Caos em Virgini escrita por Widowmaker


Capítulo 2
1. Massacre




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Até mesmo deuses caem.

Acordei desnorteada, tateando o chão em minha volta. Minha queda causou uma cratera no solo, ainda em chamas. Ao meu redor, vazio. Um grande deserto me cercando, sem qualquer sinal de vida humana. O sol e a temperatura embaçavam minha visão, e minhas forças se esgotavam a cada momento que se passava. Olhei para o céu, sem uma nuvem sequer. Silêncio. As vozes em minha cabeça também haviam parado. Silêncio. O vento soprava quente em meu rosto, trazendo grãos de areia para dentro de meus olhos. Cocei-os. Tentei por meus pensamentos em ordem, e então me levantei de minha cratera, lutando para sair. Comecei a caminhar para fora, sem saber para qual direção estava indo, e sem saber o que eu faria a seguir. Meus pés ardiam a cada passo, e minhas garras se agarravam a qualquer pedaço de chão estável para evitar que meu corpo perdesse totalmente o equilíbrio. Eu não estava acostumada a andar, e me sentia consumida. O deserto me consumia. Com o tempo, cambaleando e ainda com a visão turva, avisto coisas. Objetos estranhos e psicodélicos, chamando minha atenção. Não pareciam reais, e eu me esforcei para entende-los, e então as vozes voltaram.

O que você acha que aquilo é?

Deve ser civilização.

Você acha que devemos ir lá checar?

Não sejam burras, é uma miragem. Além do mais, quem ajudaria uma aberração?

Sim, uma aberração. Virgini é uma aberração.

Falha.

Defeituosa.

Continue em frente, Virgini.

Sim, logo, logo você vai pagar pelos seus atos.

Calem a boca. Eu não sou defeituosa. Eu tentei consertar as coisas.

Eu combatia minhas vozes com mais vozes. Não funcionava, apenas as faziam rir de mim, e a repetirem hipóteses caso eu não tivesse interferido. Mas as coisas não seriam muito diferentes de agora. Eu morreria, mas ao menos não seria caçada e abatida como um animal, a presa do Executor. Eu apenas.... Desapareceria, juntamente com a minha imagem.

Uma morte pacífica, comum que já havia afetado alguns de meus irmãos. Aqueles que caíram sem lutar, aceitando seu destino, abraçando sua inexistência. Eu não queria o mesmo destino deles, eu queria lutar e me defender. É frustrante quando toda a sua vida depende de criaturas inferiores e maleáveis, instáveis em corpo e mente. Não queria depender deles, não queria depender de ninguém além do Criador, e esse foi o meu maior erro.

Arrogância.

Passos e passos até que eu chegasse nas figuras distorcidas que eu havia visto. Me parecia ser uma pequena vila, com poucas pessoas no exterior de suas casinhas, trabalhando arduamente contra o sol. Patéticos.

Ao chegar perto, caminho tranquilamente. Não podem me ver a menos que eu os permita, então passo despercebida por todos, que continuam sua rotina, alheios. Busco por algo que me traga paz, então vejo algo, uma cruz em uma torre alta de madeira. Uma pequena igreja no centro da vila. Vou até lá, atravessando as paredes e me mantendo atenta ao meu redor.

Vários bancos divididos em duas fileiras pequenas e, em frente a todos eles, um pequeno altar com um livro manuscrito aberto na metade. Um painel gigante no fundo, com uma estátua de madeira virada para os bancos. Olho para ela, uma mulher de cinco metros de altura, com grandes asas abertas e um olhar caloroso, com o terceiro olho aberto, e uma safira no lugar da íris e pupila.

Sou eu.

Esboço um sorriso, e vou até os pés da estátua, me ajoelhando. Um homem vestindo preto caminha através da igreja, o padre conversa tenso com duas freiras sobre algo que não me interessava. Pessoas se ajoelhavam diante de minha estátua, rezando por prosperidade, saúde e boa sorte, mas vejo algo mais em seus desejos, uma ambição desrespeitosa que se encolhe ao lado do medo de minha ira. Agora, por medo das mentiras espalhadas, meus fiéis apenas rezam para mim quando sentem que realmente precisam de algo, visando seu próprio bem e evitando dedicação à minha religião, duvidando de suas crenças. Estes pensamentos me entristeciam profundamente, refletindo sobre o que eu havia me tornado para eles. Toda minha imagem, tudo o que eu represento e tudo o que me faz viver está distorcido agora, e desaparecendo aos poucos. Todos os meus esforços serviram para nada e agora o medo está mais intenso que nunca. Eu estava despedaçada.

Quase caio enquanto me levanto do chão. Meu corpo se estabiliza num ponto de equilíbrio e uso minhas asas deformadas para me equilibrar de pé. Mexê-las me causava uma dor aguda, como uma ferroada em minhas costas. Minha cabeça girava com a sensação. Viro meu corpo em direção às portas da igreja e começo a caminhar. Enquanto penso sobre meus pecados, sinto minha cabeça se carregar de pensamentos e, quase instantaneamente, as vozes voltam.

