Letters. escrita por mschoiseul


Capítulo 1
One-shot.




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As mãos trêmulas e franzinas do homem de aparência frágil tocavam o amontoado de coisas da casa abandonada, roçando levemente os lençóis encardidos que cobriam os móveis. O odor típico do abandono unia-se ao doce resquício do cheiro de morangos e rosas, que ele já não distinguia ser real ou fruto de sua memória que trazia risadas e vozes à tona só de olhar em volta. Com passos cautelosos, ele adentrava a sala de estar com uma garrafa de uísque de fogo em mãos, afinal estava ali para celebrar o que seria o dia do casamento deles e assim, devia presenteá-la com a bebida que mais gostava.

Treze de agosto de mil novecentos e oitenta e dois. Lembrava-se, enquanto subia as escadarias que agora rangiam a cada degrau pisado, do quão minuciosa ela havia sido ao escolher tal data, estudando o melhor dia, alegando ter uma boa aura em tal noite. Um esboço de sorriso nostálgico tomou os lábios suaves e calidamente ressecados, porque já naquela época, achava uma bobagem e, para ele, tanto fazia o dia em que fariam a cerimônia, apenas queria fazer dela a sua esposa. E pelo visto, era um pensamento complexo - ou simples - demais pra que ela entendesse.

“É melhor não se atrasar.” Brincou com o silêncio enquanto caminhava pelo largo corredor do segundo andar, sem pressa alguma, os passos de sapatos sociais ecoando contra a madeira empoeirada.

“Você não pode me ver antes do casamento, Remus, dá azar!” A voz feminina ecoou na mente do licantropo, o fazendo rir.

“Deixe de ser supersticiosa, Doe. Nada nesse mundo pode nos azarar no nosso momento.” Respondia o rapaz, em voz alta.

Os pés o guiaram ao quarto da noiva, e ao contrário do cenário real do quarto, ele via tudo ali como se nada tivesse mudado, bem como de frente ao espelho, Dorcas trajando um belo vestido branco, véu e grinalda. Os olhos masculinos marejaram-se, e ao piscá-los, todo o encanto se desfez. Dorcas sumira, bem como todo o brilho de seu quarto, a ternura de sua voz. Um forte aperto tomara o peito de Remus, que suspirou alto. Deixou a garrafa cheia sobre o que antes fora a penteadeira da morena, dirigindo-se à cômoda dela. Assentou-se sobre a cama, coberta por outro daqueles lençóis empoeirados, não se importando com o fato de que iriam sujar seu terno. Abriu a primeira gaveta após afastar o tecido que cobria o móvel, levantando uma pequena nuvem de poeira que o fez espirrar. Suas mãos escorregaram a uma pequena caixa de veludo vermelho, um objeto já conhecido por ele. Aquela caixinha fora a que usara para dar a ela o anel de noivado. Os lábios dele formaram um sorriso triste, e ele a abriu, mesmo sabendo que estaria vazia. Passou os dedos pela almofadinha, e pensou ter imaginado algo quando seu indicador passou por um leve e rígido relevo, afinal não seria a primeira vez hoje. Olhoupara a garrafa de uísque de fogo, suspirando.

“Accio.” Entoou com a destra aberta, agarrando o vidro quando este aproximou-se. “Algo me diz que é hora de começar nosso brinde, Doe.” Murmurou deixando a caixinha sobre o próprio colo para abrir o uísque. Ergueu a mesma em menção ao brinde, e com as feições carregadas pela dor, deu o que poderia ser um sorriso caloroso em diferente ocasião. “À nós. Ao nosso casamento.” A voz de Remus falhou, e ele a calou trazendo o gargalo aos lábios, virando já dois longos goles da bebida que queimou inteiramente sua garganta. Ele não gostava muito da sensação, mas sua noiva sempre lhe dizia que ele se acostumaria se aprendesse a apreciar o uísque de fogo. Talvez agora, com o ardor que a bebida lhe trazia, pudesse sentir-se novamente aquecido internamente, como outrora a mulher a quem homenageava o fizera sentir. Bem, não seria idêntico, mas parecia amenizar a falta que ela lhe fazia. Assim, Remus investigou o pequeno relevo, descobrindo ali um pedaço de pergaminho dobrado, pelo menos, vinte vezes. Abriu o papel envelhecido, curioso, e ali encontrou a letra traçada de Dorcas, no que parecia ser uma carta.

