komorebi escrita por socordia


Capítulo 7
Sete.


Notas iniciais do capítulo

boa noite eu comecei o mestrado e MORRI por isso a demora. bom fim de feriado amores!!! vamos a segunda parte do double date.

se eu cometi ofensas indizíveis acerca da cultura indiana eu peço PERDÃO e alguém pelo amor da deusa ME AVISA!!!!



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Lily encara a arma com desconfiança. A coisa é pesada em suas mãos, muito mais do que ela achava que seria, e o metal é frio demais contra sua pele. Boa coisa, conjectura ela, que parte do uniforme que vai ter que vestir inclui luvas. Ela bufa e põe a arma de lado, voltando-se para a pilha de roupas de plástico branco a sua frente.

Não pela primeira vez no semestre, Lily começa a questionar as escolhas de vida que a trouxeram até aqui, a essa arena interna de paintball — aparentemente a maior da Escócia —, nessa noite de sexta-feira. Ela está vestindo o equipamento protetor de forma lenta e desastrada, precisando da ajuda de duas meninas, que com certeza não têm mais de dezesseis anos, com a quantidade maciça de velcro que precisa ajustar nas pernas e braços.

Em retrospectiva, Lily se acha ingênua por ter achado que depois de sequestrar a mascote do dormitório rival, os quatro teriam uma noite tranquila, num restaurante bem-conceituado com comida gostosa e iluminação baixa. É claro que Sirius Black não deixaria o primeiro encontro com sua alma gêmea ser tão trivial.

Mas Lily não estava preparada para uma partida de paintball.

Ela sai do vestiário, armas presas nos coldres amarrados em suas coxas, e vê Sirius e James à distância, conversando com um homem careca de meia-idade a quem Lily foi apresentada mais cedo, o dono da arena. Remus está apoiado na parede, longe dos dois e mais próximo da porta do vestiário feminino, claramente esperando por Lily.

Estampando um sorriso no rosto, ela enrosca seu braço no de Remus e apoia a cabeça no ombro dele.

— Oi — ela diz baixinho, em seguida procurando o rosto de Rem com seus olhos. Ele parece evidentemente incomodado, da maneira que a própria Lily se sente.

Estão os dois fora de suas respectivas zonas de conforto. Lily está preocupada com Rem porque sua última crise de lúpus foi há não muito tempo e ele ainda pode estar se sentindo desconfortável e nada disposto a exercícios físicos prolongados, mas, se fosse o caso, tem certeza que ele lhe falaria.

— Oi.

— Você tá bem? — ela pergunta, apreensiva. — Disposto a sair correndo por aí atirando em pessoas?

Rem suspira, o movimento de seus ombros fazendo com que Lily ajeite sua postura.

— Eu sempre morri de vontade de jogar paintball — ele confessa, sem olhar nos olhos de Lily, e ela franze as sobrancelhas diante do tom de voz dele, que parece cheio de dor. — Mas nunca contei isso pra ninguém. — Remus esfrega os olhos com as mãos e finalmente encara Lily. — Lil, como ele sabia?

Ela ri, e o som atrai a atenção de James e Sirius.

— Ele é sua alma gêmea, seu tonto.

Black e Potter despedem-se do dono da arena e caminham na direção de Lily e Remus, carregando tanto equipamento que Lily imagina, por dois segundos, que estão prestes a simular a invasão do Iraque com as bolinhas de tinta. Eles parecem incrivelmente confortáveis aqui, e Lily se pergunta quanta experiência eles devem ter com paintball.

— A gente entra na partida daqui a meia hora — informa Sirius, apoiando a ponta? (Lily não faz ideia da nomenclatura das partes das armas) de sua espingarda de tinta no ombro. — O que quer dizer que a gente tem tempo mais que o suficiente pra ensinar a vocês como paintball funciona.

— Eu pensei que era só atirar nas pessoas — Lily responde, desconfiada.

Sirius joga sua majestosa cabeleira pra trás e ri.

— Ah, Evans... Paintball é um jogo de estratégia, sangue frio, habilidade e...

— A gente entendeu, Pads — interrompe James, sorrindo de lado e dando tapinhas reconfortantes nos ombros de Sirius. — Você e Remus podem pegar a cabine de tiro ao alvo número 5, eu e Lily ficamos com a número 4.

Sirius concorda com a cabeça e abre um sorriso brilhante para Remus, apontando uma das cabines com a cabeça. Lily consegue perceber que Remus está se segurando para não retribuir o entusiasmo de Sirius na mesma intensidade, mas mesmo assim não é completamente bem-sucedido: Rem responde ao sorriso de Black com facilidade, e os dois se apressam na direção da cabine.

Lily e James estão sozinhos novamente.

— Vocês parecem saber bastante coisa sobre paintball — ela começa, enquanto os dois se encaminham para a cabine de treinamento.

— A gente vinha aqui o tempo todo com o Peter quando ainda estávamos no undergrad — James responde, e há alguma coisa triste em seu olhar. Lily franze o cenho e abre a boca para perguntar, mas pensa um pouco mais e acha melhor ficar quieta. Não quer fazer o clima pesar. E Potter parece não estar interessado em se delongar mais no tópico, porque logo muda de assunto. — Ei, eu queria ter te dito isso antes. Mas — ele pigarreia e esfrega a nuca com a mão livre — obrigado por ter vindo.

— Você tá me agradecendo por estar num encontro com você, Potter? — Lily indaga, sorriso afiado de gato espalhando-se pelo rosto.

— Qual é, Evans — ele responde, em tom divertido, rolando os olhos. — Obrigado por ter concordado em vir mesmo com os, hm, imprevistos sonserinos. Se você tivesse dado pra trás, tenho certeza que o Remus teria se trancado no quarto.

Lily concorda com a cabeça, imaginando a cena e sabendo que James está corretíssimo.

— É por isso mesmo que eu vim. O Rem é uma pessoa maravilhosa, que merece só coisas boas, como conhecer e se apaixonar pela sua alma gêmea. — Ela dá de ombros. — Considere que eu sou parte do Esquadrão Anti-Autossabotagem de Remus Lupin.

