Questão de Sorte escrita por Hakiny


Capítulo 23
A Sombria Bruxa Centenária


Notas iniciais do capítulo

Contagem regressiva para o fim dessa temporada!



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A mulher que estava diante de Ryu era de uma beleza inexplicável. Ela tinha a pele branca como uma folha de papel e cabelos tão escuros que era impossível distinguir os fios da densa massa negra que emoldurava o seu rosto inexpressivo. A estranha trajava um longo vestido preto que deixava marcado seu corpo esbelto.

— Vamos Ryu! — A mulher se sentou em um pequeno banco que ela mesma fez surgir da sombra projetada pelo seu corpo. — Diga o que quer falar comigo.

“Uma bruxa” Ryu pensou.

Mas do que aquela mulher estava falando? Ele jamais havia a visto antes daquele momento, como poderia pedir para ter uma conversa com ela?

— Hum… — Um sorriso surgiu nos lábios da estranha — Talvez essa forma não lhe seja familiar. Afinal, eu o acompanho nessa jornada usando a forma de uma arma.

Os olhos do guerreiro se arregalaram. Mais uma vez, Ivan não havia usado de metáforas em suas explicações. Ele realmente poderia falar com espada, mas era aquilo de fato uma espada?

— O está acontecendo? Onde estão as crianças que eu salvei? — Ryu buscava por respostas.

— Eu não sei quais crianças você salvou, mas as que Khalil salvou… bom, algumas de fato conseguiram alcançar a liberdade, mas a grande maioria foi capturada pelo Minus. — A bruxa respondeu de forma despreocupada.

— Khalil? — Ryu estava confuso — Fala do dono desse uniforme? Aquele maldito era apenas mais um dos desgraçados que…

— Olhe direito Ryu. — Ela apontou para o vidro que estava atrás do guerreiro.

Diante de toda a confusão que estava acontecendo, Ryu não protestou o pedido. Ele encarou o reflexo no vidro, mas foi incapaz de acreditar no que via. Não era seu rosto refletido ali, mas sim do homem que ele havia amarrado nos esgotos mais cedo.

— O que está acontecendo? — Ryu se desesperava, diante da imagem do estranho que imitava com perfeição seus movimentos — Tire esse maldito feitiço de mim!

— Tudo bem. — A mulher estalou os dedos e o rapaz se viu novamente de pijama diante do vidro espelhado.

— Por que… — Ryu levava a mão ao rosto, beirando a insanidade — Por que a imagem dele?

— Por que eu lhe dei as memórias de um homem morto. — A bruxa explicou — Você nunca tomou o lugar de Khalil. Toda aquela cena de filme barato que você viveu, só foi a maneira que seu cérebro encontrou de dar sentido ao meu feitiço.

Ao ouvir a explicação da bruxa, Ryu caiu sentado, completamente sem reação.

— Khalil era funcionário desse instituto de pesquisa. Um homem jovem, veio trabalhar aqui aos 22 anos, precisava de dinheiro e bruxas sempre pagam bem. Mas não demorou muito para que Khalil descobrisse as verdadeiras experiências feitas nesse laboratório. Bruxas sequestravam crianças da sua própria espécie e as usavam como material.

— Material para que? — O guardião encarou a bruxa.

Havia muita raiva em seus olhos.

— Elas descobriram uma forma de transferir o poder mágico de uma bruxa para outra. — A estranha contava com detalhes — Vida eterna, aumento de energia ou apenas beleza. Usar as crianças era o método mais fácil de alcançar resultados, não só pela pureza de suas almas, mas também pela falta de importância que os desaparecimentos tinham para a população. Afinal, quem se importa com uma bruxa desaparecida?

— Outras bruxas… — Ryu sussurrou.

— Não, essas pequenas crianças são o que os humanos apelidaram vulgarmente de “bruxas impuras”. Aquelas cujo os poderes não são muito agradáveis a primeira vista. Quando esses indivíduos sumiam da sociedade, mesmo que muito cedo, era um alívio para a família, que teria que se livrar deles logo que atingissem a maioridade. Eles acreditavam que as crianças haviam “seguido seu destino” e escolhido o exílio antes que isso lhe fosse imposto.

