Efêmero escrita por Ero Hime


Capítulo 1
Efêmero


Notas iniciais do capítulo

OLÁ! Entre um capítulo e outro, surgiu essa ideia para uma one-shot bem simples. Me inspirei um pouco de 500 dia com ela, também. Espero que gostem! Quem sabe não surja uma long-fic a partir dessa?
Efêmero significa passageiro, que acaba, rápido.
p.s.: classificação +16 apenas para que o nyah não implique com o uso de alguns palavrões, só quis garantir.



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Ela era linda. Digo, antes e agora. De uma beleza peculiar, e completamente surreal. Nunca encontrei ninguém que se igualasse, e eu procurei – Deus é testemunha de como eu procurei. Mas ela é única. Do tipo que você tropeça uma vez na vida, se der sorte. E então, você precisa fazê-la ficar, precisa usar de todas suas habilidades para que ela, por um milagre, se interesse por você também.

Ela não era só bonita, claro. Ela era um espetáculo de mulher. Na faculdade, a melhor da classe. A mais inteligente, a mais sagaz. Exemplar, eu diria. Não me surpreendeu quando ela se formou com honras, e logo conseguiu uma vaga no melhor laboratório da cidade. Ela seria orientada pelos melhores cientistas da área, e seria grandiosa. Eu nunca duvidei que ela estava pronta para o mundo. Mas eu temia que o mundo não estivesse pronto para ela.

Quando nos conhecemos, foi como um insight – o conhecimento imediato sobre algo, a lucidez de tudo, a mente realizada, o cair da ficha -. Eu a vi, sentada, absolutamente tranquila lendo um livro grosso sob a sombra de uma bela árvore. Ela parecia como uma pintura escondida de Boticelli. Ela tinha aquela aura. Algo que prendia seu olhar sobre ela, sobre cada traço que ela representava. Fosse o cabelo preso, revelando a pele mais alva sob a qual eu pusera meus olhos, ou fosse a pose tão serena e, ao mesmo tempo, determinada. Ela exalava leveza e confiança. Talvez tenha sido esse o motivo que me levara a demorar três semanas para convidá-la para sair.

Ela não era como as outras, nunca foi. Desde o primeiro instante em que nos encontramos, eu soube disso. Sua especialidade era me surpreender. Cada nova descoberta, cada qualidade, cada aspecto sensível que ela me permitia conhecer me fazia apenas mergulhar mais e mais no mar de sua alma. Eu era vazio, e, quando eu a conheci, foi como se um véu se abrisse diante dos meus olhos, e eu percebesse o mundo. Como se tudo fosse preto e branco, e ela trouxesse as cores.

Mas eu estou apenas sendo um romântico incorrigível de novo. Sabe, nós tivemos uma história. Eu acredito que existem determinadas pessoas, em sua vida, que estava prescrito que você conhecesse. Algumas pessoas que nos marcam, e são unidas a nós através de um fio invisível, que sempre as associará à nossa existência, mesmo quando separados. Ela era uma dessas pessoas. Eu estaria para sempre ligado a ela. Nós tivemos uma história, sim. Mas creio que vocês deveriam saber – não é uma história de amor.

Eu estava parado no corredor havia alguns minutos. Uma atitude covarde, eu admitia. Minhas mãos estavam suando de uma forma realmente vergonhosa, e eu agradeci secretamente por todos já terem ido. Eu havia me voluntariado para levá-la, mas Sasuke não confiava o suficiente em mim, aparentemente. Não que eu o condenasse – era uma espécie de tradição, eu acho. Eu e ela nunca fomos do tipo comum. Mas eu também não confiava em mim mesmo. Entretanto, no corredor, estava apenas eu. Afastei a gravata borboleta ridícula do pescoço e respirei fundo. Aquela seria uma boa hora para um ataque de pânico.

