Reencontro escrita por Lucca


Capítulo 19
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Jeller tentando se reerguer de mais uma tempestade. Um pouco de Avery. E mais uma missão atrás dos drivers que podem salvar a vida de Jane.
Boa leitura.



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Jane permaneceu no hospital por mais dois dias e foi liberada após todos os exames mostrarem que a situação estava sob controle com o uso da nova medicação e que as convulsões não seriam mais um problema.

Kurt ficou ao seu lado, sempre disposto a ajudar no que fosse preciso. Segurou a mão dela todas as vezes que ela procurou por isso e também enquanto ouviam sobre os resultados dos exames. Nesses momentos, ela não procurava pela mão dele porque considerava que deveria ser forte para suportar sozinha o peso de suas decisões. Então ele buscava entrelaçar os dedos aos dela. Afinal, ele não tinha receio de assumir o quanto precisa daquele toque pra se manter firme e também era capaz de captar as necessidades mais profundas dela, aquelas que sequer sua alma sabia dizer.

Naqueles dias, Kurt percebeu uma mudança fundamental em Jane. Ela não o afastava mais, apesar de também não buscar uma aproximação maior. Ela também quase não falava. Quando o fazia, eram frases curtas e diretas. O teste final veio quando ele disse que Avery deveria saber do que estava acontecendo. Ela ficou apreensiva, seus olhos percorreram o quarto em desconforto demonstrando o quanto custava a ela trazer a filha para seus problemas. Mas ela não disse nada. Não questionou. Não se opôs. Então ele se aproximou, tomou a mão dela e sugeriu que a verdade fosse parcial, contando que ela estava com problemas de saúde, mas em tratamento sem apontar para a complexidade do caso. As demais informações viriam à medida que Avery as reivindicasse. A garota era esperta, os dois sabiam disso. Ela pareceu se acalmar e assentiu com a cabeça, finalizando com:

— Faça! _ antes de virar para o lado e fechar os olhos.

Kurt deu um beijo suave em sua mão. Foi muito mais do que ele ousara naqueles dias, porque  sabia que o momento permitia isso. Depois foi para o banheiro. Encostou a cabeça na parede e deixou as lágrimas caírem. O ZIP estava cobrando seu preço. As poucas palavras de Jane eram um alerta. A fórmula de Madeline não bastava. A busca pelos drivers precisava se intensificar se quisessem salvar a vida dela.

A volta ao apartamento foi outro momento complicado para os dois lidarem. Tudo o que ele queria era que ela se sentisse em casa. Por isso, tentou conversar durante todo o percurso pelas ruas de NYC. Como sempre, deixou que ela entrasse primeiro e, depois que estavam dentro do apartamento, tomou a frente para deixar a mala sobre o sofá.

Quando a mão dela tocou seu ombro e ele ouviu seu nome, sabia que não era mais possível adiar algumas decisões:

— Kurt!_ ele se virou imediatamente e, mesmo sem que tivesse verbalizado uma só palavra, ela leu em seus olhos que podia continuar _ Eu... prefiro ficar no quarto de hóspedes. _ a frase saiu em forma de desabafo, com um tom de súplica.

O olhar e o sorriso dele se revestiram de compreensão:

— Tudo bem. O importante é que você está em casa._ e apertou os olhos e sacodiu ligeiramente a cabeça arrancando um sorriso sincero dela. 

Diante daquele sorriso e daquele olhar, ela se sentiu em casa novamente.

— Eu vou tomar um banho. _ disse animada e foi para o quarto.

A alegria borbulhava dentro de Kurt enquanto ele vasculhava a geladeira em busca de algo para preparar o jantar. Ela estava em casa. Ela falou sobre o que queria. O dia de hoje foi uma vitória.

Avery veio no final de semana. O casal decidiu dividir o quarto durante a estadia dela para não levantar mais suspeitas. A garota não fez muitas perguntas, mas pela forma como ela buscava se aconchegar em Jane a todo momento, o casal compreendeu que ela deduzia o quanto o estado de saúde da mãe era delicado.

No final da noite de sábado, os três assistiam um episódio de uma série de comédia na qual o casal tinha seus planos de uma noite de amor interrompidos pela filha ainda pequena.

— Nossa, só agora eu percebo o quanto já fui inconveniente._ Avery resmungou.

— Não pense assim. Isso faz parte. _ Kurt a tranquilizou.

