Hearts Of Sapphire escrita por Emmy Alden


Capítulo 42
¨f o r t y - o n e¨




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PART FOUR:

 

 

THE FORGOTTEN ONES

OS ESQUECIDOS

 

 

 

 


Corinna estava exausta ao entrar na carruagem que a levaria, juntamente com Marjorie, Laeni e Fearis, até a Sede da Ordem Esmeralda.

Laeni passaria apenas uma noite no local e, na manhã seguinte, voltaria para a Ordem Ônix; Corinna esperava continuar vendo-a com frequência mesmo depois de ter saído do Galpão e Examinadora garantiu que estaria com ela sempre antes dos confrontos.

Seus poucos pertences, que consistiam nas peças de roupa que seu pai lhe dera de presente — que a menina insistira em manter e que envolviam o adereço que Callandrea lhe entregara quando a Escolhida partiu de Fortuna — estavam sobre seu colo dentro de uma pequena bolsa que as Examinadoras arranjaram.

Athlin e o pai estavam na carruagem mais a frente.

O rapaz não pareceu muito contente em dividir o pequeno espaço com o antigo Governante, ainda que por alguns minutos, mas não se opôs.

A noite estava fria, mas estrelada. E o vento que entrava pela pequena janela esvoaçava os cabelos da Escolhida.

Na viagem, Corinna percebera que aquele tempo todo havia ficado bem próxima ao coração do Setor Superior. Enquanto passavam por armazéns impecáveis, restaurantes e até um grande teatro, uma construção enorme chamou sua atenção. Laeni o chamara de Salão dos Oito Tronos.

Era onde aconteciam algumas poucas reuniões de cunho político e julgamentos.

A Examinadora informou que o lugar já fora muito mais usado no passado, porém nos dias atuais, os Governantes preferiam que as reuniões fossem cada vez na sede de uma Ordem diferente.

Havia rumores de que alguns dos julgamentos que ocorreram ali deixaram uma aura obscura e pesada no lugar.

Corinna não duvidava.

Para chegar à Ordem Esmeralda, elas não precisariam passar por nenhuma outra Ordem, já que ela ficava ao norte do centro de Excelsior, enquanto Galpão ficava ao sul. Ainda assim, Laeni informou que cada Ordem era dividida por uma barreira mágica. Ninguém entrava sem autorização e, se alguém o fizesse, seria de imediato conhecimento do líder.

As estradas que levavam de um lugar ao outro eram livres, — assim como o Centro —mas as Ordens eram protegidas por magia.

Corinna sentiu dentro de si quando a carruagem adentrara o domínio Esmeralda.

Em muitos aspectos, lembrava Fortuna com seus lagos e florestas e pequenos grupos de moradias. Obviamente, caso Fortuna fosse agraciada pelos deuses com cuidados.

As casas eram pequenas e aconchegantes, mas ali também havia grandes casarões que Marjorie explicou, meio sonolenta, que geralmente eram propriedades ligadas à linhagem do Governante.

A Escolhida não conseguiu ver muita coisa com a maioria dos moradores já repousando, lampiões parcialmente acesos e os estabelecimentos fechados, mas imaginou que seria uma bela comunidade à luz do dia.

Quando o transporte começou a subir, Laeni anunciou que elas deviam estar bem perto e, quase que no mesmo instante, o movimento do transporte parou e lamparinas do lado de fora se acenderam, dando contorno a um portão imponente de ferro e oferecendo um vislumbre de uma mansão de dimensões gigantescas ao final de um longo caminho de pedras.

A menina não sabia porque estava surpresa com toda a imponência do local.

As casas dos deorum comuns pareciam ser melhor divididas, decoradas e elaboradas do que as dos humanos, mas ainda assim, deixava uma sensação que beirava a normalidade.

Corinna conseguia imaginar o mais rico do dos humanos morando em algo do tipo.

No entanto, os lugares onde os líderes das Ordens viviam, em especial os Governantes, eram de tirar o fôlego.

Lugares que nem nos sonhos mais ambiciosos, a jovem tivera coragem de imaginar.
Pelo visto, eram realmente mansões. Palácios.

