Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 27
Cerimônia do despertar (Parte 2.2)


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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"Cadê todo mundo?! Por que estão demorando tanto?", pensava Rosie enquanto observava, desesperada, o pupilo de Abamanu amenizar os gritos, logo convertendo-os em gemidos angustiados - mas, por impressão, um tanto forçados aparentemente. Mollock se ajoelhou, continuando a pressionar a ferida causada pela adaga em seu pescoço. Quando seus joelhos tocaram o chão, baixara a cabeça, arquejando copiosamente. Os gemidos tornaram-se grunhidos quase inaudíveis... em seguida, rosnados entrecortados de tom baixo, mas intimidadores.

O profundo corte foi se fechando lentamente, a hemorragia cessando. Fechou-se até virar uma cicatriz praticamente invisível. Rosie, com as pupilas dilatadas, pareceu ver detalhadamente o fenômeno. "Não pode ser! Ele... ele se recuperou, como se... Isso só pode ser um pesadelo!". A jovem rangera os dentes, revoltada com o que presenciou. Idealizou uma atitude arriscada. "Será que isso é uma deixa? Vamos ver.".

Sacou, sem fazer um ruído sequer, uma adaga. Após sentar-se, ela se levantou calmamente, os olhos cravados em Mollock ajoelhado e recuperando suas energias. Posicionou a lâmina, de modo a mirar direta e precisamente no cocuruto do monstro. Testara, por fim, o arremesso. A lâmina fez um conhecido barulho ao rasgar o ar ao ser lançada.

Mollock abrira os olhos e conteve um sorriso.

Em um reflexo formidável, o rei conseguira agarrar a adaga antes que a mesma tocasse sua pele, a ponta ficando a poucos centímetros de sua testa.

Estupefata demais para processar aquilo, Rosie estremecera, ficando totalmente de pé. Ofegou, cansada, sua boca expelindo espirais de ar gélido noturno. Um clarão de um relâmpago reluziu Mollock assustadoramente quando o mesmo jogara a adaga no chão, passando a encarar Rosie com ódio elevado.

Rosie relanceou com os olhos o céu preto-azulado da noite - já madrugada. Nuvens carregadas já se encontravam acima daquele ponto, e àquela altura já ocultaram a Superlua, fazendo todo o espaço mergulhar em uma atmosfera tenebrosa e sinistra. "Essa não. Uma chuva só vai dificultar ainda mais as coisas.". Para seu engano, não havia caído um pingo sequer... por enquanto.

— Contemple, criança! - bradou Mollock. - Esta tempestade que irá cair é o elemento que completa a cerimônia da minha iluminação! Fique exatamente onde está!

— Já fui chamada de vadia e agora de criança!? - disse Rosie, reavendo a posição de luta. - Quantos seres estúpidos são necessários para dar nomes ofensivos a uma garota já adulta?

— Não pense que com isso está me atrasando. - retrucou Mollock, dando passos para os lados. - Consigo ouvi-lo... está me chamando. Sou o predestinado, escolhido para ostentar a sabedoria divina!

— Quer ostentar mais uma dessas? - perguntou Rosie, desembainhando mais uma adaga.

Mollock dera uma risada simultânea a uma trovoada, tornando-a arrepiante. Suas presas foram iluminadas pelo relâmpago.

— Vejo que ainda não se deu conta da própria insignificância! - zombou ele, olhando para a arma cortante. - Você me parece tão... insegura, atormentada... e pequena. Será isto mais um sinal de minha ascensão?

Um fervor repentino despertou do âmago de Rosie como a combustão de um líquido perigoso. Sua expressão se contraiu em uma cólera intensa. A respiração tornou-se pesarosa, como se um balão, prestes a explodir, estivesse inflando em seu peito. Mollock a provocou com o olhar amarelo penetrante aos sons dos trovões. Ia escapando aos poucos em passos vagarosos e cuidadosos.