Lily não fala nada sobre estar pessoalmente curiosa acerca de James e Sirius e sua primeira estada em Hogwarts. A noite, afinal de contas, não é sobre ela e sobre a confusão de sensações que rodopia dentro de seu peito toda vez que James passa perto demais dela. Nananinanão, ela não pretende investigar os motivos por detrás do descompasso de seu coração ou das ondas de calor súbitas que sente nesse ambiente de temperatura controlada.

James sorri e abre a porta da cabine para Lily.

— E eu sou parte do Esquadrão Anti-Surto de Sirius Black — declara, com alguma pompa e circunstância. — Nós fazemos uma bela dupla.

— O lema aqui é cuidar da vida de nossos melhores amigos melhor do que cuidamos das nossas.

— E existe outra forma de se viver?

Lily ri e James a acompanha de forma natural e despreocupada. Ele passa os próximos minutos explicando para Lily como a arma dela — as armas, já que ela tem dois revólveres encaixados nos coldres amarrados em suas pernas — funciona, como ela deve recarregá-la, e a melhor forma de lidar com o coice do tiro. James também fala sobre a modalidade do jogo de paintball que eles jogarão dali a pouco. Um grupo de doze pessoas tem uma base no centro da arena, e eles têm que resistir às numerosas investidas de diferentes grupos (James e Lily, Remus e Sirius sendo um desses grupos invasores) pelo máximo de tempo possível. O recorde da arena foi de pouco mais de três horas e meia, e a partida atual já está entrando na segunda hora.

— Eles são bons, então? — É o que Lily quer saber, depois de errar o alvo por centímetros, pelo que parece ser a milésima vez na noite.

— Parece que sim — James responde, aproximando-se e corrigindo a postura de Lily, que sente os ombros queimarem onde ele a toca. — Tenta de novo.

Ela respira fundo — ignorando muito veementemente a presença de James atrás de si e o cheiro da colônia dele que parece preencher o espaço entre os dois — e atira. Lily erra o alvo por alguns centímetros de novo, mas agora para o outro lado.

— Em minha defesa, minha única experiência com armas vem de Fortnite — ela resmunga, ajeitando os ombros mais uma vez e usando sua irritação consigo mesma como uma âncora. Da próxima vez que atira, Lily acerta. James comemora ao seu lado e Lily sente seu rosto esquentar.

— Viu, Evans, era só questão de tempo. — Ele empurra os ombros dela com os dele de maneira delicada e divertida, e Lily não consegue conter o sorriso que se espalha por seu rosto.

Pouco tempo depois, Sirius enfia a cabeça na cabine e convoca James e Lily para a arena. Eles seguem discutindo estratégia e a melhor forma de chegar até o centro incólumes, levando em consideração que Lily e Remus são inexperientes e, até dez minutos antes, não sabiam nem como atirar uma arma de tinta. Eles vestem as viseiras, checam a munição e, quando uma sirene soa, entram na arena.

Lily tem que se controlar pra não cair na gargalhada — há feno para todos os lados, como se estivessem num festival no meio-oeste dos Estados Unidos. O feno forma corredores para os mais diversos lados, as pilhas tendo tamanhos e alturas diferentes, servindo de esconderijo e lugares para realizar-se emboscadas. Os quatro viram à direita e caminham com cuidado até decidirem o melhor lugar para saírem das bordas da arena e irem para o centro, onde o verdadeiro desafio os espera.

As borboletas no estômago de Lily agitam-se de forma ensandecida, quase maníaca, e ela mal pode esperar pelo momento em que chegarão até onde a ação efetivamente começa. James e Sirius, os jogadores mais experientes, dividem-se entre a vanguarda e retaguarda do grupo, com Remus e Lily indo no meio, olhando para tudo meio fascinados e meio embasbacados.

Os únicos sons que Lily consegue escutar são os de sua respiração e dos passos cautelosos do grupo. Eles vão se embrenhando na arena pouco a pouco, passando por montes de feno manchados de tinta, e não demora para que Lily consiga ouvir o barulho de armas de tinta sendo disparadas, instruções gritadas ao vento, os organizadores da partida conduzindo os atingidos para fora. Lily está rindo como uma criança empolgada quando o som de pés contra o concreto soa muito perto dos quatro.

Sirius empurra Lily contra um dos montes de feno, e James faz o mesmo com Remus. Os quatro prendem a respiração em uníssono conforme uma dupla do grupo que está defendendo a arena passa correndo em frente ao corredor onde os quatro estão se escondendo. Eles parecem estar com pressa demais para sequer notar Lily, James e os meninos, porque passam direto, armas em punho preparadas para disparar.

Lily suspira de alívio. Ela odiaria ser eliminada do jogo tão cedo, com tão pouca emoção.

Bem, Lily deve ter mais cuidado com o que deseja, porque logo em seguida, depois de virarem uma esquina, descobrem que a dupla que passou pelos quatro mais cedo na realidade tinha sim notado eles, e agora estão tirando vantagem da posição privilegiada que conseguiram. Os dois estão de máscaras, em cima dos paralelepípedos de feno, e, embora Lily não consiga ver seus rostos, sabe que devem estar com sorrisos vitoriosos estampados em suas respectivas caras.

— Procurem abrigo! — Sirius grita, puxando Lily pelo braço pelo caminho de onde vieram. — Vamos nos dividir! — Ela trinca a mandíbula quando ouve as bolinhas de tinta explodindo contra o chão e as paredes do labirinto, e segue Black sem nem pensar duas vezes.

É só quando eles estão a uma distância segura da emboscada que Lily olha pra trás e percebe que estão sozinhos. James e Remus não os seguiram.

— Ei, Sirius? — Lily tenta soar casual, mas está desconfiada. — Você não deveria ter salvado a sua alma gêmea?

Ele sorri e pisca um dos olhos pra ela.

— Achei que a gente poderia conversar um pouco.

Lily ri baixinho, temerosa do som denunciar a posição dos dois.

— Agora, no meio da partida?

— É que é meio... urgente — Sirius admite, mordiscando os lábios e limpando a garganta. Ele põe a cabeça para fora do corredor e olha de um lado para o outro. — Não tem ninguém. Vem por aqui, Evans.

Lily segue Sirius, sobrancelhas franzidas e desconfiança crescendo em seu peito. Uma parte de Lily desconfia que Sirius vai levá-la para uma emboscada a fim de eliminá-la do jogo, mas isso sequer faz sentido? Os quatro estão no mesmo time, e eles terão mais chances de encontrar James e Remus se permanecerem juntos. Lily com certeza será incapaz de encontrar os outros se ela e Sirius se separarem agora — todo o feno parece idêntico.

