Teu Lirismo Vagabundo escrita por Pandemia


Capítulo 1
Ainda é Cedo


Notas iniciais do capítulo

Oii gente
Eu coloquei muitas referências pelo texto e os links para as músicas já estão todos lá. Os lugares que eu citei são de Florianópolis.



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Era verão. Com 17 anos completos, viajou com duas amigas pela América do Sul; sonho antigo de fazer um mochilão se concretizando aos poucos.

— Último grito de liberdade antes do vestibular — alguma das duas fez questão de lembrar, e elas acabaram com a garrafa de vinho com voracidade. Estavam em um bar, na rua principal de São Pedro do Atacama.

Um garoto, cabelos encaracolados, do outro lado do bar a olhava.

Se pudesse prever todos os problemas que aquele olhar lhe traria, fugiria. Mas não podia, não fugiu.

Agora, sentada a beira da praia, quase seis meses depois, o observava cantarolar distraído:

— "Não posso ficar / nem mais um minuto com você / sinto muito amor, mas não pode ser / moro em Jaçanã / se eu perder esse trem / que sai agora às onze horas / só amanhã de manhã."

O sotaque gaudério juntava os R's do Rio Grande com os X's da ilha. Cabelo desarrumado, ainda era manhã para o seu relógio biológico e ela reconhecia os esforços que ele fazia para resolver a situação.

— Pensei que não viesse.

— Pensei em não vir — sorriu, mas falava sério — tu só me traz problemas, mulher.

Eles tomaram uma cerveja, depois caminharam pela praia. Em julho, a Joaquina vive de surfistas, Caio fazia um raio-X deles, esperando não encontrar nenhum aluno bisbilhotando sua vida.

Ela contava sobre uma banda da região que tinha descoberto, Capitão Bala; e assim eles iam adiando o inevitável.

Luciana era bonita, a pele queimada do sol e os dentes branquinhos, o cabelo volumoso e pesado e o corpo tatuado. Cheia de personalidade e de bom gosto.

Lembrava de quando se viram pela primeira vez, podia jurar que a trilha sonora do momento era Elephant Gun, do Beirut. Ou pelo menos era assim que lembrava da cena, se bem que toda paixão a primeira vista nasce ao som de Elephant Gun.

Lembrava do primeiro beijo — que veio antes da primeira conversa, porque os dois estavam muito bêbados para trocar qualquer coisa além de saliva. Lembrava da primeira transa, da primeira briga e da despedida, que era pra ser definitiva.

Lembrava de entrar na sala de aula, substituindo uma colega que tinha acabado de ganhar bebê. Se apresentou:

— Eu sou o Caio, vou dar as aulas de geografia até o fim do ano, enquanto a Tainá tá de licença maternidade — os olhos vidrados em uma figura sentada na penúltima carteira, com um livro do Franklin Cascaes em mãos, sem prestar atenção na tragédia grega que se desencadeava.

E assim passou o primeiro mês, até que a situação estava ficando insustentável. Eles se esbarraram quando ele saia do banheiro e ela passava distraída pelo corredor.

Ela, mais tranquila com a situação que ele, ria, certa de que tudo não passava de uma obra do acaso e que cada um seguiria sua vida. Não poderia estar mais enganada... e assim passou o segundo mês.

No terceiro ela se perguntava como tinha se metido naquela furada, passava os dedos pelos títulos da estante. Ele tinha uma seção reservada para Edgar Allan Poe e outra para Machado de Assis, os livros de geografia estavam separados em outro cômodo. Ele, sentado na beirada da janela, deixou o cigarro de lado e pegou o violão:

— "Ainda é cedo, amor / mal começaste a conhecer a vida / já anuncias a hora da partida / sem saber mesmo o rumo que irás tomar".

Seria burrice se apaixonar, ela não era burra.

Mas se apaixonou.

— "Preste atenção, querida / embora eu saiba que estás resolvida /em cada esquina cai um pouco a tua vida / em pouco tempo não serás mais o que és".

No quinto mês, ela completou dezoito anos. Eles viraram a noite dentro do carro, dirigiram até São Joaquim. A serra estava com temperaturas negativas, pararam em uma pousada no meio do caminho e pediram um quarto para o final de semana.

— "Ouça-me bem, amor / preste atenção, o mundo é um moinho / vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos / vai reduzir as ilusões a pó".

Deitada contra seu corpo nu, escutava com os olhos fechados a música escapar pelos seus lábios. Alguns boatos circulavam pela escola, "eu acho que eles vieram juntos de carro", "a Sabrina do segundo ano disse que eles estavam juntos no shopping".

— Isso precisa acabar — ela disse, parada de costas para o mar, interrompendo a caminhada pela Joaquina.

Ele concordou. Uma mão no bolso do moletom, outra segurando a sandália suja de areia. Ela esperou por uma resposta, ao invés disso ganhou um abraço enquanto ele sussurrava baixinho:

— "Preste atenção, querida / de cada amor tu herdarás só o cinismo / quando notares estás à beira do abismo / abismo que cavaste com os teus pés".


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Notas finais do capítulo

Beijos



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