Eu deveria entrar. Mas algo me impedia. Não sei dizer se são os fantasmas do passado ou as correntes, pesadas, em meus tornozelos. Figurativamente falando, é claro. Ela odiava quando eu usava metáforas ou figuras de linguagem, mas eu não conseguia evitar. Um suspiro me escapa pelos lábios, porque nem hoje, nem mesmo hoje, eu paro de pensar no maldito passado. Devo estar fadado a isso, afinal – me lembrar eternamente dos detalhes e de todas as histórias, sem poder contá-las.

Decido parar de ser um babaca covarde e entrar de uma vez. Respirei fundo, convencendo-me a dar um passo de cada vez. Meus pés ficaram enormes naqueles sapatos horrorosos, mas eu prometi que estaria bem-vestido. Andei até a última porta, aberta, e espiei entre o vão antes de empurrar com a mão. Se eu pudesse vê-la pelo reflexo, daria o fora dali. Mas isso não seria certo – eu devia isso a ela.

Entrei, silenciosamente, e ela estava de costas. Deus do céu, ela estava deslumbrante! Por um momento, não encontrei palavras para descrevê-la. Ela não me viu, o que me deu uma vantagem para admirá-la sem que ela me desse um discurso de moral.

Relevando minha incrível capacidade de devanear, lutei para manter a boca fechada enquanto observava cada mínimo aspecto dela. O vestido era maravilhoso por si só, como se modelado exatamente para ela, exatamente para aquele momento. Suas costas nuas estavam detalhadas pelo fino tecido de renda trançada, com detalhes assimétricos encrustados. Descia aberto até a cintura, que afunilava e abria, finalmente, em uma grande saia de elegantes camadas brancas, brilhantes. Era como um copo de leite virado sobre seu corpo, e sua pele alva contrastava belamente com o branco reluzente do próprio vestido.

Seu cabelo estava preso no alto, com cachos pulando para fora de uma tiara de pedras. Eu sempre lhe disse que gostava de seu cabelo preso, embora ele fosse muito bonito. Deixava a mostra seu pescoço. Apesar de tudo, aquelas coisas ainda faziam sentido para mim. Até que eu, inevitavelmente, percebesse que não era mais sobre nós.

Diante do espelho, seus braços suspensos arrumavam os últimos retoques da maquiagem. Ela estava quase da minha altura, e eu sabia que ela flutuava com saltos altos. Eu a conhecia como a palma da minha mão, da maneira certa.

— Que deleite para os olhos. – minha voz soou um tanto estrangulada, e eu desejei sair correndo, mas lutei para ficar. Ela não saltou com o som da minha voz, mas percebi seus ombros ajeitarem-se para trás, emplumados.

— Dizem que ver a noiva antes do casamento dá má sorte. – ela comentou, ainda sem se virar, com a voz de soprano alta e clara. Ela nunca falava com receios.

— Não se você não for o noivo. – chutei o nada, tentando brincar, mas eu e ela percebemos a verdade implícita em meu tom de voz.

Quando ela se virou, me permiti admirar, abrindo a boca ligeiramente. Era exatamente como todas as vezes. Eu me apaixonaria por ela todas as vezes que a olhasse nos olhos, todas as vezes que fitasse suas proporções equilibradas e simetricamente divididas, compondo uma sinfonia harmônica da natureza. Como eu disse, de uma beleza avassaladora.

Por algum defeito congênito em seus cromossomos – defeito, ela dizia –, sua cútis não assumia os tons de melanina apropriados, e clareava até o tom de pérola, semelhante ao glóbulo, quase translúcido. Apesar disso, ela enxergava perfeitamente bem, quase bem demais, as vezes. Embora este fosse o detalhe mais chamativo em seu rosto, eu sempre admirei suas maçãs, coradas pelo vento, e a pele alva, marmorosa. Sua boca estava pintada de um vermelho intenso, e eu ri da piada interna. Ela sempre seria sua própria afronta de personalidade, afinal. Seu rosto já esculpido emoldurava-se em base e sombras, dando-lhe um aspecto de porcelana, e os olhos já marcados ressaltavam-se com delineador.