O barulho de passos e pessoas correndo vai ficando cada vez mais suave conforme Sirius dobra esquinas e avalia corredores, os dedos apertados contra a arma de tinta. Lily fica com a curiosa impressão de ter sido arremessada dentro de um filme de espiões, ou de resgate militar, diante da seriedade com a qual Sirius encara a partida de paintball. Mas não demora muito para que ele pare e erga uma de suas mãos espalmada, indicando que podem descansar um pouco.

Lily gostaria de continuar andando até Remus e James, para continuarem a partida, mas é gastar dois segundos olhando pra Sirius que percebe que é, ele realmente está precisando conversar. Não há nada de descontraído ou leve no rosto dele — algo intrinsecamente errado, frente a tudo aquilo que Lily aprendeu sobre Sirius nesses meses de convivência. A sensação é esquisita, um vazio latejante no peito, muito parecido com quando Lily chegava em casa da escola para descobrir que Petunia tinha revirado seu quarto à procura de seu diário.

Ela nem tem tempo de perguntar o quê há de errado — Black solta um grande suspiro e apoia as costas numa das paredes de feno.

— Você acha que o Remus tá se divertindo? — ele pergunta, tentando soar casual, mas falhando miseravelmente.

Lily pisca, incrédula.

— Sim?

— É porque — e aí ele chuta alguma coisa no chão que quica para o corredor ao lado — eu sei que toda essa coisa de colorização tem sido... sei lá se difícil é a palavra... pra ele, e eu só queria que ele tivesse uma noite divertida comigo. — Sirius pausa e olha para Lily com um olhar inquisitivo. — Com a gente, na real, porque eu sei que ele fica mais confortável perto de você. Falando nisso...

— Sirius, tá de boa — ela o corta, de forma gentil, sem querer que Sirius se atropele nas palavras. Lily põe uma das mãos no ombro de Black e aperta de forma afetuosa. — Essa sua preocupação toda com o Rem é muito fofa. E, tipo, não me leva a mal, mas se o Remus estivesse se sentindo desconfortável ou infeliz e quisesse ir embora, por mais que eu goste de você e do Potter, eu ia apoiar ele. A gente já teria ido embora e estaríamos passando o resto da noite assistindo Netflix e comendo pizza. — Lily deixa a mão cair ao lado do corpo e dá de ombros. — Se isso não aconteceu, é porque ele quer estar aqui. Com você, porque esse é o objetivo disso tudo — ela gesticula amplamente sem muito sentido. — Então tá tudo bem, e vocês podem continuar sendo absurdamente adoráveis juntos.

Sirius respira aliviado e Lily sorri em resposta.

— Obrigado pela sinceridade, Evans. Isso só torna o que eu tenho que fazer mais difícil ainda.

— Como ass...?

Lily não tem nem tempo de terminar a pergunta, porque Sirius pega distância apropriada dela e atira, a bolinha de tinta explodindo no colete de Lily, bem em cima de onde fica seu coração.

*

Lily destranca o armário em que enfiou sua bolsa e seus casacos com um muxoxo. Sirius nem esperou ela começar a se divertir pra valer antes de acabar com sua noite. Ela pega o celular para ver as horas e quase morre do coração quando percebe que tem apenas dezessete por cento de bateria; ela passa os olhos pelas mensagens novas nos grupos das meninas — muita especulação sobre como está sendo o encontro duplo, mas até aí nada de inesperado —, e logo bloqueia a tela e desativa todas as funcionalidades possíveis, na esperança de que a bateria dure até a hora de voltar pra casa. Sua sorte é que sempre traz um livro consigo, desses de banca de jornal, que podem ser jogados na bolsa sem muita cerimônia, e não vai passar as próximas horas olhando pra uma parede sem fazer nada.

Ela sai do vestiário, livro em mãos, pronta para procurar algum lugar onde possa ficar lendo até os meninos saírem da partida, quando reconhece James vindo na direção oposta. Ele está passando as mãos pelos cabelos, parecendo tão frustrado quanto Lily se sente, e ela é acometida pela certeza súbita que foi Sirius que também o eliminou da partida.

Lily acena para James, capturando a atenção dele e ganhando um sorriso em troca. Ela prefere não reconhecer o pulo que seu estômago deu ao se ver alvo de seu sorriso brilhante, e caminha até ele.

— E aí? — ele cumprimenta, descontraído.

— Black também te matou a sangue frio? — Lily pergunta, erguendo as sobrancelhas inquisitivamente, procurando por manchas de tinta pelo rosto de Potter.

James suspira e concorda com a cabeça.

— Francamente, tô desapontado, mas não surpreso. — Os dois riem juntos e James gesticula para o livro que Lily carrega consigo. — Vai estudar?

— Não, eu só ia ler um pouco. Achei que ia ficar algum tempo sozinha por aqui. — Ela sorri de maneira travessa. — Nunca imaginei que Sirius trairia o melhor amigo. Claramente, estava errada.

— Claramente — ecoa James divertidamente, girando o pulso e olhando o relógio rapidinho. — Não faço ideia de quanto tempo os dois vão passar lá dentro. — Ele ergue a cabeça e encontra o olhar de Lily com o seu. Ela luta contra o instinto de engolir em seco. — Você quer jantar?

— Claro. Tô morrendo de fome, pra falar a verdade.

— Beleza, me espera aqui. Vou só pegar minhas coisas e devolver o equipamento.

Ela murmura sua concordância e espera James entrar no vestiário masculino antes de soltar a respiração que estava prendendo num suspiro longo. Lily guarda o livro de volta na bolsa enquanto fica se perguntando o quê diabos há de errado consigo — ela e James já comeram sozinhos antes, em mais de uma ocasião, e essas voltas revoltosas que seu coração está dando em seu peito são completamente despropositadas.

Hoje não é sobre você, Lily, ela diz a si mesma, mas mesmo assim pegando o espelho na bolsa e retocando o batom cor de boca. Ela solta os cabelos e penteia-os com os dedos displicentemente, deixando-os caírem soltos, em cascata, pelas costas. James não demora muito para voltar, limpando as lentes dos óculos na barra da camisa e espanando poeira invisível dos ombros em seguida. Ele tira o celular do bolso e navega pela Internet conforme caminha entre o vestiário e Lily, guardando-o pouco antes de alcançá-la.