— Isso é cruel… — Ryu cerrou os dentes — Malditas bruxas…

— Quais? — A mulher tinha um tom sarcástico — As famílias que se sentem aliviadas por não serem obrigadas a escolherem um destino cruel aos seus filhos, as crianças que tiveram o azar de nascer do jeito “errado” ou as bruxas que usam as crianças que não valem absolutamente nada para ninguém?

As palavras da bruxa fizeram Ryu sentir um peso em seu peito e ele se sentiu incapaz de responder aquela pergunta.

— Isso é real? — Ryu apontou para o corpo de Maggie caído no chão.

— Sim. Margarete Allen foi assassinada pelo Major Blanc há 20 anos atrás.

— 20 anos? — O guerreiro estava perplexo — O que houve com Khalil? Por que ele não fez nada?

— Naquele dia, Khalil havia arquitetado um plano perfeito. As crianças do setor 4 fugiriam pelos esgotos e entrariam em contato com o Statera, uma fuga facilitada por ele, mas de forma que ninguém no Instituto desconfiasse, afinal bruxas podem ser perigosas. Ele também fugiria dali e se livraria das provas de seu envolvimento, Khalil sabia que estar ligado a algo tão sujo poderia lhe custar uma entrada direta para forca. — A bruxa deu uma pausa e continuou — Mas tudo deu errado quando duas crianças foram capturadas pelos caçadores da Minus. Palavras bonitas e cheias de bondade, foram suficientes para que as crianças contassem sobre o instituto, na esperança que seus amigos fossem resgatados. O delator, o pequeno David de apenas 7 anos, não sabia a diferença entre Minus e Statera.

Ryu absorvia toda a história enquanto sentia seu estômago embrulhar.

— Diante da captura dos companheiros, Margareth e mais 9 crianças voltaram desesperadas para o único lugar que elas conheciam… O Instituto. O resto da história você viu pelos olhos de Khalil.

Agora tudo fazia sentido para Ryu. A bruxa com quem ele havia conversado no escritório não havia ignorado sua aparência, ela apenas havia visto Khalil ali. Todos o trataram como Khalil porque era o próprio Khalil diante deles.

— O que vem a seguir? — Ryu encarava o corpo de Maggie mais uma vez.

— A resposta para sua pergunta. — Com um sorriso no rosto, a mulher estalou os dedos e tudo ao redor voltou a se mexer.

— ASSASSINO! — Khalil avançou para cima de Blanc.

Sem muita preocupação, o caçador apenas segurou o braço do adversário e o desarmou. Ele então retirou uma pequena adaga de seu bolso e cortou a garganta de Khalil, com a serenidade de quem corta uma laranja.

— Morto… — Ryu tinha uma expressão apática em seu rosto.

Apesar de sentir seu coração apertado, ele entendeu que nada do que fizesse poderia mudar aquilo. Ele apenas estava assistindo a uma tragédia que ele nunca teve a chance de evitar.

— Não se sinta deprimido por isso. — A mulher também observava a cena se passando. — Até aqui, o Minus fez apenas o trabalho deles.

— Até aqui? — O guerreiro encarou a mulher — Tem mais?

— Mas é claro que tem. — A bruxa tinha empolgação em sua voz.

Sem nenhuma preocupação ela contou sobre o que vinha a seguir. Uma bruxa interrogada, depois de muita tortura, confessou as barbáries realizadas naquele laboratório. Blanc se interessou muito pela história, o suficiente para a partir dali, assumir os projetos em prol do fortalecimento do exército.

— ISSO É UM ABSURDO! — Ryu se levantou bruscamente, tomado por completa revolta — Eles deveriam salvar pessoas e não fazer experiências com elas!

— Mas é isso que eles fazem. Eles salvam pessoas, as vítimas em questão são bruxas. — A mulher olhou para o rapaz com curiosidade— As bruxas são pessoas para você Ryu?