— Fui alertada... sobre algo que pulsa dentro de mim, querendo se libertar. - disse ela, mal se contendo de tanta raiva, fulminando Mollock com os olhos. - Agora, nesse exato momento, consigo sentir um fogo... arder dentro do meu peito! - dera alguns passos à frente. - E, também, agora posso usa-lo contra algo por controle próprio.

"Controle."

A palavra pegara Mollock desprevenido. Ele estacou, ainda fitando-a, agora com ar mais sério.

— Pela forma como diz... não parece estar segura de tal controle. - argumentou ele.

— Na realidade, jamais me senti tão segura e viva como agora. - disse Rosie, deixando um ínfimo brilho vermelho tomar conta de sua íris azul. - Vou derruba-lo... antes que derrube vidas inocentes!

Com uma velocidade arrasadora, Rosie investira contra Mollock com um chute potente em seu tórax robusto. A vibração resultante fora sentida por ambos. Rosie percebeu sua perna adquirir uma dormência ferrenha como se tivesse sido eletrocutada no momento do golpe. Mollock se surpreendeu ao sentir seu corpo tombar para trás como se um peso maior que o seu estivesse o empurrando com uma força latente.

O rei, em frações de segundos, sentiu-se arremessado, seu peso rasgando o ar frio. Suas costas chocaram-se violentamente contra um pilar, destroçando-o pela metade. Logo elas alcançaram o chão em um forte baque, arrastando com tudo um bocado de poeira e pequenas pedras. Mollock percebia que a queda ralara suas costas... mas que preocupação teria? Ao ver Rosie se aproximando com olhos fumegantes e vermelhos, em uma postura incomum para um humano comum, Mollock se levantara já sentindo os efeitos de sua regeneração, uma fator de cura instantânea desenvolvido pelo seu eu-demônio. "Seria a raiva o sentimento que torna os seres humanos tão fortes?", se perguntou ele, encarando Rosie que vinha a passos largos de forma ameaçadora.

"Não.", negou Mollock, sorrindo para ela. "Não são todos que agem assim. Ela é única, Especial de certa forma. Senti um poder imensurável apenas com aquele golpe! Ela não faz ideia do que esconde em seu interior!".

Uma nova e forte trovoada reverberou, fazendo o chão tremer.

No entanto, teve-se a impressão de que o estrondo continuou a soar... Mollock estranhou e apurou seus ouvidos mais do que já estavam. Rosie já se encontrava a poucos metros dele... raivosamente caminhando.

O som fora aumentando rapidamente... fazendo com que Mollock, por fim, virasse a cabeça para a sua direita com urgência... a mesma sensação de perigo tida antes.

Quando viu, foi tomado por uma onda de surpresa que fez seus instintos se erguerem.

Um objeto pontudo, verde e com uma cauda flamejante se aproximava a todo vapor.

Sobrelevando qualquer indício de medo, o rei não se deixara levar por nenhum temor diante de uma já identificada arma humana inferior às suas habilidades. Esticou a mão direita, confiante, mostrando a palma. "Chegaram tarde demais!".

O míssil de tamanho médio colidiu-se com a palma da mão de Mollock, gerando uma explosão vibrantemente arrebatadora. Rosie fora jogada metros e metros de distância devido ao impacto, junto com os inúmeros estilhaços da arma. Mollock pouco se importava com o fato de sua mão estar em chamas, movendo-a como se estivesse brincando... como se estivesse imune a qualquer ação que o afetasse.

Labaredas baixas crepitavam ao seu redor. Um pequeno amontoado de ferro retorcido se incendiava à sua frente. Olhou-o com certo desdém e voltara-se para a frente... de onde pôde enxergar vultos que chegavam perto... figuras humanas e corajosas.

Adam corria na frente mais depressa do que antes, alvejando Mollock com o olhar. "Aí está você, sua criatura infernal!". Ao seu lado, Êmina largara a bazuca no chão e sacou seu giz de cera.