Laeni tinha mostrado algumas representações deles enquanto a Escolhida estava no Galpão.

A Sede Esmeralda era mais como uma mansão.

Ficava no alto de uma colina, assim como a maioria das casas dos Governantes. Aquela em especial, pelo balanço da carruagem era formada com florestas densas e fechadas, com enormes rochas forradas por um tapete verde de folhas.

Ao notar que a finalmente haviam chegado, Marjorie se ajeitou no assento, animada e com um brilho nos olhos.

Ela trabalhava para a família de Athlin há algum tempo, e ele a ajudou quando ela resolveu sair de casa e virar Examinadora.

Era uma história parecida com a de Laeni, as duas eram as irmãs mais diferentes que Corinna já tinha visto, mas compartilharam a mesma luta para sair de casa.

Laeni era o braço direito do pai nos negócios antes do segundo casamento do pai e antes de Marjorie nascer, contudo quando exigiu um pouco mais de liberdade, praticamente foi trancafiada em casa e quase forçada a se casar.

Quando Marjorie cresceu, apesar de suas personalidades diferentes, ambas compartilhavam a vontade de liberdade e juntaram forças para ir "contra a família".
O pai, por sua vez, nunca encorajou a proximidade entre as duas, muito pelo contrário. O abismo que poucas vezes se erguia entre elas era em grande parte resultado da manipulação de anos dele.

As duas se ajudaram na emancipação, mas se aliaram a pessoas diferentes, Ordens diferentes. Enquanto Marjorie recebeu a ajuda de Athlin, Laeni recebeu a ajuda de Theodor, e ficaram afastadas por um certo período. Até aquele Sacrifício.

Ainda assim, a Escolhida era capaz de ver um certo alívio no rosto de Laeni enquanto vislumbrava o pai de Athlin descer do transporte, passar pelos portões sem nem olhar para trás.

— Não sei se aguentaria cinco segundos olhando para ele sem pular em seu pescoço. — murmurou apenas para que Corinna ouvisse.

O antigo Senhor Esmeralda, como dava para perceber, não era uma das pessoas mais agradáveis de se ter por perto.

A caçadora observou os portões se abrirem silenciosamente e pelo menos cinco funcionários da casa já esperavam do lado de fora. Auremio não se importou em reconhecê-los ou desejar boa noite quando se curvaram em profunda reverência. A falta de educação do mais velho se misturava com a sua incoerência alcoólica.

A porta da carruagem das meninas foi aberta e o próprio Athlin as auxiliava na saída.

Fearis, Laeni, Marjorie e então Corinna.

Os olhos dele brilhavam na penumbra como se fossem um fogo verde, analisando a Escolhida enquanto a ajudava.

Se conteve a respirar o ar que ela preenchera por poucos segundos com o seu perfume.
Estava a um passo de não conseguir convencer nem a si mesmo que sua intenção era somente amizade.

Marjorie liderou a caminhada cumprimentando os funcionários que se posicionavam em duas fileiras pararelas e cochichando com a irmã que parecia tudo menos impressionada.

Ainda assim, Laeni ouvia atentamente.

Athlin não devia se preocupar com ela reportando algo para seu Senhor, o próprio Theodor já devia ter um mapa mental bem definido das vezes que fora ali para uma reunião.

Os funcionários se curvaram para as irmãs e deram apenas um aceno de reconhecimento para Fearis que vinha logo atrás.

O Senhor Esmeralda imaginou como eles agiriam caso Corinna não estivesse com o braço entrelaçado no dele. Certamente não seria a demorada reverência que fizeram para ele.

— Boa noite. — cumprimentou recebendo um coro baixo de respostas.

Corinna parecia prestes a fazer o mesmo, mas desistiu no meio do caminho.

Ela não sabia nem porque tinha pensado sobre aquilo. Não era capaz de esquecer que era humana e de que, para a maioria ali, ela era apenas um inseto que se espantava para longe quando incomodasse demais.