O vestido era, sem dúvidas, feito para ela. O torso continha um decote generoso com bordados, unindo-se no pescoço em uma fita sutil, e descia com trançados pelo abdômen, até soltar na cintura em uma dança de tecidos, com finas camadas cortinadas. Ela estava... bom, ela era perfeita.

— Oi. – seus olhos se moveram para algum ponto atrás de mim, mas ainda não havia sinal de fraqueza em sua voz.

— Oi. – era para ser difícil, mas eu estava quase conformado, aquela altura – Grande dia hoje.

— Sim. – ela sorriu o meu sorriso. O sorriso discreto, que escondia um segredo particular, algo que só ela sabia – Ainda não acredito que estamos aqui.

Desde o primeiro dia em que nos conhecemos, eu sabia que ela seria a escolhida. Eu era jovem, inconsequente e – por muitas das vezes – um idiota completo, mas eu sabia que seria ela. Não seria hipócrita a ponto de dizer que eu era suficiente, ou que mudei apenas por ela. Eu mudei por mim mesmo, mas, sem ela, alguns caminhos eu jamais teria encontrado.

Ela era uma tarde de verão. Ela era autenticidade, espontaneidade, magnificência. Ela era sua música favorita, ou a cor que mais vestia. Ela era seus amigos, as pessoas que odiava, ela era a vida que vivia, as canções que cantava, as batalhas que lutava. E eu não era. E eu a invejei. Hoje eu posso ver que a distância entre nós era velada e, ainda assim, dolorosamente existente. Estava fadado a terminar assim.

— Achei que não viria, Naruto. – sua voz era sincera, e ela caminhou até mim, ficando perigosamente perto. Resisti ao impulso de puxá-la para meus braços.

— Eu tinha que vir. Sou seu padrinho. – a encarei, tentando ser totalmente transparente, como ela me ensinou a ser – Você está bonita, Hinata.

— Obrigada. – pude vê-la corando, e aquilo era o suficiente.

Permanecemos em silêncio, e seus dedos procuraram os meus cegamente, tocando as pontas. Sentir a maciez de seu contato queimava, mas eu era masoquista o bastante para gostar e implorar por mais. Com o tempo, passamos a nos acariciar através das sutilezas, era algo que instigava-nos. Era como um jogo – nem toda a relação fora, tampouco seus sentimentos, mas ela gostava de um pouco de provocação.

— Sabe, sempre que eu pensava neste dia, me imaginava do seu lado direito, não esquerdo. – brinquei. Ela sabia como eu lidava com as coisas, e o humor era uma característica que a convencera a ficar. Por pouco tempo.

— Você sabe que eu também imaginava isso. – poucas foram as vezes que eu a vira sussurrar, e cada uma delas representava um momento especial para nós – Mas não deu certo. As coisas as vezes acontecessem assim.

— Eu sei. – estava um pouco amargo, admito.

Não sei dizer em que momento as coisas começaram a dar errado, ou quando acabou. Acredito que foi uma junção de fatores, ocorrências ao longo do tempo, o cansaço. Ou talvez a efervescência. Com Hinata, era sempre extremo demais, a beira demais. Seus sentimentos eram baldes a serem transbordados, e nunca havia lugar para comprimir. Ela era tudo, e eu era o nada.

— Eu sempre vou te amar.

Fechei os olhos quando senti sua mão passear por seu rosto. Eu sabia que havia um “mas”, porém eu apenas não ligava mais. O momento importava, e eu queria guardar na memória aquelas últimas lembranças. Seu toque, a respiração entrecortada, a hesitação. O calor.

— Nós sempre nos pertenceremos. – minha voz estava patética.

— Eu sei. Mas ele está esperando por mim no altar.

— Eu também estarei. – abri os olhos de repente, encarando seu rosto contorcido em agonia, e lutei para eu mesmo não derrubar algumas lágrimas.