Lester se enveredou pelo outro lado, escalando uma pilha de escombros, a AK-47 em suas costas prendida em uma alça. Sua preocupação com Charlie não lhe saía da mente. "Tomara que você esteja por perto... e faça a sua parte!".

Alexia, que vinha por trás de Adam, estacara de repente, horrorizada com a figura que via. Recuou alguns passos, logo percebendo que o caçador de braços fortes avançava para, justamente, enfrenta-lo corpo à corpo. Seu desespero foi quase instintivo. "Adam! Não! Fique longe desse monstro!"

Queria falar, mas as palavras travaram-se em sua garganta, fazendo os gritos se limitarem apenas aos pensamentos.

— Adam! - gritara outrem, cuja voz fora ligeiramente conhecida pela vidente.

Alexia virara-se para trás... deparando-se com Hector chegando perto e ofegante.

O caçador estava prestes a avançar para impedir o amigo, mas se deteve no mesmo instante. "Mal consigo respirar!", pensou, enquanto apoiava as mãos nos joelhos recuperando o fôlego. Tornou a olhar para frente, dominado pela aflição. "Não... Adam!".

Logo ao conseguir estar frente á frente com Mollock, Adam concentrou toda a sua energia e força em seu punho direito fechado. Golpeara-o no abdômen com brutalidade, tendo, em seguida, sentido os músculos de seu braço tremerem.

Mollock, contudo, mostrou-se inabalável e aparentava estar reprimindo um riso de escárnio ao fitar o caçador. Adam gemia, frustrado, seus olhos indo de encontro aos penetrantes e aterradores do outro.

— Devo parabeniza-lo por tamanha coragem. - disse Mollock. - Mas sua imprudência acabou lhe descontando alguns pontos e, por essa razão, estou decepcionado. Esperava mais de meus inimigos.

Um grito ecoou no ar vindo de certa distância.

— Ei! Aqui seu monstrengo! - berrou Lester, do alto da pilha de escombros, o fuzil em riste pronto para disparar. Aquela fora uma tentativa de desviar a atenção de Mollock para, assim, salvar Adam.

O estrategista apertou o gatilho com força de vontade três vezes seguidas. O corpo de Mollock se debateu em pé com o impacto das balas direto no coração e torso. Adam se jogara para um lado, abaixando-se para não sair ferido. O urro dado por Mollock arrepiara Êmina... que parou diante da imensidão do eco produzido.

— Êmina! - gritou Adam, de quatro no chão. - Agora!

Antes que a caçadora pudesse riscar o giz no pedregoso solo, Mollock se mantinha de pé... curando-se das feridas de bala, cada uma delas saindo de seu corpo e caindo. Os cinco assistiram àquela cena embasbacados e atônitos.

— Mas... que negócio é esse? - se perguntou Êmina, os olhos arregalados de temor.

Hector e Alexia olhavam para todos os lados á procura de Charlie.

— A pior coisa que pode acontecer é Charlie ser exposto. - afirmou Hector. Voltou-se para Mollock. - O que acabamos de ver... mostra que nossas chances contra Mollock são nulas.

Alexia se virou para ele, incrédula.

— O quê? Como pode ter tanta certeza disso? - indagou ela, o tom de irritação.

Hector ignorara sua pergunta ao dar mais passos para frente e focar-se em Êmina, que estava em transe e paralisada.

— Êmina! Use a sua alquimia para imobiliza-lo! Depressa! - avisou o caçador, aos berros.

Como se houvesse sido libertada de um estado hipnótico, Êmina agilizou o processo. Agachou-se, desenhou o símbolo alquímico no chão de pedra e pôs rapidamente as duas mãos sobre ele. A característica luz azulada que irradiara do desenho abrilhantou o espaço ao redor dela. Totalmente recuperado, Mollock voltou seu olhar furioso, com precisão, diretamente para o atirador.

