Realeza escrita por Nat King


Capítulo 2
I look in the mirror the king looks back at me


Notas iniciais do capítulo

Agora sim, podemos ir para o desfecho da história :3

Poxa, Nyah, por que você bloqueia em 20k? :c



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O ano letivo de Isabella acabou e com ele saiu seu aparelho metálico, dando lugar às lentes de contato coloridas. Jean levou muito tempo para se acostumar com a diferença drástica dos olhos castanhos para o azul-claro, e embora tivesse tentado incansavelmente convencer Yang que ela era bonita de qualquer jeito, a garota pareceu irredutível quanto sua escolha. Uma nova escola, uma nova etapa — era como encarava sua entrada no ensino médio.

As mães tentaram tranquilizá-la sobre isso, dizendo ser uma escola absolutamente normal e com uma rotina totalmente entediante, com a diferença na cobrança das matérias. Para Isabella, a diferença era bem mais evidente, refletida em todas as garotas de longos cabelos bem cuidados e abençoadas pela puberdade. Isabella não tinha metade da altura e seios que suas novas colegas e isso a estava incomodando muito, demais. Ela só esperava não ter nenhum tipo de incômodo no time de hóquei.

Ela teve um incômodo.

Désirée continuava estonteante com seu cabelo loiro perfeito e eterno bronzeado, assim como todas as outras jogadoras e reservas pareciam sua coleção de Barbies em uniformes de hóquei. Desconfortável, Isabella vestiu o capacete telado e esperou que a chamassem.

“Yang já está pronta para entrar no gelo!” A capitã do time estava entusiasmada. “É assim que eu gosto de ver!” voltando-se ao restante da equipe, Désirée continuou a falar. “Meninas, Isabella Yang era a camisa treze do Mileh Elementary e se destacou tanto que chegou a ser capa da revista de esportes regional de junho!”

Admiradas, todas aplaudiram. Todavia, Izzy continuava se sentindo desconfortável.

“Ela é a rainha do gelo!!”

Atrás do muro de contenção, Jean sorria abertamente. Estava ali para assistir o teste de aptidão que as novas jogadoras fariam para o time e queria oferecer todo seu apoio à Isabella.

“Temos sorte de termos dois membros da realeza em nossa escola” Désirée ergueu a voz acima dos burburinhos que se formavam. “, mas devo pedir ao rei JJ que não atrapalhe nossas meninas, mesmo sua rainha precisa de concentração.”

Tanto Jean quanto Isabella tiveram um ataque de riso nervoso com quão escancarada era a interpretação da capitã do time de hóquei sobre a relação deles. De onde ela havia tirado aquilo? Só poderia ser coisa da cabeça dela — dela e do restante do colégio. Eles não faziam nada que passasse essa impressão.

No final das contas, a escola era mesmo muito comum e, tirando o ainda presente desconforto de Bella com suas colegas modelos, a rotina de estudos e treinos com hóquei era a mesma. O ensino médio não era assim tão emocionante.

Talvez as emoções desse período não estivessem dentro da escola, mas nas situações que a cercavam. Em uma tarde qualquer, quando a sala toda estava mergulhada em silêncio para assistir um documentário extremamente chato sobre vida animal, Isabella revezava sua atenção para o vídeo do Discovery Animal e o lado de fora, observando a leve agitação das folhas nas árvores, o rugido dos leões, os carros que ali passavam volta e meia, a lenta mastigação das girafas, Jean-Jacques pulando enquanto acenava…

Surpresa, precisou olhar para fora uma segunda vez para ter certeza se tratar mesmo de Jean e, tomando cuidado para não ser pega pelo professor, Isabella acenou discretamente, sem entender o que ele queria. Pulando, gesticulando círculos no ar e gargalhando para o nada, ficava difícil para Yang entender sua intenção.

Percebendo não se fazer entender, Leroy tirou a mochila das costas e abriu uma folha em branco do caderno, rabiscando o que tanto queria dizer. Erguendo a folha desenhada acima da cabeça, esperava ter feito o desenho visível o suficiente para ser compreendido.

Apertando os olhos, Bella tentou decifrar o que aqueles círculos aleatórios significavam. A precisão do desenho era terrível, o traço irregular não se encontrava e a sequência dos cinco anéis não fazia sentido…

Isabella engasgou quando finalmente entendeu. Erguendo-se, ela acabou arrastando sua carteira com um ruído que tirou a concentração de todos os presentes, chegando a acordar aqueles que aproveitavam o silêncio para tirar um cochilo. O professor também saltou em sua cadeira, preocupado com a agitação da aluna.

“Tudo bem, senhorita Yang?”

“Eu preciso ir ao banheiro!” riu ela, saindo porta afora.

Não somente sua turma, como todas as outras pela qual passou, tiveram suas atenções fisgadas pelas passadas de Yang, ecoando pelos corredores tal qual sua risada; ele iria para as Olimpíadas! JJ iria para as Olimpíadas!

Do lado de fora, aguardando agitado do mesmo modo, Jean-Jacques esperava pela amiga, correndo em sua direção quando a garota atravessou a porta principal e se jogou em seus braços.

“Você conseguiu, JJ, você conseguiu!!” Isabella comemorou a conquista como se pertencesse à ela. “Estou tão feliz por você!”

“Obrigado, Bella, obrigado!” ele devolveu o afeto com um abraço apertado. “Obrigado por acreditar em mim!”

Nem Jean-Jacques Leroy, nem Isabella Yang entendiam porque o resto da escola os via como um casal.

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Enquanto Rita tentava se localizar pelo mapa do evento, Lily buscava nas placas sinalizadas acima de suas cabeças, um caminho para deixar o saguão onde o último jogo feminino de hóquei havia acontecido. A competição de patinação artística no individual masculino já estava acontecendo e Jean entraria no último grupo para apresentar seu programa livre e, pelo horário, isso já estava perto de acontecer.

Isabella estava desolada, culpando-se por ter esperado tanto tempo por uma foto com o time de hóquei. Se elas tivessem saído no final da jogada, teriam tido tempo para encontrar o local certo e ninguém estaria perdendo cabelos com o atraso.

“Calma, Izzy, nós logo vamos encontrar o caminho” sorriu Lily ao perceber a cara de choro da filha.