— Ah, Naruto. – ela riu bobamente, um pouco débil – Não era para ser. Você foi importante para mim, e meu coração será seu para toda a eternidade. Mas eu amo Itachi, e eu e ele damos certo. Nós somos como fogo morno. Eu e você somos explosão. É demais. Sempre foi.

— Você não nasceu para ser morna. – resmunguei, arrancando uma risada mais alta.

— Talvez não. Mas acho que talvez nós dois sejamos quebrados demais para nos consertarmos. Não foi culpa de ninguém. – eu suspirei, assentindo. Não havia sido mesmo.

Ela se estendeu, depositando um beijo em meu rosto, e eu não me importei com a possível mancha de batom que ali ficara. Me inclinei em sua testa e beijei por cima da franja, soltando de suas mãos. Precisava ir antes dela, e esperar, como um bom padrinho faria. Aquela era a última coisa que eu poderia fazer por ela. Ela se lembraria, a vida toda. Durante seu casamento, e durante seus caminhos, eu estarei em seus pensamentos, como parte de algo importante. Eu era egoísta demais para dizer não.

— Te vejo no altar. – sorri torto, porque sabia que ela gostava quando eu fazia aquilo.

— Eu não podia pedir mais. – ela sorriu lindamente, e foi essa imagem que eu guardei quando deixei o quarto.

Arrumei o terno e respirei fundo, descendo as escadas da casa que eu conhecia muito bem. Evitei a cozinha, pois era lá que Sasuke estava, esperando para levá-la até a Igreja. Subi na moto e acelerei, enxergando embaçado através do capacete. O vento era gelado, e ajudava a pensar. Nós costumávamos viajar de moto, mas aquilo ficara no passado, uma história entre tantas outras, em um tempo diferente do usual.

Entrei por trás, evitando a multidão e o corredor cuidadosamente decorado com suas flores preferidas. Cumprimentei o padre e Itachi. Sakura me fitou com um enigma no rosto, e eu a ignorei. Era mais fácil ignorar tudo e todos.

Não tardou até que a marcha nupcial começasse a tocar no órgão, e todos se levantassem para vê-la entrar, com graça e confiança. Era assim que Hinata era. Andando pelo corredor da Igreja, ela nunca esteve tão linda. De soslaio, fitei Itachi, e ele a encarava com uma reverência que só poderia ser descrita como religiosa. Fiquei satisfeito – eu costumava olhar assim para ela, então sei que ela está em boas mãos.

Quando nossos olhares se cruzaram, pude ver toda uma vida de momentos, e o sentimento que sempre existiria entre nós. Ela sorriu, e eu sorri, porque éramos parte um do outro, e estávamos ligados por nossas escolhas e nossos destinos.

Eu era o padrinho, e ela, a noiva. Quando ela chegou, pude ver todos admirando a mulher que ela era, emocionados com a cerimônia, amigos, parentes, conhecidos, felizes pelo casal que agora se unia perante um compromisso grandioso tal qual a própria santidade. E eu estava ali, ao seu lado, para apoiá-la, como para sempre faria.

Eu e ela tivemos uma história. Mas não é uma história de amor. Histórias de amor acabam com finais felizes, e nós unicamente, simplesmente acabamos. Talvez algumas pessoas não nascem para o clichê, e suas vidas se resumem a erros e tropeços, enquanto lutam para manter pessoas únicas junto a elas. Eu falhei, mas nossa história se mantém, porque é isso que acontece. O livro irá se fechar e, no final, ela diria “sim” para um outro alguém, e, em algum dia, no futuro, ela irá se lembrar de mim, e das primaveras, e dos segredos, e das cicatrizes. E eu saberei que valeu a pena cada segundo que passei ao seu lado vivendo um conto de fadas, mesmo que nosso amor seja um tipo conturbado dele.

Hinata sempre foi peculiar mesmo. O usual apenas não combinaria com ela.


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