Abrira a enorme boca e expelira uma nova rajada de fogo enquanto gritava selvagemente. Lester encarou assustado aquele mar de fogo vindo em sua direção e tornou a pular da pilha de blocos de pedra gritando de desespero. "Será que sabiam que esse monstro cuspia fogo e não quiseram me avisar?", pensou, pulando cada bloco como se fossem degraus de uma escada malfeita.

Para a infelicidade do rei, uma parede havia, aparentemente, surgida do nada, barrando a "serpente de fogo". A transmutação ocorrera no tempo exato.

Ao se dar conta, Mollock franziu o cenho, estranhando a muralha á sua frente. Virou-se para Êmina.

— Você! - gritou ele, apontando.

A caçadora não estava disposta a ouvir um sermão seguido de uma ameaça. Desenhou mais alguns pequenos símbolos em espaços vazios do círculo... e tocou em cada um deles com a palma da mão.

Instantaneamente, a muralha ganhara um reforço quando emergiram da terra mais quatro muros altos, seguido de um fechamento na parte superior, logo fazendo aquilo parecer uma espécie de redoma de pedra.

Hector correra até Êmina, observando a prisão feita para Mollock. Adam veio junto no mesmo instante.

— Estão bem? - perguntou Adam, olhando para ambos.

— Sim. - responderam em uníssono.

Alexia andava depressa de um lado para o outro, visivelmente indecisa sobre procurar pro Charlie ou Rosie. "Meu deus, o que eu faço? Essa sensação... de insegurança. Não consigo me desprender, é horrível!", lamentou-se ela, com as mãos na cabeça sem saber por onde rumar.

— Pessoal... - dizia Hector. - Sinto em dizer isso, mas... Mollock agora é imbatível. - afirmou, o tom pessimista.

— Só porque ele agora cospe fogo? - indagou Êmina, discordando. - Grande coisa, Hector. Já enfrentamos coisas ainda mais medonhas, então porque vo...

— Vocês não estão entendendo! - disse o caçador, impaciente. - Mollock possui uma metade demoníaca e, obviamente, esta parte é a que mais alimenta seus poderes. Mas ela recebeu um reforço.

— Reforço!? - murmurou Adam, o cenho franzido. - Tudo bem, nós já sabemos que Mollock ficou ainda mais forte enquanto esteve no Museu... mas intelectualmente.

— Não só foi uma evolução mental, Adam. - retrucou Hector olhando para ele. - Para Mollock todo e qualquer tipo de conhecimento é poder. Não importa qual seja a fonte. Podem ser livros, pinturas, peças teatrais, músicas... até sangue de outros demônios. - revelou, a expressão temerosa.

Adam e Êmina o olhavam curioso, como se dessem-se conta de que Hector sabia mais do que dizia.

— Hector que história é essa? - perguntou Adam, intrigado.

— Sinto muito. - disse ele, assentindo negativamente. - Não temos tempo para contar histórias longas.

— Olha - disse Êmina. - eu tô muito curiosa, mas parece que nosso alvo... - voltou-se para a "redoma". - ... está afim de sair da casca. Então é melhor bolarmos um plano rápido.

— O próprio Mollock é a casca. - disse Hector como que querendo lembra-los da armadilha na tampa que abriga uma abertura cujo acesso leva à cripta de Abamanu. - Mas pensando bem... acho que sei como podemos impedi-los.

— Então é bom que seja rápido. - uma voz feminina fizera os três se virarem aos mesmo tempo.

Radiantes, o trio suspirara aliviado... ao verem Rosie Cambpell andar em direção à eles sem ferimentos graves. A jovem parecia exausta, mas tentava transparecer uma disposição permanente.

— Rosie! - disse Alexia, correndo até ela. - Que bom ainda estar viva!

— Alexia... - disse ela, olhando-a condescendente, pondo uma mão em seu ombro. - Fico feliz também. Por todos vocês. - olhou para os lados. - Onde está Charlie e Lester?