Pegando o espelho de bolso, Isabella fingiu estar preocupada com a aparência. Verificou os olhos inchados com a desculpa de estar cuidando das lentes e retocou o batom vermelho, parcialmente comido por ela nos últimos quinze minutos de nervosismo.

Quando ela já não tinha mais esperanças de ver a apresentação ao vivo, Rita chamou pela esposa e filha, acenando ao lado de um guia olímpico.

“Lils, Izzy, o guia nos indicou o caminho!”

A primeira a ouvir as coordenadas foi Isabella, responsável também por deixar as mães para trás e correr até o rinque principal, mesmo sob protestos. Seu crachá dava acesso especial ao kiss and cry, mas ela percebeu, assim que colocou os pés dentro do estádio, que já não tinha mais tempo para isso. O narrador já anunciava a entrada de Jean e, da arquibancada, ela conseguiu ver Nathalie e Alain orientando o filho antes da entrada.

A estreia de JJ na categoria sênior não poderia ser mais tensa; com dezesseis anos e lançando-se em uma nova fase de sua carreira, comentários do mais variado tipo haviam surgido em um intervalo de dois dias. Muitos se surpreenderam com o desempenho do programa curto, outros achavam uma aposta muito alta ele estar ali, almejando um lugar ao lado de Victor Nikiforov no pódio.

Por que sempre Victor Nikiforov? Por Isabella, ele que evaporasse.

Mesmo de longe, Jean parecia tenso e isso era possível ver pelos ombros contraídos. Ela queria poder ter estado lá antes, fazendo piada, encorajando o amigo, torcer por ele…

Espere, torcer ela ainda podia!

Acaba com eles, JJ!!

O público, que já aguardava em silêncio, foi atraído pela torcida agressiva da garota, em destaque por ser a única pessoa em pé na arquibancada lotada. Mesmo a emissora local focou em seu rosto, tão vermelho quanto a bandeira canadense, deixando pelo menos quatro diferentes comentaristas fazendo piada do ocorrido. Contudo, o alvo de seu apoio havia ouvido o grito e, sorrindo para todos os lugares por não saber exatamente onde Yang estava, Jean garantiu, sim, acabar com todos eles.

Sua escolha para o programa livre era o inusitado When I Grow Up e ninguém ousou fazer um comentário contra a composição de The Pussycat Dolls. E não poderiam, mesmo se quisessem, pois não teria cabimento algum questionar a escolha de um rei. Seus súditos seriam capazes de colocar fogo naquele gelo se tal heresia ocorresse.

Na pista, JJ incorporou a música como se ela tivesse sido escrita sob medida para ele. Os saltos encaixaram com perfeição, em especial nos refrões agitados, e a quebra de quadril quando ele resolveu fugir à norma e desfilar em linha reta, como um grande modelo, arrancou gritos da torcida e arrepios de Isabella. Tudo em sua postura era perfeitamente trabalhado, mas o olhar era algo que ele tinha pedido pessoalmente para a amiga o ajudar; Jean queria, segundo palavras do próprio rei, um olhar matador como o dela. Depois de rir do que pensou ser uma piada e se recuperar da vergonha, assim ela o fez.

Agora era Isabella quem precisava ser ensinada.

O fim da apresentação levantou até a torcida de outros países, dificultando para o narrador anunciar a saída de Jean e a apuração da nota. Izzy não teria tempo de tentar alcançar a família Leroy, contentando-se a acompanhar os melhores momentos no telão. A emoção por vê-lo tão bem, tão feliz, transbordou em forma de lágrimas, e quando a nota foi anunciada, ela a guardou na memória até que o último patinador da noite fizesse sua performance. Com Victor na competição, uma disputa pelo ouro estava fora de cogitação, mas pelo menos a terceira colocação… Isabella colocou todo seu coração no desejo de ver Jean no pódio.

“Pelo menos o bronze, pelo menos o bronze…” implorou ela com as mãos unidas. Pelo menos o bronze.

O placar subiu, exibindo os nomes dos patinadores ao lado da miniatura de suas bandeiras e a pontuação final. Estando aos prantos, Isabella esqueceu de gritar. A primeira colocação não interessava, não quando Jean surpreendeu a todos em sua estreia olímpica; a prata era dele.

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A Diamond High School tinha um sistema de rodízio muito interessante com seus jogadores no hóquei. Priorizando os mais velhos do time, procuravam revezar a participação dos novatos em alguns tempos, substituindo os jogadores titulares conforme se formavam. Aquele sistema garantia participação de todos os envolvidos e era uma forma de medir seus desempenhos no mais variado tipo de embate.

Désirée estava confiando a posição de central à Isabella, em seu segundo ano escolar. O convite havia surgido antes das férias de verão e, semanalmente durante o período de descanso, elas se encontravam com o restante do time para treinar marcações e jogadas. Era animador perceber como estava caminhando cada vez mais perto de seu sonho em se profissionalizar no esporte e, aos dezesseis anos, Isabella já se permitia sonhar competir nas próximas Olimpíadas de Inverno.

Vendo Jean na arquibancada, buscando ansioso pela entrada da amiga, ela sorriu. Nos escassos tempos livres, os dois conversavam e faziam planos grandiosos sobre seus futuros. Às vezes, pintavam esse cenário de forma exagerada demais, outras desenhavam o mais improvável e escrachado, apenas para rirem um pouco, como na vez onde juntos sonharam ter JJ patinando ao som de uma música própria, composta pela banda favorita de ambos, o Canadian Spirit. De qualquer forma, a única coisa certa para o amanhã era a de permanecerem sempre juntos, independente das circunstâncias.

“É hoje a estreia da Yang, não?”

O nome de Izzy e o tom interessado até demais na jogadora, tirou Jean de suas doces lembranças para a amarga realidade adolescente.

“Ela é uma gracinha, dizem que faz um estrago no gelo.” Jean-Jacques não gostou nenhum pouco das insinuações daquela conversa

“Ela podia fazer um estrago lá em casa quando quisesse.”

Quando o garoto já estava pronto para cobrar explicações e começar uma briga, o anúncio do jogo ecoou dos auto-falantes e preencheu a pista, ejetando Jean de onde estava sentado. Ainda tentando se situar, aplaudia debilmente aos nomes das outras jogadoras, esperando ansioso aquele que o faria perder a compostura e gritar a plenos pulmões sua torcida totalmente parcial. Diferente do Mileh, no Diamond todos pareciam muito incomodados com sua dedicação em exaltar apenas uma jogadora, mas àquela altura ele já não se importava.