A mansão se estendia na horizontal e, mesmo à noite, dava para perceber que era pintada com uma cor clara, quase branca, com detalhes verdes nas amplas janelas. A maior parte das luzes estavam apagadas, mas as que estavam acesas deixavam um pouco visível o interior opulento.

Na parede da fachada, tinha um painel estreito com vários animais entalhados no mármore.

O pequeno grupo subiu os degraus com os empregados logo os rodeando e seguindo em frente para abrir a porta envernizada onde bem no centro tinha uma aldrava em formato de uma cabeça de leão.

Ao passarem pela soleira, a Escolhida observava com admiração tudo ao redor. Estava tão entregue à observação que só notou que o Senhor Esmeralda se inclinara em sua direção quando sua voz se tornou um sopro na lateral do seu rosto:

— Bem-vinda à Ordem Esmeralda, senhorita Lestat.

Fearis já tinha se recolhido para o quarto ao lado ao de Corinna, Marjorie estava no aposento reservado a ela cada vez que ficava na Mansão Esmeralda e Laeni dividiria a cama com a Escolhida.

A Examinadora insistira para usar um colchão, mas quando a caçadora vira sua enorme cama pela primeira vez — além de praticamente sentir seu corpo ronronar só de pensar em deitar ali — ficou óbvio que poderia dividir com pelo menos mais umas duas pessoas, sem contar com ela mesma.

— Tem certeza que vai voltar para Ordem Ônix? — Corinna perguntou quando as duas se acomodaram entre os travesseiros e lençóis depois de trocarem de roupa.

— Não quero nem pensar em todo o trabalho atrasado que enfrentarei ao chegar lá, mas sim, tenho certeza. — Laeni soltou um ruído de cansaço como se só de lembrar das tarefas já era um grande desgaste. — Além do mais, creio que não ficaria muito confortável por aqui. Exceto pelas camas.

Ambas deram risinhos. Mas então a Escolhida focou no que a deorum tinha dito antes:
— Ônix e Esmeralda têm... desavenças?

Laeni respirou fundo:

— Não, não de certa forma. Como pode ver os deorum têm muitas divisões entre si. — A Examinadora gesticulou. — Alguém de uma Ordem precisa ter permissão para entrar em outra. Algumas Ordens têm relações mais tensas umas com as outras. Em certos casos, quando acontece uniões de Ordens distintas, se a relação entre elas forem um pouco antagonistas, dependendo de onde o casal for morar, a Conversão de uma das partes tem que ser completa. Ou seja, a pessoa será destituída de seus poderes de nascença, costumes e até cultura. Caso contrário, a união não é permitida.

— Uau. Isso é uma prova de amor e tanto, não?

A Examinadora estalou a língua:

— Ahn... Acho que não. Além disso, a maioria dos casamentos são arranjados, com o único propósito de beneficiar as duas famílias. — A garota acrescentou com uma voz mais baixa. — Às vezes, só uma.

Corinna não insistiu. Sabia que a menina já tinha estado naquela posição de quase ser entregue como uma mercadoria para alguém que ela não queria.

— Enfim, como eu estava prestes a dizer, — Laeni se virou para a Escolhida com um pequeno sorriso. — O Setor Superior têm diversas divisões de acordo com os interesses. Se o assunto for político: Esmeralda, Rubi, Prata e Granada são aliados de um lado. Assim como Safira, Jade, Bronze e Diamante, do outro. E Ônix, Ametista e Ouro geralmente são neutros.

Corinna levantou uma sobrancelha.

— Não me olhe com essa cara como se eu fizesse parte de uma Ordem "em cima do muro". — Laeni repreendeu entre risos.

A Escolhida levantou a mão na altura dos ombros.

— Porém, para interesses territoriais ou de magia, as divisões são mais "borradas". Esmeralda, Jade e Bronze tem mais relação com a terra. Rubi e Granada, com o fogo. Safira e Prata, com a água. Ametista, Diamante e Ônix, com o ar. E, por fim, Ônix e Ouro são complementares, luz e escuridão.

— Não sabia que a Ordem Ônix tinha dois poderes. — Corinna disse tapando um bocejo.