— Aqui! - gritou Lester, correndo. - Acho que vai cair um dilúvio daqui a pouco. Melhor que sejamos ágeis. - olhou para a "redoma", tremendo só de ouvir as insistentes e desesperadas batidas de Mollock. - É impressão minha ou ele parece estar gritando lá dentro?

— Está desesperado. - disse Rosie, fitando a domo de pedra. - E incrivelmente mais forte.

— Você lutou com ele? - indagou Lester, espantado.

— Foi a única coisa que tive de fazer antes de vocês virem. Queria mante-lo o mais longe possível.

— E fez muito bem. - disse Hector, assentindo para ela. - O que tenho em mente é avançarmos para o Templo de Mitra antes que Mollock quebre a parede. Estimo uma distância de uns vinte quilômetros.

— Boa ideia. - elogiou Lester. - Sabia que pensei quase a mesma coisa? - lançou um olhar brincalhão.

— Jura? - indagou Êmina, fitando-o com as sobrancelhas franzidas.

Hector demonstrou impaciência ao bradar de uma vez para agirem com o plano idealizado.

— Podemos ir agora? - disse ele, já se encaminhando para começar a correr.

— Sim, vamos lá. - disse Adam. - É muito provável que Charlie já tenha chegado lá antes de nós.

No exato momento em que iriam iniciar mais uma frenética corrida, todos os seis voltaram seus olhares atentos para a "redoma"... após um tremendo estrondo de pedra sendo quebrada ecoar pelo espaço juntamente com uma poderosa trovoada.

                                                                                      ***

Sem se abater pelos constantes relâmpagos que iluminavam tudo a sua volta e os barulhentos trovões, Charlie corria irrefreavelmente, passando pelos blocos mais densos e maiores, uma verdadeiro oceano de mármore puro. "Não tenho outra escolha! Vou ter de pegar Mollock de surpresa e marca-lo com o selo de contenção!", pensou, despreocupado se o risco valeria a pena ou não. "Se um sacrifício tiver que ser necessário... eu sou a pessoa que se dispõe, independentemente se der certo ou não, tentarei pelos meus amigos!"

Ele mal percebia a estrutura colossal do Templo de Mitra se erguendo como uma montanha diante dele quanto mais rápido corria.

                                                                                      ***

O baque estridente que viera do "redoma" de pedra fez com que a Legião lutasse contra um imenso torpor. Os entreolhares alertas e assustados, contudo, mostraram-se encorajadores de certo modo. Mollock, definitivamente, transformara-se em um "trem desgovernado", imparável e a uma velocidade espantosa. Como o espaço estava moderadamente escuro, os heróis usaram os relâmpagos a seu favor. A ausência deles apenas faria com que vissem um vulto escuro e indistinguível correndo.

Quanto mais corriam, a impressão que se tinha era de que as nuvens ficavam mais negras, querendo mergulhar aquele local em trevas profundas.

Mollock mal se conteve diante da ansiedade. "Sou indestrutível! Eu deveria te-los matado enquanto tive a chance! Mas tudo bem... talvez seja necessário que eu use toda minha força que despertei para transforma-los em pó assim que eu chegar à cripta!".

Do outro lado, Charlie corria cada vez mais veloz, resistindo ao frio que teimava em barra-lo. "Lá está! Finalmente!", pensou, ao se dar conta da grandeza de mármore que se avizinhava. "É maior do que eu imaginava!". Admirou por uns instantes a arquitetura. Entretanto, desiludiu-se, percebendo o quão distraído estava... e o quão lentos seus passos tornavam-se.

Um arrepio percorreu sua espinha quando sua visão periférica detectara um sombra volumosamente negra correndo empolgadamente, quase saltando.

Virou o rosto para sua esquerda... e foi acometido por uma onda de medo. "Não posso acreditar! Não!", pensou, os olhos esbugalhados fitando Mollock correndo a alguns metros de distância do seu lado.

