Adele escrita por Camélia Bardon
Notas iniciais do capítulo
Oioi nenês, tudo ok com vocês? Perdão do atraso na postagem, não consegui achar brechas para escrever nada :c
Anyway, uma história de época sempre tem que ter um baile, né non? Cá está ♥ Embora eu esteja totalmente insatisfeita com esse capítulo, ele está aqui ksksksk boa leitura!
Dezembro de 1889
Tivemos muitos hóspedes vindos de Paris no início de dezembro na Casa Chevalier. Minha serventia dobrou de tamanho, pois além das srtas. Lilian e Sienna, e lady Anneliese, abrigávamos agora lady Moreau e mais as outras miladys de Montpellier e suas filhas – miladys Lozère, Gard, Aude, Ardèche, Líger, Garona e Tarn* (até hoje orgulho-me de ter decorado todos os departamentos de Languedoc-Roussillon). Seus filhos também estavam inclusos na hospedagem, mas não necessitavam de uma camareira, graças aos céus: eu não aguentaria lavar mais de dois mictórios.
Eram tantas pessoas dentro de apenas uma casa que eu me sentia dividida entre rir e chorar. Rir pelo aumento mínimo de salário e chorar porquanto... oras, bailes são eventos lindos. Sim, são. Menos para uma camareira que não dança e não flerta, apenas lava vestidos e arruma penteados e roupas de senhoritas e miladys.
Pensar que este poderia ser meu último baile com os Chevalier deprimia-me mais do que o tradicional. Lilian tampouco animava-se com a ideia, pois, segundo confidenciara em uma de suas idas a Montpellier com Sienna – e eu, claro, como belo cão de guarda de duas senhoritas – ela detestava bailes. Teria de comparecer a este para fazer boa imagem a seu amado noivo. Lilian tinha apenas 19 anos, mas falava e agia como uma quarentona, e eu não sabia se isto era bom ou ruim.
Ao menos eu sabia que viajaria para Avignon – e agora, para Bordeaux! – em breve, e então esses momentos de preocupação seriam intermitentes e substituídos por alegria e regozijo. A camareira deixaria de ser camareira por três semanas para ser auxiliar e filha.
De qualquer maneira, o baile aproximou-se junto com o inverno – e é claro que isso não impediu ninguém de divertir-se e de deliciar-se com as comidas de Melina. Tivemos sopa de tomates, peru ao molho foie gras, Parmentier de Canard, Tarte Tatin e mille-feuilles** (esse último, devo confessar, surrupiei para meu estômago ao menos três vezes).
Remy felicitou-se por ter um dia de folga e foi convidado, junto a Ettore, a sentar-se com todos os convidados na ceia. Eu estava para descer as escadas com Sienna quando escutei um choramingar vindo do quarto de Lilian. Pedi licença à milady e retornei para o segundo andar.
— Senhorita? — parei no batente da porta, aguardando instruções. — Está tudo bem?
— Adele? — perguntou ela, do banheiro. Vacilei por um segundo. — Pode vir aqui por um momento?
Assenti, mesmo ela não podendo ver, e caminhei até lá. Abri a porta e a cena que presenciei era digna de pena. Lilian jazia sentada na banheira com as saias erguidas e sangue escorrendo por entre suas pernas. Sua expressão era de pura dor e desamparo.
— Ah, a sua regra vingou... — suspirei, tomando sua mão junto à minha. — Logo hoje.
— Eu ralhei pelo baile, mas não significava que eu estaria impedida de participar de tal — Lilian gemeu e recostou-se na pia.
— Estás com cólicas, senhorita?
— Cólica é puro eufemismo, estou com o diabo a bailar em meu ventre.
Dei uma risada abafada, recebendo um olhar mal-humorado de Lilian.
— Não se preocupe, senhorita. Prepararei um chá de camomila e uma compressa com panos. E manterei em sigilo até segunda ordem.
— C-compressas? — ela franziu o cenho. — O que são compressas, Adele?
Arqueei as sobrancelhas, surpresa.
— O que são compressas? Ora, senhorita. Panos quentes por sobre o ventre, para aliviar a dor. A senhorita nunca as fez? Deixas as dores tomarem conta de si?
— Decerto que sim. Pelo que sei, não há maneiras de aplacar. Até... até o presente dia, ao menos.
— Serei o mais breve possível neste caso então, senhorita. Acaso perguntarem de vós, o que devo dizer? Decerto que precisará de um cochilo após isso.
— Diga que estou com dores de cabeça, por obséquio.