— Não chega a ser um poder principal, mas ainda está lá. — A deorum examinava os dedos da mão. — Nosso mundo foi abençoado por Phebus com luz e por isso ela prevalece sobre a escuridão, mas, você sabe, sem as trevas, a luz não teria tanta importância assim.

— Você consegue conjurar escuridão? — a Escolhida estava deitada de lado com a cabeça apoiada na mão, olhando Laeni, suas pálpebras ficando pesadas.

A Examinadora levantou a mão, um pequeno fluxo de magia escura se entrelaçando em seus dedos que então começou a crescer até o lado da cama onde Laeni estava ficar na penumbra.

A própria magia de Corinna se retorceu dentro de si, não de forma agressiva, quase como se acariciasse seu interior, como se quisesse dizer que estava ali.

Pela primeira vez, aquilo no seu interior parecia ser algo bom.

Sonolenta, a caçadora se perguntou se Laeni tinha ideia que sua magia tinha ajudado a da menina a acordar ainda quando estavam em Fortuna.

Antes de afundar no sono, sussurrou:

— Não ouse ir embora sem se despedir.

 


Trevan viu quando o Escolhido de Theodor se misturou entre as cortinas e sumiu para a varanda.

Eram as mesmas em que Mattia tinha estado minutos antes, sua mente ingerindo qualquer que fosse o veneno que Rexta destilava pela boca.

Sabia que a Governante estava tramando algo. Soube desde o momento que a encontrou em sua casa casualmente conversando com a menina, usando a desculpa de esperá-lo para uma conversa que Trevan nem mesmo se lembrava sobre o que tinha sido.

Algum assunto fútil e banal que o Senhor Granada sabia que tinha sido trazido à tona para despistá-lo.

E conseguira, pelo menos até aquele momento em que Raleigh o avisou que Rexta pedira para conversar a sós com a Escolhida dele.

Observou de longe os olhos de Mattia se arregalarem, a cor do seu rosto empalidecer enquanto a Senhora Rubi tocava suas bochechas com uma demonstração patética de afeto. Patética demais até para o nível mais baixo da Governante.

Poderia ter ido lá e acabado com aquela cena, mas queria ver até onde a mulher iria. Talvez ela mesmo entregasse de bandeja o que ele estava procurando.

Além disso, Rexta era uma Governante e nunca, nunca, deixava alguém inferior a ela esquecer daquilo.

Quando a deorum se afastou da menina, Trevan pensou em ir imediatamente até ali. Pelos Céus, tinha até mesmo dado dois passos em sua direção quando interrompeu a si próprio.

Pareceria muito desesperado e carente aos olhos da garota — apesar daquele pensamento não ter conseguido pará-lo mais tarde naquela noite.

Ele esperou, bebeu e comeu mais um pouco até ver o rapaz indo ousadamente atrás da sua Escolhida.

Não estava tão surpreso. Percebia os olhares que ele lançava para Mattia desde o começo do Sacrifício, sempre que tinha uma oportunidade.

No fundo, Trevan sabia o que estava prestes a acontecer, mas, ainda assim, seu estômago apertou ao ver a cena.

Não ficou observando mais do que alguns segundos, embora fosse o suficiente.

Idah ainda passeava por seus pensamentos quase acusatória.

Trevan sem dúvidas ainda sentia pelo que aconteceu com a garota, mas não era como se não tivesse ficado com ela para se segurar, se manter distraído de algo maior. Algo que estava prestes a escorregar pelos seus dedos.

Parou de espiar entre as cortinas no mesmo instante que o pensamento vibrou em sua cabeça.

Ele não poderia deixar aquilo acontecer.

 


Mattia acordou um pouco confusa em sua cama.

Não lembrava do momento exato em que tinha ido deitar, mas aos poucos ia recordando-se da noite anterior.

A Cerimônia, Rexta — sua cabeça doía só de reconhecer a existência daquela conversa —, a volta para a Sede Granada...Trevan.

A menina paralisou na cama.

O beijo.

Tinha sido real?

