Adele escrita por Camélia Bardon


Capítulo 9
VIII. O baile segundo a camareira


Notas iniciais do capítulo

Oioi nenês, tudo ok com vocês? Perdão do atraso na postagem, não consegui achar brechas para escrever nada :c
Anyway, uma história de época sempre tem que ter um baile, né non? Cá está ♥ Embora eu esteja totalmente insatisfeita com esse capítulo, ele está aqui ksksksk boa leitura!



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Dezembro de 1889

Tivemos muitos hóspedes vindos de Paris no início de dezembro na Casa Chevalier. Minha serventia dobrou de tamanho, pois além das srtas. Lilian e Sienna, e lady Anneliese, abrigávamos agora lady Moreau e mais as outras miladys de Montpellier e suas filhas – miladys Lozère, Gard, Aude, Ardèche, Líger, Garona e Tarn* (até hoje orgulho-me de ter decorado todos os departamentos de Languedoc-Roussillon). Seus filhos também estavam inclusos na hospedagem, mas não necessitavam de uma camareira, graças aos céus: eu não aguentaria lavar mais de dois mictórios.

 Eram tantas pessoas dentro de apenas uma casa que eu me sentia dividida entre rir e chorar. Rir pelo aumento mínimo de salário e chorar porquanto... oras, bailes são eventos lindos. Sim, são. Menos para uma camareira que não dança e não flerta, apenas lava vestidos e arruma penteados e roupas de senhoritas e miladys.

Pensar que este poderia ser meu último baile com os Chevalier deprimia-me mais do que o tradicional. Lilian tampouco animava-se com a ideia, pois, segundo confidenciara em uma de suas idas a Montpellier com Sienna – e eu, claro, como belo cão de guarda de duas senhoritas – ela detestava bailes. Teria de comparecer a este para fazer boa imagem a seu amado noivo. Lilian tinha apenas 19 anos, mas falava e agia como uma quarentona, e eu não sabia se isto era bom ou ruim.

Ao menos eu sabia que viajaria para Avignon – e agora, para Bordeaux! – em breve, e então esses momentos de preocupação seriam intermitentes e substituídos por alegria e regozijo. A camareira deixaria de ser camareira por três semanas para ser auxiliar e filha.

De qualquer maneira, o baile aproximou-se junto com o inverno – e é claro que isso não impediu ninguém de divertir-se e de deliciar-se com as comidas de Melina. Tivemos sopa de tomates, peru ao molho foie gras, Parmentier de Canard, Tarte Tatin e mille-feuilles** (esse último, devo confessar, surrupiei para meu estômago ao menos três vezes).

Remy felicitou-se por ter um dia de folga e foi convidado, junto a Ettore, a sentar-se com todos os convidados na ceia. Eu estava para descer as escadas com Sienna quando escutei um choramingar vindo do quarto de Lilian. Pedi licença à milady e retornei para o segundo andar.

— Senhorita? — parei no batente da porta, aguardando instruções. — Está tudo bem?

— Adele? — perguntou ela, do banheiro. Vacilei por um segundo. — Pode vir aqui por um momento?

Assenti, mesmo ela não podendo ver, e caminhei até lá. Abri a porta e a cena que presenciei era digna de pena. Lilian jazia sentada na banheira com as saias erguidas e sangue escorrendo por entre suas pernas. Sua expressão era de pura dor e desamparo.

— Ah, a sua regra vingou... — suspirei, tomando sua mão junto à minha. — Logo hoje.

— Eu ralhei pelo baile, mas não significava que eu estaria impedida de participar de tal — Lilian gemeu e recostou-se na pia.

— Estás com cólicas, senhorita?

— Cólica é puro eufemismo, estou com o diabo a bailar em meu ventre.

Dei uma risada abafada, recebendo um olhar mal-humorado de Lilian.

— Não se preocupe, senhorita. Prepararei um chá de camomila e uma compressa com panos. E manterei em sigilo até segunda ordem.

— C-compressas? — ela franziu o cenho. — O que são compressas, Adele?

Arqueei as sobrancelhas, surpresa.

— O que são compressas? Ora, senhorita. Panos quentes por sobre o ventre, para aliviar a dor. A senhorita nunca as fez? Deixas as dores tomarem conta de si?

— Decerto que sim. Pelo que sei, não há maneiras de aplacar. Até... até o presente dia, ao menos.

— Serei o mais breve possível neste caso então, senhorita. Acaso perguntarem de vós, o que devo dizer? Decerto que precisará de um cochilo após isso.

— Diga que estou com dores de cabeça, por obséquio.