A mera distração o fez colidir brutalmente contra uma coluna de mármore no meio do caminho. Havia desviado do curso, hipnotizado pelo horror. Sentiu uma dor lancinante correr pelo seu rosto e tórax enquanto seu corpo caía frágil no chão.

Ao passar a mão pela face, sentiu um fresco líquido escorrer pelo nariz e boca. "Oh, não... espero não ter quebrado nada, nenhum osso". Levantou-se com dificuldade, mas conseguira retomar a corrida, pressionando com firmeza a mão no nariz a fim de estancar a hemorragia.

O selo de contenção estava na outra mão, pronto para ser usado.

                                                                                     ***

Hector olhara seu relógio de pulso. Uma e quinze da madrugada. "Ora, mas que droga! Por que tão tarde?". Rangeu os dentes. Suas pernas doíam após várias corridas. Agora estava na frente, correndo junto de seus amigos na luta para impedir que aquele monstro alcançasse seu objetivo. Lembrara-se do que Eleonor havia dito em relação as vantagens que os 72 demônios do Goétia detinham, principalmente acerca de uma sobre o sangue espesso e escarlate enegrecido. " Um demônio goético pode simplesmente quintuplicar seus atributos apenas bebendo do sangue de outro. É uma façanha exclusiva para demônios do Goétia. Se caso 71 fossem mortos por um único demônio e este se embebesse de seus sangues, ele talvez se tornaria uma das entidades bestiais mais poderosas de todo o submundo.", informara ela enquanto estavam confinados na sala secreta do curador do Museu. Evidentemente, aquilo explicava, sem sombra de dúvidas, a invulnerabilidade de Mollock.

Após alguns instantes, conseguiam ver a estrutura do Templo de Mitra. Mollock já se encaminhava a polvorosa em direção ao piso de ladrilhos verdes, estando a poucos metros.

Rosie corria ao lado do caçador, os olhos fixos no vulto de Mollock, impressionando-se quando ele era iluminado pelos relâmpagos.

— Não vai dar tempo! - bradou Hector, as esperanças esvaídas, embora fosse dominado por uma vontade imensa de correr mais rápido.

Charlie já mantinha-se próximo o suficiente do piso de ladrilhos... mas já se via sem vantagem. "Quisera eu poder conjurar o selo correndo! Ele já está perto demais! Perto demais!". O sangramento em seu nariz cessara, felizmente. "Ele não pode alcançar a tampa... ". Seu pensamento fora cortado ao ver uma silhueta humana adquirir uma velocidade intensa, quase que querendo tornar-se sobre-humana. "Hector!?", disse Charlie, surpreso, reconhecendo de relance a vestimenta do indivíduo.

O caçador surpreendera a todos com sua persistência sem limites ao querer parar Mollock.

Sacara duas pistolas de seu sobretudo de couro marrom e estendeu os braços, logo em seguida apertando os dois gatilhos sem titubear. Os trovões retumbantes abafavam os estampidos das armas.

Um raio fora dado, clareando todo o espaço. A forma de Mollock tornou-se perfeitamente visível naqueles segundos. Ele parara, indiferente ao ataque de Hector. Virou-se para o caçador, sorrindo.

Hector não cessara os tiros. Quando a munição de uma acabava, pegara outra e disparava com uma expressão repleta de ódio. As balas pareciam ricochetear ao penetrarem no duro corpo de Mollock, mas na verdade apenas estavam caindo no chão por não atravessarem aquela pele resistente. As palavras de Charlie passaram a ecoar em sua mente. "A mosca sendo atraída para a teia da aranha."

— Eu só queria... - dizia Hector, o semblante carregado de fúria. - ... apenas uma chance! Uma única chance para poder te matar! De um jeito tão brutal quanto você fez com Josh! - vociferou ele.

Rosie se aproximara dele, na intenção de pedir para que parasse.