— Por que está fazendo isso comigo? Por que me faz perguntas que eu não sei responder? — O guardião tinha uma expressão de súplica — Eu nem sei o seu nome e você fala como se soubesse tudo sobre mim…

— Ah! Perdoe-me — A estranha se curvou respeitosamente — Eu tenho muitos nomes. Neste século, por um breve período fui chamada de Margareth Allen, mas como imagino que esse nome seja agora incômodo para você, pode me chamar de Eveline Burnie, meu primeiro nome.

— M-Maggie…? — Ryu foi incapaz de conter a sua incredulidade. — Mas ela está morta… Ali… Você mesmo disse que estava morta…

— Algumas bruxas se tornam tão poderosas que depois que seus corpos finalmente morrem, suas almas são capazes de transcender o tempo. Em minha primeira vida, eu vivi até pouco mais de 400 anos. Depois que meu corpo foi incapaz de comportar minha alma eu me despedi desse mundo. — Evelin explicava pacientemente — Depois de muitos anos adormecida, fui puxada para uma nova encarnação e acabei no corpo de um bebê “impuro”. Eu levei uma vida de repressão e preconceito, e depois morri precocemente sem nenhuma dignidade.

— Por que não fez nada? — O garoto estava confuso — Se é uma bruxa tão poderosa quanto diz, por que morreu na mão daquele homem sem ao menos lutar?

— Porque eu era uma criança. Não tive memórias da minha vida passada enquanto vivi como Margarete.

— Que porcaria… — Ryu levava a mão ao rosto com desespero, mas logo se acalmou e prosseguiu com as perguntas — Você não me respondeu o motivo de tudo isso. Por que me mostrou essas coisas?

— Você se lembra o que Ivan disse quando lhe entregou a espada?

— “Escolha um objetivo e essa espada o perseguirá com a intensidade da sua vontade.” — O garoto repetiu em voz alta.

— Qual o seu objetivo Ryu? — Eveline encarou o guardião.

— O que? — O garoto se viu pego de surpresa — Como assim?

— Eu não posso servir a um humano que não sabe o que quer. Se não há vontade em você, não há forma de eu manifestar a minha força.

— Mas você a manifestou… Quer dizer, você me salvou quando lutei contra o Ryan. — Ryu trazia de volta as lembranças da batalha.

— Você queria viver. Eu permiti que isso fosse possível.

Ryu sentiu suas palavras faltarem. Havia sentido nas palavras dela, mas ele era incapaz de pensar em uma resposta, afinal, qual era o objetivo dele?

— Se sua boca é incapaz de pronunciar as palavras que preciso eu buscarei respostas em sua alma. — Eveline avançou na direção do garoto.

— Como…

Ryu não teve tempo de concluir sua pergunta, pois a bruxa atravessou a mão em seu peito e ele sentiu seus sentidos se perderem.

Ele estava acordado, mas não via nem ouvia nada. Tuda estava imerso em uma escuridão absoluta. Seu tato estava presente, pois por conta disso foi capaz de sentir o cabo de uma espada em sua mão.

De repente um som excruciante fez seu corpo ser tomado por um medo indescritível. Instintivamente, o garoto correu o mais longe que pôde do barulho, apesar de não enxergar nada no caminho ele apenas avançou sem pausa.

Foi quando uma luz apareceu à frente do rapaz, mesmo sem saber do que se tratava, ele correu na direção dela. Estar completamente refém da escuridão fazia com que Ryu se sentisse indefeso e esse era um sentimento que ele odiava.

Por mais rápido que Ryu corresse, o som não se afastava, o que fazia ele concluir que a suposta criatura era muito veloz. Já tomado pelo cansaço ele finalmente havia chegado próximo a zona iluminada, mas assim que seus olhos foram capazes de discernir as imagens, ele sentiu sua garganta secar.

No enorme círculo de luz estava a cena que ele tentava deixar para trás desde criança. Um garoto assustado, se escondendo atrás de seu irmão mais velho. Uma bruxa insana encarando os dois garotos como quem estava diante de um banquete.

