A Queda escrita por sandsphinx


Capítulo 4
Capítulo III




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Saphira dormia enrolada sobre uma almofada cinzenta a seu lado, ainda tão pequena, e Brom não sabia exatamente como se sentir sobre seu novo dragão. Ele achava que seus olhos azuis pareciam muito inteligentes, mas ela era muito nova e não começara a pensar com palavras ou de uma forma que ele pudesse entender; era estranho, então, o quando ela já parecia parte importante de sua vida.

Ele já a amava, mas, sentado sozinho um seu novo quarto em uma nova cidade, Brom também temia que ela se tornasse uma imposição ou um fardo. E se ele se arrependesse de sua escolha? Se não se encaixasse com aquelas pessoas, não conseguisse se provar um Cavaleiro digno? Brom abraçou suas pernas, apoiando o queixo sobre um joelho, e suspirou. Ele sentia saudades de sua mãe, de seu pai, e também de Misty. Queria dormir na sua própria cama e acordar para o mesmo desjejum de sempre.

Se lembrou de seu pai bagunçando seu cabelo e lhe dando de presente um livro com iluminuras suas, de sua mãe se ajoelhando a sua frente para abraçá-lo, os olhos azuis cheios de lágrimas. Ela correra o polegar sobre sua bochecha e dissera baixinho, “Comporte-se, sim? Seja sempre seu melhor eu.” Brom assentira e prometera que seria, mas agora, se sentindo tão perdido e com vontade de chorar, não sabia se conseguiria. Nelda havia dito que o amava, também, e que estava tão orgulhosa, embora aquilo não parecesse mais assim tão importante. Ele falharia com ela, não falharia, se não cumprisse sua promessa? Se sentisse falta de sua vida em Kuasta mesmo tendo ganhado tão mais?

Ele ouviu uma batida na porta e secou as lágrimas rapidamente com as costas da mão. “Sim?” sua voz quebrara apenas um pouco.

Era o garoto com quem ele conversara mais cedo; Morzan, Brom se lembrava. Ele tinha cabelos muito escuros que estivessem talvez compridos demais, caindo sobre seus olhos e se curvando atrás de suas orelhas, e olhos de cores diferentes. Ele examinou o quarto, reparando nas paredes claras sem qualquer decoração, na cama, no livro sobre a mesa, e então encontrou o olhar de Brom e pendeu a cabeça para o lado. “Você está bem?”

Brom hesitou. Morzan lhe dissera que tinha treze anos e havia sido um Cavaleiro já há três; com certeza não teria paciência para ouvir suas dores. Quando falou, no entanto, deu a pior resposta possível. “Sinto falta da minha gata.”

Mas Morzan apenas sorriu, divertido. “Você tinha uma gata?” perguntou, entrando no quarto.

“Misty,” ele confirmou. “Demos esse nome por causa da cor dos olhos dela.”

“Ah. E por que não trouxe ela para Ilirea?”

Brom quisera trazer. “Minha mãe não quis dar mais trabalho aos Cavaleiros. Eles já vão cuidar de mim.”

“Cuidar de um gato não é tão difícil assim,” Morzan replicou, sacudindo a cabeça como se desaprovasse, e se sentou na cadeira de frente à escrivaninha. “Esse seria um favor que eles deveriam estar dispostos a fazer, mas não sei se estariam. Eles têm todo o tipo de regras e ideais, e talvez achassem que você não precisa de um gato, agora que tem um dragão. E eles vão querer que você deixe para trás sua vida antiga, você sabe.”

Brom considerou suas palavras. “Faz sentido, eu acho. Tenho Saphira agora.”

Algo no rosto de seu colega sugeria que aquela não fora a resposta certa, mas ele não a contestou. Em vez disso, assentiu como se entendesse. “E seus pais? Sente falta deles também?”

“Sim,” ele admitiu. “Você sente falta dos seus?”

Uma sombra passou pelos olhos de cores diferentes de Morzan, tão rápida e momentânea que Brom pensou tê-la imaginado. “Claro,” ele respondeu, seu tom leve. “Eu terminei de ler o pergaminho que precisava,” contou, “e decidi vir ver como está sendo seu primeiro dia em Ilirea. Está com fome? Posso te mostrar onde jantamos.”

Brom mordeu o lábio. Estava sim com fome, mas pensou nos gêmeos que acompanharam Morzan mais cedo. A garota parecera tão confiante e certa de si, e seu irmão era até mesmo desagradável, com os olhos verdes arrogantes e os lábios cheios sorrindo um pouco. “Eu...” ele hesitou, e olhou para o filhote de dragão adormecido a seu lado. “Não quero deixar Saphira sozinha.”

“Ela não vai acordar, e, se acordar, não vai sair do quarto,” Morzan o assegurou, e então sorriu como se achando graça de uma piada que só ele conhecia. “E eu posso pedir para Raëd prestar atenção nela, se você quiser.”

“O seu dragão? Onde ele está?” Brom o vira mais cedo, grande e vermelho, deitado no pátio.

“Lá embaixo, mas ele conseguiria tomar conta dela sem problemas.” Morzan pendeu a cabeça para o lado, estudando seu rosto. “Ou você só não quer ir?”