Seus dedos foram aos lábios e deslizaram suavemente por todo o contorno de sua boca.
Fechou os olhos, mordendo o lábio inferior.

Foi real, pensou com um sorriso.

A firmeza do corpo dele contra o seu, as mãos quentes e largas contra sua pele, o perfume que parecia puxá-la para mais perto.

Não sabia como tinha ido tão de repente de beber um copo de água para beijar o seu Simpatizante, mas não poderia dizer que se arrependia e...

O sorriso sumiu de seu rosto.

Lembrou-se de Idah. De como Trevan parecia perturbado depois da morte da menina e até mesmo antes de beijá-la.

Talvez aquele nem fora um gesto com um significado real. Talvez ele só precisasse de algo para tirar a Escolhida que se foi da cabeça.

Poderia muito bem estar sendo usada.

Mattia bufou jogando as cobertas de lado. Ela ainda estava no vestido da noite anterior.
Sentando-se na cama, a menina respirou fundo apoiando as mãos no rosto. A lembrança do momento girando e girando em sua cabeça como se estivesse se esforçando para ser a única coisa ali.

A Escolhida levantou e começou a se despir, dobrando com cuidado o vestido e passando um robe em volta do corpo.

Estava prestes a tocar a sineta dos criados quando se lembrou de algo dentro da gaveta ao lado da cama.

Podia ser apenas impressão, mas seus passos pareciam mais pesados naquela direção, seu braço, mais rígido ao alcançar o puxador da gaveta.

Como uma coisa viva, o livro que Trevan lhe dera brilhava lá dentro, a pedra preciosa cintilando em sua glória.

Mattia passou a mão suavemente sobre a capa, os dedos explorando as extremidades e depressões do mineral, que se aquecia gradativamente sob seu toque.

Ela tirou o livro e testou seu peso em sua mão. Caminhou de volta para a cama.
Não tinha percebido que o livro era selado até tentar abri-lo pela primeira vez. A Escolhida forçou novamente, a gema pareceu se acender e um estalo anunciou o destravamento.

Uma fumaça vermelha intensa escorregava das páginas como se estivesse se libertando. O fluxo se enrolou no pulso da menina, subiu circundando seu pescoço, acariciando quase imperceptivelmente a sua bochecha e então explodiu sob seu olhar.

Mattia não via mais o seu aposento e sim uma série de rostos, cenas e paisagens que passavam tão rapidamente que a jovem não conseguia se concentrar em apenas uma, embora tentasse se ancorar em algo.

"Venha.", uma voz sussurrava aos seus ouvidos por cima dos sons embaralhados das cenas passando diante dos seus olhos. "Deixe fluir."

A menina visualizou de novo a magia vermelha intensa, naquele momento, se enrolando como uma trepadeira em seus braços, como se tentasse puxar alguma coisa de dentro dela.

Mattia resistiu e uma dor fina começou a preencher seus sentidos.

"Deixe fluir. Deixe fluir." a voz pedia urgente.

Num rompante de força, Mattia segurou firmemente as pontas do livro e o fechou, com o mesmo esforço de quem fecha uma porta de ferro emperrada.

A magia foi puxada para dentro das folhas novamente. O seu quarto estava de volta. A Granada voltara para o seu costumeiro cintilar normal.

A Escolhida guardou o livro.

Enquanto tentava normalizar as batidas do coração e ajustar sua visão, alguém soou à porta.

— Senhorita, está tudo bem? Se já estiver acordada, gostaríamos de saber se podemos preparar o seu banho.

 


Daquela vez, a reunião seria na Ordem Ouro.

O palacete de Alaric fazia jus à sua vaidade. Erguido como um farol num píer, ele se levantava como imensas barras de ouro coladas umas nas outras. Quando o sol atingia seu ponto máximo, refletia na ponta mais alta da estrutura e jogava raios de luz a alguns quilômetros em volta do local.

Era impressionante.

Marcando uma ocasião rara, nenhum dos Governantes estava atrasado.

Alaric recebeu todos na enorme varanda dos fundos. O piso laminado era tão bem encerado que dava para ver o próprio reflexo.