Acaba com elas, Bella!!

Ele esperava que isso fosse o bastante para chamar atenção dos garotos grosseiros de antes e deixar avisado que Isabella Yang tinha um amigo mais do que disposto em interferir, se fosse o caso. Não que Izzy precisasse de proteção ou algo do tipo.

“Pode dar um tempo de toda essa gritaria?” alguém chamou sua atenção. Os gritos estavam fazendo efeito, mas em outras pessoas. “Nem sua namorada deve aguentar mais.”

JJ parou de aplaudir na metade de uma palma. Sem saber se deveria corrigir o estranho ou confirmar que sim, Isabella era sua namorada, ele sentou-se, muito calado. Talvez devesse deixar aquilo quieto e tentar ignorar a insinuação que fazia seu coração descompassar tanto quanto se estivesse em uma apresentação artística.

Os dois primeiros tempos do jogo foram ótimos, tão acirrados que JJ por vezes esquecia-se de torcer, vidrado na agressividade que jogava tanto as jogadoras da casa quanto as visitantes contra o alambrado. O posto de titular parecia deixar Isabella ainda mais competitiva e foram várias as vezes que ele pensou em correr em direção a ela quando viu suas quedas. A única coisa capaz de tranquilizar o preocupado coração de Jean-Jacques, eram os acenos dados por Izzy nos intervalos e pausas ao longo da jogada, uma garantia de sua saúde. Graças a Deus.

Para Leroy, todas as pancadas eram erradas e embora já acompanhasse o hóquei há certo tempo por causa de Izzy, sempre saltava ou gemia com os estalos provocados por tacos e corpos se chocando. Depois de sofrer por cada queda, olhava ao redor e media a gravidade do impacto pela reação dos conhecedores do assunto; o próprio público. Como ninguém nunca se expressava chocado ou assustado com aquele cenário de guerra — JJ achava que deveriam —, tentava se acalmar e acompanhar o jogo sem prejudicar a saúde de seu coração sensível quando o assunto era Yang.

Todavia, não era apenas Isabella a sedenta pela posse do disco. O time adversário tinha uma central tão boa quanto ela, com altura e peso a seu favor e uma facilidade enorme de jogar isso em cima de Izzy. Mesmo a pontuação do Diamond estando a frente — por muito pouco —, ter a camisa dois do time adversário a marcando constantemente incomodava. Estava quase perdendo o foco do disco, tendo a atenção chamada pela capitã três vezes nos últimos quinze minutos. Ela precisava garantir a concentração, ou acabaria no banco no último tempo.

A salvação do tempo parecia estar no improviso e mesmo a escolha podendo custar sua participação no fim da partida, Isabella decidiu atravessar a posição das wingers e assumir sozinha a responsabilidade pelo disco. Désirée tentou gritar para impedi-la, mas já era tarde. Assustadas com o olhar assassino de Yang por detrás da  telada máscara de proteção, suas colegas de time recuaram, abrindo espaço para Izzy… E a camisa dois do adversário.

O impacto causado pelo choque das duas jogadoras, pela primeira vez, agitou a torcida; pela diferença da estrutura física entre elas, Isabella acabou bem mais prejudicada, chocando-se contra o gelo em um estalo que assustou todos os presentes. A queda, mesmo com o equipamento de proteção completo, não foi amortecida o bastante, e JJ pareceu ver em câmera lenta o corpo magro de Isabella quicar duas vezes antes de parar totalmente, deslizando para o canto da pista — um filme de horror.

O burburinho na arquibancada crescia, à medida que Yang permanecia estirada. Paralisado pelo medo de algo grave ter acontecido, Jean não conseguia piscar. Deveria fazer alguma coisa? Entrar no gelo? Chamar por ela?

Engoliu em seco antes de erguer as mãos trêmulas na altura do rosto. Quando estava mal, Isabella sempre chamava por ele, o lembrando de continuar lutando. Ela não era de desistir tão fácil assim de um desafio, ele sabia, talvez só precisasse de um lembrete.

“Bella!!” chamou, o grito oscilante. Os técnicos já se preparavam para irem ao auxílio da garota, quando Yang ergueu os braços em sequência, apoiando as mãos no chão para ser capaz de elevar o tronco para cima. Com a torcida voltando a se agitar, em aplausos incentivadores, JJ conseguiu respirar aliviado; ela ainda não tinha desistido.

Contudo, embora a vontade de Isabella fosse a de continuar lutando com todas as suas forças, seu corpo mostrou ter planos contrários, alertando-a de seus limites com dores imensuráveis na altura do pé esquerdo. Ela tentou se erguer da primeira vez e negou veementemente a ajuda oferecida na segunda falha tentativa, mas somente na terceira queda, Izzy admitiu não ser capaz de fazer aquilo sozinha.

Quando ela sentou-se contra a mureta e livrou-se da máscara, Jean soube por suas lágrimas que algo de muito ruim havia acontecido.

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A casa Yang estava mergulhada em um silêncio sufocante.

Rita e Lily recepcionaram Alain e Nathalie na sala de estar, deixando chá e biscoitos à vontade. Pareciam cansadas e abatidas pelos dois dias seguidos no hospital, porém aliviadas por finalmente terem a filha de volta a seus cuidados.

Autorizando a ida de Jean ao quarto de Isabella, o casal tentou se mostrar agradável, fazendo perguntas sobre o trabalho e a família aos Leroy, gentis o bastante para acompanhá-las naquela conversa.

O caminho para o quarto não tinha erro; a última porta do único corredor do imóvel tinha uma placa infantil com o nome de Izzy desbotado, e encontrava-se encostada, apenas esperando a entrada de alguém. Acostumado a sempre pedir autorização para entrar, foi estranho afastá-la sem sequer bater. Sentiu-se invasivo, desagradável e acabou por abraçar a sacola que trazia, procurando por consolo.

Do lado de dentro, Isabella destoava do colorido do quarto com sua expressão triste. O rosto estava inchado pelo que poderiam ser horas chorando ou a medicação do hospital e os olhos mostravam-se pesados, fosse de sono, cansaço ou lágrimas. Era desolador, mas não tanto quanto ela deveria estar com tudo aquilo.

