— EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ COLOCOU FOGO NA BONECA!

Por mais que todos pensem que esse grito provavelmente veio de Thalia, estão todos errados. O grito foi para Thalia.

— Eu não tenho culpa! – ela retrucou exasperada enquanto a boneca levantava as mãos robóticas para cima e levava para baixo, repetindo sem parar a frase “eu estou pegando fogo.” – Deuses!

Pegou um pano, começando a bater em cima do brinquedo, que aos poucos foi parando de falar e de pegar fogo, por fim sobrando um rosto derretido e roupas chamuscadas.

— Você matou a minha filha! – Nico se virou para ela totalmente incrédulo e pasmo com a cena que havia presenciado.

— A culpa foi do Toy! – Thalia retrucou, levantando os braços em sinal de rendição.

— Ah, claro! Vamos colocar a culpa no gato, porque ele não fala e leva a culpa de boas, não é? Claro que não! Porque eu falo e não vou assumir esse B.O não! – Toy se pronunciou, subindo em cima da ilha da cozinha com a suavidade de uma pluma.

— Papai— a voz robotizada saiu da boneca, fraca e monótona.

A Grace fez uma careta, olhando para o brinquedo e balançando a mão, fazendo com que a boneca sumisse. Não era por nada não, mas ela tinha medo de bonecas que falam e daquelas grandonas de tamanho humano, sabe?

 – Sim, a culpa foi sua! Você me assustou brucutu ignorante! – Thalia repreendeu o gatode, que levantou as orelhas indignado.

— Ele te assusta e você põe fogo na minha filha? Qual seria a probabilidade de não colocar fogo em Nyssa sem querer? No Leo? Até mesmo em mim? – Nico começou a jogar perguntas para ela, que franziu as sobrancelhas em um sinal claro de descontentamento.

Contudo a bruxa não respondeu, dando as costas e indo em direção ao fogão preparar o lanche da tarde. Por fogo nele até que se tornou tentador, mas estragar uma carinha bonitinha é quase um pecado capital. Ela pensou consigo mesma, sugando os lábios para dentro da boca inerte em seus pensamentos.

— O pior é que eu estava indo tão bem – o di Angelo se lamentou com um bico, fitando Leo, que negava em reprovação.

— Tá vendo, eu falo que ela é do bem e você ainda tem a ousadia de não acreditar – disse o Valdez, apontando para Thalia, que misturava a massa de panqueca.

— Do bem? – Nico tinha o tom tão incrédulo que a Grace sentiu um incomodo, como se soubesse o que estava por vir. – Essa garota é uma aberração!

Ao mesmo tempo que Leo reagiu com um grito, Thalia soltou a frigideira contra a boca do fogão e desligou o fogo antes de sumir, fazendo Toy miar alto e se jogar na dona, sumindo junto. 

— Parabéns, Nico – o Valdez resmungou amargurado, seu maxilar apertado. – Se o que você queria era espantar ela, conseguiu do pior jeito.

Deu as costas, indo para a sala e deixando o di Angelo parado na cozinha sem entender o que havia acontecido ali.

Como se Thalia houvesse entrado em um túnel de lembranças, sua cabeça latejava assim que reapareceu no sótão da casa de Leo. Seus joelhos dobrados, sentada sob as coxas, cabisbaixa e mantendo seus olhos fechados. 

— Ele não fez por querer... – Toy se aninhou em cima das coxas dela, suas orelhas baixas em sinal de tristeza. Baixou o tom de voz: – Pelo menos eu acho que não...

Por mais que ele tentasse conversar com a dona, ela estava inerte no mar das lembranças que haviam a atingido com tamanha força que fora arremessada para longe da areia.

— Eu não quero isso! – Thalia se debateu nos braços de seu primo, Percy Jackson, que a mantivera em um abraço forçado. – Eu não gosto, eu não sou má!

— Sabe que seu pai vai te expulsar do clã, da vila e de todo o nosso mundo, não é? – ele tentou argumentar, mesmo que entendesse seu lado. Muitas das bruxas haviam sido forçadas a virarem do mal para não se afastarem de suas famílias.

A porta se abriu e Thalia não precisou olhar para saber que era Leo.

— Nico não sabe das coisas, Lia – o sotaque espanhol escorregando pelas palavras e as deixando mais suaves – não fica assim, sabe que tudo isso já passou, não é?

— Sabe o que você é, garota? – o tom de voz de Zeus Grace era alto e firme perante a multidão que os cercava. – Uma aberração!

A volta de Thalia, todos caíram na gargalhada e apontaram para a garota indefesa no chão. Por mais que caçoassem, ela manteve seu rosto erguido, sem nenhum sinal de que estava abominando o acontecimento. Sabia aonde suas escolhas a levariam.

A Grace abriu os olhos calmamente ao sentir seu corpo ser envolvido por braços fortes em um abraço quente. Se permitiu aninhar-se a Leo, fitando Toy arregalar os olhos ao notar que seria esmagado.

— Cara, calma, olha eu aqui! – o gatode se pronunciou exasperado, pulando do colo de Thalia e a fazendo rir internamente. – Por isso que eu não sou muito fã de demonstrações de amor, tá vendo? Acaba sobrando pro gato!

— Para de ser dramático! – Leo retrucou, negando em reprovação.

— Drama é o sobrenome do meio do Toy – Thalia se pronunciou, pigarreando – Toy Drama Grace.

— Isso está virando uma tortura! Parem de zoar meu lindo nome, eu não faço drama! – o gatode girou entorno de seu próprio eixo, se esparramando no chão e levando a pata até os chifres.

— Ele seria um ótimo ator se fosse humano – Leo comentou descontraído, afagando o braço da garota, que assentiu em concordância. – Se sente melhor?

— Estou bem sim, nem deveria ter sumido daquele jeito – Thalia comprimiu os lábios. – Só fiquei com medo de fraquejar na frente de um estranho que tem medo de mim, sabe como é, né?

O Valdez deixou um beijo em seus cabelos, a fazendo sorrir.

— Ei, eu ainda estou aqui, tá? Podem dar atenção ao pobre gatode que só queria atenção e foi ignorado por tudo e todos! – Toy se fez ao ouvir, choramingando.

— Depois ele tem a coragem de negar que é dramático – Leo riu, negando.

Thalia sorriu levemente, suspirando baixo e fitando um ponto cego antes de se virar para o Valdez, fitando-o:

— Se importa em me dizer onde Nico mora?