Dancing With Death escrita por Tetekah18


Capítulo 4
Capítulo 3




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—Viktoria, é sua última oportunidade.— o Coronel-General estava parado do lado de fora do quarto de sua irmã. —Vai conosco ao teatro ou ficará?

Ele já estava perdendo a paciência com sua irmã. A jovem não era a maior fã de Tatiana. Seu brilho de imperatriz não ofuscava a criticidade de Viktoria. A jovem nunca fora tola, desde criança percebeu o tratamento de sua tia, que apenas variava do desdém e recriminações de suas ações.

As portas se abriram, forçando Dimitri a se afastar.

—Já que insiste, irei.

Viktoria apareceu arrumada segurando as portas duplas com um sorriso que não chegava aos olhos.

—Ótimo.— ele murmurou estendendo seu braço.

Desceram juntos as escadas, despediram-se da mãe e da avó, indo em seguida para a carruagem.

—Preferia ter ido à estreia.— ela quebrou o silêncio.

—Sabe que Tatiana havia nos convidado para o segundo dia de apresentações.

—Apenas para ser sua comitiva. Fazer volume ao seu redor e mostrar sua importância.

—Ela é a imperatriz.— Dimitri comentou, quase transparecendo diversão em sua ironia.

—E quem liga?

—Muita gente...

—Mas eu não.— ela contrapôs emburrada. —E minha opinião é o que mais me importa.

Emburrada, virou-se para a janela, observando as casas passarem em seu campo de visão. Entretanto, como o esperado, quebrou o silêncio. Uma tagarela nata.

—Você saiu ontem, não foi?

—Sim.

—Para onde?— a curiosidade de Viktoria atropelava qualquer que fosse a casualidade ou descrição.

—Alguns colegas oficiais.— respondeu depois de um quase imperceptível pigarro.

Viktoria o olhou com uma sobrancelha arqueada.

—Isso sim é uma novidade.

E recebeu do irmão a mesma expressão, a cara fechada e uma das sobrancelhas arqueadas.

[...] 

A carruagem parou em frente a enorme construção do teatro. A magnitude e esplendor jamais passariam despercebidas. Passaram as colunas da entrada, que ficavam no cume da escadaria. Aquela noite em especial parecia fervilhar nos ares do final de primavera. O luxo era esbanjado de cada um dos frequentadores. Das roupas impecáveis às joias caras ostentadas pelas mulheres.

De braços dados, Dimitri levou Viktoria até o camarote principal, reservado à imperatriz. Nenhum dos dois estava exatamente feliz em ir, mas Dimitri sabia o quão importante era passar uma boa imagem para a imperatriz. 

—Imperatriz!— ambos disseram em meio a uma reverência.

E lá estava ela, Tatiana Ivashkov, a imperatriz. Com toda sua pompa e coroa. Os claros cabelos loiros presos em uma poupa requintada com sua tiara preciosa de rubis e imponentes olhos azuis que evidenciavam sua pele clara. Ela nem ao menos se moveu. Os olhou e com um sorriso sem muita vontade, respondeu:

—Sejam bem-vindos, meus sobrinhos.— e indicou para que se sentassem.

—Primos!— Adrian exclamou animado, recebendo um aceno de cabeça de Dimitri e um belo sorriso de Viktoria.

Dimitri se sentou ao lado esquerdo de sua tia, enquanto sua irmã ao seu lado. Para a jovem, quanto mais longe da tia, melhor. A garota sabia que a companhia de Adrian era caso perdido, caso insistissem por atenção, viraria um cabo de guerra entre a imperatriz e qualquer um que se intrometesse.

O tempo de espera até o início da apresentação, Tatiana contava sobre as novidades do palácio, até Adrian mudar drasticamente o assunto:

—Já contei a senhora sobre a nova primeira dançarina?— perguntou com empolgação.

Dimitri se mexeu em seu assento.

—Inúmeras vezes, querido.— a imperatriz respondeu, seus olhos afiados perscrutando cada detalhe do rosto de seu sobrinho favorito.

—Ela é realmente divina.— Viktoria soltou seu primeiro comentário da noite na presença da imperatriz. —Jamais pensei que uma otomana pudesse dançar tão bem!

Viktoria voltou a sua posição ereta em seu acento estofado. A orquestra iniciou o concerto e a cortina pesada e vermelha do palco começou a subir. Dimitri respirou fundo controlando a ansiedade que tentava surgir. Pegou seus binóculos e prendeu o ar em seus pulmões quando a dançarina principal subiu ao palco. Ela estava linda e parecia iluminar o palco, quase incendiar a cada movimento. Dimitri apenas soltou sua respiração quando Rose fincou seus pés no chão após um salto. Ele já nem conseguia desviar o olhar, a entrega com que ela dançava o deixava absorto de todo ao redor, não importando quantas vezes a assistisse. Fora a mesma coisa na noite anterior, com seu amigo General e Lorde Ivan Zeklos, ele parecia não se cansar mesmo assistindo à peça outra vez. A mesma emoção o inflamava.