Deixando protocolos de lado, Jean abaixou-se na altura de Isabella e depositou um beijo casto em seus cabelos desalinhados. O gesto pareceu despertá-la e finalmente ela voltou os olhos castanhos para seu visitante. Vê-la sem as lentes coloridas o fez sorrir com sinceridade, e elogiá-la por isso se fez necessário.

“Fico feliz de ver a cor original dos seus olhos depois de tanto tempo” sussurrou, como se estivesse revelando um grande segredo. “Eu já estava com saudade sabia? Sei que gosta de usar lentes, mas eu acho seus olhos tão bonitos…” O elogio não foi capaz de tirá-la do silêncio. Era a primeira vez em três anos que ele a via daquele jeito. “Eu trouxe aqueles jogos que eu tinha te prometido, lembra? Quer jogar algum?”

Isabella olhou para a capa dos jogos antes de responder.

“Pode colocar aqui no meu criado-mudo” pediu, apontando para o móvel de uma só gaveta. Ao lado das caixas de remédio e a moldura espelhada que levava uma foto dos dois juntos, Jean achou um espaço para colocar os jogos. “Obrigada.”

A voz de Izzy parecia arranhar, pelo longo tempo em silêncio. Ela pigarreava, tentando se livrar do incômodo, quando Jean se ofereceu para ajudar.

“Quer que eu pegue um pouco de água para você?”

Ela hesitou um pouco antes de aceitar. Não tinha muito o que fazer com a perna imobilizada e até poder usar muletas, repouso total era a exigência médica.

“Por favor. A bandeja está em cima da minha cômoda.”

O móvel, dessa vez, ficava no outro canto do quarto. Virando as costas para Isabella, ele caminhou até a bandeja e serviu metade do copo com água, incerto se deveria ter enchido mais ou menos… Aquele dia estava muito estranho, Jean não sabia o que fazer.

Quando voltou-se para ela, percebeu Yang com a moldura espelhada em mãos, observando a foto, a mesma tirada em janeiro daquele ano. JJ estava tão feliz com a conquista de sua medalha de prata, que não conteve a larga demonstração de afeto, abraçando Bella — igualmente feliz com seus olhos marejados — para a foto. Ao fundo, parte dos arcos olímpicos podia ser visto, a conquista do sonho de Jean e provavelmente a única vez em que Yang iria em uma competição.

“Bella?”

“O patins não estava bem preso…” ela falou tão baixo que por pouco Jean não ouviu. “Eu sabia disso, os cadarços estavam cedendo, mas eu pensei em ajustar no intervalo.” Izzy ergueu o rosto para JJ. Seu queixo estava enrugado pela vontade de chorar e os olhos embargados. “Faltava tão pouco para o intervalo… Eu nem precisava abrir a distância no placar. Por que eu não esperei?”

“Você não tinha como saber…”

“Se o patins estivesse bem preso, teria aguentado a pancada… Mas além de me acertar, eu ainda fui jogada de lado, como se feita de pano…”

Em uma das passadas em direção ao disco, a garota do time adversário acabou pisando no tornozelo de Isabella e tamanho impacto comprometeu seu pé esquerdo. Com a tíbia e a fíbula quebradas, Isabella precisou ser encaminhada à sala de cirurgias, tão logo a socorreram. Foram horas para limparem os estilhaços dos ossos e reencaixá-los no lugar, exigindo hastes de titânio e um total de catorze pinos para ajudar na fixação. Jean sabia disso pois durante todo o processo, não houve pessoa, fossem as mães de Isabella ou seus próprios parentes, capazes de convencê-lo a deixar a sala de espera. Apenas ao fim de sete longas horas de espera, quando o médico responsável enfim avisou o sucesso da cirurgia, Jean ouviu os conselhos e foi para casa.

Nos últimos dois dias sem poder ver Izzy, sentia estar vivendo um tipo muito esquisito de sonho, um que não podia acordar. Diante dela, naquele momento, desejava ainda estar sonhando, acordar com alguma ligação repleta de piadas e broncas por seus atrasos, uma vida onde aquele acidente jamais tivesse acontecido.

“Eles garantiram sua melhora” tentou animá-la, sem saber qual tom usar.

“Mas não garantiram o retorno para o hóquei.”

Aquilo Jean não sabia.

Deixando o copo de lado, ele se pôs ao lado de Isabella, sentando na ponta do colchão. Sua expressão em dúvida cobrava explicações; como assim não haviam garantido o retorno ao hóquei? Se estavam positivos quanto a recuperação da perna, qual era o empecilho? Quais eram os limites? Aquele era o sonho dela! Não podia acabar assim!

“É tudo minha culpa…” enfim ela deixava as lágrimas caírem. “Eu nunca mais vou poder disputar…”

Chorando, Jean abraçou Isabella, sentindo-a retribuir com desespero. Escondendo o rosto em sua camisa, ela permitiu-se chorar pela primeira vez em dois dias, pondo para fora toda sua dor em lágrimas e soluços. Seus sonhos conjuntos, a oportunidade de um dia disputarem lado a lado em uma edição olímpica, contarem aos entrevistadores sobre sua amizade e como fora o gelo o responsável por uni-los, nada mais parecia existir.

Somando sua dor à de Izzy, JJ estreitou tanto quanto pode aquele contato, desejando ser capaz de absorver todo aquele sofrimento para si. Enquanto não pudesse fazer isso, ao menos ao lado dela ele estaria.

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Isabella deu um passo para a frente, sentindo a dor no tornozelo incomodar, interrompendo o exercício. Respirando fundo, ela olhou para a parede a sua frente, pintada em tons desmaiados que só somavam a seu desânimo.

O médico mal havia liberado-a para a fisioterapia e Izzy já queria abandonar as muletas e sair correndo, motivo pelo qual ela estava sempre levando um puxão de orelha por parte dos profissionais da clínica. Sabia não poder forçar a recuperação, mas como sempre, Yang não era uma pessoa de muita paciência.

“Ajuda?”

Seu primeiro impulso foi o de negar e mandar a pessoa passear, mas não podia ser grosseira, não com Jean. Gentil, ele segurava ambos braços de Izzy, para que ela não perdesse o equilíbrio, ajudando-a manter a postura. Para tanto, era preciso manter-se colado a ela com a postura curvada o suficiente para suas alturas equipararem. Isabella sabia que ficar tanto tempo naquela posição deveria ser desconfortável para ele, mas em nenhum momento Jean reclamou. Ela preferia que tivesse reclamado.