Adam, Lester, Êmina e Alexia observavam a cena, estupefatos. O líder da Legião dos Caçadores correu para mais perto de onde Rosie estava, desesperado.

— Hector! Já chega! - gritava ele. - Não está vendo que nenhum desses tiros está adiantando?! Você mesmo disse: Ele tornou-se imbatível!

O caçador tivera de admitir. No entanto, ainda consumido pela raiva e pela dor da perda do amigo, Hector custava a aceitar que aquilo fosse um ato executado em vão, tal como um desperdício de força, sentimentos e, sobretudo, munição.

Lester também entrara no meio para convence-lo a parar de atirar.

— Ei Hector! - gritou ele, ao lado de Adam. - Já chega, cara! Nada disso tá funcionando!

Rosie ficara parada atrás dele, muda... ignorando o ensurdecedor barulho dos tiros e refletindo sobre aquela reação exagerada e persistente de Hector. Se pegou perguntando a si mesma: "Seria isto... uma demonstração de arrependimento ou uma pura encenação?". Aproximou-se um pouco mais, conseguindo ver os olhos do caçador. "É verdade! Consigo sentir... Ele está possuído de ódio! Como se... quisesse vingar alguém. Seu pai? É... não há dúvidas.".

Mollock saboreava cada momento ao testemunhar o forte desejo de vingança do caçador tomar proporções incontroláveis. "Isso! Continue atirando! Descarregue toda sua raiva contra mim para que eu possa retribuí-la em dobro e faze-los caírem perante mim!".

Rosie, por fim, manifestara uma vontade que guardou por vários minutos.

— Já chega!! - gritou ela, debruçando-se sobre Hector e agarrando seu braço direito, apertando-o com força. Em sua nuca, o caçador pôde sentir um líquido escorrer... lágrimas.

Satisfeito, Mollock retomara sua corrida... que não exigiria mais nenhum esforço.

Seus pés tocaram o piso de ladrilhos e seus olhos estavam fixos na tampa circular que levantaria para descer até a cripta de Abamanu. "É agora!".

Um relâmpago abrilhantou a estrutura do Templo de Mitra em um aspecto aterrador. Como o modelo de arquitetura era deveras semelhante a um templo grego, parecia que a fúria de um dos deuses do Panteão estava prestes a recair sobre aquele lugar.

Hector tremia enquanto Rosie ainda agarrava seu braço. A munição das pistolas havia acabado por definitivo, os canos fumaçando. Largou-as e virou-se para Rosie. Viu os olhos da jovem marejados.

— Seu idiota. - disse ela, levemente sorrindo e enxugando as lágrimas.

Uma presença surpreendera a todos.

Charlie irrompera por entre dois pilares decadentes, correndo na direção deles. Alexia se empertigou e correu para abraça-lo. Rosie e Hector puderam respirar em alívio... por enquanto.

A vidente passou suas brancas e doces mãos pelo rosto do rapaz, emocionada.

— Charlie... ainda bem... - soluçava em choro. - ... ainda bem que está vivo.

O mago do tempo a fitava com angústia. Passou a olhar para os outros, desalentado.

— Eu sinto muito. - disse ele. - Mollock tornou-se mais rápido do que eu havia previsto. Eu o subestimei. E com isso... eu quero dizer que o selo de separação falhou.

— Sim, eu vi. - respondeu Rosie. - Era como se ele já esperasse por aquela investida desde o início.

— Ainda há uma chance! - disse Êmina, abruptamente. - Charlie, você ainda está com o selo de contenção, certo? - perguntou a alquimista, ansiosa.

— Sim. - respondeu ele, tenso. Tornou a voltar-se para Mollock. - Mas... eu não sei! Tentar agora significa fortalecer um perigo de proximidade.

Alexia puxara de leve seu braço chamando-lhe a atenção.

— Charlie, por favor. - implorou ela. - Esteve disposto a se arriscar o tempo todo. Pode faze-lo agora.