Assenti com a cabeça e pus-me a serviço. Fechei a porta do banheiro e a do quarto, com um “ah, céus e inferno” de fundo. Eu não era uma pessoa religiosa, e certamente Lilian não era. Entretanto, se lady Anneliese ouvisse tais blasfêmias poderia dizer adeus à nora.

Desci as escadas de serviço para o andar térreo, contornando a cozinha e a lavanderia. Em seguida, coloquei para ferver a água para a compressa e o chá. Devo dizer que poderia servir para consulta à polícia, pois ou eu era uma profissional inegavelmente hábil ou era apenas pequena demais para ser notada.

Colhi a camomila no jardim, aproveitando para fazer um carinho nos cavalos atrelados às carruagens das famílias visitantes. Preparei o chá e levei os panos para cima, felizmente não sendo vista ou interrompida por ninguém.

Entrei no quarto com cautela, empurrando a porta com o quadril. Agachei-me ao lado de Lilian e dispus de uma chávena de chá. Entreguei-o a ela e esperei até que tomasse para separar o recipiente com água quente.

— Até que vosmecê não é tão imprestável quanto pensei que fosse — Lilian ofereceu um quase sorriso, que entendi ser o máximo que conseguia elogiar. Seus comentários normais, cheios de sarcasmos e ódio estavam sendo substituídos por... empatia era a palavra certa?

— Certamente que não, senhorita. Agora, vamos às compressas, oui?

Oui — assentiu ela, talvez se sentindo derrotada demais para argumentar.

Umedeci os panos na água quente e pedi para Lilian erguer mais a saia. Era diferente com Sienna, que sempre ficava roxa de vergonha a cada mês. Lilian sequer demonstrou incômodo, pelo contrário – deleitou-se com cada compressa. E pareceu querer exibir o seu corpo, que obviamente era bem-esculpido. Engoli em seco e busquei uma anágua, por insistência de Lilian, que não dispensaria aquele baile por nada. Após isso, enrolei uma última toalha e entreguei a ela, que a posicionou no meio das pernas e suspirou, aliviada.

— Há mille-feuilles e muitas beldades lá embaixo, Adele — ela abriu um sorriso malicioso, que me fez desviar o olhar. — E fique tranquila, não estou me referindo ao seu amado.

— P-perdão?

— Não há a necessidade de fazer-se de desentendida, Adele. Seus sentimentos por Thierry são palpáveis. E olhe que não sou exatamente a melhor pessoa para comentar acerca de sentimentos, pois os repudio. Todavia, mesmo sendo da opinião de que está sendo uma completa tola, asseguro-a de que jamais poderei amá-lo, ou a qualquer out... — E então ela se interrompeu, subitamente. Engoli em seco antes dela prosseguir. — De qualquer maneira, mesmo que Thierry viesse a amá-la, o que é impossível, não haveria nenhum modo de ambos ficarem juntos.

— Eu bem sei — assumi, sobrepujada. — Contudo, não se pode escolher a quem se ama, senhorita.

— Você deve ter razão. Se eu pudesse escolher, exterminaria todos os homens da face do globo.

Arqueei as sobrancelhas, horrorizada. Ela gargalhou alto e levantou-se, e eu a acompanhei, mesmo que de maneira um tanto nervosa.

— Estou a chacotear, Adele. Ou não. De qualquer maneira, eu... sinto-me grata pela ajuda. E pense no que lhe disse. Não estou a ameaçando, sim?

— Sim, senhorita — forcei um sorriso e auxiliei-a andar até a porta, e a descer as escadas.

Aquela seria uma noite longa.

Servi as refeições junto a Bertoli, e recebi inúmeros olhares, tanto simpatizantes quanto nocivos. Vez ou outra, meus olhos cruzavam com os de Thierry. E, ao mesmo tempo, estes meus olhos forçavam-se a mudar de direção.

Naquela noite, observei dezenas de casais – comprometidos ou não – entregarem-se à dança e ao sentimento natalino. Observei, como sempre fiz durante nove anos. Eu nunca participaria de um daqueles, mas não é como se importasse. Mas... é claro que importava. Era um sentimento estranho, a ausência de algo que eu nunca tivera.

Thierry, com a ajuda de Ettore, transportou o piano da sala de leitura para o salão de visitas, e uma vez mais encheu meus ouvidos de alegria. As teclas do instrumento, sempre quando tocadas por ele, transportavam-me para devaneios estúpidos.

Se eu fechasse os olhos, poderia ver com clareza o meu tão querido Thierry tomando minha mão, levando-me até o centro e deixando nossas mãos, nossos corações e nossa alma uma só. Sua mão abraçando minha cintura e os passos, tão delicados e precisos, conduzindo-nos numa dança ao som do nosso amor.