Por assim se tratar de um balé com enredo cômico, era comum que risadas fossem soltas pelo público. Nem mesmo a imperatriz esteve imune. Entretanto o que surpreendeu a todos foi o fato do Coronel-General ter soltado uma sonora risada por um movimento exagerado da primeira dançarina. Aquilo pegou seus acompanhantes de surpresa, olharam para ele, mas ele nem mesmo notou com um fraco sorriso no rosto.

Viktoria acomodou seu pequeno binóculo requintado e feminino feito de metal. Suas sobrancelhas ainda arqueadas. Palavra alguma mais foi dita até o fim do espetáculo. Ao fim, Dimitri tentou controlar sua longa respiração enquanto uma salva de palmas ecoou pelo magnífico teatro com o corpo de baile reverenciava seu público.

A imperatriz, ainda sentada, estendeu a mão ao alto e acenou para algum serviçal que a acompanhava. Um jovem loiro um tanto barrigudo apareceu em pouco tem na frente dela, fazendo uma reverência.

—Quero venha trazer até mim os bailarinos principais.

Logo o jovem sumiu de sua frente.

[...]

As coxias foram fechadas e ela mal podia acreditar em todo o ocorrido daquele dia. À princípio, mal havia chegado ao Bolshoi e vieram lhe avisar que seu parceiro de dança havia se lesionado ao montar seu novo corcel aquela manhã. Assim sendo, ela teve apenas um par de horas para se adequar ao seu novo parceiro escalado.

—Viu? Nós conseguimos!— seu parceiro sorria e respirava tão sofregamente quanto ela.

—Nem posso acreditar.— ela soltou uma risada limpando o suor que escorria por sua testa. —Muito obrigada, Ambrose. Você é incrível!

—Quanto a senhorita nem preciso dizer.— ele apertou levemente a bochecha dela.

Ela sentiu a garganta seca, ainda estava arfando pelo exercício e emoção da dança.

—Realmente preciso de água!

—Venha.

Ele a puxou para fora do palco, ambos em à procura de água.

—Senhorita Hathaway?— um jovem loiro e barrigudo a chamou.

—Pois não?— apenas respondeu antes de voltar a beber sua água, seu copo já estava na metade.

—A imperatriz gostaria que a senhorita e seu companheiro de dança se encaminhassem até seu camarote.— disse sorridente e Rose apenas pôde engasgar, molhando o chão.

Ambrose logo foi em seu socorro.

—Está falando sério?— a voz dela saiu falhada.

—Ordens da imperatriz.— e indicou com o braço para um corredor. —Queiram me acompanhar, por favor.

Ela olhou incerta para Ambrose, que apenas acenou para seguirem.

A cada passo que ela dava pelo corredor, seu nervosismo aumentava. Não era o fato de uma plebeia conhecer uma rainha que seria preocupante, mas a filha de um sultão. Seria um grande risco. Ela sabia que pessoas importantes a assistiriam, mas jamais imaginou tamanho interesse da imperatriz. Para ela, já bastava a atenção que davam a ela por seu talento. Detestaria o fato de ser descoberta, isso apenas significaria estar em perigo e todo seu trabalho pelo balé destruído. Por mais confiante e dona de si que ela fosse, sabia seus limites. Ela estava em território desconhecido.

O longo caminho parece ter tido fim. Antes que o homem abrisse a porta, ela conferiu o traje de apresentação. Parecia mais adequado do que a roupa que usaria para voltar para casa. Os trajes de luxo viraram exceção em seu guarda-roupa, teria de chamar o mínimo de atenção nesse sentido.

Ela estava temerosa ao ver a imperatriz, mas seu mundo pareceu virar de cabeça para baixo quando avistou quem mais havia desejado...

[...]

Dimitri tentava se acalmar ao ver o que parecia mais uma disputa entre Viktoria e Adrian de quem dizia mais adjetivos sobre a apresentação. Em algo ele pareceu ficar contente, o dinheiro gasto com professores parecia mostrar seus resultados. O vocabulário de sua irmã parecia vasto com a risada de fundo de Tatiana.

—Vossa Majestade Imperial.— o mesmo jovem estava de volta.

Dimitri sentiu seu coração bater mais forte.

—Deixe-os entrar.

A imperatriz ficou de pé, aguardando-os. Rose entrou ao lado de um jovem de cabelo preto curto e olhos castanhos, ambos ainda com as roupas de apresentação. Dimitri manteve sua postura quando ela o olhou, observou que estava inquieta mexendo no tule de seu tutu romântico.

—Há tempos não assistia uma apresentação como essa...— Tatiana teceu alguns elogios sobre a dança, sem nunca deixar de analisar cada mísero centímetro da otomana com criticidade.

Adrian e Viktoria embarcaram na conversa, onde os novos convidados davam respostas curtas. Dimitri se fez prestar atenção a cada resposta da estrangeira, que hora ou outra trocavam olhares. Adrian não parecia ter grande recepção por parte dela além do educado.

—Dimitri, não vai dizer nada?— Viktoria inquiriu e todos fizeram silêncio.

