Através das barreiras do tempo escrita por Celso Innocente


Capítulo 33
O retorno


Notas iniciais do capítulo

Agora sim, este é o último capítulo desta longa estória.
Agradeço por terem acompanhado e aos comentários que sempre nos ajuda a melhorar.



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Acabei de chegar à olaria, passei pelo mano José, que, estranhara minha visita, imaginando que viera ajuda-lo e, me aproximando do casal de vovôs simpáticos, ao longe, o senhor Manoel ironizara:

— Veja só quem veio sangrar o coração sofrido desse casal de velhos bobos.

Abracei os dois com o carinho que sei que eles queriam receber de “criança”. Por que será que pessoas, principalmente idosas, adoram carinho deste bichinho arteiro?

— Realmente, senhor Manoel, vim mesmo trazer mais um pouco de dor para estes dois corações carinhosos — concordei com ele.

— Por que vocês dois demoram tanto tempo para nos visitar? Não sabem que nossos corações doem de verdade?

— Barreiras da vida, senhor Manoel — ri sem jeito. Sabendo que na verdade eram barreiras da “preguiça”. Crianças, mesmo que sentem carinho por adultos, dão prioridades para atividades de sua era: brincar, por exemplo.

— Como vocês demoram pra nos visitar, este amor e saudade que a gente criou por vocês dois, se tornam feridas que parece não querer cicatrizar. Porém, quando está começando a fechar, você aparece e corta de novo a mesma ferida.

— Eu sei! Desculpe por ter sido sempre assim. Mas dessa vez eu vim pra me despedir pra sempre. Eu nunca mais voltarei.

— O quê? — franziu todo o cenho tal homem, acompanhado também pela esposa.

— Sei que tal ferida vai demorar pra sarar…

— Você não virá mais, pois acredita ser melhor assim? — especulou-me dona Marcelina. — Não é! Mesmo que a gente sofra um pouco com sua ausência prolongada, quando vem nos ver, vale a pena.

— Não deixarei vocês por acreditar ser melhor assim. Claro que não é! Mesmo quando a gente demora pra vir, e a saudade machuque dentro do coração, quando vem, a alegria do reencontro é incomparável. Eu sei de tudo isso, queridos vovôs do coração. Amo vocês do mesmo modo que vocês me amam também. Sei que na despedida, antes mesmo da partida a saudade recomeça.

— Você é tão especial, menino — elogiou-me a mulher.

— Obrigado por pensar assim. Na verdade, sou comum como qualquer garoto. Sou especial pra vocês, porque me amam. Tem um livro que se chama “o pequeno príncipe” que tem uma conversa que diz “era comum como cem mil outros, mas se tornou meu amigo e por isso virou único”. É mais ou menos assim.

 — Não é qualquer criança que fala ou pensa como você — insistiu ela.

— De fato não é! É que elas são apenas crianças. Eu… nem tanto.

— O que você é? — insistiu ela. — Um anjo?

— Anjo! Quem me dera! Estou mais pra um diabinho, dona Marcelina.

—Diabinhos não agem como você — riu ela. — E eu vou ficar muito triste com você, caso deixe de nos visitar.

— Não farei isso porque quero. Farei isso porque estarei preso, não pelas barreiras da… “preguiça” da vida, mas sim, estaremos distantes pelas barreiras do tempo.

— Por que fala por paradigmas? — estranhou o vovô.

— Não são paradigmas! São fatos e eu estarei em outro tempo onde vocês dois não mais existirão.

— Credo, moleque! — protestou o homem. — Está insinuando que iremos morrer?

— Claro que vão! Todos nós iremos! Não escrevi o destino, mas vocês dois partirão pra outra vida antes deste diabinho aqui.

— Se eu fosse apostar na loteria da vida, também apostaria na sua tese, mas, cuidado, pois a vida nos reserva surpresas.

— Concordo. Crianças muito pequenas podem morrer muito antes de anciões. Não acontecerá entre nós — nos calamos por alguns segundos. — Não temas, pois não morrerás tão logo. É que a nossa barreira de tempo vai nos separar por cinquenta anos. Ou quase isso.