Assenti com a cabeça e pus-me a serviço. Fechei a porta do banheiro e a do quarto, com um “ah, céus e inferno” de fundo. Eu não era uma pessoa religiosa, e certamente Lilian não era. Entretanto, se lady Anneliese ouvisse tais blasfêmias poderia dizer adeus à nora.
Desci as escadas de serviço para o andar térreo, contornando a cozinha e a lavanderia. Em seguida, coloquei para ferver a água para a compressa e o chá. Devo dizer que poderia servir para consulta à polícia, pois ou eu era uma profissional inegavelmente hábil ou era apenas pequena demais para ser notada.
Colhi a camomila no jardim, aproveitando para fazer um carinho nos cavalos atrelados às carruagens das famílias visitantes. Preparei o chá e levei os panos para cima, felizmente não sendo vista ou interrompida por ninguém.
Entrei no quarto com cautela, empurrando a porta com o quadril. Agachei-me ao lado de Lilian e dispus de uma chávena de chá. Entreguei-o a ela e esperei até que tomasse para separar o recipiente com água quente.
— Até que vosmecê não é tão imprestável quanto pensei que fosse — Lilian ofereceu um quase sorriso, que entendi ser o máximo que conseguia elogiar. Seus comentários normais, cheios de sarcasmos e ódio estavam sendo substituídos por... empatia era a palavra certa?
— Certamente que não, senhorita. Agora, vamos às compressas, oui?
— Oui — assentiu ela, talvez se sentindo derrotada demais para argumentar.
Umedeci os panos na água quente e pedi para Lilian erguer mais a saia. Era diferente com Sienna, que sempre ficava roxa de vergonha a cada mês. Lilian sequer demonstrou incômodo, pelo contrário – deleitou-se com cada compressa. E pareceu querer exibir o seu corpo, que obviamente era bem-esculpido. Engoli em seco e busquei uma anágua, por insistência de Lilian, que não dispensaria aquele baile por nada. Após isso, enrolei uma última toalha e entreguei a ela, que a posicionou no meio das pernas e suspirou, aliviada.
— Há mille-feuilles e muitas beldades lá embaixo, Adele — ela abriu um sorriso malicioso, que me fez desviar o olhar. — E fique tranquila, não estou me referindo ao seu amado.
— P-perdão?
— Não há a necessidade de fazer-se de desentendida, Adele. Seus sentimentos por Thierry são palpáveis. E olhe que não sou exatamente a melhor pessoa para comentar acerca de sentimentos, pois os repudio. Todavia, mesmo sendo da opinião de que está sendo uma completa tola, asseguro-a de que jamais poderei amá-lo, ou a qualquer out... — E então ela se interrompeu, subitamente. Engoli em seco antes dela prosseguir. — De qualquer maneira, mesmo que Thierry viesse a amá-la, o que é impossível, não haveria nenhum modo de ambos ficarem juntos.
— Eu bem sei — assumi, sobrepujada. — Contudo, não se pode escolher a quem se ama, senhorita.
— Você deve ter razão. Se eu pudesse escolher, exterminaria todos os homens da face do globo.
Arqueei as sobrancelhas, horrorizada. Ela gargalhou alto e levantou-se, e eu a acompanhei, mesmo que de maneira um tanto nervosa.
— Estou a chacotear, Adele. Ou não. De qualquer maneira, eu... sinto-me grata pela ajuda. E pense no que lhe disse. Não estou a ameaçando, sim?
— Sim, senhorita — forcei um sorriso e auxiliei-a andar até a porta, e a descer as escadas.
Aquela seria uma noite longa.
Servi as refeições junto a Bertoli, e recebi inúmeros olhares, tanto simpatizantes quanto nocivos. Vez ou outra, meus olhos cruzavam com os de Thierry. E, ao mesmo tempo, estes meus olhos forçavam-se a mudar de direção.
Naquela noite, observei dezenas de casais – comprometidos ou não – entregarem-se à dança e ao sentimento natalino. Observei, como sempre fiz durante nove anos. Eu nunca participaria de um daqueles, mas não é como se importasse. Mas... é claro que importava. Era um sentimento estranho, a ausência de algo que eu nunca tivera.
Thierry, com a ajuda de Ettore, transportou o piano da sala de leitura para o salão de visitas, e uma vez mais encheu meus ouvidos de alegria. As teclas do instrumento, sempre quando tocadas por ele, transportavam-me para devaneios estúpidos.
Se eu fechasse os olhos, poderia ver com clareza o meu tão querido Thierry tomando minha mão, levando-me até o centro e deixando nossas mãos, nossos corações e nossa alma uma só. Sua mão abraçando minha cintura e os passos, tão delicados e precisos, conduzindo-nos numa dança ao som do nosso amor.