Grandes árvores cercavam e projetavam sombra em alguns pontos da mesa preparada para o encontro.

Uma bandeja de frutas maduras e suculentas cortava o móvel e o único barulho audível vinha dos poucos pássaros e das ondas quebrando nas pedras que sustentavam o palacete.

Alaric cumprimentou todos antes de se dirigir à cabeceira da mesa. Conway sentou-se do lado direito, o mais próximo possível da água e não parecia se incomodar com alguns respingos em sua túnica. Do lado esquerdo, Theodor criava uma barreira de ar para que o vento não passasse mais do que o necessário pela sacada do local.

— Não acho que ninguém precise ver o que há por baixo de suas vestes, Alaric. — o Senhor Ônix brincou quando o pegara encarando-o.

O Senhor Ouro apenas balançou a cabeça, mas tinha um pequeno sorriso de canto no rosto. Só Theodor conseguia fazer piadas com aquela tensão quase palpável naquele início de reunião.

Depois de Conway, vinha Clyne e Athlin. De Theo, vinha Sage e Rexta. Na outra ponta da mesa, estava Raina, por ser a mais velha — e a mais inconveniente, já que criara visivelmente um campo em volta de si que impedia que qualquer barulho ou cheiro chegasse até ela. Exceto as vozes dos que Governantes presentes.

Auremio estava de pé, esbravejando com um criado por não terem preparado um lugar para ele.

— Perdoe-me, Auremio. É minha culpa esse descuido. — Alaric interveio antes que o ex-Governante se transformasse em uma besta ali mesmo e atacasse o empregado. O Senhor Ouro ordenou que o rapaz, que praticamente tinha as pernas bambas, reparasse o erro.

— Não tínhamos como imaginar que um homem grande precisaria da presença do pai para tomar posições políticas. — Sage fermentou o clima acenando com a cabeça para Athlin, fazendo as bochechas do garoto ficarem vermelhas.

De raiva ou de vergonha, Alaric só poderia imaginar.

— Não estou aqui por Athlin, estou aqui para ficar a par do que acontece no nosso mundo.— Auremio disse com sua voz áspera. — É certo que estive presente nas decisões de Excelsior desde antes de você pensar em ser concebida, criança.

— Não preciso de ninguém para falar por mim, Sage. — a voz de Athlin, que por pouco não cortará a fala de Auremio, era contida em um claro contraste com o rosto enfurecido do pai para quem ele olhava em vez da Senhora Bronze.

Auremio apenas deu de ombros, como se as opiniões do seu filho, de fato, não passassem de palavras jogadas no vento.

Sage deu um risinho, como se afirmasse um ponto. O que era mesmo o caso.

— Claro que o garoto não precisa do pai, até já arranjou uma namoradinha humana sem ajuda dele. — Rexta comentou de uma forma que parecia que ela não queria ser ouvida, mas num tom que não deixasse ninguém confuso sobre o que dissera.

Era um claro ataque a Auremio, o que significava que as coisas entre a Trindade Ambiciosa — apelido dado por Theo — não andavam tão bem assim.

Alaric respirou fundo, se encostando na cadeira. Theodor, Sage e Raina fizeram o mesmo, essa última com uma expressão de que, se fosse possível, mataria a todos com um sopro.

Daquela vez, o Senhor Ouro teve certeza que o tom rubro das bochechas de Athlin era de raiva.

— Gostaria que não se referisse a ela nesse tom. — o Senhor Esmeralda disse entre dentes. — Não me recordo de ter alguma vez feito comentários sobre quantas camas de Escolhidos você esquenta a cada Sacrifício.

Um assovio baixo ressoou pela mesa — Alaric poderia apostar que veio de Sage — e Theodor se inclinou em sua direção.

— Me responda com sinceridade, — O Senhor Ônix sussurrou. — Por que temos peças e teatros quando podemos simplesmente colocar nós oito em qualquer sala e garantir entretenimento por um ano?

Alaric fez uma cara feia de brincadeira e Theodor riu.

