Compostos Quimícos escrita por LadyB


Capítulo 1
Capítulo Único




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O dia estava terrivelmente frio e cinzento.

Ino atribuiu o seu mau humor à isso e ao fato de todas as flores e árvores terem murchado antes mesmo do final do outono. Suas amigas tinham ido viajar e passariam o recesso de Natal e ano novo em locais mais interessantes do que na pacata cidade em que vivam. Até mesmo Sakura tinha saído. Mas ela precisou ficar porque sua mãe estava nos últimos dias de gravidez e não podia se dar ao luxo de sair e o bebê, por ventura, decidisse nascer.

O pai dela também vetou sua ida com as amigas, alegando que eles precisaram de sua presença ali para dar suporte ao pequeno e novo membro da família.

Para falar a verdade, Ino não estava nem um pouco animada para ganhar um irmão. Que graça tinha ser acordada à noite por gritos e choros e ainda perder a atenção que fora toda dela até meses atrás? Um verdadeiro saco e, sim, estava demasiadamente enciumada.

A única pessoa que estava em casa era Shikamaru e, por mais que fossem amigo desde a infância, não costumava ir muito a casa dele. Porém não pensou duas vezes e avisou aos pais que iria dar uma volta com o amigo. Era melhor do que ficar escutando a mãe falando sobre a decoração do quarto do empata vidas que custou sua glamurosa festa de aniversário de quinze anos, que ela passou anos descrevendo para, no fim, frustrar-se. Ainda escutava risadas desdesonhas no corredor da escola.

Como a casa dele era relativamente perto, não demorou mais que dez minutos de caminhada para tocar a campainha e ser atendida pela simpática mãe de Shikamaru (a que ele jurava ser assustadora, mas só com ele próprio) e recebeu alguns bicoitos enquanto ela reclamava com ele, que parecia entediado demais para se importar — até um chinelo voar, pelo menos.

— Você deveria ser mais organizado, Shika — Ino comentou enquanto subiam para sacada do porão no último andar.

— Ela é problemática demais. Não faz diferença se eu arrumar ou não. Ela vai arrumar algo para gritar.

Shikamaru suspirou, cansado, e olhou para amiga. Ino estava mais irritadiça que o normal há alguns dias e nem mesmo ele iria escapar de suas reclamações, ao que parecia. Escutara Sakura reclamar que estava a ponto de fugir para as colinas por tantas lamentações e pensou estar a salvo do radar conforme os dias passavam. Ledo engano.

— Hummm. — Ino sentou-se em um puff de veludo perto da lareira externa, pegou um grosso cobertor no aparador e umedeceu os lábios.

Tinha ido lá por ele ser o único em casa, mas também por outro motivo. Com um dar de ombros casual, olhou-o de soslaio.

Shikamaru era como quase todos os garotos de dezesseis anos: um pouco mais alto que ela, magro e com poucos músculos. Os olhos escuros um tanto puxados denunciavam um distante parentesco com orientais e os cabelos lisos estavam presos em um coque displicente. E ele também tinha um imã para coisas erradas, principalmente cigarros, ervas e narguilés.

E fumar tinha o poder de acalmar a mais estressada das pessoas, dissera Naruto uma vez. Aquela parecia à oportunidade perfeita de atestar o fato.

— O quê? — ele perguntou ao perceber a expressão curiosa dela. — Você não vai começar a falar e falar a mesma coisa durante toda à tarde?

Shikamaru achou melhor que ela começasse o quanto antes para que, no jantar, tudo estivesse acabado.

Ino fez uma careta de entojo ao perceber que ele estava lhe chamando de histérica na maior cara de pau. Em qualquer outro dia arrumaria uma briga. Naquele ali, não.

— Você tem alguma erva? — perguntou de supetão, para surpresa de Shikamaru, e até dela.

Ele demorou alguns segundos para responder.

— Por quê?

Então ele tem.

— Por qual outro motivo eu perguntaria?

Shikamaru não estava gastando do rumo daquela conversa. Ino podia até beber exageradamente nas festas, mas nunca tinha tido qualquer interesse em tragar qualquer coisa e ele não queria ser o iniciador disso.

— Não acho uma boa ideia.

Ino apenas revirou os olhos, já tendo antecipado uma negativa.

— Você fez isso com todos os nossos amigos, então me dê um motivo.

— Estamos na casa dos meus pais, com eles em casa — disse, lógico.

— Seus pais saíram assim que subimos, Shika — ela refutou a mentira, para o desgosto dele.

Um vento forte cortou as chamas Led da lareira e causou um efeito bonito, mas nenhum deles percebeu o fato.