— Ainda há tempo. - disse Adam, assentindo para ele. - A abertura para a cripta fica no centro... - voltou seu olhar para Mollock. - E veja só! Ele simplesmente está andando!

— Não tá dando a mínima se a gente vai ou não tentar impedir ele de novo. - disse Lester, aborrecido.

Charlie respirara fundo, imaginando as inúmeras possibilidades... todas elas desastrosas. Sem se deixar render pelo medo e a insegurança proporcionada pelo revés anterior. O mago do tempo pareceu se recompor, aspirando uma coragem desafiadora.

Em um impulso, disparou em linha reta na direção do pupilo de Abamanu, o céu relampejando acima de sua cabeça. Todos se empertigaram em simultâneo, ávidos para assistir o clímax daquele plano.

Entretanto, Rosie se deteve. Sua expressão de pura confiança alterou-se para assombro.

— Não! - gritou ela, olhando para Charlie cada vez mais próximo de Mollock.

— O que foi, Rosie? - perguntou Hector, abismado.

— Sinto... um mau pressentimento. - fizera uma cara de desconforto. - Charlie não vai conseguir.

— O quê!? - perguntaram em uníssono Adam, Êmina e Lester.

Sem esperar um segundo a mais, a jovem tornou a correr em disparada, seu semblante de genuína e dolorosa preocupação.

— Charlie, saia daí! - vociferava ela.

O jovem físico despontou para o piso de ladrilhos, o selo em riste pronto para ser conjurado. "É agora ou nunca!". Todavia, ao ouvir os gritos desesperados de Rosie, ele estacara imediatamente.

Mollock, por fim, já se via diante da tampa metálica e pesada que abriria-lhe passagem. Suspirou um ar pesado de vitória, sorrindo de orgulho. Sentira a presença de Charlie atrás dele, mas ignorou-a. "Estes vermes já estavam fadados à derrota antes mesmo de guerrearem.".

— Mollock! - berrou Charlie, erguendo o selo.

Rosie viera por trás dele, prestes a alerta-lo do perigo iminente. Hector e o restante do grupo corria para acompanha-la.

O rei levantara uma mão, em um generoso pedido para que parassem de persistir no impedimento.

Olhou por cima do ombro, fitando Charlie. "Então é você. Foi este humano que havia tentado me liquidar antes que aquela garota surgisse.".

— Charlie! Fique longe! - alertava Rosie com um tom de súplica na voz.

Mollock, sem temer absolutamente mais nada que lhe viesse a atrasa-lo, pôs os pés sob a tampa, a atenção fixada na maçaneta de ferro que servia para abri-la. Ergueu os tétricos olhos amarelos para Charlie, em seguida fitou os outros que se aproximavam. Alexia e o trio da Legião ficara alguns metros distantes.

— Vejam-me aqui. - disse Mollock, provocando-os. - Suas armas de calibre inferior não conseguiram me parar. E como primeira ordem de seu novo deus: Contemplem minha elevação ao saber divino! - falou, o tom de voz ecoando de tão súbito.

Charlie matinha-se recuando, os músculos retesados de temor.

— Charlie... - sussurrava Hector. - ... agora.

— Não. - respondeu ele, secamente, sem tirar os olhos de Mollock. - Já é tarde demais.

— O que disse!? - indagou Adam, perplexo. - É a sua chance, aproveite!

— Não há mais como! - esbravejou Charlie, virando o rosto para Adam por cima do ombro. Voltara-se novamente para Mollock, o sangue em ebulição. - Já posso sentir... o tecido da realidade se alterando gradualmente. Se havia mesmo uma oportunidade de pararmos isso... ela se foi.

As pessimistas palavras do rapaz ecoaram por vários segundos no ar. Tal eco tornou-se mais arrepiante com o estrondar de trovoadas e relâmpagos ainda mais fortes.

CONTINUA... 


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