“Tudo bem?” questionou Leroy, recebendo um aceno como resposta.

“Eu posso fazer isso sozinha, hoje” desconversou. Queria dispensar sua ajuda, aliviar a culpa sentida em ver tamanha dedicação...

“Claro que pode” ironizou, soltando um dos braços, levando o mesmo ao tronco de Isabella. Era como se ele estivesse segurando uma criança pequena, auxiliando em seus primeiros passos e a comparação existente unicamente dentro da cabeça de Izzy não ajudava a aceitar a situação. “Acha que consegue dar um passo, agora?”

“Posso tentar.”

“Bom!”

Isabella deslizou as mãos pelas barras de ferro, jogando parte do tronco para frente. Com cuidado, apoiou-se na perna direita e arrastou a outra machucada, em uma distância que julgou capaz de conseguir andar. Finalmente firmado o pé esquerdo, ela hesitou, apertando mais os dedos nas barras metálicas, até as pontas empalidecerem. Forçar a perna ainda machucada para compensar seu peso, tirou uma lamentação que infelizmente se fez audível para Jean.

“Tudo bem?”

“Tudo” respondeu, ofegante com a dor. “Só mais um pouco e eu consigo.”

Fechando os olhos com força, Isabella suportou o incômodo latejando seu tornozelo e forçou uma passada maior do que podia aguentar. O esforço além do limite fez vacilar seus joelhos e por pouco ela não caiu, levando Jean junto. Muito desapontada consigo mesma para pedir desculpas, Izzy manteve o semblante fechado, as mãos presas nas barras, recusando a largar. Ela não poderia desistir.

“Isso foi incrível, Bella!” Isabella foi capaz de ouvir o elogio empolgado dito ao pé da orelha. “Você foi mais longe do que antes! Estou orgulhoso de você!”

“Qual é, JJ, eu quase caí…” reclamou, não vendo nada de vitorioso naquela tentativa falha.

“E se tivesse caído, teria ficado no chão?”

A garota olhou para o lado, encarando o rosto de Jean, apoiado em seu ombro. Ele ainda a segurava, dessa vez mais parecido com um abraço reconfortante que ajuda propriamente dita. Leroy de fato a conhecia bem.

“Eu nunca desisto” garantiu e a veemência naquela declaração o fez sorrir. “Eu só não quero… cair…”

A princípio, Bella apenas sentiu o abraço estreitar, até Jean arrumar a postura e com isso erguê-la junto, suspendendo-a alguns centímetros do chão, tomando a liberdade de tirá-la do aparelho de exercícios e girá-la pela sala parcialmente vazia. A preocupação antes em cair foi substituída pela de ser jogada, e logo ela estava praguejando em meio a risos, ameaçando a vida de Jean com seus punhos fechados, caso sua majestade tivesse o descuido de derrubá-la.

“Jean-Jacques Leroy, eu juro por Deus que corto sua cabeça se você me derrubar!”

“Se você cair a gente segura” ele tomou a liberdade de dizer aquela frase em tom mais baixo, recordando as exatas palavras que Isabella teria lhe dito no passado. “Eu juro, Bella.”

Desmanchando os punhos, ela baixou os braços, usando-os para envolver os de Jean, um discreto gesto de agradecimento pelo carinho, pela proteção, por tudo. Izzy poderia ficar para sempre naquele abraço e, no fundo, ela sabia que JJ pensava o mesmo.

“Eu quero tentar mais uma vez, agora.”

Acatando ao pedido, eles retomaram o exercício do começo. Aos poucos, Isabella retomava seu brilho, tão parecida com o céu estrelado que ele profundamente amava — ou talvez fosse o céu que se parecesse com o brilho de Bella.

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A amizade entre Izzy e Jean quase acabou quando ele ameaçou desistir da competição daquele ano, para apoiá-la em sua recuperação. No começo do outubro, mês das classificatórias, ele surgiu com aquela ideia estúpida e por pouco Isabella não o acertou com uma de suas muletas. Foi necessária muita conversa, depois de seus gritos, para convencê-lo de que uma desistência àquela altura, não somente prejudicaria sua carreira, como ofenderia Isabella profundamente. Nas palavras da própria garota, ela não precisava da piedade de ninguém.

Entendida a repreensão, Jean pediu desculpas, aliviado ao ver a feição desaprovadora de Bella atenuar para um sorriso sincero. Era de se esperar, vindo de uma pessoa avessa a abandonos, repreensões quanto a mínima chance de desistência e ela não deixava de ter razão.

Contudo, a recuperação de Izzy somada à fisioterapia e os estudos, estava lhe tomando muito tempo e, por essa razão, Jean precisou começar a participar ativamente do próprio fã clube. Seus seguidores amaram a ideia, até demais para o gosto de Leroy, incapaz de lidar com a participação tão ativa do que já somavam vinte e sete mil seguidores. Nem mesmo em sua conta pessoal tinha de lidar com tantas notificações e, já no segundo dia de assumida a conta, ele se arrependia.

Em viagem a Barcelona, onde cumpriria a primeira classificatória para o Grand Prix, deparou-se com a atenção de seus fãs, pedidos singelos de fotos, abraços e, claro, sua famosa marca JJ Style. Vendo um terço da arquibancada forrada em branco e vermelho, um apoio de seu país que atravessava continentes, parecia resgatar as conversas com Isabella, sobre o que perderia se deixasse o gelo e os arrependimentos levados para o resto de sua vida se realmente fizesse isso naquele momento.

Pedindo permissão dos fãs, felizes em atender o pedido, Jean tirou uma foto de toda a torcida, enviando o registro primeiro a Bella, antes de postar o conteúdo na conta do JJ Girls. Lançando outro olhar para a arquibancada, lembrou-se de todas as vezes que Isabella liderou e ergueu uma torcida daquelas a seu favor, do apoio nos últimos anos e como nada do que Jean fizesse pudesse agradecer como ele gostaria.

Durante todo o ensaio, ele sentiu falta dela. Sentiu falta de Isabella nos spins, lembrou-se de seu sorriso nos lutz e de seu olhar no axel. Deslizou tendo ela em mente, caiu ouvindo a risada dela e riu antes de lhe oferecerem ajuda para se erguer. Era dolorosamente reconfortante sentir estar com ela todo aquele tempo, mesmo com Bella tão longe… Chegou a perguntar para o pai se era normal sentir tudo aquilo antes de uma apresentação, temeroso de serem sinais para sua ansiedade, no que Alain respondeu com um sorriso e tapinhas consoladores na altura das costas.