— Ainda não acho uma boa ideia..., mas você não vai desistir, né?

Uma coisa ruim boa de conhecer alguém há muito tempo, é saber quando vale a pena tentar ou desisti. Shikamaru sabia que não iria conseguir dissuadi-la, então, com um suspiro cabisbaixo, foi até seu quanto e pegou a formulação mais leve de narguilé que tinha pronta — foi um longo processo para descobrir qual era, ainda não era tão bom assim em química, era chato demais. Ela certamente não iria aguentar algo mais forte, talvez nem mesmo aquela.

Voltou para sacada e estremeceu de frio. Percebeu que esqueceu o casaco na cômoda e xingou baixinho. Ele fez um gesto para que ela sentasse um pouco mais para esquerda, abrindo um espaço que se sentasse.

— O que é isso aí? — Ela apontou para o obejeto, que parecia algo dos anos 20 de um filme de mafiosos, que ele trazia.

— Você tem certeza? — perguntou ao retroceder as mãos no exato momento que ela iria pegar o cachimbo, sem respondê-la.

Ino parou um pouco e olhou para suas mãos se retornando no colo. Por um segundo, sentiu-se vulnerável e falou algo que antes só seu diário sabia.

— As coisas lá em casa tão uma maravilha lá em casa, pro meus pais, o que significa que tá uma merda. Não quero lembrar do meu irmãozinho.

Shikamaru tinha percebido que Ino não era a mais empolgada das irmãs, entretanto, ela nunca tinha demonstrado estar em desacordo com o fato. Famílias eram mesmo complicadas.

— Aqui. — Entregou-a.

Com uma rápida explicação sobre como fumar, ele deu o primeiro trago, com uma tranquilade que só alguém que tinha feito aquilo centenas de vezes poderia, para uma demonstração. Quando Ino sorveu a fumaça, tossiu forte.

Argh, era horrível.

Escutou a risada rouca dele e se permitiu sorrir também. Sempre era assim com ele: sua busca por perfeição parecia dar uma trégua e podia simplesmente relaxar.

Ela demorou mais algumas tentativas para conseguir inalar e engolir(?) tudo sem parecer terrivelmente doente, mas logo pegou um pouco do jeito. Percebeu que Shikamaru já estava em mais da metade nesse meio tempo e que os olhos dele já estavam um pouco mais pesados que antes. Ino também sentia que sua percepção estava diferente, como se o mundo estivesse quase duplicado e com uma crescente sensação de euforia.

Poucos minutos mais tarde estava completamente tonta e torpe. Soltou uma risadinha tola, que ele acompanhou. Encararam-se e desabaram a rir tanto que logo ficaram vermelhos e sem ar.

— Estamos rindo de quê? — ela questionou, a voz embolada.

Shikamaru apenas balançou a cabeça, como se não tivesse uma resposta coerente.

Ela estava leve, como há muito tempo não se sentia. E ele apenas a observou com um pouco de curiosidade e algo a mais. O cabelo de Ino tinha se desfeito do coque frouxo e caia em imperceptíveis ondas por todo cobertor. Ela estava corada e os lábios estavam um pouco inchados, como se houvessem sido beijados por horas. A imaginação dele voou por um momento e isso o assustou ligeiramente. Sempre soube que Ino era linda — não era cego, afinal —, mas não tinha se dado conta do quanto até ali. Ou talvez apenas não tivesse dado importância o suficiente para se sentir atraído. Até aquele instante.

— Sabe, queria ter um botão pra pausar esse momento por um tempão — ela disse, colocando a cabeça no ombro dele, que engoliu em seco ao sentir o cheio de açaí do cabelo dela.

Como não teve uma resposta, Ino levantou um pouco a cabeça até conseguir o olhar nos olhos.

Olhos grandes, brilhantes e azuis como o céu que ele amava admirar.

Shikamaru assentiu, incapaz de formular uma frase.

Ino suspirou, contente, e começou um dialogo incompreensível que ele não conseguiu se concentrar numa frase, apenas ria nos momentos em que achava que deveria.

Seu corpo estava estranhamente quente, tanto que tirou o cobertor de si e mexeu na gola baixa da camisa, sentido um pouco do suor que se acumulou. Seu coração também parecia um pouco desordenado. Ele sabia que era desejo, fosse pelo narguilé ou porque ele iria ter de qualquer jeito, não poderia dizer — embora estivesse quase sóbrio. Mas era um desejo diferente daquele que sentia ao ver pornô ou se masturbar por uma garota na hora de dormir. Era mais entusiasmante e... difícil de controlar.