Seja o seu melhor eu, a voz de sua mãe sussurrou em seu ouvido, e Brom sabia que o certo seria enfrentar seus medos e se abrir ao resto dos Cavaleiros em treinamento. Mas havia algo na postura do garoto mais velho a sua frente que sugeria que não, que ele não precisaria fazer algo desconfortável apenas porque aquele seria o caminho mais correto. “Não quero conhecer os outros ainda,” admitiu por fim.

Os lábios de Morzan se ergueram lentamente enquanto ele processava a informação, seus olhos díspares brilhando, travessos. “Por que não me disse antes? Você precisa saber dizer o que quer, sabe, e insistir. Os Cavaleiros às vezes parecem que querem que pensemos apenas nos outros, e precisamos saber que nós somos importantes também.”

“Mas os Cavaleiros vivem para ajudar os outros,” Brom protestou. Ele sabia disso, todos sabiam disso; os Cavaleiros lutavam e defendiam aqueles que mais precisavam, e garantiam a paz e a prosperidade em toda a Alagaësia. Um Cavaleiro egoísta seria simplesmente errado.

“Nós fazemos pelas pessoas o que elas não são fortes o suficiente para fazerem sozinhas,” Morzan disse, concordando, e então, “e eu diria que merecemos algo em troca. Mas você está com fome, não está? Venha comigo, podemos só pegar a comida e então te mostro o lugar mais legal para comermos sozinhos.”

Brom hesitou apenas um instante antes de segui-lo para fora do quarto, batendo três vezes no batente da porta ao sair. Percebeu que Morzan observara o gesto com as sobrancelhas ligeiramente franzidas, e preciso se conter para não explicar o que fizera. Ele deveria saber, não? Ao atravessar o corredor de pedras na direção das escadas que desciam para o pátio, perguntou, “Onde vamos conseguir comida?”

“Nós normalmente comemos com os outros estudantes, mas como você não quer encontrar eles hoje vamos pedir nas cozinhas do palácio.”

“Podemos fazer isso?”

“Sim.” Morzan parou para examinar o pátio, seus olhos parando sobre dois elfos que conversavam em voz baixa a um canto, e partiu na direção oposta. “Eles costumam nos dar o que quisermos, é só não pedir com muita frequência. Sabia que elfos não comem carne?”

Brom o seguiu por um caminho de pedras que separava os jardins, protegidos por baixas muretas, iluminado por lanternas sem chamas. “Por quê?”

“Eles não gostam de machucar outros seres,” Morzan confessou. “Parece besteira, você não acha? Nós sempre comemos carne, e eles não reclamam quando são os dragões caçando. Mas dizem que não precisamos, então não devemos. A maior parte dos Cavaleiros humanos acaba fazendo como eles, no fim. É estranho, parecem que querem ser elfos.”

Brom demorou um instante para absorver tudo o que ele falara. “É porque elfos são tão antigos e poderosos, e mágicos também. Mais do que nós, não é? E antes não existiam Cavaleiros humanos, só elfos, então faz sentido seguirmos a cultura deles, não faz?”

“Eu acho,” o outro disse, devagar, “que deveríamos encontrar um meio termo. Não deveríamos parar de ser quem somos, ou mudar, apenas para ser como eles. Não é como se elfos fossem melhores.

“Você não acha que eles são?”

Morzan deu de ombros. “Elfos são elfos, e humanos são humanos. Se eles não precisam mudar, nós não precisamos também; somos como somos, não é? Não existe motivo para misturar as coisas.” Ele parou diante da entrada das cozinhas. “Espere aqui, sim?”

Ele deixou Brom do lado de fora, só em meio a adultos em roupas simples que passavam andando rápido, muito preocupados com seus afazeres para lhe dar atenção. Ilirea era mesmo uma cidade muito diferente, muito grande e importante. Um lugar onde seria fácil se perder e desaparecer entre tantas pessoas. Ele se recostou contra a parede de pedra, mas não precisou esperar muito. Logo Morzan estava de volta, lhe oferecendo um prato de metal com frutas com caldo doce, pães, e queijo.

E então ele o guiou pelo jardim, para dentro do castelo, por escadas que subiam e subiam, até o topo de uma torre de onde conseguiam ver as pessoas andando, pequenas, lá embaixo. Não era alta, Brom supunha, para uma torre, e a beirada era protegida por uma balaustrada que batia em seu peito. Não haviam lanternas sem chamas a iluminando como nos corredores e nas escadas, e o chão de pedras adquiria uma coloração pálida na luz da lua.

“Ninguém nunca vem aqui,” Morzan disse, “e é por isso que eu gosto.”

“É calmo,” Brom concordou, se sentando não chão junto à balaustrada. “Podemos mesmo estar aqui?”

“Provavelmente.” Ele não parecia preocupado, e sorriu. “Não vão nos descobrir, de qualquer jeito.”

Devagar, Brom retribuiu seu sorriso. Era algo ousado, quase perigoso, e Morzan agia como se fosse tão simples, com tanta confiança. Brom não conseguiria jamais ser como ele, tinha certeza, mas estava mais do que contente em apenas observar. Decidiu gravar na memória aquela noite, com os dois sentados em uma parte tão quieta de uma cidade com tantas pessoas, para se lembrar das partes boas de Ilirea quando estivesse com saudades de casa.

Saphira era a melhor, mas o garoto de treze anos a sua frente talvez chegasse perto.


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Notas finais do capítulo



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