É claro que isto não aconteceria. Nunca. No entanto, sonhar nunca era demais.
x-x-x-x-x
Ao invés de prosseguir sonhando, libertei-me de minha mente fantasiosa e engoli em seco.
Passei a procurar pistas para o segredo de Thierry e Lilian, pois, se Lilian sabia de minha condição eu estaria vulnerável perante ela, caso algo viesse a piorar. Era irônico; Lilian dizia repudiar sentimentos, todavia conseguira decifrar meus sentimentos por Thierry. Eu tinha uma missão, e deixar meus sentimentos me atrapalharem era algo impensável.
Então, acompanhei cada passo dos dois. Thierry trocou uma dança com Lilian, uma com Sienna e uma com sua mãe, todas conforme demandava a etiqueta. Após isso, trocou conversas com os filhos de lorde Ardèche e com a filha de lorde Lozère, mas com a mesma cortesia que conversava com a qualquer outro.
Quando servi Tarte Tatin para Lilian, esta conversava com Sienna e trocava gracejos com lady Gard, provavelmente comentando acerca do noivado, pois a segunda também casar-se-ia em breve, com um parisiense. Sienna parecia particularmente interessada na conversa, e supus que fosse pelo interesse pelo tal lorde Benoit.
Anotei todos os nomes e ações do baile, conforme minha percepção. Posteriormente, após endereçar a carta ao remetente anterior – também conhecido como sr. Banks – ajudei as senhoritas restantes com as roupas de frio e a Sienna com as dores mensais. Senti-me como uma mãe cuidando de tantas jovens ao mesmo tempo, e por um breve momento a maternidade transpassou meus pensamentos.
Pensei em Melina, que desde que se entendia por gente ansiava por uma criança que alegrasse seus dias solitários. E eu? O que eu queria? Nunca havia sequer pensado a respeito, pois minha classe social não era tolerável. Mesmo que eu tivesse um filho, não teria condições de criá-lo como merecia, não tendo nada além de amor e carinho para oferecer. Por mais poético que fosse, não era o suficiente.
— Se tivesse nascido tão nobre quanto meu nome — murmurei, para mim mesma. — Todas essas convenções sociais seriam banidas.
Suspirei, sentando-me na cama. Encarei o criado-mudo com a pilha de papéis de carta e o cômodo iluminado pela luz da lua e da lamparina. Com o coração tão tomado por sandices – ora, só poderia tratar-se de sandice apaixonar-se após nove anos de neutralidade e puro... afeto inocente – eu ponderei acerca de minhas opções para reagir àquilo, depois da conversa que tive com Lilian.
Eu tinha duas escolhas, cujas quais eram esconder o que eu sentia – mas não dos olhos alheios, do meu próprio âmago – ou então confessá-los.
Ou então... eu poderia fazer ambos. Portanto, tomei um posicionamento. Confessaria meus sentimentos à Thierry, mas nunca o deixaria ele saber de tal ato. Eu escreveria uma carta a ele. Mas não a entregaria pessoalmente. Se ele a encontrasse, sorte. Se não a encontrasse... bem, apenas o tempo diria.
Naquela noite, deixei de ser apenas a observadora. Como Alice, dei adeus à minha sanidade e instaurei meu próprio País das Maravilhas ao colocar toda minha alma em um mero papel de carta.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
*Todos esses são departamentos da região de Languedoc-Roussillon, são tipo bairros financeiros. Não sei se de fato houveram lordes e ladys responsáveis por eles, essa parte pode ser só ficção minha.
**Vou abrasileirar as receitas para vocês xD desculpa, no meu curso eu tive que decorar isso tudinho e finalmente serviu para algo.
Peru ao molho foie gras: é fígado. Isso mesmo, fígado. Mas lá eles usam mais de ganso e pato do que de galinha. É tipo um patê, mas se você chamar foie gras de patê perto de um francês pode ter certeza que ele vai te atacar com um peru.
Parmentier de Canard: coxa de pato assada.
Tarte Tatin: torta de maçã. Era mais fácil dizer "torta de maçã"? Era KKKK
Mille-feuilles: é um docinho MA-RA-VI-LHO-SO feito com massa folhada e creme de baunilha.
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A fatídica carta xD devo dizer que vocês só verão ela bem mais pra frente. Seria Adele a Lara Jean do século XIX? HEHEHEH Digam o que acharam e se há algo que precise ser melhorado ♥ até o próximo!