Cartas para Timóteo escrita por LC


Capítulo 3
A Cor




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A adstringência do sol invadindo meu rosto me mostrava o exato ponto ao objetivo a ser alcançado. A luz intensa me era convidativa, me aquecia e saudava, me tratava ao trono ao lado de minha mãe, me sugava todos os pensamentos depreciativos e me era um remédio natural: eu precisara dessa luz ao meu lado e precisava dela à escalpar e viver. A luz me alucinava e envolvia, me mostrava o caminho do amor percorrido e o desejo de mantê-lo, de tê-lo e cria-lo. Nada se cria, nada nasce apenas do desejo. O desejo cria a raiz, o desejo plana a criação, o desejo é a fome do alimento, do sumo e da sede. O desejo é o ódio e o desejo é real.

Eu não sabia quem ele era, mas sabia sua forma e procurava-o entre mares e avenidas sua existência, meu antídoto único e emergencial, que inocentemente busquei em cada um dos amantes que tive e nunca encontrei, nunca o atingi, o que me deixava cada vez mais próximo da morte interna, das almas de chumbo e das rachaduras que se estendem até o solo e suicidam-se em sonhos, nos impérios carregados pelo Velho Chico, sem a devida proteção de seus orixás.

Eu o buscava todos os dias de minha vida sem perceber, sem saber o que estava procurando. Mas agora era real e minha vida dependia disso, minha alma dependia disso e o cinismo me acolhia.

As certezas haviam apodrecido, os horizontes brancos perderam suas peroladas emoções e as salas estavam vazias, tudo estava no seu devido lugar, geometricamente posicionados e com incertezas expostas em cada lápide tomada, desenhadas à palma da mão com cada uma de suas rotas desgastadas, a partidas. O mundo é cruel e velho, mas não profano: não há almas que passem por aqui sem mentir? Sem enganar? Sem convencer-se que são felizes mesmo não tendo tudo que desejam? Sem definir o ponto do suficiente e claro?  Da ambição de sempre querer mais e desafiar a sí próprio por um objetivo sublime, transgrido.

Transgrido sem pudor, sem saber o quão de mim é conhecido, sem trapacear minhas inseguranças e incertezas, o mundo já me é preto e branco e minha única cor está na rota do viver e sentir – minha única rota exige esforço e cobra um alto preço de pedágio, um preço que não sou capaz de pagar, pois sou um mandrião incapaz de enxergar e sentir medo, o tempo me matou e eu não posso renascer, mesmo que já me sinta vivo, meu corpo desavém e me degenera.

A incapacidade de enxergar meu caminho de cor me existe e dissipa, me dissolve ao mar de óleo quente ao qual estou mergulhado, na sala vazia percebo que não há espíritos em meu apoio, não há qualquer sinal de apoio a minha insolência. Meu jeito de absorver tudo isso ainda não foi acoplado a sequências de passos, não há realidade em vista de meus olhos, somente a cor me fará enxergar novamente, mas seu caminho é inacessível a mim, me é proibido por Deus, me é oferecido ao diabo – e eu o dou a mão.

A cor sempre me esteve exposta, jogada e patente em meu dia, isolada e ávida, como um pássaro mentiroso que caminha a lugares desconhecidos. A cor me existe, mas não me pertence, não me abraça e não me acolhe. Pertence ao campo dos idealizados e sonhados, altos e quentes: que já nasceram, já ferveram e já foram comidos. O que esquentava ainda mais minha paixão e desejo à alcança-la, mas me é longe demais, me é impossível de conquista-la.

A cor me abstrai e me cativa, me mostra seu destino e este é o único que posso seguir, não há contornos ou outros caminhos: a estrada com cor é minha única opção, mas não posso escolhê-la, pois não possuo estrutura à prossegui-la, o que me reconhece um mero mortal cativado e ativo, solene a uma estrada jamais descrita em mapas e impossível de ser mostrada em letras e textos inteiros. A estrada com cor é meu funeral restrito – o caminho árduo e insensível até a morte íntima de meu coração...

 

Já dilacerado.


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