Foi então que viu que Ino o fitava com intensidade.

— O quê?

— Sei lá. Mas alguém já te disse que você parece um ator? — Ela riu, coquete. — Você é bonito, Shi.ka.ma.ru. E aposto que vai ficar ainda mais depois. Sabia que tem uma aposta sobre quem vai pegar você?

Ino achava mesmo Shikamaru bonito, até mais que Sasuke, para falar a verdade. Algo naquela tranquilidade dele era muito... entusiasmante, firme e cheia de acalento, e por vezes se pegou imaginando se ele cheiraria a cigarro e se seria preguiçoso num beijo. E ele parecia ainda gostoso mais naquele instante, como os atores dos dramas asiáticos que assistia.

Ela parou de falar e observou o céu, deixando-o curioso. Ino não fazia sentido naquele momento, os pensamentos vindos e indo na mesma velocidade. Shikamaru sentiu-se estranhamente desperto de repente. Queria beijá-la.

— Então eu sou bonito? — perguntou com uma sincera curiosidade.

Ino voltou-se para ele com uma careta divertida.

— Ah, para. Esse negócio de falsa modéstia não funciona com você.

— Bem, você que começou com a conversa — murmurou tão baixo que nem ele mesmo escutou. — Ué, só estou curioso para saber se você estava na roda.

Ele tentou dar um sorriso sedutor, mas ficou com a leve sensação que pareceu apenas ridículo.

— Ah, talvezzzz. Você sabe como eu posso ser Maria-vai-com-as-outras quando fico empolgada.

Isso era uma das coisas que ele gostava de Ino: ela não tentava esconder os próprios defeitos em camadas e camadas de fingimento, apenas aceitava quem era e, se possível, procurava melhorar. Eram muito parecidos nesse aspecto, mesmo que ela ainda fosse extremamente problemática.

— Hummmm. Então, talvez eu esteja lisonjeado? — Ele riu com um pouco de incredulidade. — Ei, você não gosta de ser sempre a primeira?

Ino parou de rir e o encarou com sobriedade, o que fez com que ele se sentisse meio ridículo, porém ela logo desatou outra gargalhada e acalmou seu temor.

Ela não conhecia esse lado dele, que normalmente estava ocupado demais dormindo para perceber garotas e todo o universo feminino que o rodeava. Mas gostou, embora ainda estivesse rodopiando mentalmente.

Com dois movimentos rápidos, Ino aproximou os rostos e colocou a mão do antebraço dele. Era muito mais firme do que imaginava, pensou. Ele era ainda mais bonito de perto.

— Não me tente, Shikamaru. O pódio sempre foi meu lugar, você sabe — ela sussurrou com um sorriso ladino, e um cheiro de nicotina com herbal preencheu as narinas dele.

— Apenas uma duvida.

E, assim, ela beijou Shikamaru. Para provar seu ponto? Ou quem sabe apenas por pura vontade?  Talvez um dia ele descobrisse.

Ela o beijou lentamente, como se estivesse apreciando algo muito bom. Depois de um tempo, quebraram o beijo em busca de ar. Admiraram o rosto rubro um do outro e, como se palavras não fossem necessárias, voltaram a se beijar, com risadinhas e murmúrios, até as bocas ficarem dormentes e os corpos mais desejosos, até o ponto que ficou difícil demais apenas beijar e eles se jogaram no chão gélido para acalmarem as reações do próprio corpo.

Nenhum dos dois pensou sobre o que tinha acabado de acontecer de uma forma negativa, não titubearam ou deram sorrisos desconsertados como uma desculpa, apenas pensaram que deveriam ter feito isso muito antes e que deveriam continuar fazendo no futuro. Na aula de biologia, a professora tinha tido que tudo era sobre reações e que, ás vezes, elas eram tão imperceptíveis que demoravam tempos para se manifestarem. Que o amor, a paixão, o desejo e o afeto eram resumidos em pura química; assim como o cigarro, um tipo de droga viciante. Ino pensou que não ficaria triste se pudesse desfrutar desses vários tipos de reações de uma vez, principalmente do elemento Nara.

O céu transicionou de um cinza feio do dia para o escuro da noite, com milhares de estrelas pontilhadas fazendo tudo parecer mais bonito. Cobertos do pescoço aos pés, eles apenas ficaram ali. Shikaramu pensou ter avistado uma estrela com as exatas tonalidades de cores dos olhos dela; e Ino uma constelação em forma de coração e flecha.

Logo em seguida, seria o jantar, e a mãe dele quebrou o belo momento.


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Notas finais do capítulo

♠ História não betada. Em caso de erros, por favor, me avisem.