— Bethany já fez isso várias vezes e ela nem mora conosco. E ainda terminou a noite na nossa cama. _ Jane contou rindo ao se lembrar da pequena Bee.

— Pelo menos ela já dormiu com você... _ a pontada de ciúmes não pode ser escondida.

Jane percebeu e ficou sem jeito, tentando buscar uma forma superarem aquilo:

— Avery, eu adoraria ter vivido isso com você...

— Então, que tal hoje? Kurt, posso estragar a noite de vocês? Você libera minha mãe para dormir comigo hoje?

— Essa decisão é totalmente dela, Avery.

O olhar da garota se dirigiu à Jane.

— Claro. Eu vou adorar ter esse momento com você.

As duas não esperaram mais nada. Foram se aprontar para dormir. Mas duas horas depois, Kurt ainda ouvia a conversa animada dentro do quarto e decidiu ir bisbilhotar.

— Hei, Kurt, essa medicação que ela toma não tem via oral? O injetável é bem doloroso, sabia?_ Avery parecia preocupada.

— Não. Só injetável. Mas é tão ruim assim, Jane? _ ele respondeu olhando para esposa. Era ela mesma que se aplicava a medicação.

— Não é muito agradável... __ ela disse revirando os olhos

— Ela fez careta de dor ao tomar, Kurt. Jane Doe fazendo careta de dor, entendeu?

— Hei, eu posso conviver com isso! _ Jane protestou.

Kurt prometeu questionar os médicos sobre isso e os três conversaram por mais algum tempo até que Jane adormeceu. Assim que Avery percebeu que ela estava totalmente embalada no sono, seu olhar se depositou em Kurt demonstrando toda a sua preocupação.  Traindo a si mesmo, ele retribuiu de forma triste. Depois se abaixou, depositou um beijo suave na testa da esposa, rodeou a cama e fez o mesmo com a enteada.

— Ela vai ficar bem. _ disse para si mesmo e para Avery antes de sair do quarto.

Avery voltou para a faculdade na tarde de domingo. E o casal voltou para sua rotina. Jane ficou ainda mais calada, mas não silenciosa. Desde que recuperara as memórias de Remi, canalizava as frustrações em gestos agressivos que castigavam cadeiras, livros, louças e objetos pessoais. Kurt observava todas essas mudanças com grande preocupação, mas também fazia delas fontes de esperança. Ele sabia que poderiam se converter em vontade de lutar por sua própria vida. Essas reviravoltas de Jane eram algo que sempre admirou nela.

No final da tarde, após os remédios cotidianos para as dores de cabeça, ela deixou de causar barulhos. Eram os piores momentos para ele. Sentada no sofá, seus olhos pareciam fixos na tela da TV, mas o vazio neles apontava o problema. Pouco depois, ela foi para o quarto e Kurt não ouviu mais nada.

Ele tentou continuar acompanhando o programa da TV. As pessoas gargalhavam na tela, mas não havia nada ali para fazê-lo sorrir. Frustrado, desligou o aparelho, serviu-se de uma farta dose de uísque e foi para a varanda.

NYC parecia apagada. Ele duvidou que sua alma poderia enxergar qualquer luz mesmo na Times Square. Durante anos, qualquer menção a esse lugar já era capaz de colocar um sorriso largo no seu rosto. Agora nada. Talvez depois de alguns goles, a dor diminuísse. Ele bebeu e bebeu. A suave letargia que o álcool proporcionava não estava ajudando. Voltou para dentro, reabasteceu o copo e retornou à varanda. Apoiou as mãos na sacada. Bufou. Sua vontade era poder empurrar agressivamente NYC como quem peita um inimigo que lhe nega informações que podem salvar o mundo, que podem salvar o seu mundo.

Outro gole longo e seus olhos se descolaram para o que estava acima da cidade. O céu. Límpido, escuro,  repleto de estrelas com uma lua radiante. Mais um gole. Muitas pessoas diriam que aquele céu estava lindo, mas ele só conseguia pensar nas estrelas que se apagavam sem que ninguém nunca tivesse percebido seu brilho. E novamente a dor por ver o brilho da sua Jane se apagando aperto em seu peito. Ela era uma estrela em ocaso. E ele não sabia o que fazer.

Último gole. Olhos ainda no céu. Uma vontade ridícula surgiu dentro dele e foi crescendo rápido, talvez alimentada pela permissão do álcool. Logo, era forte o bastante para impulsionar suas ações por menos racionais que elas fossem.

Ele atravessou o apartamento e bateu à porta do quarto dela. Jane abriu antes da segunda batida.