O altar de Virgini.

Eles estavam rezando errado?

Por que pedem por sua vingança, Virgini?

Virgini mudou, vocês não se lembram?

Deuses não deveriam mudar.

Mas Virgini não é uma deusa, é uma mutante.

Mutante, sim. Aberração também.

O Criador deve estar decepcionado com ela.

Óbvio que está. Mas o Executor está ansioso para conhecê-la.

Ele vai adorar decapitá-la e prender sua cabeça na espada dele.

Virgini vai gritar para sempre na espada do Executor.

Todos vão se esquecer de você, e você não vai passar de um nada

Nada.

Uma lembrança distante de teus irmãos divinos.

Uma alma agonizando na espada do Executor.

Elas riam sem parar, martelando minha cabeça diversas vezes com meus erros. Fecho os olhos com força, implorei mentalmente para que parem, em vão. Estava enlouquecendo com tantas vozes ao mesmo tempo. Ajoelhei-me no chão enquanto minha cabeça latejava. Encolhi-me em minhas asas, suportando as dores que meus movimentos causavam. De repente, todas se calaram de vez. Ao estranhar o silencio, hesito em abrir meus olhos, então noto que não foram apenas as vozes que se calaram, mas toda a capela. Abri os olhos, correndo-os pelo local, então sinto a luz do sol bater em meu rosto e parcialmente me cegar por alguns segundos. Ao portão de entrada que agora estava aberto, duas sombras. Dois homens de chapéu e roupas pesadas, segurando uma pistola em cada mão. Seus rostos se reviravam em crueldade e suas mentes pulsavam num desejo sádico e perverso. Estremeci. Eles caminharam para o interior da construção sagrada, exalando raiva de suas mentes fechadas, e então um deles começou a falar em voz alta:

— Senhoras e senhores, por favor, não queremos machucá-los ou interromper a oração inútil de vocês – este sorri, apontando sua arma para um dos fiéis – Apenas pedimos gentilmente para que nos entregue TODOS os seus objetos de valor, ou teremos de toma-los à força.

Todos permanecem em silêncio, mas pude ouvir com clareza seus corações batendo em disparada. Paralisados de medo, continuaram imóveis, olhando para os homens, até que o outro homem usou sua arma para atirar para cima, assustando a todos, inclusive a mim.

— Será que não fui claro o suficiente, escória? – Ele grita, e todos continuam imóveis – Talvez eu devesse ser mais claro então? – Ele puxou uma mulher que estava ajoelhada no chão pelos cabelos. Ela não se debatia, mas chorava com os olhos fechados. Sua mente se esbranquiçava quando ele encostava o cano da pistola em seu pescoço.

Eu sabia o que viria a seguir. Não podia deixar aquilo acontecer em minha frente, não sem tentar impedi-lo. Juntei forças para me levantar, e, como não conseguia andar sem que minhas pernas me falhassem, me joguei com força contra os homens. Achei que conseguiria, achei que eu os derrubaria e salvaria a mulher, mas, ao invés disso, eu os atravessei. Meu corpo etéreo atravessou os homens e a mulher e eu caí do outro lado. Olhei para minhas mãos, confusa sobre o que havia acontecido, então ouvi um barulho atrás de mim. Me virei instantaneamente, procurando respostas para o ocorrido, e então eu a vi, caída no chão. As pedras do chão da capela se pintavam de vermelho com o sangue da mulher que se espalhava ao seu redor. Todos a observavam, horrorizados, e os dois homens se aproximaram de seu corpo, tateando em busca de objetos valiosos. Ao saquearem-na, chutaram seu corpo para o lado.

— Quem será o próximo? – Deram um passo para mais perto da multidão, recarregando a pistola.

O padre se manifestou, acompanhado por suas freiras. Ele tremia, mas se esforçava para se manter firme. Puxou de dentro de suas roupas um colar com uma cruz de madeira como pingente e a segurou firmemente contra os dois fora-da-lei.

— Saiam daqui, demônios – Sua voz tremia – Não temos medo pois nossa Deusa nos guia e protege.

Minha mente se apertou, e quase pude sentir meu terceiro olho arder de arrependimento. Me levantei, carregada de pensamentos negativos, e me aproximei do padre, tocando seu ombro, mesmo que ele não me sentisse. Sussurrei em seu ouvido, e logo depois, ele foi atingido. Um massacre havia se iniciado, e os homens começaram a atirar em todos os outros mortais. Gritando e com medo, todos caíam diante de mim. O chão da igreja, as estatuas de santos, os bancos e as paredes, tudo se cobria de restos e sangue. Mais uma vez, me senti impotente, e esse peso me machucava, trazendo as vozes de volta. Todas gritando e rindo de uma vez só, me lembrando do quão patética eu sou.

Cansei de lutar.

                Mortis.


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