— Você é um cientista? — estranhou a mulher. — Vai viajar no tempo?

— Vou apenas voltar para meu tempo. Meu nome não é Arthur. Eu sou apenas o Regis, que transpassou as barreiras do tempo e veio rever pedaços de saudades. Inclusive destes dois vovozinhos especiais.

— Você está… brincando… não é? — estranhou a mulher.

— Não! Regis nunca teve um irmão gêmeo. E eu sou apenas ele. De outra época. Lembra de uma musiquinha que cantara comigo, senhor Manoel?

— Música? — estranhou ele. — Qual?

Então, embora desafinado como sempre sou, tentei:

—“Eu não sou daqui… Sou do lado de lá! Sou do lado das palmeiras, onde canta o sabiá”.

— “Admiro as cidades pela grande evolução — continuou ele. — Gosto da capacidade que possui um cidadão, mas quem fala a verdade não merece punição”.

— É isso! Na verdade, nunca tínhamos cantado até este ponto. Apenas a primeira parte.

— Sei que este velho aqui já tá batendo pino — ironizou ele. — Mas não me recordo de um dia ter cantado isto com você.

— Claro que não! — concordei. — Ainda não aconteceu!

Regis, assim que saiu do velório apareceu na olaria, passou por José e chegou até próximo a nós, chamando:

— Está pronto para irmos?

— Viu só, queridos vovôs, como este moleque é desligadinho!

— Desligadinho, sua mãe! — protestou ele.

Depois, lembrando de alguma coisa, corrigiu:

— Oi, senhor Manoel e dona Marcelina. Como estão?

— Esperando um abraço, pra curar um coração doído pela saudade de um netinho cruel — reclamou a mulher.

Ele a abraçou dizendo:

— Não sou cruel, dona Marcelina. É que eu trabalho.

— Trabalha também aos domingos? — ironizou o homem.

— É que… — se atrapalhou o menino.

— Domingo ele brinca — emendei. — Mas acho que daria pra arranjar alguns minutinhos pra visitar os vovôs, às vezes.

— Reclama de mim! Por que você também não ia?

— Por que eu sou apenas você! — ironizei. — Um menininho preguiçoso. Vamos embora!

Não dissemos nem mais uma palavra. Apenas abracei o casal simpático e nos retiramos, sabendo que estava deixando para trás dois corações partidos e dois pares de olhos cheio de lágrimas.

O que eles não sabiam, ou talvez soubessem, é que os meus sentiam as mesmas dores. O do maninho nem tanto. Afinal ele era apenas uma criança. E como já dissemos, crianças podem sentir carinho por adultos, mas prefere… brincar.

Minutos depois, passávamos diante das águas represadas do Córrego Maria Chica.

— Esqueci que deveríamos ter vindo nadar aqui! Faz parte de sua vida.

— É?

— Sim! Peladão!

— E daí? — balançou os ombros. — Aqui não passa ninguém!

— Você precisa visitar mais o senhor Manoel e dona Marcelina. Eles nos amam como netinhos e não me verão nunca mais. A responsabilidade sobre eles agora será só sua.

— Tá! — concordou ele balançando os ombros e correndo à minha frente.

Assim conversando assuntos sem nexo, em poucos minutos estávamos no mesmo ponto da praça, onde eu chegara para este longo passeio.

— Você acha que vai mesmo ser recolhido, estando aqui? — perguntou-me Regis.

— Aqui é um portal! Eu tenho que ir embora. É a partir daqui que terei que ir.

— Me leve com você?

— Pro futuro?!

— Sim! Eu adoraria! Iria estar sempre com você! Seríamos eternos companheiros. Iria amar brincar com aquele aparelhinho seu.

— Não posso leva-lo!

Ele se entristeceu, ficou emburrado e protestou:

— Então vá mesmo embora! É bom mesmo que você suma pra sempre de minha vida. Só me atrapalhou como se fosse um carrapato grudado em mim…

— Não é isso o que você pensa de fato de mim, maninho — fui convicto. — Você me ama. Precisa me amar.