— Eu preciso que você veja uma coisa. _ e acenou com a cabeça em direção a varanda.

Ela o seguiu.  Ele apontou a vista. Ela observou por alguns segundos, depois arqueou a sobrancelha e perguntou:

— NYC?

— H... na verdade não. _ disse meio sem jeito. _ O céu.

Ela olhou por mais alguns instantes. O riso foi se formando no seu interior até que ela não conseguiu mais impedi-lo de aparecer no seu rosto.

— Ai, me desculpe. _ disse encabulada. _ É só isso?

Ele também estava encabulado, e riu da situação:

— Sim, era só isso. _ os dois riram juntos. _ Não sei o que me deu...

— Tudo bem. É lindo. Eu gostei._ e riram de novo. _ Posso ficar mais um pouco?

— Pode. Claro que pode.

E seguiu-se uma conversa banal. Comentários sobre as estrelas, a lua, a escuridão, o infinito. Frases curtas. Ciência misturada à literatura. As mãos no parapeito foram se aproximando até que ele ousou entrelaçá-las. Então o silêncio se fez. Ela fechou os olhos e apertou os lábios virando a cabeça na direção contrária ao rosto dele. Kurt irou-se consigo mesmo e tentou retirar a mão, mas os dedos dela o prenderam.

— Eu não era Taylor. Agora não sou mais Jane. Nem Remi...

Kurt tornou seu toque mais firme, encorajando-a a falar.

— Antes não havia nada lá no meu passado. Agora há tanta coisa... Eu não estou grávida. Eu não tenho mais Roman. Eu não quero que mais ninguém que eu amo se machuque! E... E eu estou tão cansada, Kurt.

— É difícil, eu sei... Eu também me sinto impotente. Mas eu não vou desistir. Vou continuar lutando para que você sobreviva e possa escolher quem você quer ser.

Ela voltou a olhar para o céu. Não demorou até o riso voltar. O lado cômico da situação se sobressaía até mesmo às conflitos que ela vivia. Então, ela olhou pra ele e, ainda rindo, disse:

— Por hoje, eu escolho dormir aqui fora, com você, olhando as estrelas.

Kurt concordou com aquele olhar que só ele sabe fazer, deu um beijo na testa dela e foi buscar cobertores e travesseiros.

Depois de acomodados juntos na espreguiçadeira, ela disse ainda olhando para o céu:

— É grande demais lá.

— Infinito.

— Talvez esse seja meu erro. Estou tentando lidar com algo grande demais. Talvez eu deva colocar minha atenção em coisas menores. Viver apenas o momento. Como agora...

Ele estreitou o abraço ao redor dela e beijou o topo de sua cabeça:

— Se isso te fizer sorrir mais, vale a pena.

Na manhã seguinte, o casal voltou ao SIOC.

A próxima semana foi intensa. Longos dias de investigações tiveram como recompensa a descoberta de um novo driver. Patterson e Rich foram ainda mais fenomenais na quebra das pistas trazidas por ele. Mais informações sobre engenharia genética, nada que pudesse ser prontamente usado em Jane. Como bônus extra descobriram que o terceiro driver estava a bordo de um cruzador estadunidense que navegava no Oceano Índico.

Resolvida a papelada burocrática para a vistoria da embarcação, Weller fez questão de viajar com o team. Ele já estava de volta ao SIOC apesar dos médicos não terem liberado trabalho de campo e falarem na possibilidade de uma nova intervenção cirúrgica. Reade só concordou após Weller aceitar evitar qualquer tipo de esforço e se manter como apoio à distância.

Viajaram até Calicute, na Índia, e de lá partiram num barco menor de encontro ao cruzador. No contato via rádio, o comandante da embarcação foi amigável e permitiu que o team subisse a bordo vistoriar o local atrás do driver.

— Fácil demais _ Weller comentou.

— Concordo. _ Jane o apoiou.

— Vamos lá, pessoal. Vocês precisam voltar a ser otimistas. Roman pode ter mandado alguém colocar lá sem que os oficiais da marinha nem saibam disso. Por mais que eu goste de ação, é bom não ter a vida de ninguém em risco por uma só vez._ Rich estava animado.

— Cautela é sempre necessária. Rich e Weller ficam aqui. Eu, Patterson e Jane subiremos a bordo e faremos a varredura o cruzador.