— Você gosta de comida indiana? — Ele pergunta, pondo-se ao lado dela, os olhos brilhando. — Porque um dos meus food trucks preferidos tá estacionado na praça de alimentação coberta há uns dois quarteirões daqui.

Lily, que quase nunca na vida comeu comida indiana, fica animada com a ideia.

 — Vamos lá!

— Ótimo! A gente deu sorte, porque a Tia vai voltar pra Madurai daqui a pouco pra passar o Ano Novo. — James está com a voz animada, um sorriso escapando por suas sílabas, e Lily sente-se instantaneamente contagiada por seu espírito. — A comida deles é super autêntica. Eles são de Tâmil Nadu, que nem a minha mãe.

— Comida caseira? — Lily pergunta, seu estômago roncando e sua boca enchendo-se d’água. — Isso tá parecendo cada vez melhor, Potter.

Os dois apressam-se para sair da arena de paintball, guiados por seus estômagos. O vento frio atinge Lily em cheio, e o seu instinto é usar James de suporte e escudo, entrelaçando seu braço no dele, como faria com Remus, mas mantém-se a curta distância dele como sempre. Lily gostaria muito de dizer que está se sentindo completamente descontraída e confortável enquanto caminha lado a lado com James até o food truck, mas a verdade é que tem uma espécie esquisita de tensão no ar, que certamente não estava ali mais cedo ou nas diversas vezes em que eles se encontraram no refeitório do prédio de Ciências Biológicas de Hogwarts.

Lily aperta ainda mais o casaco contra si mesma enquanto toma a decisão de que as coisas não vão ser esquisitas. Hoje não é sobre vocês, ela repete o mantra em sua mente até que comece a acreditar nele. Os dois vieram como sistema de apoio para os amigos; agora que Sirius e Remus não precisam mais deles, só estão indo jantar. Nada exorbitante, definitivamente nada romântico. Pare de hiperavaliar as coisas, Lily, ela briga consigo mesma.

O silêncio entre os dois é pesado, mas logo cede em favor do murmurinho de conversas que vaza pra fora do galpão coberto e aquecido que serve como estacionamento para diversos food trucks. Lily consegue ouvir música ao vivo ao mesmo tempo em que reconhece claramente uma playlist de k-pop, e tudo isso é harmonizado, de alguma maneira, através dos aromas saborosos de comida sendo preparada.

— Chegamos! — anuncia James, e Lily pensa ouvir uma pontinha de tensão em sua voz. Ela tira os cabelos de dentro do casaco, passando os dedos pelos fios, assentando-os enquanto olha ao redor. James abre os braços num gesto magnânimo, e Lily tem que admitir que essa quase-praça de alimentação é impressionante, ainda que positivamente caótica. — Gostou?

— Esse lugar é maluco — ela responde, sorrindo, sentindo a vibração das pessoas e suas vozes fazer cócegas contra seu rosto. — Adorei.

James ri, e parece aliviado. Lily olha para ele, para cima, inclinando a cabeça de leve e divertindo-se diante da incerteza de James.

— Que bom! — Ele aponta para um dos food trucks com a mão, um com vários tons de vermelho, encoberto por fumaça, com várias mesinhas ocupadas ao seu redor. — O da Tia é aquele ali.

— Não sabia que você tem família por aqui — Lily comenta casualmente, enquanto andam na direção do food truck que tem música animada e definitivamente estrangeira vazando por caixas de som no teto.

— Ah, não tenho. A Tia não é minha tia de verdade, é só... — ele tenta esclarecer mas dá de ombros em desistência, esfregando a nuca com uma das mãos. Lily só acena com a cabeça em resposta, compreendendo. — Minha família tá toda em Londres. Ou em Chennai.

— Na Índia?

— É, em Tâmil Nadu. A minha mãe é de lá, e os meus avós vieram pra Inglaterra quando ela ainda era criança.

Lily vocaliza sua compreensão baixinho, mas alto o suficiente para que James consiga escutar. Os dois alcançam o food truck e Lily consegue ouvir lá dentro um turbilhão de vozes altas, disparando palavras aceleradas numa língua que ela não conhece. Ela se põe na ponta dos pés, tentando enxergar o cardápio à distância, acomodando-se no final da fila, na frente de James.

O cheiro que rodeia Lily como uma redoma é delicioso, e seu estômago reage de forma quase desesperada, contraindo-se em si mesmo. Ela mordisca os lábios e tenta ler os nomes dos pratos, escritos em inglês e em outro alfabeto; as descrições são complexas e tudo parece tão incrível que ela não consegue se decidir.

— James — ela vira-se para Potter, que pisca em resposta —, o quê você recomenda?

Ele abre a boca para responder, mas aí o trio de amigas que estava na frente deles termina de fazer seu pedido e eles se veem frente a frente com a mulher responsável pelo caixa, uma senhora mais velha com grandes olhos brilhantes e um piercing no nariz, que está usando uma rede nos cabelos acinzentados e reconhece James instantaneamente.

— Jay! — ela o chama, de maneira exultante, e grita alguma coisa na língua desconhecida por cima do ombro. Mais três pessoas viram-se na direção da mulher e cumprimentam James com enormes sorrisos familiares. Ele sorri de volta, acenando para todo mundo, tendo que ficar na ponta dos pés e se apoiar no balcão de vidro para receber apertos nas bochechas da senhora no caixa. Ela nota Lily em seguida e pergunta alguma coisa, sobrancelhas se erguendo de maneira sugestiva.

Lily sente o rosto esquentar. E deseja boa-noite, em inglês, a toda a audiência que James atraiu. Todos respondem de maneira muito educada, mas seus olhares parecem estar vidrados em Lily por alguns segundos, avaliando-a de maneira crítica. Lily pensa que seria ótimo se houvesse um desmoronamento de terra só na parte do chão em que ela está ocupando, para que possa ser engolida completamente pelo núcleo do planeta e não ter que lidar com seres humanos nunca mais.

James responde no idioma que Lily não conhece — embora ela consiga distinguir com clareza o seu nome —, e esfrega novamente a nuca com uma das mãos.