É claro que isto não aconteceria. Nunca. No entanto, sonhar nunca era demais.

x-x-x-x-x

Ao invés de prosseguir sonhando, libertei-me de minha mente fantasiosa e engoli em seco.

Passei a procurar pistas para o segredo de Thierry e Lilian, pois, se Lilian sabia de minha condição eu estaria vulnerável perante ela, caso algo viesse a piorar. Era irônico; Lilian dizia repudiar sentimentos, todavia conseguira decifrar meus sentimentos por Thierry. Eu tinha uma missão, e deixar meus sentimentos me atrapalharem era algo impensável.

Então, acompanhei cada passo dos dois. Thierry trocou uma dança com Lilian, uma com Sienna e uma com sua mãe, todas conforme demandava a etiqueta. Após isso, trocou conversas com os filhos de lorde Ardèche e com a filha de lorde Lozère, mas com a mesma cortesia que conversava com a qualquer outro.

Quando servi Tarte Tatin para Lilian, esta conversava com Sienna e trocava gracejos com lady Gard, provavelmente comentando acerca do noivado, pois a segunda também casar-se-ia em breve, com um parisiense. Sienna parecia particularmente interessada na conversa, e supus que fosse pelo interesse pelo tal lorde Benoit.

Anotei todos os nomes e ações do baile, conforme minha percepção. Posteriormente, após endereçar a carta ao remetente anterior – também conhecido como sr. Banks – ajudei as senhoritas restantes com as roupas de frio e a Sienna com as dores mensais. Senti-me como uma mãe cuidando de tantas jovens ao mesmo tempo, e por um breve momento a maternidade transpassou meus pensamentos.

Pensei em Melina, que desde que se entendia por gente ansiava por uma criança que alegrasse seus dias solitários. E eu? O que eu queria? Nunca havia sequer pensado a respeito, pois minha classe social não era tolerável. Mesmo que eu tivesse um filho, não teria condições de criá-lo como merecia, não tendo nada além de amor e carinho para oferecer. Por mais poético que fosse, não era o suficiente.

— Se tivesse nascido tão nobre quanto meu nome — murmurei, para mim mesma. — Todas essas convenções sociais seriam banidas.

Suspirei, sentando-me na cama. Encarei o criado-mudo com a pilha de papéis de carta e o cômodo iluminado pela luz da lua e da lamparina. Com o coração tão tomado por sandices – ora, só poderia tratar-se de sandice apaixonar-se após nove anos de neutralidade e puro... afeto inocente – eu ponderei acerca de minhas opções para reagir àquilo, depois da conversa que tive com Lilian.

 Eu tinha duas escolhas, cujas quais eram esconder o que eu sentia – mas não dos olhos alheios, do meu próprio âmago – ou então confessá-los.

Ou então... eu poderia fazer ambos. Portanto, tomei um posicionamento. Confessaria meus sentimentos à Thierry, mas nunca o deixaria ele saber de tal ato. Eu escreveria uma carta a ele. Mas não a entregaria pessoalmente. Se ele a encontrasse, sorte. Se não a encontrasse... bem, apenas o tempo diria.

Naquela noite, deixei de ser apenas a observadora. Como Alice, dei adeus à minha sanidade e instaurei meu próprio País das Maravilhas ao colocar toda minha alma em um mero papel de carta.


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Notas finais do capítulo

*Todos esses são departamentos da região de Languedoc-Roussillon, são tipo bairros financeiros. Não sei se de fato houveram lordes e ladys responsáveis por eles, essa parte pode ser só ficção minha.
**Vou abrasileirar as receitas para vocês xD desculpa, no meu curso eu tive que decorar isso tudinho e finalmente serviu para algo.
Peru ao molho foie gras: é fígado. Isso mesmo, fígado. Mas lá eles usam mais de ganso e pato do que de galinha. É tipo um patê, mas se você chamar foie gras de patê perto de um francês pode ter certeza que ele vai te atacar com um peru.
Parmentier de Canard: coxa de pato assada.
Tarte Tatin: torta de maçã. Era mais fácil dizer "torta de maçã"? Era KKKK
Mille-feuilles: é um docinho MA-RA-VI-LHO-SO feito com massa folhada e creme de baunilha.

A fatídica carta xD devo dizer que vocês só verão ela bem mais pra frente. Seria Adele a Lara Jean do século XIX? HEHEHEH Digam o que acharam e se há algo que precise ser melhorado ♥ até o próximo!