— É um questionamento válido...— Sage murmurou cutucando o seu vizinho de assento.

Rexta parecia ter levado um tapa no rosto. Auremio parecia ter presenciado uma das poucas ocasiões de que seu filho lhe causara algum orgulho.

Apesar de não ser mais o deorum mais poderoso de Excelsior, a voz de Conway ainda conseguia fazer todos —mesmo entre os Governantes — tremerem um pouco.

— Vocês preferem que o resto de nós saia para que possam continuar essa discussão que não levará a lugar algum? — as ondas voltaram a ser o barulho sobressalente no local por alguns segundos, quase como se Conway as tivesse governando. — Ótimo. Acho que podemos começar.

Rexta apenas adotou a falsa posição submissa que sempre utilizava com Conway.

Nem uma mosca achava aquilo convincente, quem dirá o Senhor Safira, mas ela continuava tentando.

O que não era muito esperto da sua parte, se Alaric pudesse sugerir algo. Apesar de sua postura comandante, o breve histórico do Senhor Safira dizia que ele não parecia ser muito atraído por submissão.

Conway preferia os desafios.

Ou melhor, um único desafio. Um específico. Que se fora anos atrás.

 


O prazo da Profecia era o fim do Sacrifício.

Poucos pareciam saber daquilo — ou poucos pareciam se importar.

Início da Primavera. A estação do desabrochar.

Para Conway, a data parecia estar marcada com ferro em sua mente e encantada para nunca cicatrizar, já que de tempos parecia arder em seu cérebro.

Aquilo ocupava seus pensamentos mais do que as ameaças de ataque do Continente Sombrio.

Quer dizer, do atual recuo deles pelas águas.

Não fazia sentido. No começo do Sacrifício, eles pareciam se preparar para algo grandioso. Com seus barcos indo e vindo, cada vez chegando mais perto da fronteira com Excelsior, como se os estudassem. E esperassem o momento certo para atacar.

Há dias, nem um sinal de frota alguma em qualquer lugar perto da fronteira de Excelsior.

Talvez, quem quer que habitasse naquelas terras percebera que em breve o Setor Superior se desintegraria sozinho e que não valia a pena usar reforços e recursos para atacá-lo.

Talvez, no pior dos casos, eles tivessem desenvolvido alguma carta na manga e apenas aguardassem o momento certo.

Aguardar o momento certo.

Parecia que o mundo como um todo estava naquele estado de espera.

A ideia dos tônicos, como Conway já esperava, não havia sido muito bem sucedida.

A medida considerada certa deixara o Escolhido de Rexta na cama sem nenhuma novidade para contar. A medida clandestina tinha matado um Escolhido bem no meio da Arena.

Criar um exército de humanos fortificados era uma ideia ridícula.

O Senhor Safira sabia bem que esse não era nem de longe o querer de Rexta, Auremio e Raina, os inventores da solução.

Conway estava mais atento aos sinais. Silencioso e atento.

Thisbe garantira que a menina já estava entre eles, mas como procurar sem levantar suspeitas das três cobras com quem dividia o governo de Excelsior?

Ele se apegou aos detalhes.

Conway visitou o corpo de cada um dos Escolhidos caídos.

Foi ele que confirmou a morte do Escolhido de Selene por envenenamento através do tônico que seu Simpatizante lhe oferecera.

Foi ele que viu uma queimadura incomum — e camuflada — na Escolhida de Amara.

Foi ele também que sentiu o interior queimado do corpo do Escolhido de Fortuna...

A outra menina de Amara lutara com Albernaz no último confronto.

Mattia.

Por isso, quando a Senhora Rubi veio até ele com a "novidade", o Governante já imaginava de quem se tratava.

Só não imaginava que um episódio controverso do passado poderia mudar muito bem o foco da sua procura. Mas não tinha certeza que mudava seus sentimentos em relação àquilo.

Rexta olhara nos seus olhos antes de afirmar:

— Ela é minha. Ela é nossa.

 

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Notas finais do capítulo

AS COISAS TÃO FICANDO TENSAS....

como vocês estão? o que acharam do capítulo?

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