Ele limpou a garganta, ganhando tempo para pensar em algo.

—O que posso dizer sem repetir demais o que já foi dito é que a apresentação foi impecável.

As bochechas de Rose ficaram levemente avermelhadas.

Tatiana sorriu e se voltou para os dançarinos.
—Já está tarde, não tomarei mais o tempo de vocês. Além do mais, amanhã ainda terão espetáculo.

Eles se despediram e agradeceram imensamente antes de sair.

—Adrian, querido sobrinho, gostaria que levassem essa apresentação de ballet até o palácio de Peterhof antes do verão. Meu marido precisa ver essa bela exibição de La Fille mal gardée. Poderia providenciar os preparativos?

—É claro, titia.— Adrian sorriu com ternura.

Viktoria apenas faltou revirar os olhos.

—Por que vocês também não vem?— ela olhou sobrinho por sobrinho. —Quero que todos vocês compareçam. Será a última chance de visitá-lo antes de passarmos o verão no palácio de Catarina...

—Muito obrigada, titia, mas não sei se poderei ir.— Viktoria disse o mais doce que poderia fingir. —Minha idade pede maiores responsabilidades, necessito me dedicar mais às minhas aulas particulares...

Aquela cena poderia até ter convencido Tatiana que a garota estava mudando, mas jamais enganaria Dimitri. Aquilo nada tinha a ver com estudos. Das irmãs, Viktoria sempre foi a mais dispersa. Por vezes preferia os bordados do que ter aulas de matemática. Entretanto, jamais viu alguém com mais tino para cartas e apostas que ela. Dimitri sabia que ela não perderia a chance de dar prejuízo a nobreza, em uma rodada ela conseguia levar dezenas de rublos¹ desde os treze anos. Para ela, cada kopek² era valioso. O homem que se casasse com ela levaria uma pequena fortuna além do dote.

—Tente reorganizar os seus horários, querida. Será um belo espetáculo.— a imperatriz insistiu.

—Farei o possível, titia.— Viktoria sorriu quase amável.

Pouco depois, saíram do camarote. Fizeram o caminho silencioso até a entrada do teatro, onde se despediram e cada um entrou em sua respectiva carruagem.

Dimitri se acomodou no acento agradecido pela noite. Ele quase podia se sentir revigorado. E então, soltou a pergunta que vinha guardando desde que saíram do camarote:

Por que recusou o convite, Viktoria? Você ama visitar o palácio Peterhof.— Dimitri parecia intrigado.

—Queria que ela parasse de pegar no meu pé um instante.— ela suspirou dramaticamente. —O que funcionou...

Alguns instantes de silêncio se passaram. Dimitri mal pode degustar esse momento quando sua irmã lhe fez a seguinte pergunta:

—Acha que ela irá pegar no meu pé se eu jogar cartas apostadas?— ela estava incerta.

Por melhor que ela fosse, sabia que seu irmão não era o maior apoiador dessa ação. Não parecia bem quisto uma debutante que apostava em um jogo de cartas, mas uma que levava o dinheiro de todos na mesa quando aparecia?

—Acha mesmo que conseguirá um bom casamento dessa maneira?— Dimitri estava sério, observando cada feição da irmã.

—Sinceramente, eu não gostaria de me casar com um daqueles velhos.— ela fez uma careta colocando a língua para fora. —É nojento, alguns me viram crescer.

Dimitri segurou a risada.

—Mas gostaria de se casar?— insistiu.

—Talvez. No mínimo, espero que seja um cavalheiro que não fique recriminando o que gosto nem o meu jeito de ser...— ela parou por um momento. —E que não me faça parar de jogar cartas. Você não vai me obrigar a casar, não é mesmo?

Randall Ivashkov havia deixado nas mãos de Dimitri toda a responsabilidade de escolha quanto cuidados da casa e da família. Não por amá-los de menos, mas sua posição exigia muito dele. Por não se casar com uma nobre, sendo fiel à Olena, ele teve uma imensa retaliação de sua família. Mesmo fazendo o possível para ser presente, não era o suficiente. Portanto, quando Dimitri completou certa idade e ocupou algum cargo, foi concedido a ele o cargo de chefe da família. Randall confiava em seu filho e sabia que pela proximidade e amor a suas irmãs, ele jamais falharia nas decisões necessárias.

—Não, Viktoria. Não irei obrigá-la.— e então deu aquele olhar significativo para ela.

A mais nova apenas acenou compreendendo. Ele esperava que ela soubesse o que podia resultar suas ações, pois um dia ela teria que casar e que fizesse uma boa escolha.

Viktoria começou a ser embalada ao sono pelo movimento da carruagem pelas ruas da cidade e como costume desde pequena, adormeceu no ombro de seu irmão. A última coisa que percebeu foi que o mesmo beijou o topo de sua cabeça.

1- Rublo: moeda Russa que começaram a circular em 1724. Apenas em 1919 foram fabricadas as cédulas.

2- Kopeks ou copeques: um rublo é dividido em cem kopeks. O que seria relativo aos centavos.


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