— ...e ela só fala inglês, Tia — finaliza James, trocando de uma língua para outra com fluidez. — Lily, essa é a Tia Sweety.

— Bem vinda, Lily! — responde a Tia Sweety, com um enorme sorriso, e todos os outros funcionários do food truck ecoam o cumprimento. Lily agradece de forma tímida. — Nīṅkaḷ eṉṉa ārṭar ceykiṟīrkaḷ?[1]

— Não sei — Potter responde, e vira-se para Lily. — Você já escolheu?

Lily nega com a cabeça.

— Na verdade, tudo parece tão maravilhoso que nem sei por onde começar.

— Hohoho! — Tia Sweety ri, deleitada. — Avaḷai eṉakku piṭittirukkiṟatu![2]

James respira fundo, olhos pulando de Lily para o cardápio e não traduz. A fila atrás dos dois vai crescendo, e Lily põe a mão no braço de James, capturando novamente a atenção dele. Ela aponta com o dedão para as pessoas atrás deles antes de falar.

— A fila tá grande. Por que você não escolhe? Eu gosto de tudo.

— Tem certeza?

— Tenho sim, você conhece tudo melhor que eu, vai ser melhor desse jeito.

— Tudo bem. Alguma preferência?

— Nope.

Potter faz o pedido no idioma nativo, e Tia Sweety repete-o para a equipe da cozinha, parecendo aprovar as escolhas. Lily tira a carteira da bolsa, pronta para dividir o valor total, mas James a impede, segurando seu braço delicadamente.

— Pode deixar que é por minha conta.

— Ah, não, Potter... — Lily começa a protestar, franzindo as sobrancelhas, mas James é mais rápido.

— Pode ser que você nem goste do que eu pedi. Deixa comigo hoje, na próxima você banca.

Lily lambe os lábios. Não lhe escaparam as implicações da proposta de James.

E ela aquiesce, ainda que de maneira hesitante.

Os dois deixam o balcão de pedidos do food truck com bebidas em mãos e se acomodam numa das mesas de montar que estão espalhadas por todo o balcão. Lily não faz ideia se o lugar é efetivamente aquecido ou se é só o resultado de várias pessoas juntas debaixo do mesmo teto perto de vários caminhões que estão exalando calor, mas ela já está começando a suar debaixo de suas camadas. Ela e James tiram os casacos, depositando-os numa cadeira livre, e sentam-se praticamente ao mesmo tempo.

— A Tia disse que deve demorar uns vinte minutos, a casa tá cheia hoje.

— Sem problemas — Lily responde, espreguiçando-se um pouco, sentindo as costas estalarem. — Hm, não quero parecer intrometida, mas qual era a língua que vocês tavam falando? Hindi?

— Tâmil, na verdade. É do sul da Índia.

— Ah, sim. Você viaja muito pra lá?

— Pelo menos uma vez ao ano. Minha mãe ainda tem muita família por lá, inclusive meus avós, e sempre vai no Diwali. E quando dá, eu e meu pai vamos com ela. É muito bom ver todo mundo.

Lily sorri, porque os olhos de Potter se acenderam ao falar da Índia, mas não consegue simpatizar com o sentimento. Ela está constantemente fugindo de toda e qualquer obrigação familiar que tem, e só de lembrar que as festas de fim de ano estão chegando... Tem que se esforçar para não pensar nisso.

— Tem cara de ser muito divertido.

— Eu sou suspeito pra falar, mas acho incrível. Chennai é super movimentada e os primos sempre se juntam pra jogar críquete.

— Você também joga críquete?

— Não tão bem quanto jogo futebol — ele responde, abrindo um sorriso preguiçoso e inclinando-se na cadeira. — Você tem que ver a gente jogar! A Marls é incrível.

— Ela é maravilhosa em tudo o quê resolve fazer, o tempo todo.

Os dois continuam a conversa de maneira casual e confortável, dividindo causos do tempo passado em Hogwarts, e não demora muito para que Lily encontre uma abertura para perguntar algo que estava lhe inquietando.

— Por que você e o Sirius demoraram tanto pra voltar pra Hogwarts? — ela pergunta, bebericando a Coca-Cola que tinha aberto mais cedo. Potter para, e seus olhos encontram os de Lily; o mundo ao redor dos dois parece congelar por um sem-número de segundos. — Er, deixa pra lá, eu não...

— Não tem problema — ele responde, dedos longos tamborilando na mesa de metal, olhos presos na própria lata de refrigerante. — É só... uma história longa, e, pra ser franco, bem triste. Não quero... — Ele levanta a cabeça e olha para Lily novamente, que sente borboletas agitarem-se debaixo de sua pele. — Estragar as coisas — diz, à meia-voz, e Lily arregala os olhos em resposta, os lábios se separando para dizer alguma coisa, embora nada saia.

Então talvez hoje não seja só sobre Rem e Sirius. Ela engole em seco em resposta a esse pensamento.

— A gente pode mudar de assunto — oferece Lily, e numa deixa perfeita a própria Tia Sweety deposita a comida, cheirosa e fumegante, na frente dos dois. Ela deseja um bom apetite para os dois, que agradecem e ficam em silêncio por alguns instantes. Lily não faz ideia de por onde começa a comer, e só olha para James, completamente perdida.

Ele ri baixinho, e Lily sente alívio espalhar-se por sua coluna. Ela prefere muito mais esse Potter sorridente do que o melancólico que viu há alguns segundos. Está se arrependendo enormemente de ter deixado sua curiosidade ganhar a batalha contra sua polidez.

— Isso aqui é medhu vada — James explica, apontando para umas rosquinhas fritas no centro da mesa. — É bom puro, mas aqui tem chutney de coco pra comer junto. — Ele avança, apontando para o pote cheio de bolinhas ocas de alguma massa, recheadas generosamente. — Pani puri, a minha comida preferida da vida: é pão recheado com chaat masala, pimenta, batatas e grão de bico. — Lily, impressionada, solta involuntariamente um som inarticulado de aprovação, e James ri, concordando. — Pois é. Por último... Kalan masala, que é curry de cogumelos. Também ótimo. De sobremesa, pedi gulab jamun, mas a Tia só vai trazer quando terminarmos de comer.

— Tudo parece incrível! — Lily exclama, empolgada.

