Aquela locadora da Rua Cranbourn escrita por Trauma
Passei alguns dos segundos mais longos da minha vida ali, olhando pra ela. Após um tempo, ela desistiu de prender o riso e soltou uma gargalhada deliciosa. Bateu sobre o meu ombro e sorriu.
— Bobo!
— QUÊ?
— Olha pra essa minha cara de quem bate bife! – gritou, gargalhando e quase caindo da minha cadeira – Ai, Jesus, quase quebrei meu pezinho.
— Cê é ridícula! – gritei.
Ela continuou rindo e, aos poucos, foi se acalmando. Pegou um doce no balcão do caixa e o abriu, mordiscando-o. Aproximou-se de mim e o colocou na minha boca. Quase mordi seu dedo ao pegá-lo.
— Babacona.
— Ai, você devia ter visto sua cara!
— Perdemos metade de Mogli nessa sua palhaçadinha.
— Me desculpe, Baguera.
A sineta soou e um dos nossos clientes-padrão entrou na loja. Um adolescente com o rosto espinhento e oleoso, coçando o braço e entrando sem jeito, passando os dedinhos melados de cheetos e coisas mais nojentas pelas caixinhas de VHS.
— Garoto, todos sabemos o que você veio fazer aqui – resmungou Amanda, entediada – Vá logo pra sessão de pornô e não passe tanta vergonha.
Nosso cliente nos fitou assustado e correu para a sala que continha uma cortina preta e uma grande placa com escritas amarelas: “Adulto”.
— Você é péssima com clientes.
— Eles realmente acham que enganam alguém colocando o pornô dele entre Uma linda mulher e Pulp Fiction?!
— Pulp Fiction é incrível.
— Ah, é.
E começamos a conversar sobre filmes, nos esquecendo completamente do rapaz dos filmes adultos. Ela era tão culta e tão engraçada e conhecia tanto sobre cinemas. Às vezes eu simplesmente esquecia que ela era uma moça e não um dos caras, de tão bem que ela conversava. Era diferente das meninas da escola, que riam de tudo o que eu falava porque eu era bonitinho. De vez em quando, Amanda batia no meu ombro e falava “Mas que merda, hein?” das minhas piadas. E eu estava adorando isso.
— Er... Eu vou levar esses aqui – disse o garoto, jogando em cima do balcão uma pilha de pornôs – E um Snickers.
— Tenha um bom sábado! – gritou Amanda, apoiando-se em meus ombros.
— Obrigado – gaguejou.
E saiu, sem jeito. A sineta da vergonha soou novamente e eu prendi o riso, me jogando incrédulo na cadeira. Ela riu e começou a colocar todos os rótulos dos produtos pra frente e limpou o balcão.
— Você é inacreditável.
— Você pode dizer que eu sou maravilhosa.
Piscou charmosa e levantou-se para trocar a fita no aparelho. Colocou outro desenho e se sentou mais uma vez ao meu lado. Sorriu.
— Eu gosto desse.
— É bem novo, né? – e ela assentiu – Eu adoro dinossauros.
— Eu também – comentou, aérea – Eu gostei da Zukie por isso.
— SIM! – gritei.
E começamos a conversar sobre como meu adorável bichinho de estimação era fantástico por se parecer com um dinossauro. No meio da nossa discussão, a sineta soou e os caras entraram, com feições sonolentas.
— Seus ridículos! – ela gritou, jogando uma caixa de tic-tac diretamente no rosto de Tom – Vocês estão muito atrasados.
— E você é muito chata.
Harry apertou a bochecha dela, que corou. Sentou-se do lado dela e aquele ruborzinho em suas bochechas muito me incomodou. Danny se sentou ao meu lado e riu baixinho, provavelmente da minha cara de imbecil.
— Você tá com ciúme dela, Poynter?
— Deixa de ser babaca.
— Você tá com ciúme dela, Poynter.
— Já disse pra deixar de ser babaca.
— Mas agora não foi uma pergunta.
E soltou aquela gargalhada infeliz dele. (N/A: Pelo bem de todas vocês, assistam a esse vídeo! https://www.youtube.com/watch?v=EGkd9FG6BKA) Amanda engajou numa conversa sobre dinossauros com Harry, que parecia pouco entusiasmado, mas dava atenção a ela e fazia alguns comentários que a faziam rir. Um cliente entrou com uma garotinha, que saiu pulando pelos corredores.
— Essa piveta vai quebrar tudo – resmungou Tom, amargurado.
— Cala a boca – bronqueou Amanda, beliscando sua perna – Quer ajuda pra escolher alguma coisa, meu bem?
E de repente lá estava ela, sendo a melhor babá de todos os tempos e ajudando a menina a escolher um filme, sem quebrar nada e ainda convenceu o pai dela a comprar um mercado inteirinho de doce pra ela. Encaramo-la, assustados.
— Nanny McPhee tá trabalhando aqui.
— Calem suas bocas e aumentem o volume.
O silêncio permaneceu até a hora do almoço, enquanto assistíamos a desenhos com a pequena sentada entre nós. Aí, o Al chegou. O dono daquela bodega.
— Boa tarde, garotos! – gritou, entusiasmado – Que é isso aí?
— Isso é a nova namoradinha do Dougie. Ou do Harry. Nós e ela não desistimos ainda.
— Mas o quê...?
— Eu vim aqui ontem e me chamaram pra voltar, senhor. Se não quiser que eu fique aqui atrás do balcão, me avisa que eu me recolho e vou embora.
— Ela conseguiu fazer um cara comprar metade do nosso estoque e doces e levou quatro desenhos pra filha. E acelerou os processos dos jovenzinhos punheteiros. A garota é ótima, ‘cê devia contratá-la.
— Mas eu já tenho quatro funcionários pra uma locadora minúscula.
— Divide o nosso salário com ela! – gritou Danny.
— Vocês são ridículos de altruístas. Eu posso trabalhar em troca de filmes, se for possível. Ou nem isso. Posso só ficar aqui fazendo companhia pros caras.
— Você está em período de experiência, senhorita...
— Amanda.
— Ótimo. Pode ficar. Eu gosto muito desses garotos pra negar qualquer pedido deles.
Al sorriu, verificou o que tinha de verificar e se sentou conosco para assistir a desenhos. Amanda atendeu quatro clientes maravilhosamente enquanto isso, e nosso chefe a encarou.
— Eu podia demitir esses quatro imprestáveis e deixar só você.
— Porque dois não trabalham em cada turno?
— Porque eles não se desgrudam, estas mariquinhas.
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