“Precisa conversar logo com Isabella, filho.”

Jean concordava, só não entendia totalmente o conselho.

Já no fim da tarde, depois de ensaiar a exaustão, atender inúmeras fotos e fazer seu JJ Style! ser ouvido até por quem não queria, Jean e seu pai regressaram ao hotel, cansados e ansiosos para darem suas ligações.

“JJ! Posso tirar uma foto com você?!”

Ou pelo menos tentar.

Alain e o filho viraram-se para uma garota que aparentava ser tão nova quanto Pierre, com uma coroa brilhante enfeitando os cabelos castanhos e vestindo uma saia azul de princesa, armada em tule e babados, que provavelmente dificultaria sua entrada na cabine do elevador.

“Claro que sim!” aceitou ele de bom grado. O sorriso aberto de seus fãs sempre fazia valer os cliques. “Na melhor pose JJ Style?” perguntou, enquanto o pai já se preparava para ser o fotógrafo.

“Acho que vai ter que ser no melhor Canadian Style!” riu ela do próprio trocadilho, olhando para trás em busca de alguém. “Meu irmão também é seu fã!”

Mesmo Alain deixou o queixo cair ao se dar conta de quem a garota falava; vindo em direção a eles, com seu jeans rasgado e tênis de spikes, Jared Smith se aproximou entusiasmado, unindo-se à irmã caçula. O vocalista do Canadian Spirit acompanhava seu trabalho e JJ mal podia acreditar.

“É um prazer te conhecer!” Jared estava realizado com apenas aquele contato. “Minha irmã e eu adoraríamos tirar uma foto com o rei! Será que podemos pedir esse favor?”

“Claro!” riu Jean, não acreditando em tamanha sorte e na insana ideia tomando sua mente. “Só se eu puder pedir um favor, também!”

Os irmãos Smith ficariam mais do que satisfeitos em atender os desejos de Jean-Jacques, principalmente os envolvendo Isabella Yang.

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Izzy não estava muito confortável com o segredo guardado por Jean nas últimas semanas. Ela sabia que, por se tratar da proximidade com o final do Grand Prix, a dedicação de JJ era ainda maior e sua aposta no pódio muito alta, mas desde iniciada sua amizade, eles nunca tiveram segredos um para o outro. Quando as coisas haviam mudado?

Desde seu regresso de Barcelona o rapaz vivia cheio de segredos e risinhos, para cima e para baixo, sem deixar ninguém saber. Ou melhor; “ninguém”. Os Leroy andavam pelo Royal com a mesma expressão engraçadinha e mesmo com os pedidos de Izzy, a preferida da família, para ter uma dica de tudo aquilo, eles não cederam, nem mesmo Amélie, sua cúmplice nas brincadeiras contra Jean. Sentia-se profundamente traída.

A careta com a recordação foi o bastante para chamar a atenção da fisioterapeuta cuidando de sua recuperação.

“Dói quando fazemos esse movimento?” perguntou, segurando com cuidado o tornozelo.

“Um pouco” mentiu com uma pontada de culpa. Seu desconforto estava longe de ser o tornozelo.

“Quer parar por hoje?”

Se elas parassem, Isabella teria ainda mais tempo livre para alimentar aquela ideia traiçoeira de teoria da conspiração e ela não poderia deixar isso acontecer.

“Não, vamos continuar, por favor.”

Yang tentou ligar algumas vezes para a casa dos Leroy nos últimos três dias, contudo, o rapaz nunca estava lá, independente do horário que ligasse. Seu celular nunca atendia, sua mensagens não eram visualizadas e, com o passar dos dias, percebeu o papel ridículo o qual estava se prestando. Ela não precisava se arrastar aos patins dourados de Jean e mendigar migalhas de atenção. Se não era de sua intenção vê-la, o que poderia fazer?

No retorno da clínica, Lily desviou o carro por uma rua que tinha o Centro Royal de Patinação no caminho, estendendo um olhar sugestivo quando passaram logo em frente. Parecendo brigada com o espaço, Izzy apenas virou o rosto em outra direção, fingindo-se ocupada com o celular.

“Não quer parar aqui, um pouco? Talvez ver Jean antes da viagem?” questionou diretamente, visto que o orgulho de sua filha não permitiria uma confissão sincera. Lily e sua esposa já haviam reparado no humor azedo da filha e preocupavam-se no que a falta de diálogo poderia prejudicar.

“Não” contudo, a garota ainda estava irredutível.

Descendo o feed de seu instagram, mantinha sua atenção nas fotos de Chulanont, os gêmeos Crispino, jogadores de hóquei diversos… Até o aplicativo notificar, marcando o fã clube em uma nova foto.

A imagem nada mais era que um casal imitando a pose de Jean, com o próprio logo atrás, no gelo. Parecia muito feliz e sorridente sem sua companhia e muitíssimo à vontade com a bajulação dos fãs, porém foi a legenda a responsável por terminar de estragar seu dia;

“Foi uma honra assistir ao ensaio da apresentação de gala do nosso rei!! @Jjleroy!15 @JJGirls @RoyalFigureSkating #KingJJ #NewMusic #NowIRuleTheWorld #JJStyle

“Eu vou matar o Jean!!”

Com o susto, Lily quase causou um acidente. Ela mal teve tempo de perguntar o que tinha acontecido para despertar a ira da filha e Isabella já estava mandando uma mensagem para Jean-Jacques, desejando do fundo de seu coração raivoso, não ser ignorada daquela vez.

“Por que não me contou do seu programa para a apresentação de gala?”

Como se ouvida por alguma entidade superior — fosse ela positiva ou negativa —, não demorou para o patinador visualizar a mensagem e sentir todo o julgamento a acompanhando. Começou a escrever algumas vezes, acabando por apagar todas as suas tentativas de justificativa. Impaciente, logo Isabella enviou um print tirado de uma conta aleatória do instagram, o casal logo reconhecido por ele como os fãs que assistiram parte de seu ensaio. A bronca de Izzy nem havia começado e JJ já sentia a orelha esquentar…

“É para ser um segredo”

Em resposta, ela enviou o print da quantidade de curtidas que a postagem tinha até o momento — e já passava de uma centena.