— Já disse que não sou bicha! Sou macho!

 — Mesmo assim você me ama e eu não posso leva-lo comigo. Se eu fizer isso, estaremos criando um vácuo em sua existência. Você não se casará e eu não terei filhos.

— Eu não quero me casar!

— Tem que se casar!

Pensei um pouco e emendei:

— Aliás, quando tiver que se afastar de sua primeira namorada, seja um pouco mais dócil com ela.

— Por quê? — estranhou ele. — Serei grosso?

— Destruirá o coraçãozinho de uma menina apaixonada.

— Por que farei isso? Não sou tão mau menino e creio que não serei um mau homem. Ela era uma moça bonita?

— Muito linda! Sete anos de idade.

— O quê?

— Pois é! Você terá doze!

— Já tenho doze!

— Pois é! Cuidado também ao dizer adeus para a segunda namorada.

— Quantos anos?

— Onze.

— Uhm! — franziu o nariz.

— E trate com muito carinho a mãe de meus filhos.

— Quantos anos ela terá?

— Quando você a conhecer? — dei um leve sorriso. — Treze.

— Pô, meu! Você só me faz namorar criancinhas?!

— Acho que é esse tal de destino escrito — ironizei. — Eu pediria para que você pulasse as duas primeiras e outras três que surgirão depois e se apaixonasse apenas pela última. Mas pelo que sei, não vou conseguir. Pelo menos…

Da mesma forma como ali cheguei, me vi de repente no lugar de onde eu partira a algum tempo. Nem terminara a frase e nem me despedira do maninho Regis.

O senhor Pedro, bem velhinho, me entregou as chaves do carro, alegando em tom gozador:

— Belas roupas.

Virou-se, continuando caminhando.

— Senhor Pedro… — chamei-o, ao qual, mesmo de costas, levantou a mão direita, acenando-a sem sequer virar para ouvir o que eu queria dizer, continuando sua caminhada para o início da praça na rua transversal.

Foi então que me dei conta que estava mesmo ridículo, com aquela roupa apertada de criança em meu corpo adulto.

A camisa que só chegava ao umbigo, com os botões querendo ser arrancados pelo corpo mais forte do que o da frágil criança que a vestiu pela manhã. A bermuda de moletom (sorte que não vesti pela manhã, apenas a tradicional calça curta e mais sorte ainda ser o elástico moletom), que mal encobria a metade e apertando minhas coxas e toda região da pélvis. Sem contar a pequena apertada cueca, que se fosse o maninho Regis, não teria problemas, pois o danadinho nunca usava mesmo.

Me sentindo ridículo e sendo observado por alguns transeuntes, segui quase correndo me acomodar dentro do carro estacionado a poucos metros.

Eu teria estado em meu mundo de criança por dois anos e meio, mas, agora estava de volta no mesmo ponto e data de onde fui tirado, sem entender como isto teria sido possível, já que a lei da física diz que é impossível realizar uma viagem através do tempo e mais ainda, a lei da quântica, que cuida dos microscópicos átomos e núcleos de átomos diz que se fosse possível tal viagem, a gente deveria fazer completamente nu, pois matéria morta, como tecido, não teria mesmo como teletransportar.

Dois minutos depois, minha filha, saindo do consultório dentário acabou de chegar até o carro, abrindo a porta do passageiro, entrando e insinuando aflita:

— O que houve com você, papai? Por que está usando estas roupas de… bebê?

A camisa branca eu desabotoei. A bermuda, por ser um pouco elástica não incomodava tanto, mas a cueca, juro que se eu pudesse, a arrancaria ali mesmo.

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Notas finais do capítulo

Na sequência estarei postando uma nova estória (UM PEQUENO PROBLEMA), a qual conta uma situação inversa, onde um menino do passado virá visitar-nos em nosso presente.
Além desta tenho várias outras estória aqui no Nyah! Convido-os a dar uma olhada.



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