— Que bom que você pensa assim — Potter sorri meio de lado, quase sem jeito, e passa os dedos pelos cabelos, levantando os cachos de maneira rebelde. Lily acha fofo. — Espera um pouco. — Ele tira o celular do bolso e Lily pode vê-lo abrir o app da câmera. Ele olha para ela com um olhar interrogativo.

Ela pisca um olho para a câmera e ouve o click! do obturador artificial. Lily faz algumas outras poses enquanto James ri e tira fotos; ela pega o próprio celular e retribui, sem nem perceber o quão perigosamente perto sua bateria está de acabar. Ela tira uma foto dele tirando uma foto dela, várias fotos de James fazendo caretas e uma foto em que ele está sorrindo sinceramente para ela, uma foto da mesa cheia de comida e o próprio food truck da Tia Sweety, arrependendo-se de não ter fotografado a si mesma vestindo o equipamento de paintball.

Quando está satisfeito com a photoshoot, James esfrega uma das mãos contra as outras e gesticula para a comida.

— Vamos atacar?

Eles comem em silêncio por algum tempo, e Lily não pode deixar de notar que é um silêncio no meio termo entre o desconforto e a familiaridade: ela se ocupa com provar um pouco de cada prato de uma vez, dando tempo para Potter se recuperar do seu início de interrogatório e decidir se vai contar qualquer coisa para Lily. Mas logo a curiosidade acerca do passado de James e Sirius vai para o canto da mente de Lily, que se ocupa na sua totalidade em encher a cara de comida indiana, sentindo os sabores dançarem em sua língua. Ela quase consegue entender porquê diabos os seus antepassados se lançaram ao mar em condições mais que insalubres — como voltar a comer coisas insossas depois da introdução dos temperos?

Quando Lily ergue os olhos atrás de um guardanapo para limpar os dedos, percebe que James está quase encarando-a, sorrindo de canto. Ela pausa, mão no ar, e ajeita a coluna.

— Tem alguma coisa no meu rosto?

— Um pouco de chutney, na verdade. — James aponta para um ponto no próprio queixo. — Bem aqui.

Lily sente todo o sangue de seu corpo correr para suas bochechas enquanto tenta limpar o rosto o mais discretamente possível, sem se sujar ainda mais. Ela olha para James de maneira inquisitiva, e ele só anui com a cabeça.

— Valeu.

— Nada.

Ela limpa as mãos e mordisca os lábios, pensando no que comer em seguida, mas a voz de James tira-a de suas conjecturas.

— A gente tinha uma banda — ele informa, de maneira súbita, e Lily olha para ele com confusão. — Eu e o Sirius, digo. Foi por isso que a gente deu um tempo nos estudos.

Lily pisca algumas vezes. Então, isso quer dizer que...

— É, Evans, porque a gente tava fazendo um tour. — Ele completa o pensamento que nem conseguiu se formar direito na cabeça de Lily. — Eu queria muito tirar uma foto sua agora. A sua cara tá hilária.

Lily pressiona os lábios um contra o outro com força e desvia o olhar.

— Desculpa. É que isso parece tão... — ela gesticula vagamente na direção de James, finalmente encontrando os olhos dele novamente e se permitindo rir. — ... dentro de personagem.

Ele rola os olhos de forma dramática diante do comentário de Lily, mas ela consegue ver o sorriso se expandindo no rosto bonito dele. James dá de ombros, ajeitando os óculos com as pontas dos dedos, sentando-se de forma mais confortável na cadeira de armar.

— Qual era o nome? — Lily pergunta em seguida, embora suspeite da resposta. — Da banda, quero dizer.

James suspira alto, seu peito visivelmente subindo e descendo com o esforço, e Lily tem que morder os lábios para não soltar uma gargalhada.

The Marauders. — Ela solta o ar numa lufada e James dá de ombros magnanimamente. — Não era o melhor dos nomes, eu admito.

— Poderia ser pior — Lily pondera, passando os dedos pelos cabelos e prendendo-os no alto da cabeça num nó maluco, na intenção de refrescar seu rosto em brasa da melhor forma que pode.

— Muito civilizado de sua parte, Evans. Eu meio que tava esperando um ataque de riso de meia hora.

— Ele quase veio — ela admite, rindo um pouquinho —, mas eu consegui segurar. — James solta uma risada baixa enquanto Lily alcança o copo de refrigerante e toma um gole antes de continuar. — Mas a banda acabou?

— Sim. — Toda a postura de James muda num piscar de olhos: suas costas enrijecem e ele se aproxima mais da mesa, seus olhos cravando-se nos de Lily com intensidade tamanha que o coração dela pula duas batidas dentro de seu peito. A tensão que ele acumula nos ombros cresce conforme ele parece avaliar Lily por segundos que parecem se estender infinitamente. Olhando para o céu, ele parece forçar-se a relaxar antes que consiga falar de novo. — A gente sofreu um acidente enquanto voltávamos de um dos shows. O nosso baixista, o Peter, ele...

Lily cobre a mão de James com a sua, num instinto que lhe toma por inteiro, seu coração apertando-se diante da angústia mal disfarçada na voz de Potter. Ela aperta os dedos dele com delicadeza, e ele retribui antes de voltar a encará-la de novo. James entrelaça os dedos dele nos dela, e Lily desenha círculos nas costas da mão dele com seu dedão.

— James, eu sinto muito — ela sussurra. — Eu não deveria ter rido, eu...

— Não, Lily, tá tudo bem — ele diz, com alguma urgência na voz, e cobre a mão dela com a sua outra mão. — Tá, não tá tudo bem, porque eu perdi um dos meus melhores amigos e por pouco não perdi o outro, mas tipo. Passou. As coisas tão melhores. Eu consigo admitir que The Marauders é um nome horrível pra uma banda, pra início de conversa.

— Eu ainda sinto muito — ela oferece, sem saber muito o quê dizer além disso.

Ele aperta a mão dela novamente e dessa vez Lily sente descargas elétricas percorrerem seu braço por completo, arrepiando seu antebraço. Ela torce para que James não consiga perceber o efeito que tem nela.

Os dois se separam quando uma das atendentes do food truck vem recolher pratos e talheres e entregar a sobremesa. Eles agradecem ao mesmo tempo, quase como se tivessem ensaiado, e a menina vai-se embora, equilibrando a bandeja com destreza na altura do ombro.