“Segredo? ¬¬”

“Ainda continua sendo um segredo!” o silêncio de Isabella e os breves minutos offline o desesperou. “É sério, Bella! Você vai entender quando assistir ao gala!”

Yang ainda estava de mau humor. Ser a última a saber quando era, além de presidente do fã clube de Jean, melhor amiga do garoto, deixou um gosto amargo em sua boca, que ela queria cuspir em forma de reclamação.

“Não fique brava comigo, por favor… Eu sempre confiei tanto em você… Não pode confiar em mim dessa vez?”

Touché. O rei estava pedindo por sua confiança. Naquela hora, ela se perguntou se nunca havia demonstrado confiar nele o bastante.

“Eu confio em você, sempre” esclareceu. “Mas ainda estou brava por ter escondido isso de mim.”

“Farei valer a pena, você vai ver!” prometeu. Acometido por uma breve insegurança, Jean sentiu necessidade de confirmar a participação de Izzy como telespectadora. “Você vai ver, né?”

“Vai ouvir meus gritos até Pequim” e com aquela brincadeira, ele soube estarem em bons termos.

“Você poderia ir com a gente :c” Sempre aquela história…

“Eu ainda tenho escola, majestade :P Quem sabe ano que vem? Será em Sochi, não é?”

“Isso se eu chegar à final”

“Vou deixar a passagem paga, temos muitos seguidores russos no JJGirls” tanto ele quanto Isabella sorriram com a possibilidade de estarem juntos em uma nova final de Grande Prix. “Passo na sua casa mais tarde desejar boa sorte.”

“Vou ficar esperando!”

Relutante, Izzy sorriu para o telefone, não deixando que a mãe reparasse. Ela ficaria a perturbando com perguntas até a filha responder o que tinha causado tamanho desentendimento, além de aconselhar mais uma vez sobre a importância do diálogo.

“Podemos ir mais tarde na casa dos Leroy para eu me despedir de JJ?”

O pedido, contudo, entregou com facilidade o que Isabella tentava esconder.

“Fico feliz que tenham se entendido” riu Lily. “Não é o que eu sempre falo? O diálogo é sempre…”

“...a melhor solução. Já entendi, mãe.” Daquela vez, ela precisava dar crédito aos sermões da mãe. “Você tem razão.”

“Eu tenho o quê?!” Lily não perdeu a oportunidade de rir da humildade da filha. “Repete isso! Eu preciso gravar, Rita jamais acreditará em mim!”

Virando o rosto para a janela, Isabella deixou a mãe rindo sozinha, enquanto tentava disfarçar sua própria vontade de rir.

.:.

Nathalie alisava a gola bordada do figurino do filho, deixando-o impecável para a próxima apresentação que viria. Seus olhos ainda guardavam lágrimas emocionadas com a terceira colocação brilhando em bronze na medalha cuidadosamente guardada nos pertences do Leroy. Aquele era o momento em que seu filho se expressaria com uma música toda especial, um presente muito merecido por Jean, resposta de seus fãs a todos os anos dedicados na luta pelo esporte e sua saúde emocional. A apresentação de gala celebraria essa conquista e ela esperava que todos pudessem celebrar com Jean.

“Maman?” chamou JJ e assim Nathalie soube quão nervoso ele estava. Jean sempre voltava a chamá-la de modo infantil quando algo o incomodava.

“Sim, filho?”

“Como você e o papa começaram a namorar?”

Nathalie sorriu, alisando os cabelos recém-cortados do filho. Já fazia certo tempo que ele rondava a mãe, querendo saber mais sobre ela e Alain como um casal, principalmente com a atenção cada vez mais evidente, tanto masculina quanto feminina, em cima de Isabella. Em breve ele deixaria o ensino médio, onde Izzy teria ainda um ano pela frente, um ano que Jean deixaria sua cidade para viver em Toronto. Nathalie sabia de seu medo, um começado na fria quarta-feira onde, em um acidente no gelo, Jean e Izzy formaram uma amizade; a de ser esquecido.

A de não ser amado.

“Foi natural, meu bem… Éramos muito amigos, passamos anos juntos… Então, em um certo dia, decidi eu mesma pedi-lo em namoro.” Jean a olhou, admirado. Nathalie riu da expressão do filho, sempre orgulhosa de ter sido a primeira a tomar iniciativa em seu namoro.

“E teve coragem?”

“Não!” riu ela. “Mas às vezes, você só precisa de poucos segundos de coragem insana para mudar sua vida.”

Depositando um beijo no rosto de Jean, Nahalie deu o conselho por dado. Alain já se aproximava para avisar da entrada do filho e, tendo tudo aquilo em mente, JJ entrou no gelo.

O próximo a se apresentar, direto do Canadá, é Jean-Jacques Leroy de 17 anos, performando ao som de King JJ, escrito por ele! O arranjo musical é da banda canadense Canadian Spirit, com vocal de Jared Smith!

Não somente o público entrou em delírio com o anúncio, como Isabella fez um escândalo capaz de perturbar toda vizinhança. Ela mataria Jean se ele não tivesse conseguido um autógrafo para ela!


Now I rule the world

And the starry sky
spreading above…

 

As notas iniciais mal haviam começado e Isabella já estava chorando. Jean deslizava pelo gelo tão à vontade, com a sensação de ter cumprido seu dever, que esse conforto refletiu em todos os fãs, chorosos com a conquista de tão jovem patinador. Seus aplausos abraçavam JJ, acolhendo o rapaz que tinha dado tanto de si naquela temporada.


I'll never give up even if the night should fall

Always do my best
I look in the mirror the king looks back at me

 

No sofá da sala, Isabella calou-se. Aquelas palavras, ela as lembrava muito bem… E, conforme a música avançava, mais e mais era recordado, palavras trocadas com Jean, seus conselhos, sua forma de confortá-lo com o melhor que podia. O mundo todo estava ouvindo aquela composição que parecia exalar narcisismo em cada estrofe, porém apenas ela sabia seu significado… Todos podiam ouvir, mas apenas JJ e Bella sabiam daquele segredo. A música era seu agradecimento pelos últimos anos e, ela sabia, tinha algo a mais, algo ainda não compreendido totalmente… Deveria perguntar? O que diria no fim de tudo aquilo?

