Cara mulher que está lendo essa carta:

Provavelmente você deve estar se perguntando: Qual a razão de isso chegar até mim? Só comprei uma kunai a prova d’água!

Sim, eu sei que são muitas palavras...mas me deixe te contar uma história.

A minha história.

Tentaram me ensinar como ser perfeita.

Me colocaram em uma caixa da qual não quis entrar e me trancafiaram ali com algumas regras, padrões e coisas que deveria fazer por ser mulher.

Aos vinte e um anos passei por uma terrível crise de identidade sobre o que queria ser e o que queriam que eu fosse. E obviamente nunca consegui me enquadrar em nada do que tentaram me impor.

Juro que tentei...e tentei de verdade.

Devo confessar que em alguns momentos tive um certo resquício de receio de envelhecer, ser passada para trás e principalmente: Continuar na mesma zona de conforto que me coloquei por não ser quem queria desde o início.

Não posso dizer que me sinto mal por ter sido tola, pelo contrário, tudo isso fez parte de quem sou; de cada detalhezinho que formou a minha personalidade e a pessoa que sou hoje.

E então por um milagre um grande balde de água fria caiu sobre mim. Foi aí que me questionei por alguns momentos sobre algumas coisas: 

Para que treinar tanto se ao final tentariam me empurrar alguém? Um relacionamento? Quantas vezes não me forcei amar para tentar me enquadrar em um modelo feminino e a que custo me feri tanto? 

A realidade nua e crua é que nos impõe um maldito padrãozinho a ser seguido, ainda que você seja uma ninja exemplar, treine mais que os outros...sempre vão te olhar diferente por não querer “seguir o rumo” que acham que devemos.

Ou seja: Ter um marido e alguns filhos.

Não que eu julgue quem faça isso, não sou Kami-Sama para acreditar ser a dona da verdade ou se quer alguém muito importante para apontar o dedo a uma mulher e dizer como ela deve se portar, até porque, fizeram isso comigo e eu não tenho interesse em reproduzir esse discurso hipócrita.

Contudo, isso nunca foi para mim.

Fico feliz por ver minhas amigas nessas posições de mães, esposas e kunoichis exemplares e as admiro por isso. Entretanto, meu caminho era diferente. Ser feliz para mim se resumia em minhas armas, estudar e viajar pelo mundo desejando ganhar conhecimento e distribuí-lo a quem quisesse aprender.

Tudo bem, um ponto já havia sido esclarecido. 

Mas...

Sempre tem o maldito "mas"...

Me disseram que nós seriamos devidamente plenas se amássemos um homem.

Bom, aí eu até concordo e inclusive tenho dois: Gai-Sensei e o Rock Lee. Sim, eu os amo a ponto de dar a minha vida a eles. 

E sim, é amor.  

Identifico por saber que meu peito se enche de alegria quando os vejo. É bonito e me basta. Não dizem que nós somos seres puros, únicos e que exalam amor? Pois eu faço isso, do meu jeito e sem que isso se torne um romance.

Aliás, quando foi que esquecemos que afetividade não é necessariamente o teor sexual da coisa? 

Quando finalmente esclareci isso para as pessoas, infelizmente não deixei de receber olhares “tristes” ou de pena por minhas escolhas (que novamente: Não que eu me importe).

Ok, desistiram de me dar um marido. Mas, outros discursos se iniciaram:

“Não faça essas travessuras! ”

“Não faça piadas de duplo-sentido, não é coisa de uma mulher”.

Deixe-me contar uma coisa, quem resolve o que é “coisa de mulher” sou eu, afinal, sou uma. Ainda que digam ao contrário por minhas atitudes e me desmereçam por não ter optado por seguir uma sociedade que me moldou para ser forte quando conveniente e depois quer me limitar a algo que não sonho...não vou mudar meu gênero por isso.

Aos trinta e cinco anos eu sabia o que queria, e com certeza era me superar todos os dias como Kunoichi. A quanto não me privei de coisas que gostava por vergonha de ser quem era? Isso mudou, obviamente.

Abri minha loja de armas com meu esforço e fiz coisas incríveis que jamais me envergonho ou me arrependo. Aliás, chegamos no lugar que interessa: Essa kunai que você adquiriu! Quer saber a história dela? 

A kunai à prova d’água que tem a finalidade de furar tarados que vão atrás de mulheres em fontes termais. Provavelmente você quis comprá-la por ter vontade de se sentir mais segura nesse ambiente.

Infelizmente essa é a nossa realidade, porém, me deixe te contar outra coisa:  

Ficaram mais chocados pela minha invenção do que o motivo. Obviamente, você furar ou se proteger de um homem que está tentando violá-la era mais grave do que alguém te assediando em um local que deveria ser público e seguro.

Ridículo, não é mesmo? 

Olha...

Não sei se sou sexy segurando uma arma, porém, sou poderosa o suficiente para me assegurar que ninguém irá tocar em mim sem a minha autorização. 

Voltando ao que interessa...

Tenho certeza que daqui alguns anos mudarei de ideia sobre algumas coisas, irei me adequando a mim mesma e a tudo que resolvi para minha vida.

Porque sou mulher, ainda que me limitem, julguem ou me ditem um caminho que não quero seguir: Sou forte o suficiente para lidar com minhas próprias escolhas.

Precisei quebrar tudo aqui dentro para me reconstruir dos entulhos, me lapidei como um diamante todos esses anos até perceber o óbvio:

Não precisava aprender a ser a mulher ideal para ninguém além de mim mesma.

Peço que me perdoe por todas essas palavras e agradeço se leu até aqui. Entretanto, gostaria de lembrá-la que o ser mais precioso desse mundo é aquele que você encontra facilmente se olhando no espelho.

Só estou te dizendo tudo isso porque gostaria que tivessem feito isso comigo a alguns anos atrás. 

Seja o que quiser ser. Independente de entenderem isso ou não.

E há, você é perfeita como é e sempre será.

Continue forte.

Tenten.