— Obrigada por me contar — Lily diz, finalmente, girando os dedos uns contra os outros.

— Você ia ficar sabendo, mais cedo ou mais tarde — James admite. — Foi uma época bem difícil pra gente, especialmente pro Sirius. — Ele suspira e captura o olhar de Lily com o seu. Ela sente-se presa em sua cadeira, incapaz de romper o contato visual. Os olhos dele continuam no tom acinzentado da mesma forma que tudo que ainda não ganhou cor ao redor de Lily, e por um momento de loucura febril ela se pergunta como seria...

É melhor não pensar nisso, ela censura a si mesma.

— Mas eu queria que você ficasse sabendo por mim.

Lily engole em seco. Ela não entende exatamente o quê acabou de acontecer, mas os pelos arrepiados de seus braços dizem-lhe com certeza que foi algo importante, possivelmente transformador. Ela contrasta o que sabe de James agora com a primeira impressão horrorosa que teve dele — e surpreende-se com o giro de quase cento e oitenta graus que ocorreu nesses últimos meses.

Tudo que consegue fazer é acenar com a cabeça, sentindo o rubor em seu rosto ceder um pouco, embora seus dedos ainda estejam formigando.

— Já que estamos nessa de falar sobre coisas sérias do nosso passado... — James começa, por cima da sobremesa, e Lily faz uma careta de dor. Está bem perto de se arrepender completamente de não ter segurado sua curiosidade. — Posso te fazer uma pergunta?

— Pode.

Afinal de contas, ela já intrometeu-se na história de James e Sirius; nada mais justo que ele queira se intrometer na sua história também.

— Qual é a de você e do tal de Snape?

Lily é pega de surpresa. Ela com certeza não estava esperando essa pergunta.

— Hm, é esquisito — ela diz, esfregando uma das sobrancelhas. — A gente sempre foi amigo, desde pequeno. Ele era nosso vizinho, a gente estudava na mesma escola... Aconteceu de dar certo de virmos pra Hogwarts ao mesmo tempo e tal. — Ela considera seu copo de refrigerante com seriedade, perguntando-se se deveria comprar mais uma latinha antes de prosseguir. — Todo mundo sempre falava pra mim que ele gostava de mim...

— Tá, já posso até imaginar onde que isso tá indo...

— Pois é. Eu sempre pensei que, tipo, era só porque eu tava ali, sabe? — Lily explica, com um dar de ombros, e Potter rola os olhos em resposta, a encarnação do ceticismo. — O Severus sempre foi muito tímido e tal, e eu achei que era coisa de criança, que ia passar quando a gente crescesse. Só que aí a gente veio pra faculdade e... não passou. Ele tinha ciúme dos meus amigos, você tinha que ver como ele era com o Remus, mas a gota d’água foi quando eu comecei a namorar a Emmeline. — Lily nem tinha percebido que tinha cerrado os punhos, mas está sentindo a falta do sangue em suas falanges e abre e fecha as mãos repetidas vezes para estimular a circulação. — Ele tentou me dizer que era uma péssima ideia namorar com alguém que eu não tinha me colorizado, com um papo super deturpado de que eu tava cometendo um puta erro, sabe? — Ela solta uma risada amarga. — E, tipo, agora eu sei que era sim um erro, mas foda-se, na época eu tava feliz e queria que ele ficasse feliz por mim.

Lily esfrega os olhos com as mãos até pontinhos de luz dançarem contra suas pálpebras cerradas.

— A Emmeline terminou comigo. — Ela pausa e olha para James. — Você conheceu ela no Halloween, tá lembrado? — James concorda com a cabeça. — Então, ela conheceu a Hestia, começou a se colorizar e se apaixonou por ela. Partiu meu coração, blábláblá, e aí o Severus me aparece uns meses depois, no início desse semestre, na verdade, falando que ele tinha me avisado que aquilo não ia acabar bem, mas que já tinha se passado tempo o suficiente, e que era pra eu abrir meus olhos e finalmente dar uma chance pra ele. — Lily para e respira fundo, pegando ar e coragem a fim de continuar. — Eu quase ri na cara dele. A gente brigou feio pra cacete, em público, e eu não tinha nem visto ele até aquele dia no refeitório das Biológicas.

— Puta merda — James diz, com sentimento, e a Lily só resta concordar com a cabeça enquanto soergue as sobrancelhas e aperta os lábios um contra o outro, terminando de beber seu refrigerante.

— Precisamente. E naquele dia ele me chamou de interesseira, ugh. — Lily suspira. — Foi horrível.

— Mas ele te deixou em paz desde então?

— Sim. Quer dizer, pelo menos eu acho que sim. Ele não me procurou mais. E se ele tá esperando eu ir atrás dele... — Lily bufa. — Ele que espere sentado.

— Ele é da Sonserina, né?

— É...

— Bom, você sabe em qual andar ele mora? Porque eu e o Pads...

Potter!

James cai na gargalhada e Lily rola os olhos mas ri junto, não muito tempo depois. A conversa entre os dois encontra um ritmo fácil, descontraído, discutindo desde o Brexit até o lançamento da série televisiva de Good Omens. Lily não faz ideia de quanto tempo se passou quando o celular de James começa a tocar. Ele alcança o aparelho pronto para desligá-lo, mas franze o cenho quando olha o visor.

— É o Sirius — ele esclarece para Lily, que acena para que ele atenda a ligação. — Oi, Pads. É, a gente veio comer. — Ele fica em silêncio durante algum tempo. — Tá, ok. Não se preocupem. Divirtam-se.

— Mas não muito! — Lily adverte, falando alto para que Sirius consiga ouvi-la. James ri. — Juízo.

— Vocês ouviram a Lil. Sim, tá tranquilo. — Sirius fala alguma coisa que faz com que Potter arregale os olhos. — Tudo bem! Eu vou desligar agora, Padfoot!! Tchau!!!

Lily acha que consegue ouvir Sirius gargalhando malignamente do outro lado da linha mas não fala nada. Ela pega o próprio celular para ver se Remus mandou alguma mensagem e se surpreende quando percebe que ele está morto e se recusa a ligar.

— Meu celular descarregou, que droga — ela reclama, com um muxoxo, enquanto Potter larga o próprio celular em cima da mesa. — Acabei de perceber que não tenho seu número — ela diz, franzindo as sobrancelhas.