Finalizada a coreografia responsável por emocionar inclusive os comentaristas, JJ fez o papel de seus súditos e curvou-se em profundo agradecimento. O bronze, naquele momento, pesava como ouro.

Deixando a pista com o maior número de pelúcias que podiam segurar, Jean não teve tempo de abraçar os pais, quando repórteres de três emissoras diferentes cobraram dele explicações quanto a origem da música, o contato com Jared Smith e a inspiração para aquela letra tão motivadora.

A inspiração; Isabella.

Tomando o microfone das mãos do repórter norueguês, ele virou-se sem perceber para a câmera da televisão espanhola, agarrando os segundos de coragem insana de Nathalie e soltando de uma só vez:

“Bella, você quer casar comigo?!”

No Canadá, Lily e Rita cuspiram o que estavam tomando. Poucos segundos depois, Jean percebeu o quão longe sua coragem insana o tinha levado.

O levado a uma exposição internacional.

“JJ está cansado, acho melhor levarmos ele de volta ao quarto, não é, filho?” Alain interviu, puxando o filho para longe das câmeras. Nathalie, filmada ao fundo, estava tendo uma crise de riso que foi ouvida mesmo fora do ginásio.

Chocado com a declaração, o repórter sorriu para a câmera — a correta — e, discretamente, tentou retomar a cobertura do evento.

“Viva o amor jovem!”

Caminhando pelos corredores ao lado dos pais, Jean tremia. Seu celular tocava e vibrava incansavelmente, chamadas de Isabella gritando por atenção. Oh, ele teria tanto para explicar…

“Quando eu falei sobre atitudes tomadas no calor do momento, não foi bem isso que eu quis dizer, JJ...” Nathalie, segurando as risadas, beijou o rosto do filho.

“Não vai atender?” Alain apontou para o celular do filho. Embora conseguisse disfarçar melhor, estava morrendo por dentro. “Você fez uma proposta séria, rapaz, tem que arcar, agora…”

Jean parou de andar após ouvir tal declaração e, levando a piada a sério, decidiu atender.

“Bella!”

JJ!” a chamada chiada não conseguia o fazer entender se ela estava gritando de empolgação ou raiva. Já estava pronto para pedir desculpas, quando ela continuou a falar. “Casar está muito cedo, mas eu aceito ser sua namorada!

Naquele céu estrelado que era Isabella, Jean-Jacques conseguiu sentir-se uma estrela.

.:.

Jean estava caindo, caindo e caindo, de tão alto que não conseguia mais enxergar seus concorrentes. Ele sabia ter nomes como Christophe Giacometti na disputa pelo ouro, Katsuki do Japão, Plisetsky de apenas quinze anos pela Rússia, Chulanont como o príncipe amado e até mesmo Otabek, seu bom amigo Otabek, acima de si. Todos eles eram bons, todos eles eram fortes e, de repente, o reino de JJ caía, como se seu castelo fosse feito de cartas.

Ele não queria desistir — havia aprendido a nunca fazê-lo —, mas estava tão envergonhado… Em frente ao espelho, nada mais conseguia enxergar além do figurino verde. Se tentasse olhar seu rosto, não mais veria um rei, mas talvez um palhaço.

Talvez não visse nada.

“Essa roupa fica tão bem em você…” O elogio de Isabella não foi o suficiente para animá-lo. “Eu não estava certa quando disse que verde combinaria com o tema do programa livre?”

Ele não conseguiu responder. De olhos baixos, Leroy tentava enxergar o fim do abismo o qual pertencia no momento.

“Eu posso te ajudar?” ofereceu ela, pousando a mão em seu rosto. Ainda cabisbaixo, Jean murmurou;

“Eu não vou levar o ouro” lamentou. “Não cumprirei minha promessa de casar com você…”

Por pouco não recomeçou a chorar. Havia falhado com tantas pessoas! Com sua família, seus fãs e, céus, com todo o Canadá! Quem falha com um país todo?!

Todavia, a pior das falhas havia sido com Isabella. Se Jean continuasse com aquele desempenho de merda, ela jamais tiraria o vestido branco da caixa.

“É mesmo… Puxa, acho que vou ter que te trocar por Otabek Altin, não?” Assustado com a declaração, embora evidente piada, JJ tirou os olhos do chão para finalmente olhá-la. “Não é ele que chamam de golden boy?

Jean riu, como só conseguia fazer perto dela. Ela não merecia sustentar um fracasso como noivo, não ela que sempre fora tão forte.

“JJ, eu não preciso de uma medalha de ouro para me casar com você” declarou-se, com tanto cuidado na voz quanto nos gestos. “Não quando seu coração todo é feito dele.”

Emocionado, Jean abraçou Isabella, retribuído com a mesma força e carinho. Eles estavam juntos naquela e em tantas outras situações e medalha alguma — ou a falta dela — faria diferença. Isabella não contava seus títulos, mas ajudava-o em suas conquistas e as celebrava com grande festa. Ela o amava, pura e verdadeiramente, acima de qualquer troféu ou capa de revista.

“Agora vamos, erga essa cabeça e olhe para esse espelho!” pediu, soltando o abraço para limpar as próprias lágrimas. “Um rei não anda de cabeça baixa!”

“Eu amo você, Bella.” Isabella pôde ver o reflexo de Jean declarar apaixonado.

“Eu também amo você, JJ.”

Pessoal, cinco minutos!

Do lado de fora, o chamado era feito. Em poucos minutos, JJ entraria naquela pista e disputaria não contra os Yuris ou o queridinho tailandês. A única coisa que ele enfrentaria seria sua ansiedade, aquele monstro que volta e meia o cercava, mas que, como um bom rei, saberia enfrentar e derrotar. Ele tinha ajuda de Isabella, afinal de contas.

“Vamos?”

Antes de se armar de espadas e escudos imaginários, Jean olhou para o espelho e percebeu, sorrindo, que a rainha o olhava de volta.

“Vamos.”


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Notas finais do capítulo

E... FIM 8D

E aí, o que acharam? Se chegaram até aqui, adoraria saber da opinião de vocês! ♥
Mileh, espero que tenha gostado da história e que tenha aprovado o uso dos seus headcanons >< Obrigada por contribuir com o fandom e pelas fics incríveis que você traz! Espero esbarrar contigo mais vezes por aí ;D

Grande abraço a todos que estiveram aqui! Vejo vocês em outros carnavais, haha ♥



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