 

“Querida Dory do futuro,

Hoje é dia 13 de outubro de 1980, e sabe o que aconteceu? Remus me pediu em casamento! Sim, casamento! Dá para acreditar? Não posso conter minha felicidade. Ah! Já tenho em mente a data, também. Treze de agosto de 1982. Temos um ano e dez meses pra organizar tudo, e Emmeline já está me deixando doida!

Como estão as coisas, aí no futuro? Quantos filhos vocês já tiveram? Aliás… Conseguiste convencer Remus a ter algum? Sei o quanto você ama crianças e como sempre sonhou em ter as suas… Ele também sabe, mas temos que entender os medos dele, Doe. Temos que ser uma boa esposa. Como é a vida de casada? Aliás… Como foi o casamento? Lily e Marlene foram suas damas, certo? E Emmeline! Aposto que pediu aos gêmeos Weasley pra carregarem as alianças, eles são uma gracinha!

Como já está o bebê Harry? Arrasando corações? E Sirius, já se assumiu com Marlene, afinal? Céus, esses dois nunca pararão de lhe dar dor de cabeça, Dory… Só Marly consegue domar aquele Black. E James e Lily, quantos filhos já tiveram? Aposto que não demoraram a ter a menininha que Lily tanto quis. Emmeline conseguiu achar Peter? Ele anda tão sumido, os meninos sentem a falta dele…

Espero que você esteja ainda mais feliz do que está hoje, Dory, que todos os seus amigos estejam ao seu lado. Que você coloque o nome da sua filha de Adelaide, já que Remus detesta Constantina e Cornelia. Talvez ele deixe colocar Theo no menino, também. Além disso, quero que dê um grande beijo nele agora, seja onde ele estiver. Não se esqueça nunca de contar a ele o quanto o ama, o quanto ele é maravilhoso e como você nunca se importou e nunca se importará com as diferenças dele. Nunca deixe de beijar seus filhos também, Dory, dizer a eles o quanto os desejou e esperou, tudo o que arriscou ao lado de seu marido para tê-los. Não se esqueça, também, de seus amigos. Festejem sempre a vida, as vitórias que conseguiram juntos, os momentos felizes que já tiveram e estão por ter.

Por fim, Dory, não se esqueça jamais de seus pais e vá sempre vê-los, por mais que não goste de cemitérios. Leve Remus com você, e as crianças também. Conte a elas como foram maravilhosos. Não se esqueça de mencionar Hector, também.

Ah! Realize todos os seus sonhos, okay? Você pode e consegue! Eu amo você, Dory Meadowes, e amo o que você conquistou e ainda conquistará!

Com amor,

Dory do passado.”

 

Inundado pela dor, Remus não podia acreditar em tudo o que acabara de ler. Ora, ele a conhecia de um jeito que pensava que nenhum outro conseguiria, mas todo o conteúdo daquela carta era novo pra ele. Não é como se ele não soubesse de tudo aquilo, mas é como se pudesse ouvi-la dizendo tudo aquilo para si mesma. A angústia por toda aquela injustiça destruía o que quer que houvesse de sólido no licantropo naquele instante, que já havia tomado mais da metade da garrafa, derramando lágrimas sobre o pergaminho que, milagrosamente, ainda tinha o cheiro dela.

Depois de lê-lo, Remus teve a certeza de que nada nessa vida era justo, e que com certeza, jamais amaria outra pessoa como amara Dorcas Angelique Meadowes, e que havia escolhido as melhores palavras para seu túmulo.

“Lived the life so endlessly, saw beyond what others see, a light that healed a broken heart with all that it could. Here lies Dorcas Meadowes, the woman who loved, beyond everything.”

Sim, agora Remus sabia que ela realmente amara, acima de tudo. Se é que poderia sentir algo positivo naquele momento, consolou-se com o fato de ter sido amado por ela.

 


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