Ele pega o celular de novo e navega por alguns instantes.

— Eu também não tenho o seu — diz, surpreso. — Me fala seu número. Eu te mando uma mensagem e você salva quando tiver bateria. — Lily concorda e dá o número para James, cujos dedos voam pelo teclado. — Pronto.

— Beleza. Os meninos não vêm?

— Não. — James limpa a garganta e guarda o celular no bolso. — Eles emendaram uma partida na outra e resolveram sair só os dois para jantar.

— As coisas estão dando certo, então! — Lily comemora, aplaudindo um pouquinho. — Fico tão aliviada em saber.

— Nem me fala. Não vou ter mais que aguentar o Sirius choramingando pelos cantos.

Lily ri, e a Tia Sweety aproxima-se da mesa dos dois, parecendo muitíssimo satisfeita.

— Queridos, estamos quase fechando a cozinha. Vocês querem mais alguma coisa?

James ergue as sobrancelhas e Lily nega com a cabeça.

— Estamos bem, Tia — responde Potter. — Obrigado.

Ela se despede dos dois e Lily olha para o relógio, intrigada. E fica chocada com a hora.

— Tá tarde — ela constata, surpresa. Nem sentiu o tempo passar.

— Sim. — Potter concorda, lambendo os lábios em seguida. — Você já, er, quer ir?

— Pode ser.

Eles recolhem seus casacos, acenam um adeus para toda a equipe do food truck da Tia Sweety e lançam-se nas ruas de Hogsmeade. Não estão tão longe assim de Hogwarts, e por isso Lily sugere que vão andando ao invés de pedirem um Uber. Potter concorda, e eles continuam a falar sobre qualquer coisa que surge em suas cabeças, saltando entre assuntos de forma que dificilmente poderia ser chamada de lógica. Lily descobre que James consegue apreciar seu senso de humor seco e sarcástico, embora ele seja sincero demais para refletir seus comentários ácidos e pontuais. Ela faz perguntas sobre a medicina veterinária, ele quer saber mais sobre a pesquisa dela no laboratório, e os dois concordam veementemente que Boris Johnson tem que ir pro inferno e que devem jogar uma partida de Fortnite juntos.

Lily mal nota o caminho que fazem até chegarem no campus de Hogwarts; quando vê, estão passando pelas roletas que dão acesso aos elevadores com suas chaves eletrônicas e apertando os botões para chamarem as grandes caixas de metal até o térreo. Lily está com uma sensação de vazio dolorida no estômago, resultado da caminhada e das risadas, e sorri para James quando o elevador que leva aos andares femininos emite um ding! anunciando sua chegada.

— Eu me diverti muito hoje, James — ela diz, mordiscando o lábio inferior num gesto nervoso.

— Eu também, Lil — ele responde, sorrindo um pouquinho de canto. Ele levanta a mão na direção do rosto de Lily, mas parece mudar de ideia e esfrega a nuca de maneira que parece ansiosa. — De novo, obrigado por ajudar o Sirius e, hm, pela companhia.

— De nada — replica Lily, pegando uma das mãos de James na dela e pondo-se na ponta dos pés, depositando um beijo na bochecha dele. — Nos vemos depois. Tchau.

Ele responde qualquer coisa que Lily não consegue entender, e leva as pontas dos dedos até o lugar onde ela o beijou. Lily acena um adeusinho e as portas do elevador se fecham enquanto ele tenta retribuir o gesto.

Lily enfia o rosto nas mãos e deixa um gritinho escapar de onde estava armazenado no fundo de seu peito, pelas últimas horas. Ah, Deus, ela resmunga mentalmente, o quê está acontecendo?

Ela chega em seu quarto, tira os sapatos e tira todas as coisas de dentro de sua bolsa para poder guardá-la dentro do armário. Seu celular não dá sinal de vida e ela coloca-o para carregar enquanto toma banho, sentindo seus passos leves e sua cabeça tranquila, revisitando os momentos divertidos da noite com entusiasmo. Lily troca de roupa, escova os dentes e encara-se no espelho.

— Lily, você precisa entender o quê está acontecendo — diz para si mesma, em tom severo. Ela encosta a testa contra a superfície fria do espelho e suspira pesadamente. — Não posso me machucar de novo.

Lily respira fundo e volta para o quarto, preparadíssima para jogar-se na sua cama e dormir por pelo menos três anos. Mas seu celular ligou ao ser carregado e ela vê que tem uma mensagem não lida de um número desconhecido.

[número desconhecido 00:23] Ei, Evans! É o James.

[número desconhecido 00:23] Você já tem planos pro Ano-Novo?

Lily só percebe que está sorrindo quando suas bochechas começam a doer. Ela salva o contato dele e começa a digitar uma resposta.

 

[1] “O quê vocês vão pedir?”

[2] “Eu gosto dela!”


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Notas finais do capítulo

querides, gostaria de agradecer a paciência e o carinho que vocês dão pra essa história. eu quero que vocês saibam que por conta da pós-graduação eu não tô tendo tempo/energia criativa que gostaria pra dedicar a essa história, mas ela é muito cara ao meu coraçãozinho de fangirl e eu não tenho intenção NENHUMA de abandoná-la. quem tiver twitter e quiser me seguir pra ficar acompanhando os meus surtos esporádicos, sintam-se a vontade.

eu dei uma boa pesquisada pra montar esse capítulo e mais pesquisas me aguardam para o próximo (spoiler: sim, vão ser sobre as festas de fim de ano e provavelmente vai ser um capítulo MONSTRUOSO de enorme), mas eu peço perdão se massacrei a cultura indiana porque sou apenas uma pobre menina que ama Bollywood e Hasan Minhaj e infelizmente não tenho vivência nenhuma de como é fazer parte da diáspora indiana no Reino Unido. dito isto, o Brexit pode IR À MERDA.

uma última sugestão: assistir as coisas do Hasan Minhaj na Netflix me ajudou muito a superar o bloqueio criativo e a capturar o espírito do James. se vocês tiverem tempo ou vontade, recomendo muitíssimo.

e não que ninguém se IMPORTE, mas eu já tenho outra fic planejada para quando Komorebi acabar. não deixarem vocês sem meus jily!!!

obrigada por lerem. como sempre, comentários são amor. ♥



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