Weller torceu o pescoço nervoso e cerrou o punho em silêncio. Toda aquela situação não lhe cheirava bem. Deixar Jane enfrentar isso sem ser seu backup exigia tudo dele. Ter que suportar a companhia de Rich durante isso era praticamente tortura.  

Todos começaram a deixar a cabine para se prepararem para deixar o barco e embarcarem no cruzador. A última a deixar a sala seria Jane. Ela já estava na porta quando se virou para Kurt:

— Hei, eu vou ter cuidado._ ela parecia realmente muito preocupada em tranquilizá-lo.

— Eu sei._ ele respondeu sem fazer contato visual.

— Nem as dores de cabeça foram um problema nos últimos dias. _ reforçou com os olhos focados em Kurt a espera de qualquer sinal de que ele se sentia mais confiante.

Mesmo que as informações não lhe trouxessem nenhuma segurança real, Kurt se esforçou em olhar para ela e sorrir. Ela retribuiu com um olhar solidário e continuou:

— Os comunicadores estarão abertos o tempo todo. Posso relatar cada passo meu lá dentro e podemos ter um código para o caso de ter algo suspeito.

— Pode funcionar. _ ele disse sério e depois usou um tom mais descontraído. _ Se você pigarrear vou entender que devo preparar o backup porque a situação é suspeita. Se você tossir, a nossa equipe invade porque estará com sérios problemas. Se você disser “Kurt”_ e aqui ele imitou a voz dela de forma sensual_ devo agir sozinho e ser rápido. Por acaso você está gripada?

Ela riu e bateu no peito dele. Ele riu com ela.

— Eu estou falando sério, sabia? Fechamos no pigarro e tosse, já que não estou gripada. _ ela fez uma pausa respirou fundo e continuou_ Sei como é difícil pra você. Logo você estará em campo conosco. Eu vou voltar bem. Essa é a minha escolha pra esse pequeno momento.

Ele estendeu a mão para ela e aguardou até que recebesse seu toque. Então, apertou os dedos ao redor da mão dela e disse olhando fundo nos seus olhos:

— Cuide-se.

Ela assentiu, puxou a mão de volta e saiu da sala.

A conversa com o comandante Mackenzie foi tranquila e tiveram total liberdade para explorar a embarcação. Patterson e Rich haviam rastreado possibilidades a partir das pistas do drivers. Cinco pontos precisavam ser vasculhados. Diante da calmaria, resolveram se separar.

Toda a tripulação foi avisada da presença dos agentes do FBI e colaboraram com a investigação. As primeiras três dependências foram  vasculhadas sem sucesso. Reade e Patterson se reuniram para fazer a inspeção do bloco que era bem maior que os outros. Jane seguiu para o próximo. Ela descreveu seu passo a passo para acalmar Kurt. Ele já estava bem mais calmo depois dessas horas tranquilas apesar de ainda ansioso por ouvir a notícia de que o driver fora encontrado e que já estavam voltando.

Enquanto Jane descia e atravessava diversas partes da embarcação para chegar ao ponto que era o mais remoto a ser inspecionado, brincou:

— Assim que você voltar a campo, Kurt, os locais de mais difícil acesso vão ficar por sua conta. Já cumpri minha cota nesse cruzador. _ ela relatava enquanto descia uma escada vertical.

— Houve épocas em que você ficava feliz em me vencer nas escadas._ ele retribuiu e ouviu o som do pequeno salto que ela deu nos últimos degraus. _ Olha aí, você já terminou.

— É, mas o ar aqui embaixo não é nada agradável. Acho que é por isso que essas áreas não têm tripulantes. O driver só pode estar aqui. Bem típico de Roman.

— Encontre-o logo. A escada de volta está te esperando ansiosamente. Lembre-se que exercícios físicos te fazem bem.

Ele esperou a resposta ácida de retorno por alguns segundos. “Ela estava focada em vistoriar o local, era normal não responder imediatamente.”_ pensou. Mas não havia qualquer outro som vindo pelo comunicador: sem passos, sem barulho de metal ou de coisas sendo arrastadas. A única coisa que ele ouvia era seu coração acelerando.

— Jane? Tudo bem aí?

Nada.

— Jane! _ ele praticamente gritou fazendo Rich dar um pulo na cadeira._ Jane diz qualquer coisa, por favor._  e ligou o rastreador que demonstrava se o comunicador estava fucionando. Desligado.


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Notas finais do capítulo

Agradeço de coração a todos vocês que dedicam um tempinho à leitura dessa história.
Sugestões e críticas são bem vindas.



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