Sem nenhuma hesitação Ryu avançou na direção da bruxa com a sua espada em punho e perfurou seu peito com a lâmina sedenta. Ele não se importava se aquilo era uma cena do passado, ele simplesmente não poderia assistir aquela bruxa matar o seu irmão novamente. Uma euforia bestial estampava o rosto do guerreiro enquanto ele observava o sangue da bruxa escorrer pela lâmina afiada. A expressão de desespero da vítima causava prazer a Ryu, um prazer que ele jamais havia sentido em toda a sua vida.

Um piscar de olhos fez com que a assassina de Jimmy tomasse a forma de Claire.

— Como ousa… você é só um humano inútil… — A bruxa tinha ódio em sua expressão — A escória não pode…

Ryu tomou as palavras de Claire quando retirou a lâmina do peito dela e depois a perfurou novamente no estômago.

— Você é a escória. — Com os dentes cerrados, o garoto sussurrava enquanto uma expressão triunfante tomava o seu rosto.

Os olhos raivosos de Claire aos poucos foram se tornando depressivos, assim como seu cabelo ruivo se fez castanho e antes que Ryu pudesse se dar conta era Catherine que estava na ponta de sua espada.

Toda a euforia se foi e Ryu foi tomado pela apatia e logo em seguida pelo desespero.

— Não… — Ele retirou a lâmina do corpo da garota e a tomou em seus braços — Você não…

Catherine agonizou por poucos segundos antes de parar de respirar.

— Por favor não… — O garoto sentiu suas pernas falharem e caiu de joelhos com a bruxa em seus braços — Por favor, se transforme em outra pessoa… qualquer uma… você não merece isso...

Apesar das súplicas do guardião, não houve nenhuma transformação, o corpo imóvel da menina permanecia lá. O sangue ainda quente não parava de se espalhar pelo chão iluminado.

— Isso é tão real… Mas que droga… Por que isso é mais real do que qualquer coisa? — Ryu se agarrava ao corpo da garota com toda a sua força.

— EVELINE! MARGARETE! EU NÃO SEI QUAL A DROGA DO SEU NOME! — Ryu gritava com todo ar que tinha em seus pulmões — Pare com isso… Acabe com esse pesadelo…

A luz que cercava Ryu se espalhou por todos os lados, tornando o ambiente completamente branco. Com exceção de Eveline.

— Então, enfim encontramos seu objetivo.

— Matar Catherine? — Ryu estava incrédulo — Você é maluca.

— Não Ryu, matar bruxas.

— Me mande de volta.

— O que?

— Me mande de volta para minha realidade. — Ryu tinha uma expressão impetuosa em seu rosto.

— Se desistir assim, jamais poderá empunhar a…

— Se esse é o preço, eu não preciso disso. — O guerreiro interrompeu a mulher de forma firme.

— Como desejar. — A bruxa se curvou educadamente e logo em seguida tudo desapareceu.

O som de um galo cantando fez com que Ryu levantasse da cama com brutalidade.

Seu corpo estava coberto de suor e seu rosto de lágrimas.

Sem se dar ao trabalho de se vestir adequadamente, o garoto correu para fora do quarto, atravessou os corredores,  subiu escadas e esmurrou a porta de Catherine.

Não demorou muito para que a bruxa sonolenta e descabelada abrisse a porta.

— Ryu? — Ela reconheceu o amigo, mas logo sua expressão de surpresa foi substituída por raiva — Qual o seu problema? Sabe que horas são?

Sem responder a nenhum dos questionamentos da garota, Ryu apenas a abraçou forte o suficiente para fazer ela gemer de dor, o que imediatamente fez com que ele afrouxasse o abraço.

Catherine estava confusa e tímida. Queria se libertar dele e fechar a porta, mas a respiração estranha de Ryu denunciou seu choro. Ela não sabia do que se tratava, por isso apenas retribuiu o abraço em silêncio.

— Ei, está tudo bem… — A bruxa sussurrou para o companheiro.


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Notas finais do capítulo

Se você fosse o Ryu, o que faria? Ficou abalado com a história das crianças impuras?
Que tal comentar o que mais gostou no capitulo?



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