumávamos vir aqui à noite, quando eu o trazia para passear. — o jovem continuou. — Tem um espaço grande ali na frente e dá para correr bastante. Sem falar que costumávamos deitar na grama e ficar admirando as estrelas. Dávamos alegria a este lugar.

“Foi esse fascínio por estrelas que me fez querer estudar física, porque eu sempre acreditei que, quanto mais próximo eu ficava das estrelas, mais perto eu ficava dele. Ele não foi enterrado aqui, embora eu sinta a sua presença. Meu Suki é a estrela mais brilhante do céu, professor, o seu brilho não pode se apagar”.

“Esse garoto, francamente. Que mente ele tem!”, era o que se passava pela cabeça de Yongguk naquele momento. Porém, diante daquele desabafo, seria desrespeitoso dizer qualquer coisa que fosse contrária. Desta vez, Yongguk o apoiaria.

— Você quer que eu o ajude? — Yongguk se ofereceu.

— Não, obrigado, o projeto já está pronto, só falta um último detalhe.

Os dois então seguiram alguns passos a frente e havia uma espécie de lanterna improvisada no chão, que mais parecia o holofote do Batsinal.

— Não olhe agora, professor Bang. Feche os olhos.

Apesar de questionar para si mesmo porque o garoto queria fazer surpresa, Yongguk confiou nele e permitiu que ele o guiasse enquanto segurava a sua mão. Eles andaram por uns cinco minutos, até que Daehyun permitiu que seus olhos fossem abertos.

Yongguk ficou boquiaberto. Daehyun criou uma própria estrela e o ângulo e a distância em que a luz fora projetada dava a impressão de que a estrela realmente estava no céu.

— Isso é incrível! — Yongguk expressou — Parece realmente uma estrela de verdade. Parece que você fez a pesquisa certa desta vez.

— Eu também andei pesquisando um pouco sobre distância e deslocamento.

— Parabéns, Jung, você fez uma experiência incrível desta vez. Isso sim é física.

— Não, professor. Isso é poesia.


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